Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
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| Relator: | ELEONORA VIEGAS (VICE-PRESIDENTE) | ||
| Descritores: | CASSAÇÃO DA LICENÇA DE CONDUÇÃO INADMISSIBILIDADE DE RECURSO | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 05/28/2025 | ||
| Votação: | DECISÃO INDIVIDUAL | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Texto Parcial: | N | ||
| Meio Processual: | RECLAMAÇÃO | ||
| Decisão: | NÃO PROVIDA | ||
| Sumário: | I. Nos termos do artigo 73.º do Regime Geral das Contra-Ordenações, só são recorríveis para o Tribunal da Relação as decisões taxativamente previstas no seu n.º 1; II. A decisão administrativa de cassação do título de condução, prevista no art.º 148º do Código da Estrada, proferida num processo autónomo iniciado após a ocorrência da perda total de pontos atribuídos ao título de condução, não conhece de qualquer contraordenação, não sendo aplicada no seu âmbito qualquer sanção principal ou acessória. III. A decisão que conhece da impugnação judicial da decisão administrativa que ordene a cassação do título de condução, só é recorrível para o Tribunal da Relação se tiver sido proferida por mero despacho não obstante o recorrente se ter oposto a tal, ou no caso previsto no n.º2 do preceito, se o Tribunal da Relação, a requerimento do arguido ou do Ministério Público, aceitar o recurso da sentença por se afigurar manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito ou à promoção da uniformidade da jurisprudência. | ||
| Decisão Texto Parcial: | |||
| Decisão Texto Integral: | * I. Relatório AA veio reclamar, ao abrigo do art.º 405.º do CPP, do despacho que não admitiu, com fundamento na sua inadmissibilidade, o recurso que interpôs da sentença que julgou improcedente o recurso de impugnação e manteve a decisão da autoridade administrativa de cassação do título de condução titulado pelo recorrente. Alega, em síntese, que a cassação do título de condução constitui uma pena acessória que resulta da aplicação das penas principais, e que, face à ausência do julgamento com audição das testemunhas e da prova pericial requeridas, a decisão reclamada “não permite que o tribunal superior reaprecie a argumentação essencial do seu recurso, impedindo-o de fazer prova que teria certamente convencido o julgador da justeza da posição do reclamante”. Cumpre apreciar. * II. Fundamentação Da consulta dos autos resultam os seguintes factos com relevância para a decisão: 1. Por despacho de 13.01.2025 - proferido dessa forma sem oposição do Ministério Público ou do Recorrente - foi julgado improcedente o recurso de impugnação judicial apresentado pelo reclamante da decisão administrativa do Sub-director Regional dos Transportes Terrestres, no âmbito do processo de cassação n.º 06/2024/PC, no termo do qual foi determinada a cassação do seu título de condução com o n.º A-57 267; 2. Em 27.01.2025 o reclamante apresentou recurso do despacho; 3. Sobre o qual foi proferido o seguinte despacho (reclamado): “(…) O regime legal neste âmbito, admitindo o recurso judicial das decisões da autoridade administrativa para o tribunal de primeira instância, nos termos previstos nos artigos 59.º e 61.º do Regime Geral das Contra-ordenações, limita a possibilidade de recurso para o Tribunal da Relação das decisões proferidas pelos tribunais de primeira instância em resultado daquela impugnação da decisão administrativa. Assim, o artigo 73.º do Regime Geral das Contra-ordenações, elenca, taxativamente, as decisões do tribunal judicial de primeira instância das quais cabe recurso para o Tribunal da Relação, estipulando o seguinte: “1 - Pode recorrer-se para a Relação da sentença ou do despacho judicial proferidos nos termos do artigo 64.º quando: a) For aplicada ao arguido uma coima superior a (euro) 249,40; b) A condenação do arguido abranger sanções acessórias; c) O arguido for absolvido ou o processo for arquivado em casos em que a autoridade administrativa tenha aplicado uma coima superior a (euro) 249,40 ou em que tal coima tenha sido reclamada pelo Ministério Público; d) A impugnação judicial for rejeitada; e) O tribunal decidir através de despacho não obstante o recorrente se ter oposto a tal. 2 - Para além dos casos enunciados no número anterior, poderá a relação, a requerimento do arguido ou do Ministério Público, aceitar o recurso da sentença quando tal se afigure manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito ou à promoção da uniformidade da jurisprudência. 3 - Se a sentença ou o despacho recorrido são relativos a várias infrações ou a vários arguidos e se apenas quanto a alguma das infrações ou a algum dos arguidos se verificam os pressupostos necessários, o recurso subirá com esses limites”. Nestes termos, no âmbito do direito das contra-ordenações, e como escreve Paulo Pinto de Albuquerque,“no direito das contra-ordenações vigora o princípio da irrecorribilidade das decisões, só sendo recorríveis as decisões cuja impugnação esteja expressamente prevista” (cf. Comentário do RGCO à luz da CRP e da CEDH, ed. 2011, pág. 298). Ora isto significa que, no que se refere ao recurso das decisões judiciais proferidas em primeira instância para o Tribunal da Relação, o mesmo só é admissível nos casos expressamente previstos na lei, isto é, no artigo 73.º, do Regime Geral das Contra-ordenações. Do teor do citado normativo resulta que as situações em que é possível o recurso para o tribunal de 2.ª instância, reportam-se a critérios atinentes à dimensão da coima aplicada, à circunstância de haver lugar à aplicação de sanções acessórias, ou a incidências processuais relacionadas como a tramitação processual ao abrigo da qual a decisão do tribunal foi proferida; ou ainda quando essa admissibilidade seja imposta por motivos de manifesto interesse jurisprudencial. No caso vertente não está em causa, desde logo, qualquer das situações previstas nas alíneas a) e b) do referido artigo 73.º, isto é, a aplicação de uma coisa de valor superior a 249,40 € (duzentos e quarenta e nove euros e quarenta cêntimos) ou a aplicação de alguma sanção acessória ao Recorrente. Com efeito, a cassação do título de condução determinada pela SRTT ao abrigo do disposto no artigo 148.º, do Código da Estrada, não reveste a natureza jurídica de sanção acessória. A cassação do título de condução prevista no referido artigo 148.º, do Código da Estrada, constitui, outrossim, um efeito das penas aplicadas por ilícitos contra-ordenacionais ou criminais, ambos de natureza rodoviária, e que tenham determinado a perda total dos pontos atribuídos ao correspondente titular. Igualmente não se trata de um caso de absolvição do Requerente ou de arquivamento do processo (artigo 73.º, n.º 1, alínea c)), nem de uma situação em que a impugnação judicial haja sido rejeitada (artigo 73.º, n.º 1, alínea d)). Perscrutado o teor do processo, constata-se também que não estamos perante uma situação em que a decisão proferida por este Tribunal o foi através de despacho nos termos do artigo 64º do Regime Geral das Contra-ordenações apesar da oposição do Recorrente (artigo 73.º, n.º 1, alínea e)). Finalmente, o presente caso também não se reconduz à situação prevista no artigo 73.º, n.º 2, do Regime Geral das Contra-ordenações, pois nem sequer existe qualquer requerimento do requerente ou do Ministério Público, no sentido de ser de aceitar o recurso da sentença proferida por tal se afigurar manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito ou à promoção da uniformidade da jurisprudência. Assim, não se subsumindo a situação em apreço a qualquer das alíneas do artigo 73.º, n.ºs 1 e 2, do Regime Geral das Contra-ordenações, o recurso ora interposto não é admissível (neste sentido, veja-se, por todos, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 8/05/2024, processo n.º 263/23.3T8ARC.P1, disponível em www.diariodarepublica.pt). Pelo exposto, por legalmente inadmissível, não admito o recurso interposto pelo Recorrente AA da decisão proferida nestes autos e que mantém a decisão administrativa de cassação do título de condução de que o mesmo é titular (cf. artigo 73.º, do Regime Geral das Contra-ordenações, a contrario sensu). * De acordo com o art.º 73.º do Regime Geral das Contra-Ordenações (RGCO), pode recorrer-se para o Tribunal da Relação da sentença ou do despacho judicial proferidos nos termos do artigo 64.º quando: a) For aplicada ao arguido uma coima superior a (euro) 249,40; b) A condenação do arguido abranger sanções acessórias; c) O arguido for absolvido ou o processo for arquivado em casos em que a autoridade administrativa tenha aplicado uma coima superior a (euro) 249,40 ou em que tal coima tenha sido reclamada pelo Ministério Público; d) A impugnação judicial for rejeitada; e) O tribunal decidir através de despacho não obstante o recorrente se ter oposto a tal. No caso, o recurso da sentença de 13.01.2025 pela qual foi julgado improcedente o recurso de impugnação judicial da decisão administrativa do Sub-director Regional dos Transportes Terrestres, no âmbito do processo de cassação n.º 06/2024/PC, no termo do qual foi determinada a cassação do seu título de condução com o n.º A-57 267, não se enquadra em qualquer das alíneas do citado art.º 73.º do RGCO. Sustenta o reclamante que está em causa a condenação numa sanção acessória, que resulta da aplicação das penas principais. Sem razão, no entanto. A decisão administrativa de cassação do título de condução, prevista no art.º 148º do Código da Estrada (“sistema de pontos e cassação do título de condução”) não conhece de qualquer contraordenação, não sendo aplicada no seu âmbito qualquer “pena principal” ou acessória. A prática da contra-ordenação grave ou muito grave que determina a subtração de pontos no título de condução é objecto de processo(s) prévio(s), nos quais, para além da condenação numa coima, pode ser aplicada uma sanção acessória de inibição de conduzir. Nos termos do n.º 4, al. c) e n.º 10 do referido artigo, a cassação do título de condução é um efeito da subtração de pontos ao condutor, quando se encontrem subtraídos todos os pontos. É ordenada num processo autónomo, iniciado após a ocorrência da perda total de pontos atribuídos ao título de condução. Assim, não se integrando na previsão do n.º 1 do art.º 73.º do RGCO - e não tendo sido requerida a aceitação do recurso nos termos do n.º2, por se afigurar “manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito ou à promoção da uniformidade da jurisprudência” - a conclusão que se impõe é a de que a decisão não é susceptível de recurso para o Tribunal da Relação. Improcedendo, em consequência, a reclamação apresentada. * III. Decisão Pelo exposto, julgo a reclamação improcedente. Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC ( art.º 8º, n.º 9, do RCP e Tabela III anexa). Notifique. *** Lisboa, 28.05.2025 Eleonora Viegas (Vice-Presidente, com poderes delegados) |