Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
| ||
Relator: | ISABEL FONSECA | ||
Descritores: | INDEFERIMENTO LIMINAR MANIFESTA IMPROCEDÊNCIA ALIMENTOS PROVISÓRIOS CÔNJUGE | ||
![]() | ![]() | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 03/19/2013 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Parcial: | S | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PROCEDENTE | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário: | Instaurado procedimento cautelar de alimentos provisórios pelo cônjuge, por via do mecanismo a que alude o art. 399º do Cód. do Processo Civil, não pode o requerimento inicial ser indeferido por manifesta improcedência da acção, com fundamento na falta de invocação do “requisito do periculum in mora” se o requerente invoca que “recebe apenas a reforma mensal de 300€” para fazer face às despesas inerentes à vida quotidiana, para além dos demais factos alusivos à necessidade de alimentos e à possibilidade do requerido os prestar. (Sumário da Relatora) | ||
Decisão Texto Parcial: | Acordam os Juízes da 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Lisboa I. RELATÓRIO M intentou contra A a presente providência cautelar de alimentos provisórios pedindo que se condene o requerido a pagar à requerente a quantia de 1.150,00€ mensais a título de alimentos provisórios. Para fundamentar essa pretensão invoca, em síntese, que: A requerente e o requerido casaram um com o outro no dia 10 de Outubro de 1970. A partir de então a requerente e o requerido passaram a dormir, preparar e tomar refeições, receber familiares, amigos e visitas em comum na Estrada . Pelo menos a partir de Novembro de 2008 o requerido conheceu uma mulher de nome M , que o atraiu, passando a conviver com esta, passeando, tomando refeições em conjunto e praticando com ela relações sexuais. O que causou tristeza, desencanto e desgosto à requerente e determinou a ruptura do seu casamento com o requerido, razão pela qual a requerente saiu da casa de família. A requerente instaurou contra o requerido acção declarativa com processo especial de divórcio sem consentimento do outro cônjuge o qual, com o número .../10.7TMLSB, corre termos pela 2ª Secção do 1º Juízo do Tribunal de Família e Menores de Lisboa. A requerente não tem rendimentos que permitam satisfazer as suas necessidades básicas de alojamento, alimentação e vestuário. A requerente recebe apenas a reforma mensal de 300,00€. O requerido aufere não menos de 20.000,00€ mensais. Proferiu-se decisão, concluindo-se nos seguintes termos: “Por todo o exposto, por ausência de fundamento legal, indeferimos liminarmente a presente providência cautelar de alimentos provisórios, de harmonia com o disposto no art.234ª, n.º 1 do Código de Processo Civil. Custas processuais a cargo da Requerente - cfr. art. 446º do CPC. Notifique”. Não se conformando, a requerente apelou formulando as seguintes conclusões…) O requerido apresentou contra-alegações invocando, em síntese, que: (…) Cumpre apreciar. II. FUNDAMENTOS DE FACTO Releva o circunstancialismo supra indicado. III. FUNDAMENTOS DE DIREITO 1. Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pela apelante e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras – arts. 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do C.P.C. – salientando-se, no entanto, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito – art.º 664 do mesmo diploma. No caso, temos apenas que apreciar dos pressupostos do indeferimento liminar do requerimento inicial com fundamento em manifesta improcedência do pedido – art. 234º-A do C.P.C. 2. Começa por referir-se que não tem qualquer fundamento a argumentação exposta pelo recorrido quanto à inadmissibilidade desta Relação conhecer do objecto do recurso. Efectivamente, lendo as alegações da apelante facilmente se concluiu que esse articulado (motivação e conclusões) obedece aos requisitos a que alude o art. 685º-A, nºs 1 e 2 do C.P.C., não se vislumbrando como podia a apelante “fundamentar ou justificar com referência a qualquer tipo de prova que permitisse corroborar o seu entendimento” quando foi confrontada com uma decisão de indeferimento liminar, decisão que, pela sua própria natureza, obsta ao prosseguimento do processo, excluindo a fase da produção de prova. * O art. 234º-A, nº1 do C.P.C., impõe o indeferimento liminar da petição inicial quando “o pedido seja manifestamente improcedente”, isto é, quando a inviabilidade ou a inconcludência da pretensão formulada pelo autor se revele notória ou evidente em face dos fundamentos de facto e de direito invocados para a suportar. “Se o magistrado entende que a pretensão se apresenta em condições tais, que o seu malogro é fatal e inevitável, a fórmula que exprime com todo o rigor este juízo é a seguinte: a pretensão é manifestamente inviável” [ [1] ]. No caso, a 1ª instância fundamentou nestes termos o indeferimento: “Sem prejuízo da eventual procedência da acção definitiva, há que ter em consideração que a presente acção é uma acção de alimentos provisórios. Ora, como dependência da acção em que, principal ou acessoriamente, se peça a prestação de alimentos definitivos, pode o interessado requerer a fixação da quantia mensal que deva receber, a título de alimentos provisórios, enquanto não houver pagamento da primeira prestação definitiva (artº 399º nº 1 do Código de Processo Civil). No caso dos autos, a requerente e requerido encontram-se divorciados, tendo a obrigação de alimentos a natureza e conteúdo previstos nos artºs. 2016º e 2016º-A do Código Civil. Importará, ainda, ter sempre presente que na fixação dos alimentos (tudo o que é indispensável ao sustento, habitação e vestuário) se deve atender às possibilidades (“meios”) daquele que houver de prestá-los e à necessidade daquele que houver de recebê-los (artºs. 2003º nº 1 e 2004º nº 1 do Código Civil), devendo atender-se, igualmente, que cada cônjuge deve prover à sua subsistência, depois do divórcio (artº 2016º nº 1 do Código Civil). Impõe-se considerar que o conceito de alimentos provisórios não coincide inteiramente com o de alimentos definitivos. Os alimentos definitivos compreendem tudo quanto seja indispensável à satisfação das necessidades de sustento, habitação e vestuário, enquanto que os alimentos provisórios abarcam só aquilo que se mostre estritamente necessário para o efeito, isto é, o que seja necessário para suprir as necessidades elementares da vida e subsistência, dentro do padrão normal da pessoa credora, tendo em vista o seu “status” social (cf. Abrantes Geraldes in “Temas da Reforma do Processo Civil”, Vol. II, 3ª edição pg. 111). O artº 399º nº 2 do Código de Processo Civil esclarece que a prestação alimentícia deve ser fixada em atenção ao mínimo estritamente necessário para o sustento, habitação e vestuário do alimentado. Abrantes Geraldes (in “Temas da Reforma do Processo Civil”, Vol. II, 3ª edição pgs. 111 e 112), escreve que aos “alimentos provisórios presidem todos os interesses que é comum convocar quando se abordam os procedimentos cautelares” e destaca que a medida jurisdicional em causa “é daquelas que mais reflecte a necessidade de a ordem jurídica proteger, devida e antecipadamente, situações de risco, enquanto noutro campo (em sede de acção principal) se faz a discussão serena e a apreciação segura e definitiva da matéria em litígio”, interessando assegurar aos interessados os meios de subsistência básicos, funcionando os alimentos provisórios “como “primeiro socorro” prestado a quem, em função da idade, das condições físicas ou de circunstâncias de ordem económica ou familiar, se encontra numa situação de carência no que concerne à satisfação do que é essencial à condição humana”. Ora, da petição inicial retira-se que a requerente não formula um pedido de alimentos provisórios mas sim de alimentos definitivos (veja-se, aliás, que os factos que alega coincidem quase na integra com os factos alegados na acção principal), atento o valor reclamado e a matéria alegada. Aliás, a requerente na presente acção para fundamentar o pedido, para além de alegar os mesmos factos alegados na petição inicial, não alega quaisquer factos de onde se possa extrair o requisito do periculum in mora, o referido “primeiro socorro”, dado que não basta para tanto a alegação de que tem despesas superiores ao montante que recebe. Na verdade, na presente acção a requerente alega que aufere de pensão € 300 mensais, sendo que o requerido vive desafogadamente. Alega ainda que gasta cerca de € 600 mensais em alimentação, € 250 com vestuário, € 500 com atenções e prendas para os filhos e netos (sublinhado nosso), pagando ainda despesas (condomínio, aguas, gás) referentes a uma casa de habitação em Sesimbra na qual não habita, despesas com consumo de combustível, óleos, águas e reparações no montante médio mensal de € 435. Acrescenta, ainda, que paga € 100 de renda da casa onde habita e que, por sofrer de doenças crónicas graves, gasta uma média mensal em médicos, exames e medicamentos de € 220. Ou seja, claramente se alcança da matéria alegada e supra referida que a requerente, na presente providência cautelar, não pretende apenas ver assegurados os meios de subsistência básico. Pois que, ao invocar despesas de alimentação e presentes no valor de € 1100, bem como despesas com segunda habitação e combustível no valor de € 300, sem margem para dúvidas, poderemos afirmar que não pretende apenas o que é essencial à condição humana. Por estas razões, entende-se que o pedido deduzido, nos moldes em que o foi, é manifestamente improcedente”. Com o devido respeito, não pode aderir-se a esta argumentação. Vejamos. Os alimentos provisórios podem ser requeridos quer por via do procedimento cautelar especificado previsto nos arts. 399º a 402 do C.P.C. –, quer por via do incidente a que alude o art. 1407º, n.º7 do mesmo diploma, com as especificidades inerentes a cada um dos regimes. No caso, a requerente optou pelo primeiro desses mecanismos, devendo ter-se presente que: - o cônjuge ou ex- cônjuge está vinculado a prestar alimentos (art. 2009º, nº 1, alínea a) do Cód. Civil, diploma a que aludiremos quando não se fizer menção de origem) e qualquer dos cônjuges tem direito a alimentos independentemente do tipo de divórcio (art. 2016º, nº2, na redacção introduzida pela L. 61/08 de 31.10); - os alimentos serão proporcionados aos meios daquele que houver de prestá-los e à necessidade daquele que houver de recebê-los (art. 2004º, nº 1), incumbindo ao requerente o ónus de alegação e prova dos factos pertinentes, isto é, de que carece de alimentos, a respectiva medida e que o demandado os pode prestar (art. 342º, nº 1) Quanto ao tribunal, deve o juiz proceder à fixação de uma prestação provisória segundo o seu prudente arbítrio (art. 2007º, nº1) mas no condicionalismo a que alude o art. 399º, nº2 do C.P.C., isto é, em função do estritamente necessário para o sustento, habitação e vestuário do requerente. Está em causa, portanto, em sede de fixação provisória, ter em conta a satisfação das necessidades vitais e prementes do cônjuge requerente, acautelando-se a tutela de um interesse em situação de periculum in mora. Com estes parâmetros, perfunctoriamente delineados, tinha o Sr. Juiz condições para indeferir o requerimento inicial com fundamento em manifesta improcedência? A resposta tem de ser negativa. Os articulados das partes, tal como qualquer outra peça processual, devem ser interpretados ponderando as regras enunciadas nos arts. 236º e 238º do Cód. Civil. Ponderando o texto do requerimento inicial, não há qualquer dúvida sobre o sentido da pretensão da requerente, a saber, a fixação de uma prestação de alimentos a seu favor e a cargo do requerido, provisoriamente, como expressamente consta, nomeadamente, dos arts. 52º e 53º do requerimento inicial, bem como da formulação dada ao pedido. Não pode aceitar-se que o Sr. Juiz escreva que “da petição inicial retira-se que a requerente não formula um pedido de alimentos provisórios mas sim de alimentos definitivos” quando a requerente termina o seu requerimento nestes termos: “Nestes termos e nos mais de direito a requerente requer a V. Exª se digne julgar procedente o presente procedimento cautelar e, por via dele, condenar o requerido a pagar à requerente alimentos provisórios no montante de 1.150,00€ mensais com início no mês de Dezembro de 2012 e a pagar as custas do presente procedimento. Para tanto A requerente requer a V. Exª que, recebida esta petição em juízo, se digne designar dia e hora para o julgamento e ordenar a citação do requerido para a ele comparecer e contestar, querendo e então, o presente procedimento seguindo-se os demais termos legais” (sublinhado nosso). Ou seja, a requerente disse claramente o que pretendia e escolheu a forma de processo adequada, sendo que a leitura feita pelo tribunal não é consentânea com o texto vertido no requerimento inicial. Em sede de causa de pedir, a requerente invocou os factos alusivos à necessidade – como decorre, nomeadamente, dos arts. 17º a 39º do requerimento inicial –, bem como à possibilidade do requerido os prestar – arts. 40º a 46º. Quanto à similitude entre os factos aqui narrados e os enunciados na petição inicial da acção definitiva, não pode surpreender essa constatação porquanto a matéria a apreciar é a mesma, ainda que com diferente amplitude e delimitação temporal, atentos os requisitos específicos dos procedimentos cautelares. Em todo o caso, em ambas as acções tem a requerente que invocar os factos subsumíveis à sua necessidade de alimentos e à possibilidade do requerido os prestar. Quanto à exigência de alegação de factualidade integradora do periculum in mora, bastamo-nos com a invocação de que a requerente aufere como único rendimento uma pensão de reforma de 300,00€: a exiguidade desse valor – que chega a ser inferior àquele que o legislador fixou para o RMN (485,00€), sendo que este, como é unanimemente reconhecido, se situa já no estrito limiar de sobrevivência –, afasta o raciocínio expendido na decisão, de que “não basta para tanto a alegação de que tem despesas superiores ao montante que recebe”. Contrapõe o apelado que “o Tribunal podia ter indeferido liminarmente o pedido, (artigo 234.º-A do C.P.C.) como fez na sentença proferida, tendo fundamentado tal decisão com a apreciação da matéria de facto constante dos autos, apurada à luz de juízos de verosimilhança, normalidade e de probabilidade”. Como já se referiu, não se percebe o sentido desta alegação porquanto a 1ª instância não procedeu a qualquer apreciação probatória incidindo sobre elementos contantes dos autos e respeitantes à matéria de facto, aliás decorre da decisão que o Sr. Juiz se absteve desse tipo de valoração. Em suma, nesta fase do processo, perante o conjunto de factos articulados no requerimento inicial, não podia o Sr. Juiz emitir o juízo valorativo que emitiu, impondo-se o prosseguimento da acção com vista à realização do julgamento nos termos do art. 400º, nº1 e só a final poderá a 1ª instância apreciar do mérito da pretensão formulada. É certo que a apelante evidencia um trem de vida claramente acima da média, causando alguma perplexidade algumas das despesas que invoca mas esse não é assunto que importe resolver nesta fase liminar, considerando o conjunto dos factos articulados no requerimento inicial e a concatenação entre eles, bem como a alegação de que a requerente, para viver, tem um rendimento de 300,00€ mensais e que, a partir de Janeiro de 2012 deixou de “ter dinheiro para fazer face a essas despesas”, recorrendo aos “empréstimos” a que alude no art. 38º. Como a apelante acertadamente refere, “se a requerente escreveu demasiado e se a requerente pediu demasiado o tribunal tem boa solução: corte-se o excesso e reduza-se a condenação” – se, obviamente, se verificarem os pressupostos para o decretamento da providência. Em face do exposto, mais não resta senão revogar a decisão recorrida. * * Conclusão: (…) * * Por todo o exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar procedente a apelação e, consequentemente, revogando a decisão proferida, determina-se o normal prosseguimento dos autos. Custas pelo apelado. Notifique. Lisboa, 19 de Março de 2013 Isabel Fonseca Eurico José Marques dos Reis Ana Grácio ---------------------------------------------------------------------------------------- [1] Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, vol. II, 3ª edição Reimpressão, Coimbra Editora, 1981, p. 378; Cfr. ainda Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 2ª edição Coimbra Editora, 2008, pp. 424 – 430. | ||
![]() | ![]() |
Decisão Texto Integral: |