Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1355/16.0T8TVD.3.L1-4
Relator: MARIA JOSÉ COSTA PINTO
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
PRESTAÇÃO SUPLEMENTAR PARA ASSISTÊNCIA DE TERCEIRA PESSOA
ACTUALIZAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/10/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: Sumário:
I – À actualização da prestação suplementar para assistência de terceira pessoa judicialmente fixada nos termos da Base XVIII da Lei n.º 2127 de 03 de Agosto de 1965 para reparar um acidente de trabalho sofrido em 22 de Junho de 1992, não logra aplicação o art. 54.º, n.º 4, da Lei n.º 58/2009, de 13 de Setembro, que apenas se aplica a acidentes de trabalho ocorridos pós 1 de Janeiro de 2010, mas o Decreto-Lei n.° 142/99, de 30 de Abril.
II – Irreleva para aquela actualização um juízo de inconstitucionalidade sobre a norma do artigo 54.º, n.º 4, da Lei n.º 58/2009, de 13 de Setembro.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa:
Ï
1. Relatório
1.1. Nos autos emergentes de acidente de trabalho, pendentes no Juízo do Trabalho de Torres Vedras, em que é entidade responsável a Fidelidade - Companhia de Seguros, S.A. e sinistrada AA, foi em 19 de Outubro de 1994 proferida sentença que condenou a seguradora a pagar à sinistrada uma pensão anual e vitalícia no valor de Esc. 667.008$00 (que agora equivale a € 3.327,00), e uma prestação suplementar no valor anual de Esc. 66.752$00 (correspondente a 25% do valor da pensão, que agora equivale a € 831,76), devida desde 17 de Agosto de 1993.
Esta sentença transitou em julgado.
Decorridos os regulares trâmites ao longo dos anos, veio a seguradora comunicar o valor da actualização de tais prestações para os montantes de, respectivamente, € 6.005,45 e € 1.645,95, a partir de 01 de Janeiro de 2025.
Nessa sequência, o Digno Magistrado do Ministério Público emitiu a promoção de 06 de Abril de 2025, com o seguinte teor:
“Em conformidade com o previsto no art. 8.º do DL n.º 142/99 de 30.04. vi a comunicação da atualização da pensão de acidente de trabalho a cargo da Seguradora para o ano de 2025 que se encontra de acordo com a taxa de atualização de 2,60 % prevista na Portaria n.º 6-A/2025/1 de 6.01.
*
Relativamente à comunicação do valor de atualização da prestação suplementar de assistência de terceira pessoa afigura-se-nos que o valor ora transmitido pela Seguradora não considera a percentagem de 6,1% de aumento da remuneração mínima mensal garantida de 2024 para 2025 pelo que se promove a respetiva notificação para tal efeito.
Foi então proferido em 08 de Abril de 2025 o despacho agora sob recurso em que o Mmo. Juiz a quo exarou o seguinte:
“[…]
O Acórdão do TC n.º 380/2024 declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma do artigo 54.º, n.º 1, da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro, na medida em que permite que o limite máximo da prestação suplementar para assistência de terceira pessoa seja inferior ao valor da retribuição mínima mensal garantida, por violação do artigo 59.º, n.º 1, alínea f), da Constituição.
Por conseguinte, as atualizações que devem ser efetuadas a tal prestação não podem ser efetuadas em proporção inferior à proporção do aumento da RMMG.
Isso mesmo já havia também sido declarado pelo Tribunal Constitucional no Acórdão do TC n.º 610/2023 que julgou inconstitucional a norma resultante da interpretação do artigo 54.º, n.ºs 1 e 4, da Lei n.º 98/2009, na medida em que permite que a prestação suplementar para assistência a terceira pessoa tenha um limite máximo que pode ser inferior ao valor da retribuição mínima mensal garantida, e que a respetiva atualização anual seja também inferior à percentagem em que o for essa remuneração, por violação do artigo 59.º, n.º 1, alínea f), da Constituição da República Portuguesa.
Face ao exposto, uma vez que nos presentes a seguradora tem comunicado as atualizações da prestação suplementar por valor inferior ao que corresponde ao aumento da RMMG, determino que a mesma venha efetuar reformular o cálculo de todas as atualizações da prestação suplementar efetuadas até à presente data em conformidade com as alterações da RMMG, explicitando os respetivos períodos e os valores das atualizações.
Notifique.
[…]”
1.2. Notificada deste despacho, a seguradora veio do mesmo interpor recurso e terminou as respectivas alegações, com as seguintes conclusões:
“«1. A Entidade Responsável procedeu à atualização das pensões devidas bem assim como da prestação suplementar para ajuda de terceira pessoa, das quais fez prova.
2. Por via de incidente de atualização de pensão, foi determinada por despacho que “(…) as atualizações que devem ser efetuadas a tal prestação não podem ser efetuadas em proporção inferior à proporção do aumento da RMMG.”
3. Escuda-se o despacho pelo “declarado pelo Tribunal Constitucional no Acórdão do TC n.° 610/2023 que julgou inconstitucional a norma resultante da interpretação do artigo 54.°, n.°s 1 e 4, da Lei n.° 98/2009 na medida em que permite que a prestação suplementar para assistência a terceira pessoa tenha um limite máximo que pode ser inferior ao valor da retribuição mínima mensal garantida, e que a respetiva atualização anual seja também inferior à percentagem em que o for essa remuneração, por violação do artigo 59.°, n.° 1, alínea f), da Constituição da República Portuguesa.”
4. Assim o despacho recorrido , uma vez que nos presentes a seguradora tem comunicado as atualizações da prestação suplementar por valor inferior ao que corresponde ao aumento da RMMG, determinou que a ora Recorrente viesse reformular o cálculo de todas as atualizações da prestação suplementar efetuadas até à presente data em conformidade com as alterações da RMMG, explicitando os respetivos períodos e os valores das atualizações.
5. A pretensão da primeira instância, de que a prestação suplementar para ajuda de terceira pessoa deve ser atualizada de acordo com a decisão do mencionado Acórdão por virtude de um princípio interpretativo que lhe está subjacente, não merece acolhimento.
6. Primeiramente se diga que a disposição declarada inconstitucional pelo já referido Acórdão corresponde ao n.º 1 do art.º 54º da Lei 98/2009 e não qualquer disposição das leis anteriores que versavam sobre a prestação suplementar de assistência (doravante PSA).
7. O caso em apreço é regulado pela Lei 2127 de 3 de Junho de 1965, sendo-lhe aplicável, no tangente à PSA, a sua Base XVIII – que não sofreu qualquer declaração de inconstitucionalidade e tornaria, desde logo, ilegítima a pretensão pugnada pelo tribunal de Primeira Instância.
8. Mas além disto, sempre se diga que o art.º 282º da CRP, com a epígrafe «Efeitos da declaração de inconstitucionalidade ou de ilegalidade» dispõe que:
«1. A declaração de inconstitucionalidade ou de ilegalidade com força obrigatória geral produz efeitos desde a entrada em vigor da norma declarada inconstitucional ou ilegal e determina a repristinação das normas que ela, eventualmente, haja revogado.
2.Tratando-se, porém, de inconstitucionalidade ou de ilegalidade por infracção de norma constitucional ou legal posterior, a declaração só produz efeitos desde a entrada em vigor desta última.
3.Ficam ressalvados os casos julgados, salvo decisão em contrário do Tribunal Constitucional quando a norma respeitar a matéria penal, disciplinar ou de ilícito de mera ordenação social e for de conteúdo menos favorável ao arguido.
4.Quando a segurança jurídica, razões de equidade ou interesse público de excepcional relevo, que deverá ser fundamentado, o exigirem, poderá o Tribunal Constitucional fixar os efeitos da inconstitucionalidade ou da ilegalidade com alcance mais restritivo do que o previsto nos n.os 1 e 2.»
9. Assim, é a própria Constituição da República que, no nº 3 do seu artigo 282.º, ressalva os casos julgados, de modo a assegurar a intangibilidade de tais decisões pelos efeitos da declaração de inconstitucionalidade das suas normas, com força obrigatória geral.
10. Estamos perante a atualização das prestações fixadas em sentença, sentença essa transitada em julgado em 1994.
11. E esta sentença que não pode ser afectada pela decisão de inconstitucionalidade já aludida não só porque a lei e as normas aplicáveis ao caso não correspondem àquelas que foram declaradas inconstitucionais, mas também porque, ainda que o fossem, sempre estariam salvaguardados os casos julgados.
12. O que o Tribunal a quo pretende não é uma atualização da pensão, mas sim a modificação da decisão que fixou o montante da referida prestação ab initio, o qual tem vindo a ser atualizado ope legis anualmente.
13. Ainda que ao caso fosse aplicável a declaração de inconstitucionalidade (que não acontece face à data do acidente), com força obrigatória geral, do art.º 54 da Lei 98/2009, de 4 de setembro, esta nunca poderia modificar o conteúdo da decisão transitada em julgado.
14. O art.282º, n. º 3 da Constituição é taxativo no que concerne às decisões que são passíveis de ser modificadas após declaração de inconstitucionalidade, não se englobando as que tratamos no caso sub judice, ainda que este normativo lhe fosse aplicável.
15. Acresce que a viabilidade do despacho recorrido apenas seria possível através de uma interpretação legal e constitucional que violasse princípios dos mais caros ao Estado de Direito, como o da legalidade, boa-fé, confiança e segurança jurídica (artigo 2º da CRP).
16. O contrato de seguro é um negócio jurídico pelo qual o segurador e tomador acordam quanto à efetivação, pelo primeiro, de uma prestação, na condição de ocorrer a previsão de que depende o funcionamento da cobertura (o sinistro), mediante a contrapartida de um prémio devido pelo segundo (cfr. arts.1º e 51º do DL n.º 72/2008, atual regime do contrato de seguro).
17. Admitir o conteúdo do presente despacho não poderia deixar de constituir uma flagrante modificação das circunstâncias em que as partes acordaram na transferência da responsabilidade civil e na aceitação do risco, gravemente atentatória do equilíbrio alcançado entre prémio de seguro e risco, sendo o segurador chamado a responder por consequências não previstas, nem previsíveis.
18. A certeza e segurança do comércio jurídico seriam, assim, fortemente abaladas.
19. Termos em que deve considerar-se correta a atualização comunicada pela Seguradora aqui Recorrente, revogando-se o despacho recorrido, pois viola os os arts.2º e 282º, n.º 3 da C.R.P e os arts.1º e 51º do DL n.º 72/2008, atual regime do contrato de seguro.”
1.3. O Digno Magistrado do Ministério Público não apresentou contra-alegações.
1.4. O recurso foi admitido, com subida nos próprios.
Após admitir recurso, e em vista da fixação do valor da caução para fixar efeito suspensivo ao recurso, foi proferido em 15 de Maio de 2025 despacho em que o Mmo. Juiz a quo exarou o seguinte:
«[…]
Como se consignou no despacho recorrido, entende o tribunal que as atualizações que devem ser efetuadas a tal prestação não podem ser efetuadas em proporção inferior à proporção do aumento da RMMG, citando jurisprudência do Tribunal Constitucional que, não obstante se reporte a uma norma que não é aplicável ao acidente em apreço porquanto, sendo o mesmo anterior a 2010, não lhe é aplicável a Lei n.º 98/2009, de 04/09 (LAT), sustenta o entendimento de que as atualizações não podem ser inferiores à percentagem correspondente para as atualizações da RMMG, entendimento esse que por maioria de razão é válido para as prestações suplementares fixadas no âmbito da Lei n.º 100/97 e na ainda anterior Lei n.º 2127.
Face a tal entendimento, afigura-se que as atualizações relativas aos anos de 1994 e seguintes conduzirão a uma prestação, em 2025, no valor anual de €3.060,66, cfr. seguintes cálculos
PeríodoDiplomaValor RMMGVariaçãoVALOR ANUAL INICIAL
831,76 €
AtualizaçãoValor atualizado
1988DL n.º 411/87, de 31/12€ 135,67
01/01/1989 a 30/06/1989DL n.º 494/88, de 30/12€ 149,64
01/07/1989 a 31/12/1989DL n.º 242/89, de 04/08€ 157,12
1990DL n.º 41/90, de 07/02€ 174,58
1991DL n.º 14-B/91, de 09/01€ 200,02
1992DL n.º 50/92, de 09/04€ 221,97
1993DL n.º 124/93, de 16/04€ 236,43
1994DL n.º 79/94, de 09/03245,91 €4,010%33,35 €865,11 €
1995DL n.º 20/95 de 28/01259,37 €5,474%47,35 €912,46 €
1996DL n.º 21/96, de 19/03272,34 €5,001%45,63 €958,09 €
1997DL n.º 38/97, de 04/02282,82 €3,848%36,87 €994,96 €
1998DL n.º 35/98, de 18/02293,79 €3,879%38,59 €1.033,55 €
1999DL n.º 49/99, de 16/02305,76 €4,074%42,11 €1.075,66 €
2000DL n.º 573/99, de 30/12318,23 €4,078%43,87 €1.119,53 €
2001DL n.º 313/2000, de 2/12334,19 €5,015%56,15 €1.175,68 €
2002DL n.º 325/2001, de 17/12348,01 €4,135%48,62 €1.224,30 €
2003DL n.º 320-C/2002, de 30/12356,60 €2,468%30,22 €1.254,52 €
2004DL n.º 19/2004, de 20/01365,60 €2,524%31,66 €1.286,18 €
2005DL n.º 242/2004, de 31/12374,70 €2,489%32,01 €1.318,19 €
2006DLn.º 238/2005, de 30/12385,90 €2,989%39,40 €1.357,59 €
2007DL n.º 2/2007, de 03/01403,00 €4,431%60,16 €1.417,75 €
2008DL n.º 397/2007, de 31/12426,00 €5,707%80,91 €1.498,67 €
2009DL n.º 246/2008, de 18/12450,00 €5,634%84,43 €1.583,10 €
2010DL n.º 5/2010, de 15/01)475,00 €5,556%87,95 €1.671,05 €
01/01/2011 a 30/09/2014DL n.º 143/2010, de 31/12)485,00 €2,105%35,18 €1.706,23 €
01/10/2014 a 31/12/2015DL n.º 144/2014, de 30/09)505,00 €4,124%70,36 €1.776,59 €
2016DL n.º 254-A/2015, de 31/12)530,00 €4,950%87,95 €1.864,54 €
2017DL n.º 86-B/2016, de 29/12557,00 €5,094%94,99 €1.959,52 €
2018DL n.º 156/2017, de 28/12580,00 €4,129%80,91 €2.040,44 €
2019DL n.º 117/2018, de 27/12600,00 €3,448%70,36 €2.110,80 €
2020DL n.º 167/2019, de 21/11635,00 €5,833%123,13 €2.233,93 €
2021DL n.º 109-A/2020, de 31/12665,00 €4,724%105,54 €2.339,47 €
2022DL n.º 109-B/2021, de 07/12705,00 €6,015%140,72 €2.480,19 €
2023DL n.º 85-A/2022, de 22/12760,00 €7,801%193,49 €2.673,68 €
2024DL n.º 107/2023, de 17/11820,00 €7,895%211,08 €2.884,76 €
2025DL n.º 112/2024, de 19/12870,00 €6,098%175,90 €3.060,66 €
Desta forma, existirá uma diferença de €1.414,71 (€3.060,66 - €1.645,95) entre tal valor e o valor comunicado pela seguradora.
Assim sendo, multiplicando tal valor pela mesma taxa constante das tabelas práticas previstas na Portaria n.º 11/2000, de 13/01, que, por via do artigo 120º, n.º 1, do Código de Processo de Trabalho, servem para determinar o valor da causa relativo ás pensões, tendo em conta a atual idade do sinistrado, será de quantificar o valor do incidente e, consequentemente, da caução a prestar, pelo montante de €11.082,82 (€1.414,71 x 7,834), tendo em conta que, por ora, se desconhece o valor das eventuais diferenças que possam ser devidos relativos aos pagamento da prestação nos anos anteriores.
Face ao exposto:
1) Fixo o valor do incidente em €11.082,82 (onze mil oitenta e dois euros e oitenta e dois cêntimos);
2) Fixo o valor da caução para garantir o efeito suspensivo do recurso em €11.082,82 (onze mil oitenta e dois euros e oitenta e dois cêntimos), concedendo à recorrente o prazo de 10 dias para prestar caução por tal valor sob a forma de garantia bancária ou depósito autónomo de forma a assegurar o efeito suspensivo do recurso;
3) Determino que a recorrente proceda ao pagamento da taxa de justiça remanescente tendo em conta o valor da causa incidental agora fixado.
[…]»
Foi fixado efeito suspensivo ao recurso, uma vez prestada a caução judicialmente definida.
Colhidos os “vistos” e realizada a Conferência, cumpre decidir.
*
2. Objecto do recurso
Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente – artigo 684.º, n.º 3 e 685.º-A, n.º 1, do Código de Processo Civil aplicáveis “ex vi” do art. 1.º, n.º 2, alínea a) do Código de Processo do Trabalho – a questão essencial que se coloca à apreciação deste tribunal consiste em aferir se, como decidiu o despacho sob recurso, a seguradora deve “efetuar reformular o cálculo de todas as atualizações da prestação suplementar efetuadas até à presente data em conformidade com as alterações da RMMG, explicitando os respetivos períodos e os valores das atualizações” [sic.].
Para tanto, cabe aferir se é correcto o entendimento do Mmo. Juiz a quo no sentido de que as actualizações da prestação suplementar para ajuda de terceira pessoa não podem ser efectuadas em proporção inferior à proporção do aumento da retribuição mínima mensal garantida, entendimento que se deduz da notificação efectuada à seguradora (e bem, como se infere do despacho subsequente, proferido para fixar o valor da caução a prestar com vista ao efeito suspensivo do recurso).
A recorrente suscita ainda as sub-questões de saber:
- se a disposição considerada inconstitucional com força obrigatória geral pelo Tribunal Constitucional foi o artigo 54.º, n.º 1, da Lei n.º 98/2009 e não qualquer das disposições anteriores que versavam sobre a prestação suplementar para assistência de terceira pessoa;
- se o artigo 282.º da CRP ressalva o caso julgado da declaração de inconstitucionalidade e, no caso, estamos perante a actualização de prestações fixadas por sentença transitada em julgado em 1994;
- se o despacho recorrido viola os princípios da legalidade, boa fé, confiança e segurança jurídica.
*
3. Fundamentação de facto
Os factos relevantes para a decisão do recurso emergem do relatório que antecede.
Resulta ainda dos autos que:
Em 1 de Janeiro de 2013 a prestação suplementar para assistência de terceira pessoa foi actualizada para o valor de € 1.310,11 (2,9%) - fls. 66;
Em 1 de Janeiro de 2014 a prestação suplementar para assistência de terceira pessoa foi actualizada para o valor de € 1.315,35 (0,4%) - fls. 69;
Em 1 de Janeiro de 2016 a prestação suplementar para assistência de terceira pessoa foi actualizada para o valor de € 1.320,61 (0,4%) – fls. 74;
Em 1 de Janeiro de 2017 a prestação suplementar para assistência de terceira pessoa foi actualizada para o valor de € 1.327,22 (0,5%) – fls. 79;
Em 1 de Janeiro de 2018 a prestação suplementar para assistência de terceira pessoa foi actualizada para o valor de € 1.351,11 (1,8%) – fls. 83.
*
4. Fundamentação de direito
*
Estão em causa, na presente apelação, os termos da actualização para o ano de 2025 da prestação suplementar para assistência de terceira pessoa devida pela seguradora à sinistrada no ano de 2025 (com efeitos a 1 de Janeiro de 2025).
*
À data em que a sinistrada sofreu o acidente de trabalho objecto destes autos, 22 de Junho de 1992, estava em vigor a Lei n.° 2127, de 3 de Agosto de 1965, regulamentada pelo Decreto n.° 360/71, de 21 de Agosto.
A Lei n.º 2127, que promulgou as bases do regime jurídico dos acidentes de trabalho e doenças profissionais e à luz da qual foram fixadas à sinistrada as prestações devidas para a reparação do acidente, estabelecia na sua Base XVIII, sob a epígrafe “Prestação suplementar” que:
1. Se, em consequência da lesão resultante do acidente, a vítima não puder dispensar a assistência constante de terceira pessoa, terá direito a uma prestação suplementar não superior a 25 por cento do montante da pensão fixada.
2. Para o cálculo da prestação suplementar, não se atenderá à parte da pensão que exceda 80 por cento da retribuição-base.”
Segundo Carlos Alegre, esta prestação tem como objetivo, de algum modo, “compensar o acréscimo das despesas que efetua um sinistrado que, por motivo das lesões sofridas, não pode dispensar a assistência permanente de terceira pessoa1. A prestação suplementar para assistência de terceira pessoa tinha como valor máximo, no âmbito desta lei, o correspondente a 25 % do montante da pensão fixada (n.º 1), não se atendendo para o respetivo cálculo à parte da pensão que excedesse 80 por cento da retribuição-base (n.° 2).
Por seu turno a actualização das pensões devidas por acidente de trabalho ou doença profissional encontrava-se prevista no Decreto-Lei n.° 668/75, de 24 de Novembro2. Em conformidade com os princípios enunciados no Decreto-Lei n.° 668/75, a actualização abrangia as “pensões já estabelecidas em tribunal do trabalho”, sendo “automática e imediata” caso a responsabilidade estivesse “a cargo de entidade seguradora”, que deveria “fazer a correspondente comunicação ao tribunal do trabalho e competindo ao Ministério Público promover eventuais rectificações”. A promoção oficiosa da actualização pelo Ministério Público só tinha lugar quando a responsabilidade não estivesse a cargo de entidade seguradora – cfr. os artigos 3.º n.ºs 1, 2 e 3 do Decreto-Lei n.° 668/75.
A actualização da prestação suplementar para assistência de terceira pessoa não se encontrava expressamente prevista na lei.
Não obstante, do Despacho Normativo n.º 122/80, de 11 de Abril, que foi publicado em face das “dúvidas” que tinham vindo a surgir “acerca do alcance do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 668/75, de 24 de Novembro, que determina a actualização das pensões devidas por acidentes de trabalho ou por doenças profissionais, já estabelecidas em tribunal do trabalho”, veio “definir um critério uniforme a ser seguido nessas actualizações”, determinando que “[n]as actualizações de pensões previstas no artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 668/75, de 24 de Novembro, atender-se-á, de harmonia com o artigo 1.º do mesmo diploma, com as sucessivas redacções que lhe foram conferidas, a todos os aspectos contidos na Lei n.º 2127, de 3 de Agosto de 1965, e no Decreto n.º 360/71, de 21 de Agosto, quer revistam ou não carácter quantitativo”, daqui se retirando que a actualização das prestações complementares em causa era feita nos mesmos termos em que era feita a actualização das pensões.
As prestações devidas para reparar o acidente sub judice, como se pode constatar da douta sentença proferida em 19 de Outubro de 1994, transitada em julgado, foram fixadas em conformidade com o regime jurídico previsto na Lei n.º 2127, maxime a prestação suplementar para assistência de terceira pessoa, que observou o prescrito na respectiva Base XVIII.
*
A Lei n.° 100/97, de 13 de Setembro, que aprovou o subsequente regime jurídico dos acidentes de trabalho e das doenças profissionais e entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2000 veio por seu turno prever a prestação suplementar para assistência de terceira pessoa no seu artigo 19.º, nos seguintes termos:
“1 - Se, em consequência da lesão resultante do acidente, o sinistrado não puder dispensar a assistência constante de terceira pessoa, terá direito a uma prestação suplementar da pensão atribuída não superior ao montante da remuneração mínima mensal garantida para os trabalhadores do serviço doméstico.
2 - A prestação suplementar da pensão suspende-se sempre que se verifique o internamento do sinistrado em hospital, ou estabelecimento similar, por período de tempo superior a 30 dias e durante o tempo em que os custos corram por conta da entidade empregadora ou seguradora.
3 - É aplicável à prestação suplementar, com as devidas adaptações, o disposto no artigo 17.º, n.º 5, nos termos a regulamentar.”
Este regime manteve inalterado o pressuposto para a atribuição da prestação suplementar que constava já da Base XVIII da Lei n.º 2127, a saber, não poder o sinistrado, em consequência da lesão resultante do acidente, dispensar a assistência constante de terceira pessoa. Mas a Lei n.º 100/97 alterou o seu limite máximo, dispondo que o respetivo valor não poderia ser superior “ao montante da remuneração mínima mensal garantida para os trabalhadores do serviço doméstico”.
Por seu turno o artigo 48.° do Decreto-Lei n.º 143/99, de 30 de Abril, que procedeu à regulamentação desta Lei n.º100/97 no que respeita à reparação de danos emergentes de acidentes de trabalho, veio concretizar a previsão do n.° 3 do citado artigo 19.º estabelecendo que:
“1 - Sempre que a prestação suplementar prevista no artigo 19.º da lei se suspender nas condições previstas no n.º 2 do mesmo artigo, a entidade responsável deverá suportar os encargos inerentes à eventual resolução do contrato de trabalho estabelecido com a pessoa que presta assistência.
2 - Sempre que o médico assistente entender que o sinistrado não pode dispensar a assistência de uma terceira pessoa, ser-lhe-á atribuída, a partir do dia seguinte ao da alta, uma prestação suplementar provisória equivalente ao montante da remuneração mínima garantida para os trabalhadores do serviço doméstico.
3 - Os montantes pagos nos termos do número anterior serão considerados aquando da fixação final dos respectivos direitos.”
Assim, nestas situações de antecipação da atribuição da prestação suplementar para o dia seguinte ao da alta, a prestação provisória seria mesmo “equivalente ao montante da remuneração mínima garantida para os trabalhadores do serviço doméstico” (n.º1 do preceito).
A matéria da actualização das pensões no âmbito da vigência da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro veio a ser regulada pelo Decreto-Lei n.° 142/99, de 30 de Abril, do qual resulta que as pensões emergentes de acidente de trabalho continuaram a ser susceptíveis de actualização3.
O artigo 6º do Decreto-Lei n.° 142/99, sob a epígrafe “[a]ctualização anual” é o preceito que encima o capítulo deste diploma relativo à actualização de pensões.
De acordo com o n.º 1 do referido artigo 6º, na sua redacção inicial, “[a]s pensões de acidentes de trabalho serão anualmente actualizadas nos termos em que o forem as pensões do regime geral da segurança social”.
Posteriormente, de acordo com a redacção que lhe foi conferida pelo Decreto-Lei n.° 185/2007, de 10 de Maio, o artigo 6.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.° 142/99 passou a dispor que “[o] valor das pensões de acidentes de trabalho é actualizado anualmente com efeitos a 1 de Janeiro de cada ano”, tendo em conta os indicadores de referência previstos nas diversas alíneas desse n.º 1. De acordo com o n.º 4 do mesmo preceito, “[a] actualização anual das pensões consta de portaria conjunta dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e do trabalho e da solidariedade social”.
A actualização da prestação suplementar para assistência de terceira pessoa continuou a não estar prevista de modo autónomo, não lhe fazendo a lei qualquer referência4. Mas na alteração ao Decreto-Lei n.° 142/99 operada pelo Decreto-Lei n.° 185/2007, o respectivo artigo 1.º, n.º 1, alínea c), subalínea i), veio expressamente referir que ao Fundo de Acidentes de Trabalho, compete reembolsar as empresas de seguros dos montantes relativos às actualizações das pensões devidas por incapacidade permanente igual ou superior a 30% ou por morte, “bem como às actualizações da prestação suplementar por assistência de terceira pessoa, derivadas de acidentes de trabalho ou de acidentes em serviço”.
O que deixa bem claro que o diploma se reporta, também, às actualizações da prestação suplementar para assistência de terceira pessoa (em conformidade com as comunicações e actualizações a que procedeu a seguradora nos autos em 2013, 2014, 2016, 2017, 2018 e 2025).
*
Finalmente a Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro – que actualmente regulamenta o regime de reparação de acidentes de trabalho e de doenças profissionais, nos termos do artigo 284.º do Código do Trabalho e entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2010, aplicando-se aos acidentes verificados a partir de então (artigos 187.º e 188.º) –, revogou a Lei n.º 100/97 (artigo 186.º) e veio dispor no seu artigo 53.º que:
“Artigo 53.º
Prestação Suplementar para assistência a terceira pessoa”
1 - A prestação suplementar da pensão destina-se a compensar os encargos com assistência de terceira pessoa em face da situação de dependência em que se encontre ou venha a encontrar o sinistrado por incapacidade permanente para o trabalho, em consequência de lesão resultante de acidente.
2 - A atribuição da prestação suplementar depende de o sinistrado não poder, por si só, prover à satisfação das suas necessidades básicas diárias, carecendo de assistência permanente de terceira pessoa.
3 - O familiar do sinistrado que lhe preste assistência permanente é equiparado a terceira pessoa.
4 - Não pode ser considerada terceira pessoa quem se encontre igualmente carecido de autonomia para a realização dos atos básicos da vida diária.
5 - Para efeitos do n.º 2, são considerados, nomeadamente, os atos relativos a cuidados de higiene pessoal, alimentação e locomoção.
6 - A assistência pode ser assegurada através da participação sucessiva e conjugada de várias pessoas, incluindo a prestação no âmbito do apoio domiciliário, durante o período mínimo de seis horas diárias”.
E no subsequente artigo 54.º que
“Artigo 54.º
Montante da prestação Suplementar para assistência a terceira pessoa
“1 - A prestação suplementar da pensão prevista no artigo anterior é fixada em montante mensal e tem como limite máximo o valor de 1,1 IAS.
2 - Quando o médico assistente entender que o sinistrado não pode dispensar a assistência de uma terceira pessoa, deve ser-lhe atribuída, a partir do dia seguinte ao da alta e até ao momento da fixação da pensão definitiva, uma prestação suplementar provisória equivalente ao montante previsto no número anterior.
3 - Os montantes pagos nos termos do número anterior são considerados aquando da fixação final dos respetivos direitos.
4 - A prestação suplementar é anualmente atualizável na mesma percentagem em que o for o IAS.”
Este regime manteve igualmente inalterado o pressuposto para a atribuição da prestação suplementar que constava já da Base XVIII da Lei n.º 2127 e do 19.º, n.º 1, da Lei n.º 100/97 (não poder o sinistrado, em consequência da lesão resultante do acidente, dispensar a assistência constante de terceira pessoa), mas alterou mais uma vez o referencial para o seu limite máximo, que deixou de ser a retribuição mínima mensal garantida para o serviço doméstico5 passando a ser “o valor de 1,1 IAS”.
E no que concerne à actualização das prestações devidas no âmbito desta lei que, nos termos expressos dos seus artigos 187.º e 188.º, se aplica aos acidentes de trabalho ocorridos após 1 de Janeiro de 2010
A Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro revogou a Lei n.º 100/97 e o respectivo regulamento (Decreto-Lei n.° 143/99), mas não buliu com o Decreto-Lei n.º 142/99, de 30 de Abril, que não foi revogado (expressa ou tacitamente), nem tão pouco alterado para se adequar ao novo regime das prestações actualizáveis.
Assim, e quanto às pensões devidas por acidente de trabalho, é este diploma de 1999 que actualmente rege a sua actualização, incluindo quanto aos acidentes que se verificaram após 1 de Janeiro de 2010, data da entrada em vigor da Lei n.º 98/2009, na medida em que este diploma é omisso quanto ao regime de actualização das pensões.
Além de reger a actualização das pensões por acidentes que se verificaram após 1 de Janeiro de 2000 (data da entrada em vigor da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro) e após 1 de Janeiro de 2010 (data da entrada em vigor da Lei n.º 98/2009, atenta a omissão deste), o Decreto-Lei n.° 142/99 aplica-se também à actualização das pensões emergentes de acidente de trabalho anteriores a 1 de Janeiro de 2000, como constitui jurisprudência pacífica.
Com efeito, o Decreto-Lei n.° 142/99 não faz qualquer restrição temporal quanto à sua aplicabilidade pelo que, quanto ao mesmo, vale de pleno o regime plasmado no artigo 12.º, n.º 2, do Código Civil, segundo o qual quando a lei dispuser directamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhes deram origem, como a nosso ver se verifica com a actualização de pensões, “entender-se-á que a lei abrange as próprias relações já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor”.
Na palavra do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2010.03.036, o artigo 6.º do Decreto-Lei n.° 142/99, de 30 de Abril, ao referir-se à matéria da actualização das pensões, versa sobre o conteúdo da relação jurídica obrigacional respeitante à pensão, abstraindo do concreto acidente de trabalho a que respeita e do regime legal que regulou, pelo que, “consubstanciando as pensões devidas em razão de acidente de trabalho obrigações que perduram no tempo, a lei nova que venha a dispor acerca da sua actualização, na medida em que vai reger directamente sobre o seu conteúdo, é-lhes aplicável, a menos que disponha em sentido diverso” (cfr. o artigo 12.º do Código Civil).
Já no que diz respeito à actualização das prestações suplementares para assistência de terceira pessoa, o regime emergente do Decreto-Lei n.º 142/99 foi substituído pelo regime do artigo 54.º, n.º 4, da LAT de 2009, que veio estabelecer uma disciplina própria para a actualização da prestação suplementar para assistência de terceira pessoa ao estabelecer que “[a] prestação suplementar é anualmente actualizável na mesma percentagem em que o for o IAS”.
Esta norma que estabelece um novo regime de actualização, por opção do diploma, não rege sobre o conteúdo das relações anteriores que subsistam, na medida em que a Lei n.º 98/2009 expressamente estabelece que se aplica aos acidentes de trabalho ocorridos após 1 de Janeiro de 2010, o que exclui da sua aplicabilidade as prestações emergentes de acidentes anteriores e constitui um “sentido diverso” do que resultaria do disposto no artigo 12.º do Código Civil.
O regime do artigo 54.º, n.º 4, da LAT de 2009 apenas se aplica, pois, às prestações devidas pelos acidentes de trabalho ocorridos após 1 de Janeiro de 2010, já que apenas a estes se aplica a Lei n.º 98/2009, tal como resulta dos artigos 187.º e 188.º da lei 7.
O que, a nosso ver, veda que se aplique a Lei n.º 98/2009 às actualizações das prestações suplementares para assistência de terceira pessoa relativas a acidente de trabalho ocorridos em data anterior a 1 de Janeiro de 2010.
Assim, o regime do Decreto-Lei n.° 142/99 continua a aplicar-se:
• à actualização das prestações suplementares para assistência de terceira pessoa relativas a acidente de trabalho ocorridos em data anterior à vigência da Lei n.º 98/2009 e
• à actualização de todas as pensões relativas a acidentes de trabalho ocorridos antes, e depois, da vigência da Lei n.º 98/2009.
Em conformidade com esta larga abrangência do diploma, o legislador continuou a emitir anualmente as Portarias previstas no n.º 4, do seu artigo 6.º.
Especificamente para o ano de 2025 (que está em causa neste recurso), está em vigor a Portaria n.º 6-A/2025, de 6 de Janeiro, conforme publicado no Diário da República, que, referindo serem as pensões por incapacidade permanente e por morte resultantes de acidente de trabalho “atualizadas, anualmente, nos termos do disposto no artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 142/99, de 30 de abril” (como expressamente consta do seu preâmbulo), procede à atualização anual das pensões de acidentes de trabalho para o ano de 2025 (artigo 1.º), prescrevendo que as pensões de acidentes de trabalho “são atualizadas para o valor resultante da aplicação da percentagem de aumento de 2,60 %” (artigo 2.º), com efeitos a 01 de Janeiro de 2025 (artigo 4.º).
*
Aqui chegados, e expostos os regimes sucessivos da fixação inicial da prestação suplementar para assistência de terceira pessoa e das suas actualizações, cabe extrair as devidas consequências para o caso vertente.
Ao acidente sub judice, ocorrido em 22 de Junho de 1992, aplicou-se, sucessivamente, o regime da actualização de pensões e de prestações suplementares para assistência de terceira pessoa previsto no Decreto-Lei n.° 668/75, de 24 de Novembro e no Decreto-Lei n.° 142/99.
O Decreto-Lei n.° 142/99 não faz qualquer restrição temporal quanto à sua aplicabilidade, ao invés do que sucede com os artigos 187.º e 188.º da Lei n.º 98/2009, em que se insere o actual regime previsto no art 54.º, n.º 4 do diploma.
Temos, pois, como certo, que a actualização da prestação suplementar para assistência de terceira pessoa devida em virtude do acidente de trabalho sub judice, ocorrido em 22 de Junho de 1992, se rege pelo Decreto-Lei n.° 142/99, não se lhe aplicando o regime previsto no artigo 54.º, n.º 4, da Lei n.º 98/2009, por este diploma restringir expressamente a sua aplicabilidade aos acidentes ocorridos após 1 de Janeiro de 2010, nos termos dos respectivos artigos 187.º e 188.º.
*
Vejamos a este passo se a recente jurisprudência do Tribunal Constitucional, invocada no despacho sob recurso, tem implicações no caso sub judice e, particularmente, se justifica que à seguradora se determine que seja notificada para reformular o cálculo de todas as actualizações da prestação suplementar efetuadas até à presente data em conformidade com as alterações da retribuição mínima mensal garantida, explicitando os respetivos períodos e os valores das atualizações.
No seu Acórdão n.º 380/2004, o Tribunal Constitucional declarou “a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma do artigo 54.º, n.º 1, da Lei 98/2009, de 4 de setembro, na medida em que permite que o limite máximo da prestação suplementar para assistência de terceira pessoa seja inferior ao valor da retribuição mínima mensal garantida”.
Afirma-se neste Acórdão que a atribuição da prestação prevista no artigo 53.º da Lei n.º 98/2009 visa compensar a despesa adicional gerada pelo recurso à assistência de uma terceira pessoa, de que o sinistrado passou a depender “na medida inerente à perda da capacidade de prover, por si só, à satisfação das suas necessidades básicas diárias, designadamente de prestar a si próprio os cuidados de higiene, alimentação e locomoção necessários” e “tem a função de obviar a que o valor da pensão seja desviado para aquele fim e nele se consuma ou até mesmo esgote”.
Segundo ficou exarado no indicado aresto:
Na ausência de uma prestação suplementar como a que se encontra prevista no artigo 53.º do RAT, o sinistrado que, em consequência do acidente, se confrontasse simultaneamente com a ablação da sua plena capacidade de ganho e a perda da autonomia funcional indispensável à satisfação das suas necessidades básicas diárias ver-se-ia obrigado a alocar pelo menos parte do valor da pensão à contratação da assistência requerida pela superação desta situação de dependência, com consequente e simétrica depreciação da compensação pela perda do vencimento que aquela visa representar. Nestas situações, pode mesmo dizer-se que a pensão apenas constituirá um mecanismo de efetiva reintegração da concreta capacidade de ganho do trabalhador sinistrado se e na medida em que o custo inerente à superação do estado de dependência em que o acidente o colocou se encontre acautelado por outra via. Ou, por outras palavras, que a atribuição da PSATP constitui, em tal circunstância, uma condição indispensável para que a pensão possa funcionar como um real sucedâneo da contribuição antes representada pelo vencimento do sinistrado e, neste sentido, como uma garantia efetiva da sua subsistência” (ponto 12. do acórdão).
O Tribunal Constitucional concluiu assim que a prestação suplementar para assistência de terceira pessoa integra o conteúdo do direito consagrado no artigo 59.º, n.º 1, alínea f), da Constituição, nos termos do qual todos os trabalhadores, sem distinção de idade, sexo, raça, cidadania, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, têm direito “[a] assistência e justa reparação, quando vítimas de acidente de trabalho ou de doença profissional”.
E, analisando os regimes constantes da Lei n.º 100/97 (em que o valor da prestação suplementar tinha com limite máximo o montante da retribuição mínima mensal garantida) e da Lei n.º 98/2009 (que estabelece como limite máximo do valor da prestação o correspondente de 1,1 IAS), bem como confrontando os valores que, desde a entrada em vigor da Lei n.º 98/2009, foram correspondendo a 1,1 IAS e à retribuição mínima mensal garantida, constatou “que os primeiros se situam consideravelmente aquém dos segundos” e concluiu que este retrocesso, apesar de por si só não acarretar um juízo de inconstitucionalidade, afectou indevidamente o próprio direito à justa reparação dos trabalhadores quando vítimas de acidente de trabalho.
O aresto dá nota, logo após, que o Tribunal Constitucional vem respondendo positivamente à questão de saber se nesse retrocesso foi indevidamente afetado o próprio direito previsto no artigo 59.º, alínea f) da CRP, em todos os casos em que foi chamado a pronunciar-se sobre a conformidade constitucional da norma constante do n.º 1 do artigo 54. º da Lei n.º 98/2009, na medida em que esta «permite que o limite máximo da prestação suplementar para assistência de terceira pessoa seja inferior ao valor da retribuição mínima mensal garantida», por tal solução fragilizar a posição jurídica do trabalhador vítima de acidente laboral em termos incompatíveis com o acesso a uma reparação que possa ser considerada justa, nos termos impostos pela Constituição.
E concluiu o seguinte:
“Como notado u[m]a vez mais no Acórdão n.º 151/2022, nos casos em que, em consequência da lesão em que se materializou o risco inerente à prestação laboral, o trabalhador se vê simultaneamente confrontado com supressão da sua plena capacidade de ganho e a perda da autonomia funcional necessária à satisfação das necessidades básicas diárias, a efetivação do direito à justa reparação a que alude a alínea f) do n.º 1 do artigo 59.º da Constituição não pode deixar de pressupor a atribuição de uma prestação suplementar da pensão em valor congruente com a necessidade de contratação da assistência de terceira pessoa. Congruência essa que obriga a que aquele limite máximo, a existir, leve em conta não menos do que o valor da retribuição mínima mensal garantida praticada no mercado de trabalho — isto é, aquele com que o sinistrado terá, ele próprio, de assegurar sempre que a situação de dependência originada pela lesão resultante de acidente de trabalho exija a assistência permanente de terceira pessoa durante oito horas diárias (artigo 203.º, n.º 1, do Código de Trabalho). É esse o referencial pressuposto pelo direito à justa reparação em caso de acidente de trabalho, conclusão especialmente evidente se não se perder de vista que o limite máximo da pensão suplementar tenderá a ser atingido apenas nos casos mais graves, graduando-se em sentido inverso o restante universo de casos (cf. supra, o n.º 9).
Resta assim concluir, uma vez mais, que a norma sindicada é incompatível com o que dispõe o artigo 59.º, n.º 1, alínea f), da Lei Fundamental e, nessa medida, declará-la inconstitucional nos termos previstos no n.º 3 do artigo 281.º da Constituição.
Vindo no seu dispositivo a declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral “da norma do artigo 54.º, n.º 1, da Lei 98/2009, de 4 de setembro, na medida em que permite que o limite máximo da prestação suplementar para assistência de terceira pessoa seja inferior ao valor da retribuição mínima mensal garantida.”.
É de notar, como o faz a recorrente, que no seu Acórdão n.º 380/2024, o Tribunal Constitucional não declarou a inconstitucionalidade com força obrigatória geral da norma do n.º 4, do artigo 54.º, da Lei n.º 98/2009, que incide sobre a actualização da prestação suplementar para assistência de terceira pessoa (a qual pressupõe fixado o seu valor inicial e depende apenas do valor percentual correspondente à actualização do IAS), mas apenas do n.º 1, que rege sobre a base de cálculo da própria prestação.
Não desconhecemos que o Tribunal Constitucional já a afirmou no âmbito da fiscalização concreta, pelo menos em dois casos, alargando a declaração de inconstitucionalidade do artigo 54.º, n.º 1, também ao n.º 4 do preceito, o que sucedeu nos Acórdãos n.º 793/2022 e n.º 610/2023. Este último citado no despacho sob recurso, decidiu “[j]ulgar inconstitucional a norma resultante da interpretação do artigo 54.º, n.ºs 1 e 4, da Lei n.º 98/2009, na medida em que permite que a prestação suplementar para assistência a terceira pessoa tenha um limite máximo que pode ser inferior ao valor da retribuição mínima mensal garantida, e que a respetiva atualização anual seja também inferior à percentagem em que o for essa remuneração, por violação do artigo 59.º, n.º 1, alínea f), da Constituição da República Portuguesa”.
Ambos os arestos se ancoram em argumentação coincidente com a que veio a ser acolhida no citado Acórdão n.º 380/2024, fazendo o cotejo dos regimes sucessivos da Lei n.º 100/97 e da Lei n.º 98/2009 para o cálculo da prestação e concluindo que os valores da retribuição mínima mensal garantida (referencial previsto na Lei n.º 100/97) e de 1,1 IAS (referencial previsto na Lei n.º 98/2009) são díspares, ficando os segundos aquém dos primeiros.
Mas nenhum deles analisa a diferença entre a evolução das sucessivas percentagens de actualização de um (do percentual de aumento da retribuição mínima mensal garantida ao longo dos anos) e de outro (do percentual de aumento do IAS ao longo dos anos), de modo a concluir que a retribuição mínima mensal garantida foi aumentando proporcionalmente mais – ou menos – do que o IAS, ao longo dos anos. E nenhum deles conclui que o percentual de aumento do IAS fica aquém – ou além – do percentual de aumento da retribuição mínima mensal garantida.
Nem, em bom rigor, o cotejo deveria ser feito nestes termos na medida em que o regime da actualização das pensões e das prestações suplementares para assistência de terceira pessoa no que concerne aos acidentes ocorridos antes da vigência da Lei n.º 98/2009 não se encontrava prevista na LAT de 1997, mas inicialmente no Decreto-Lei n.° 668/75, de 24 de Novembro e, depois, no Decreto-Lei n.° 142/99. de 30 de Abril, não dependendo em qualquer dos diplomas do IAS.
Ora muito menos se vislumbra nos citados Acórdãos do Tribunal Constitucional qualquer análise comparativa entre as percentagens de actualização do IAS (que o n.º 4 da Lei n.º 98/2009 manda ter em consideração para a actualização da prestação suplementar para assistência de terceira pessoa) e as resultantes das actualizações das prestações suplementares para assistência de terceira pessoa efectuadas ao abrigo do Decreto-Lei n.° 668/75, de 24 de Novembro e do Decreto-Lei n.°142/99 (vg. as percentagens fixadas nas sucessivas Portarias para que este remete) o último ainda em vigor para a actualização das prestações suplementares fixadas ao abrigo da Lei n.º 2127 e da Lei n.º 100/97, como supra se viu.
Assim, e mesmo admitindo que o juízo de inconstitucionalidade possa ser efectuado quanto a actualizações futuras das prestações suplementares para assistência de terceira pessoa fixadas ao abrigo da Lei n.º 98/2009 e dependentes do valor do IAS, em acidentes ocorridos a partir de 1 de Janeiro de 2010 – o que não se nos afigura incontroverso nem é evidenciado na jurisprudência do Tribunal Constitucional que se conhece –, cremos que o mesmo juízo não tem justificação no que concerne às actualizações futuras das prestações suplementares para assistência de terceira pessoa fixadas ao abrigo da Lei n.º 2127 de 3 de Agosto de 1965, que têm como base de cálculo e limite máximo a percentagem de 25% da própria pensão anual e vitalícia judicialmente fixada (Base XVIII, n.º 1) e que são actualizadas nos termos do Decreto-Lei n.° 142/99 e das Portarias sucessivamente emitidas ao seu abrigo até à Portaria n.º 6-A/2025, sendo certo que nenhuma das normas constantes destes diplomas foi objecto de um juízo de inconstitucionalidade.
Em suma:
- não foi declarada a inconstitucionalidade com força obrigatória geral do n.º 4 do art, 54.º da Lei n.º 98/2009;
- à actualização da prestação suplementar para assistência de terceira pessoa em causa nos presentes autos, fixada para reparar o acidente de trabalho sofrido pela sinistrada em 22 de Junho de 1992, não logra aplicação o art, 54.º, n.º 4, da Lei n.º 58/2009, mas o Decreto-Lei n.° 142/99, conjugado, no ano em curso, com a Portaria n.º 6-A/2025, pelo que irreleva para aquela actualização um juízo de inconstitucionalidade sobre a norma do referido artigo 54.º, n.º 4, da LAT de 2009;
- não se detecta que o regime de actualização previsto no Decreto-Lei n.° 142/99 – nem qualquer outra das disposições anteriores que versavam sobre a prestação suplementar para assistência de terceira pessoa – contrarie o texto constitucional, vg. o direito dos trabalhadores à justa reparação em caso de infortúnio laboral, consagrado na alínea f) do n.º 1 do artigo 59.º da Constituição;
pelo que não tem justificação, a nosso ver, o entendimento do Mmo. Juiz a quo no sentido de que logram aplicação ao caso vertente os juízos de inconstitucionalidade vertidos nos Acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 380/2024 e 610/2013 supra referidos e de que as actualizações da prestação suplementar para ajuda de terceira pessoa não possam ser efectuadas em proporção inferior à proporção do aumento da retribuição mínima mensal garantida.
Nesta conformidade, mostram-se prejudicadas as sub-questões de saber se o artigo 282.º da CRP, ao ressalvar o caso julgado da declaração de inconstitucionalidade, ressalva as actualizações de prestações fixadas por sentença transitada em julgado em 199488, bem como de saber se o despacho recorrido viola os princípios da legalidade, boa fé, confiança e segurança jurídica. – cfr. o artigo 608.º, n.º 2, in fine, do Código de Processo Civil.
*
Nesta conformidade, cabe concluir que carece de justificação a notificação da seguradora determinada pelo despacho recorrido no sentido de “efetuar reformular o cálculo de todas as atualizações da prestação suplementar efetuadas até à presente data em conformidade com as alterações da RMMG, explicitando os respetivos períodos e os valores das atualizações”.
Procede o recurso.
*
Porque a seguradora obteve vencimento no recurso que interpôs, incumbe à sinistrada, recorrida, suportar o pagamento das custas respectivas (artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil), sendo restritas às custas de parte (ainda que beneficie de isenção de custas, assim o determina o artigo 4.º, n.º 7, do Regulamento das Custas Processuais).
*
5. Decisão
Em face do exposto, decide-se conceder provimento ao recurso e revogar o despacho recorrido.
Condena-se a recorrida nas custas de parte que haja.
Nos termos do artigo 663.º, n.º 7, do CPC, anexa-se o sumário do presente acórdão.

Lisboa, 10 de Julho de 2025
Maria José Costa Pinto
Celina Nóbrega
Alves Duarte
_________________________________________________
1. Vide Carlos Alegre, Acidentes de Trabalho, Notas e Comentários à Lei n.°2127, Coimbra, 1995, p. 88
2. Alterado pelo D.L. n.º 456/77, de 2 de Novembro, pelo D.L. n.º 286/79, de 13 de Agosto, pelo D.L. n.º 195/80, de 20 de Junho, e pelo D.L. n.º 39/81, de 7 de Março (que indexou a actualização ao valor dos salários mínimos entretanto postos anualmente em vigor). Este inovador diploma de 1975, embora só referente a pensões por morte e relativas a incapacidades mais graves, veio pôr fim a uma concepção estática das pensões, que mantinham durante toda a sua vigência o mesmo valor facial, a que correspondia “uma progressiva degradação do seu valor real” (como notou Vítor Ribeiro, in Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, Reflexões e Notas Práticas, Lisboa, 1984, p. 268).
3. Quer nas situações em que o sinistrado se mostrasse afectado de uma incapacidade permanente – fosse ela parcial com coeficiente de desvalorização igual ou superior a 30%, fosse ela absoluta ou fosse ela absoluta para o trabalho habitual – quer nas situações em que do acidente viesse a resultar a morte do sinistrado e a pensão fosse fixada aos seus beneficiários, com excepção das situações em que o valor da pensão fosse inferior a seis vezes o valor da retribuição mínima mensal garantida mais elevada à data da fixação da pensão, caso em que, e à semelhança do que sucede com as pensões por incapacidade permanente parcial inferior a 30%, seria obrigatoriamente remível (artigo 56.º, da Lei n.º 143/99, de 30 de Abril, que regulamentou a Lei 100/97, de 13 de Setembro)
4. O que não obstava a que, como a prática evidenciava, as seguradoras procedessem à sua actualização em conformidade com as percentagens de actualização das pensões.
5. Entretanto, o Decreto-Lei n.º 19/2004, de 20 de Janeiro, procedeu à uniformização do salário mínimo nacional para o serviço doméstico com o salário mínimo nacional para as outras actividades.
6. Processo n.º 14/05.4TTVIS.C2.S1, in www.dgsi.pt. Vide também o Acórdão da Relação do Porto de 2013.03.11, processo n.º Processo n.º 46/1991.9.P1, in www.dgsi.pt.
7. Dispõe o artigo 187.º, sob a epígrafe, Norma de aplicação no tempo, que “[o]disposto no capítulo ii aplica-se a acidentes de trabalho ocorridos após a entrada em vigor da presente lei” (n.º 1) e o subsequente artigo 188.º, que “[s]em prejuízo do referido no artigo anterior, a presente lei entra em vigor no dia 1 de Janeiro de 2010”.
8. Deve dizer-se que, a nosso ver, a norma do artigo 282.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa, relativa à intangibilidade do caso julgado, não se aplica a actualizações futuras da prestação fixada por sentença transitada em julgado.