Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | FÁTIMA GALANTE | ||
Descritores: | FUNDO DE GARANTIA DE ALIMENTOS DEVIDOS A MENORES ALTERAÇÃO DE ALIMENTOS DEVIDOS A MENORES RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 03/13/2014 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PROCEDENTE | ||
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Sumário: | 1 - A prestação de alimentos, a suportar pelo Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores, em caso de incumprimento pelo progenitor da obrigação fixada judicialmente, não pode ser estabelecida em montante superior a esta. 2 – A prestação a pagar pelo Fundo de Garantia está sujeita, pelo que ao montante máximo respeita, à dupla baliza definida pelo montante da pensão incumprida e pelo montante do Indexante dos Apoios Sociais (IAS).(sumário da Relatora) | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA
I – RELATÓRIO O… deduziu incidente de incumprimento do regime do exercício das responsabilidades parentais contra N…, pedindo que fosse declarado o incumprimento, sem possibilidade de cobrança coerciva, da prestação de alimentos fixada, no valor global de € 150,00 mensais, a entregar à mãe das menores M… e E… até ao dia 8 do mês respectivo. Seguidamente, foi proferida decisão que, constatando o incumprimento do requerido relativamente às prestações vencidas e a impossibilidade de obter o seu pagamento coercivo, considerou verificados os pressupostos estabelecidos no artigo 1º da Lei nº 75/98, de 19 de Novembro e nos artigos 2º e 3º do Decreto-Lei nº 164/99, de 13 de Maio, elevando o montante da prestação alimentícia - fixado nos autos de regulação das responsabilidades parentais em € 150,00 (€75,00 por cada uma das filhas) – para € 200,00 (100,00, por cada menor), a pagar pelo Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores, em substituição do devedor incumpridor. Inconformado com esta decisão, veio o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, IP, dela interpor recurso, tendo, no essencial, apresentado as seguintes conclusões. 1. Verificados os pressupostos para a sua intervenção, o FGADM só assegura a prestação alimentícia do menor, em substituição do devedor incumpridor, enquanto este não iniciar ou reiniciar o cumprimento da sua obrigação. 2. A prestação paga pelo FGADM é uma prestação reembolsável, conforme resulta do estatuído no art.º 6.nº3 da Lei 75/98 e art.º 5.ºn.º 1 do Dl 164/99, ficando o Fundo sub-rogado em todos os direitos do menor, a que sejam atribuídas prestações, tendo o direito de exigir do devedor de alimentos a totalidade das prestações pagas. 3. O valor da prestação de alimentos a suportar pelo FGADM não pode exceder o montante da prestação de alimentos fixada, e incumprida pelo obrigado originário. 4. Por acordo homologado em 23 de Março de 2012, o progenitor incumpridor ficou obrigado a pagar ás menores em causa nos autos, uma pensão mensal de alimentos, no valor global de €150,00. 5. Salvo o devido respeito, não tem qualquer suporte legal fixar-se uma prestação alimentícia a cargo do FGADM no valor de € 100,00, a favor de cada menor, isto é, superior à fixada ao progenitor incumpridor, a qual ascende ao valor global de €150,00 (isto é, €75,00 a favor de cada uma das menores). 6. O legislador estabeleceu pressupostos e limites à protecção/garantia de alimentos aos menores, instituindo um Fundo que tem como objectivo assegurar que os menores possam receber os montantes que os obrigados judicialmente não prestaram, isto é, um Fundo que assegura montantes inferiores ou iguais (mas não superiores) aos que foram incumpridos pelo judicialmente obrigado. 7. O despacho ora recorrido violou o disposto no art.º2.º n.º2 da Lei 75/98 de 19 de Novembro e art.º 3.º n.º 5 do DL n.º 164/99 de 13 de Maio. Nestes termos e demais de direito, deve ser dado provimento ao presente recurso, declarando-se que o montante da prestação de alimentos a cargo do FGADM está limitado pelo valor da prestação fixada judicialmente ao progenitor dos menores, e, consequentemente, deve ser revogado o despacho recorrido na parte que determina, uma prestação substitutiva de alimentos a pagar pelo FGADM superior à fixada ao obrigado a alimentos, tudo com as inerentes consequências legais. Contra-alegou o Ministério Público, pugnando pela manutenção do decidido. Corridos os Vistos legais, Cumpre apreciar e decidir. Face às conclusões de recurso, que como é sabido, definem o objecto daquele, está em causa, no essencial decidir se na fixação da prestação de alimentos, a pagar pelo Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores, está o Tribunal limitado pelo valor da pensão de alimentos cuja cobrança assim se revelou inviável, no incidente de incumprimento. II – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO 1. Por acordo homologado em 23 de Março de 2012, foi fixado o regime de regulação do exercício das responsabilidades parentais relativamente às menores M…, nascida em 29 de Agosto de 2008 e E… , nascida em 5 de Abril de 2011, tendo sido estipulado, além do mais, que as menores ficariam confiadas à guarda e cuidados da mãe. 2. Na ocasião, o pai das menores ficou obrigado a contribuir, a título de alimentos, com a quantia mensal global de € 150,00 para o sustento das menores, a entregar à mãe até ao dia 8 do mês a que respeitasse. 3. O pai dos menores, N…, nunca pagou qualquer quantia a título de pensão de alimentos, não sendo possível proceder à sua cobrança coerciva, uma vez que o mesmo encontra-se recluso, não lhe são conhecidos bens penhoráveis e não aufere quaisquer rendimentos. 4. As menores residem com a mãe e um irmão de 13 anos de idade; 5. A mãe das menores encontra-se desempregada e beneficia de rendimento social de inserção; 6. A capitação do agregado materno é inferior a € 419,20. III – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO 1. Não se questiona nos autos a verificação dos pressupostos legais em que se fundou a obrigação de o Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores proceder ao pagamento da prestação de alimentos às menores, M… e E…, em substituição do requerido, seu pai, ao abrigo do disposto no artigo 1º da Lei nº 75/98, de 19 de Novembro, e nos artigos 3º e 4º do Decreto-Lei nº 164/99, de 13 de Maio. O Recorrente coloca, essencialmente, ao conhecimento desta Relação a questão de saber se a prestação de alimentos a cargo do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores, em substituição do devedor, pode, ou não, ser fixada em valor superior ao montante da prestação judicialmente fixada ao progenitor do menor. Não sendo a questão líquida, já que existem divergências na jurisprudência, afigura-se maioritária a orientação que aponta no sentido de não ser legalmente possível fixar a prestação de alimentos em valor superior ao montante da prestação judicialmente fixada ao progenitor do menor[1] e que merece a nossa concordância. Com efeito, refere-se no acórdão desta Relação e Secção proferido em 19 de Dezembro de 2013[2], também subscrito pela aqui relatora, o seguinte: «Na verdade, fixado o regime do exercício das responsabilidades parentais, o seu incumprimento, na vertente da prestação de alimentos, alcança-se coercivamente através do incidente de incumprimento previsto no artigo 189º da Organização Tutelar de Menores, aprovada pelo DL nº 314/78, de 27 de Outubro, preceito de feição executiva, que estabelece unicamente os meios de tornar efectiva a prestação e não comporta qualquer mecanismo de alteração do valor da prestação mensal já fixada. Trata-se de um incidente vocacionado para tornar efectiva a prestação de alimentos que tem por objectivo imprimir celeridade e prontidão no pagamento da dívida de alimentos a filhos menores. Visando proteger as crianças, em particular no que toca ao direito a alimentos, o legislador criou uma nova prestação social destinada a satisfazê-los, nos casos de impossibilidade de cumprimento coercivo da prestação de alimentos judicialmente fixada». Importa ter presente que a prestação social assumida pelo Estado só existe após decisão judicial que o vincule ao pagamento através do Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores, podendo o respectivo montante não ter correspondência com o valor da que foi judicialmente estabelecida ao devedor e só é fixada quando se mostre inviável o cumprimento dessa obrigação, por insuficiência económica ou ausência do devedor, na sequência de diligências de prova consideradas indispensáveis pelo tribunal e de inquérito sobre as necessidades do menor. 2. A obrigação que ao Fundo cabe assegurar é independente e autónoma da do devedor de alimentos a menor, não sendo, obrigatoriamente equivalente àquela a que este ficou vinculado no âmbito da decisão judicial proferida nos autos de regulação das responsabilidades parentais. «Com efeito, a prestação do Fundo não visa substituir, definitivamente, a obrigação legal de alimentos devidos a menores, mas antes propiciar uma prestação «a forfait» de um montante, por regra, equivalente ao que fora fixado, judicialmente»[3]. A intervenção do Fundo de Garantia de Alimentos devidos a Menores reveste natureza subsidiária, visto ser pressuposto legitimador a não realização coactiva da prestação alimentícia já fixada através das formas previstas no artigo 189º OTM. A prestação de alimentos a cargo do Fundo supõe uma prestação de alimentos a cargo dos progenitores e não paga, voluntária ou coercivamente (art.º 1.º Lei n.º 75/98) e só subsiste enquanto aquela e o seu não cumprimento subsistirem (art.º 3.º, n.º 4, Lei n.º 75/98. e art.º 3.º, n.º1, Dec. Lei n.º 164/99). O seu pagamento confere ao Fundo o direito de reembolso perante o obrigado a alimentos (art.º 6.º, n.º 3, Lei cit. e art.º 5.º do Dec. Lei n.º 164/99). Assim, quando a pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos não satisfizer as quantias em dívida, fica aquele sub-rogado em todos os direitos dos menores a quem sejam atribuídas prestações, com vista à garantia do respectivo reembolso. Por efeito da sub-rogação legal previsto nos artigos 592º e 593º, do Código Civil, o Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores adquire, na medida da satisfação dada ao direito do menor credor de alimentos, os poderes que a este competiam perante o devedor, não podendo, por isso, ficar sub-rogado em mais direitos do que os do credor de alimentos. Refere Antunes Varela que a sub-rogação, segundo um critério puramente descritivo, consiste na substituição do credor, na titularidade do direito a uma prestação fungível, pelo terceiro que cumpre em lugar do devedor ou que faculta a este os meios necessários ao cumprimento. Trata-se de um fenómeno de transferência de créditos, em que os direitos do sub-rogado se medem sempre em função do cumprimento da obrigação do devedor[4]. A não ser assim, como se escreve no já citado acórdão desta Relação de 12 de Dezembro de 2013, «teríamos ainda que o devedor poderia estar obrigado ao “reembolso” – na terminologia do Decreto-Lei n.º 164/99, de 13 de Maio – do credor subrogado, em medida superior à do montante da pensão de alimentos por si devida ao menor. Vendo-se pois, e na prática, confrontado com um aumento do valor da pensão de alimentos por si devida, anteriormente fixada por decisão judicial, ainda que em sede meramente homologatória, sem qualquer contraditório, e porventura quando a insuficiência da sua situação económica (…) mais obstaria a qualquer aumento de tal valor, no âmbito da competente acção tutelar cível»[5]. Pese embora, uma certa autonomia da prestação a cargo do Fundo relativamente à prestação do progenitor inadimplente, o certo é que, entregues as prestações pecuniárias à pessoa a cuja guarda o menor se encontre, bem ou mal, o Fundo de Garantia fica titular do mesmo direito de crédito que pertencia ao menor[6]. 3. Em suma, e também por força do instituto da sub-rogação, a enunciação dos critérios legais não pode significar que a prestação a fixar só tem por tecto ou limite o valor mensal equivalente ao montante de uma IAS, por cada devedor, independentemente do número de filhos menores (nº 1 do artigo 2º da Lei nº 75/98, na versão do artigo 183º da Lei 66/2012 de 31.12, em vigor a partir de 01.01.2013), podendo o seu valor ser superior ao da pensão de alimentos judicialmente fixada. Existe, de facto, uma dupla limitação do montante máximo da prestação a pagar pelo Fundo, que não «visa substituir definitivamente uma obrigação legal de alimentos, antes propiciar uma prestação a forfait de um montante, por regra equivalente ao que fora fixado judicialmente – mas que pode ser menor, posto que as prestações atribuídas não podem exceder, mensalmente, por cada devedor, o montante de quatro unidades de conta de custas... – a lei faz depender este dever de prestar do Estado da verificação cumulativa de vários requisitos»[7]. A enunciação de parâmetros legalmente estabelecidos, tendo já em consideração a versão do artigo 183º da Lei 66/2012 de 31.12, surge, para fixar, adentro a dupla baliza definida pelo montante da incumprida pensão de alimentos e pelo montante máximo de 1 IAS (indexante de apoio social), a prestação a pagar pelo Fundo: sendo a pensão de montante inferior ao IAS, funcionará como “tecto” da prestação a efectuar pelo Fundo, o valor daquela; se a pensão for de montante superior ao IAS, já será este o valor limite para a prestação a efectuar pelo FGADM. Este entendimento é o que melhor se harmoniza com a natureza subsidiária da prestação do Fundo e com o seu direito ao reembolso com fundamento no instituto da sub-rogação. Face ao exposto, ainda que se possa considerar o valor da pensão escasso para fazer face às necessidades das menores, face ao regime legal vigente e aos elementos constantes dos autos, afigura-se inviável o aumento da pensão de alimentos fixada judicialmente. De todo o modo, a doutrina contrária, que sustenta poder a prestação a cargo do Fundo de Garantia ser de montante superior, visando garantir ao menor um mínimo de subsistência indispensável para satisfazer as suas necessidades existenciais, tendo assim uma vertente assistencial, conduz igualmente injustas, na medida em que permite que um menor a quem o progenitor devedor de alimentos pague regularmente as prestações, fixadas de acordo com as necessidades do menor e as possibilidades daquele seu progenitor, receba prestação de montante inferior à de que dispõe o menor filho de progenitor obrigado a alimentos que não cumpre nem dispõe de meios adequados à satisfação da prestação, por via da intervenção do Fundo de Garantia[8]. Concluindo: 1 - A prestação de alimentos, a suportar pelo Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores, em caso de incumprimento pelo progenitor da obrigação fixada judicialmente, não pode ser estabelecida em montante superior a esta. 2 – A prestação a pagar pelo Fundo de Garantia está sujeita, pelo que ao montante máximo respeita, à dupla baliza definida pelo montante da pensão incumprida e pelo montante do Indexante dos Apoios Sociais (IAS). IV – DECISÃO Termos em que se acorda em julgar procedente a apelação, pelo que, alterando a decisão recorrida, fixa-se em € 150,00 - €75,00 por cada uma das menores, M… e E… - o montante da prestação de alimentos a pagar pelo Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores Custas pela Recorrida. Lisboa, 13 de Março de 2014. (Fátima Galante) (Gilberto Santos Jorge) (António Martins)
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