Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | MARIA JOSÉ MACHADO | ||
Descritores: | CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA EXTINÇÃO DA PENA | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 02/18/2025 | ||
Votação: | DECISÃO INDIVIDUAL | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | CONFLITO DE COMPETÊNCIA | ||
Decisão: | NÃO DIRIMIDO | ||
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Sumário: | I – Não estamos perante um conflito negativo de competência quando apenas o tribunal da condenação declara a sua incompetência em razão da matéria para declarar a extinção da pena e o juiz do tribunal de execução das penas se limita a prestar uma informação sobre qual é o seu entendimento sobre a questão da competência quanto a essa mesma questão, por não haver da parte deste um despacho decisório explicito no sentido de declarar a incompetência material do respectivo tribunal. II – No caso de a pena de prisão, principal ou subsidiária, ser cumprida integralmente, não se exige legalmente a prolação de um despacho que declare extinta a pena. Por isso, o pretenso conflito que foi desencadeado para decidir qual o tribunal com competência material para proferir tal despacho – se o tribunal da condenação se o tribunal de execução das penas - não tem qualquer razão de ser, nem há qualquer interesse prático em solucioná-lo. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | DECISÃO I – Relatório 1. No âmbito do processo n.º 1396/21.6S5LSB, do Juízo Local de Pequena Criminalidade de Lisboa (juiz 4), por despacho de 15/04/2024, o senhor juiz declarou o tribunal incompetente, em razão da matéria, para declarar extinta a pena de prisão já cumprida pelo arguido, considerando ser o Tribunal de Execução de Penas de Lisboa competente para esse efeito. Posteriormente, por despacho de 20/01/2025, suscitou o senhor juiz a resolução do conflito negativo de competência., alegando que o Tribunal de Execução de Penas de Lisboa (juiz 6) havia declinado a competência material para a declaração de extinção da pena de prisão efetiva, da qual o Arguido foi, por sua decisão, libertado. 2. Recebidos os autos de conflito neste tribunal, foi cumprido o disposto no artigo 36.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, tendo o Ministério Público emitido parecer no sentido de que é competente para a prolação do despacho a julgar extinta a pena de prisão efetiva, o Juízo de Execução das Penas de Lisboa. O condenado não se pronunciou. 3. Sendo este o tribunal competente, cumpre apreciar e decidir. II – Fundamentação 1. Elementos relevantes (que resultam da consulta citius ao processo principal) - No processo-crime em que foi suscitado o presente conflito foi o arguido condenado, por sentença de 5/01/2022, na pena de 100 (cem) dias de multa à taxa de 5€, pela prática de um crime de furto qualificado, na forma tentada, na pena de 100 (cem) dias de multa, à razão diária de €5,00 euros (cinco euros), o que descontado 1 (um) dia por detenção, perfaz a quantia global de €495,00 euros (quatrocentos e noventa e cinco). - Por despacho de 7/06/2023, foi decidido converter os dias da pena de multa não pagos (99) em prisão subsidiária reduzidos a dois terços, o que perfaz 66 (sessenta e seis) dias. - O arguido esteve preso em cumprimento dessa pena tendo sido mandado libertar por decisão do Tribunal de Execução de Penas no dia 15/11/2023. - Questionado pelo Juízo Local de Pequena Criminalidade de lisboa (juiz 4) sobre se foi declarada extinta a pena cumprida pelo arguido, o senhor juiz do Juízo de Execução das Penas do TEP de Lisboa (juiz 3) determinou que se informasse que «é entendimento do signatário que no caso da execução das penas de prisão subsidiária é da competência material do tribunal da condenação e não do TEP, a declaração de extinção da pena (arts. 474.º, n.º1 “in fine” do C.P.P. e art. 138.º, n.º4al.s) do C.E.P.M.P.L.» 2. Apreciação Estabelece o artigo 34.º do Código de Processo Penal: «1. Há conflito, positivo ou negativo, de competência quando, em qualquer estado do processo, dois ou mais tribunais, de diferente ou da mesma espécie, se considerarem competentes ou incompetentes para conhecer do mesmo crime imputado ao mesmo arguido». 2. O conflito cessa logo que um dos tribunais se declarar, mesmo oficiosamente, incompetente ou competente, segundo o caso.» A lei é clara quanto aos pressupostos legais do conflito. Traduz-se numa divergência entre dois ou mais tribunais em relação ao conhecimento de um feito jurídico-criminal, e surge quando mais do que um tribunal da mesma espécie (v.g. tribunal judicial) ou de espécie diversa (v.g. tribunal judicial e tribunal não judicial) se reconhecem ou não se reconhecem competentes para conhecer quanto à existência de um crime cuja prática é atribuída ao mesmo arguido. Se todos os tribunais em oposição se arrogam competentes estamos perante conflito positivo; se declinam a competência ocorre conflito negativo. Embora o Código de Processo Penal o não diga expressamente, foi criado um sistema dotado de celeridade e autoridade para resolver as questões de competência. Não existe trânsito em julgado das decisões até o tribunal superior resolver a questão por decisão irrecorrível (artigo 36.º, n.º 2). Tanto assim é que o conflito cessa quando um dos tribunais em conflito alterar a sua posição anterior (artigo 34.º, n.º 2). Em causa está a competência material para a prolação de despacho a declarar a extinção da pena de prisão subsidiária já cumprida pelo arguido. Ainda que pudéssemos incluir a execução da pena de prisão subsidiária no âmbito da competência material do TEP, o que para nós é duvidoso, não existe, no caso, um conflito relevante que se imponha a este tribunal dirimir. Com efeito, o senhor juiz do TEP não decidiu a incompetência do seu tribunal, apenas se limitou a ordenar que fosse prestada uma informação ao tribunal da condenação (juiz 4 do Juízo Local de Pequena Criminalidade de Lisboa) sobre o seu entendimento sobre a questão da competência quanto à extinção da pena. Em momento algum proferiu um despacho decisório explicito no sentido de declarar a incompetência material do respectivo tribunal. Assim, há que concluir pela inexistência de qualquer conflito entre ambos os tribunais, que importe uma solução actual, pois em termos processuais relevantes apenas um deles se declarou incompetente (neste mesmo sentido decidiu o presidente da 3ª Secção Criminal do STJ nos processos n.ºs 125/14.5... e 35/00.3TBMCD.P1.G1.S1, decisões não publicadas, mas às quais tivemos acesso através do STJ). Ainda que assim se não considerasse e entendêssemos a informação que foi prestada pelo senhor juiz do TEP (do seu entendimento) como uma declaração de incompetência material do respectivo tribunal, sempre estaríamos perante o que, na decisão de 31 de março de 2014, do Exmo. Presidente da 5ª secção criminal do STJ, no processo n.º 131/07.6GAVZL-A.S1, qualificou como “pretenso conflito” decorrente da confusão conceptual entre «cumprimento da pena» e «extinção da pena». Do confronto entre os artigos do Código Penal que se referem ao «cumprimento da pena» e «à extinção da pena» resulta, citando aquela decisão, “que nada obriga a que a pena de prisão ou multa, cumpridas integralmente (enquanto penas principais) sejam objecto de despacho que declare o seu «cumprimento» (e, muito menos a sua «extinção»….)”. O modo de executar uma pena de prisão, seja ela principal ou subsidiária, é o seu cumprimento. Pelo termo do seu integral cumprimento cessa a pena, sem que esteja previsto na lei a necessidade da sua extinção, ao contrário do que acontece sempre que a execução da pena seja interrompida por ter sido concedida a liberdade condicional, caso em que se exige a sua extinção, se no termo daquela não houver motivos que possam conduzir à sua revogação (artigo 187.º do CEPMPL) ou em que ocorra um evento que possa determinar a extinção da pena, como a morte do agente, a prescrição, um indulto ou perdão genérico ou a amnistia do crime correspondente. (artigos 122.º e 127.º do Código Penal). A mesma exigência de declarar a extinção da pena está prevista nos casos de a pena ser suspensa, sempre que decorrido o período da sua suspensão não houver motivos para a sua revogação (artigo 57.º do CP) ou da medida de segurança de internamento, quando seja aplicado o regime de liberdade para prova e, findo este, não haja motivos para a sua revogação (artigo 94.º do CP). No sentido da desnecessidade desse despacho de extinção da pena, nos casos em que a mesma é integralmente cumprida, se pronunciou também o STJ na decisão proferida no proc. 160/15.6YRGMR.S1, de 30/1072015, com ressalva da sua necessidade no caso de concessão de liberdade condicional, após o decurso do respectivo período, nos termos do artigo 187.º do CEPMPL e no proc. 935/09.5GAEPS-B.S1 (decisão de 9/06/2016, em que se consignou que “o tribunal da condenação, se tiver que comunicar o momento em que cessou a execução da pena deverá referir a data em que terminou o seu cumprimento e não a de um pretenso despacho a declarar extinta a pena, o qual não tem nem teria qualquer efeito jurídico”. Ora, não havendo no caso que declarar extinta a pena de prisão subsidiária, por a mesma ter cessado com o seu integral cumprimento, o pretenso conflito que o senhor juiz do juízo Local de Pequena Criminalidade desencadeou, não tem qualquer razão de ser, nem há qualquer interesse prático em solucioná-lo. Como se questiona na decisão do presidente da 5ª secção criminal do STJ, no processo 131/07.6GAVZL-A.S1, supra referida, “que interesse ou razão válida poderia haver em decidir qual dos tribunais em conflito seria o competente para declarar extinta a pena de prisão efetiva se a pena em causa não se extinguiu antes ou durante o seu decurso, mas se cumpriu integralmente, determinando por arrasto, pura e simplesmente, o arquivamento dos autos? Face ao exposto, e tal como foi decidido em tal decisão do STJ, constatando-se que, afinal, não existe qualquer conflito para resolver, já que uma pena integralmente cumprida não demanda, quer do tribunal da condenação, quer do tribunal de execução de penas, qualquer despacho que a declare extinta, o incidente suscitado será de indeferir liminarmente. III – Decisão: Nos termos e com os fundamentos expostos, decide-se indeferir o suposto conflito para decidir quem haveria de proferir despacho a julgar extinta a pena de prisão subsidiária já cumprida pelo arguido, não só por não estarmos perante um conflito negativo de competência nos termos previstos no artigo 34.º, n.º1, do Código de Processo Penal, mas, também, porque não há, no caso, lugar àquele despacho. Sem tributação. * Cumpra-se o disposto no artigo 36.º, n.º 3, do Código de Processo Penal Lisboa, 18/02/2025 (processei e revi – art.º 94, n.º2 do C.P.P.) Maria José Machado |