Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | JORGE RAPOSO | ||
Descritores: | RECURSO PENAL EXTEMPORANEIDADE | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 09/20/2010 | ||
Votação: | DECISÃO INDIVIDUAL | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | REGEITADO O RECURSO | ||
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Sumário: | I - Havendo lugar a audiência na ausência do arguido, a sentença é notificada ao arguido logo que seja detido ou se apresente voluntariamente (artº 333º, nº 5 do CPP), começando a partir de então a correr o prazo de interposição do recurso. II - É assim extemporâneo o recurso interposto pelo arguido antes de lhe ter sido notificada a sentença. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Decisão Sumária proferida na 3ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa: I – RELATÓRIO Nos presentes autos, C…, nascido em …., solteiro, residente no Bairro …, nº …, Sobralinho, Alhandra, foi condenado em processo comum com intervenção do tribunal singular, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguês, p. e p. pelo artigo 292º nº 1 do Código Penal, na pena de cem dias de multa, à taxa diária de € 5, o que perfaz o montante global de € 500 e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, prevista no artigo 69º nº 1 al. a) do Código Penal, pelo período de cinco meses, devendo para o efeito entregar a sua licença de condução, neste Tribunal ou em qualquer posto policial, no prazo de 10 dias, contados do trânsito em julgado desta sentença, sob pena de incorrer na prática de um crime de desobediência, nos termos dos artigos 69º nº 3 do Código Penal e 500º nº 2 do Código de Processo Penal. Inconformado, o arguido interpôs o presente recurso, formulando as seguintes conclusões: I A Douta Sentença recorrida viola os artigos 40.°, 69.° nº 1 a) e 71.°, todos do Código Penal. II A Douta Decisão recorrida viola os princípios da adequação e proporcionalidade, transversais a todo o Direito Penal e Direito Processual Penal. III O Tribunal "a quo", salvo o devido respeito, não fez a adequada ponderação dos factos e uma correcta aplicação do Direito in casu, uma vez que a prova produzida impunha decisão diversa da Douta Sentença recorrida. IV No que concerne ao crime em apreço praticado pelo aqui recorrente, importa referir que a Douta Sentença, salvo o devido respeito, não logrou, com a pena aplicada, fazer a pertinente ponderação, pois não conseguiu valorar de forma correcta as circunstâncias pessoais do arguido/recorrente em termos de pena a aplicar. V Também porque o recorrente sente, com a Sentença a que foi condenado, a censura do seu acto e a simples ameaça da multa influenciará decerto o seu comportamento no futuro, não se induzindo o perigo da prática de novos crimes. VI Atentando no facto de o aqui recorrente: - Não terem resultado consequências gravosas da sua conduta; - Não ter o hábito de beber bebidas alcoólicas; - Sempre foi um bom trabalhador, encontrando-se perfeitamente integrado na sociedade; Deverá, no limite, ser reduzida a pena acessória ao mínimo legal. VII O recorrente é casado, tem três filhos menores que dependem exclusivamente do salário que o recorrente aufere como vendedor ambulante, pelo que, o uso da viatura e o recurso a veículos motorizados torna-se imprescindível para o desempenho da sua profissão. VIII Pelo que a aplicar a medida de 5 (cinco) meses de proibição de conduzir veículos motorizados, traria ao recorrente e à sua família, grandes dificuldades económicas, pondo inclusive em risco a sua sobrevivência. IX Sendo o recorrente e sua família de etnia cigana, esta medida tem um impacto muito maior, pois vivem exclusivamente da venda ambulante, sendo esse o único rendimento de toda a família. X Mais uma vez, errou o Tribunal de 1ª Instancia ao aplicar esta medida punitiva ao recorrente, não tendo em conta os factos familiares e profissionais do aqui recorrente, pois no caso concreto a pena de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 5 (cinco) meses punirá o recorrente a "aplicar-se", mas punirá também a sua família. XII Acresce ainda que, não obstante o recorrente ter registado no seu registo individual uma condenação por condução sob o efeito do álcool, tal facto não deve pesar na pena a aplicar ao arguido, até porque tem vindo o mesmo a desenvolver grandes esforços para interiorizar o desvalor e as consequências deste comportamento, pelo que, a pena de multa será eficaz para dissuadir o recorrente da prática de outros ilícitos penais, sendo esta alternativa que deverão V.ª Ex.ª considerar. XIII Por via disso, o recorrente pede a suspensão da pena acessória de inibição de conduzir, ou caso assim V.ª Exas. não entendam, a sua redução ao mínimo legal estabelecido por lei. XIV Por mera cautela, cumpre ainda referir que, o direito à integridade física das pessoas, como direito fundamental que é, encontra-se consagrado na Constituição da Republica Portuguesa, no artigo 25°, referindo o nº 1 que a integridade física das pessoas é inviolável. XV Desde logo, o exame de colheita de sangue pressupõe, sempre, a introdução de uma agulha no corpo. XVI E dúvidas não se terão de que espetar uma agulha no corpo de uma determinada pessoa, contra a sua vontade constitui uma manifesta ofensa ao seu direito à integridade física. XVII Ora, uma vez que o aqui recorrente se encontrava em estado de coma alcoólico, não houve qualquer consentimento por parte deste, para que se procedesse à referida recolha se sangue. XVIII Esta violação ilegítima do direito à integridade física do recorrente, não pode ser tolerada até porque a mesma não é justificada Cace aos valores aqui em ponderação. XIX Ofendendo, como ofende, a integridade física do arguido do recorrente, este meio de prova terá de ser considerado nulo, conforme alias se retira do artigo 32° nº 5 da Constituição da Republica Portuguesa. XX Conclui-se, por isso, não ser de aceitar que a Douta Sentença recorrida coloque em causa a coerência, harmonia e unidade do sistema jurídico a que o Julgador tem de atender na interpretação dos textos legais. XXI A Douta Sentença recorrida viola, assim, os artigos 40.°, 69° nº 1 a) e 71.º, todos do Código Penal, e ainda 25° e 32° nº 8 da Constituição da Republica Portuguesa. XXII Assim entende-se ser o objectivo primordial da pena a aplicar e não descuidando o binómio, culpa do agente e exigências da prevenção, as circunstâncias familiares, sociais, profissionais e económicas do recorrente, do falado juízo de prognose favorável, das exigências de prevenção, dos antecedentes concretos do arguido, entende-se que a pena aplicada é elevada, devendo ser reduzida quer no que se refere à pena de multa aplicada bem como à inibição de conduzir veículos com motor. XXIII A Douta Sentença impõe ao recorrente um sacrifício intolerável e desproporcional, em clara violação do princípio da adequação e proporcionalidade nas suas várias vertentes. XXIV Assim entende-se por ser adequado e plenamente justificado que seja considerada NULA toda a prova produzida contra o aqui recorrente, XXV No entanto, caso V.a Ex.a assim não o entendam, que a pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados a aplicar ao aqui recorrente seja REDUZIDA ao mínimo legal estabelecido por lei. Nestes termos e nos mais de direito, requer-se que a Douta Sentença recorrida seja revogada e substituída por outra, que tendo em conta o supra exposto: a) Deve ser considerada NULA toda a prova produzida, contra o aqui recorrente, ou caso V. a Ex. a assim não entendam, b) Deve ser SUSPENSA a pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, ou caso V. a Ex. a assim não entendam, c) Deve a pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 5 meses aplicada ao arguido ser REDUZIDA, ao mínimo legal estabelecido por lei. Assim farão Vs. Exas. JUSTIÇA. Respondeu o Ministério Público ao recurso, sustentando a validade do exame de pesquisa de álcool, a inadmissibilidade legal de suspensão da pena acessória e a adequada fixação da pena acessória. * O recurso foi admitido. Nesta instância, a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta apôs o seu visto. * Compulsados os autos, em exame preliminar, verifica-se que o recurso deve ser rejeitado por existir causa que devia ter determinado a sua não admissão. Consequentemente, nos termos dos art.s 417º nº 6 al. b) e 420º nº 1 al. b) do Código de Processo Penal, mostra-se processualmente pertinente decidir o presente recurso pela presente decisão sumária. II – FUNDAMENTAÇÃO Importa apreciar a questão prévia que determina a não admissão do recurso. Para esse efeito importa resenhar a tramitação processual com relevância: - O arguido prestou termo de identidade e residência em 19.5.08 (fls. 26) e imediatamente constituiu defensor (fls. 27); - Foi devidamente notificado por via postal simples com prova de depósito da 1ª data de julgamento, na morada constante do termo de identidade e residência (fls. 46 e 47 e 52) e da 2ª data para que a audiência foi agendada a solicitação do seu defensor constituído (fls. 64, 67, 71 a 72 e 74); - Apresentou contestação (fls. 55 a 58); - Procedeu-se à audiência de julgamento na sua ausência, nos termos do art. 333º nºs 1 “a contrario” e 2 do Código de Processo Penal, com a presença do seu defensor constituído (fls. 75 a 77); - O arguido não esteve presente na data da leitura da sentença (fls. 87); - A sentença foi depositada em 30.10.09 (fls. 88); - Foi oficiada a notificação pessoal do arguido em 2.11.09 (fls. 89); - O recurso deu entrada em 19.11.09, subscrito pelo defensor constituído do arguido (fls. 90 a 123); - O arguido foi notificado pessoalmente da sentença em 15.12.09 (fls. 128 e vº). É com o requerimento apresentado em 19.11.09, antes do arguido ter sido pessoalmente notificado da sentença condenatória, o que só veio a ocorrer em 15.12.09, que o ora Recorrente interpõe o recurso. Por isso, em síntese, tendo em atenção a tramitação processual supra resenhada, a questão é a de saber se tendo o arguido sido julgado na ausência, nos termos do art. 333º do Código de Processo Penal e notificado da sentença condenatória proferida em primeira instância em 15.12.09, se pode admitir a interposição de recurso com data anterior. E a resposta não pode deixar de ser negativa. Vejamos. Actualmente não suscita controvérsia que a notificação da sentença imposta pelo nº 5 do art. 333º do Código de Processo Penal é a notificação pessoal ao arguido julgado na ausência[1]. Consequentemente, nos termos da 2ª parte desse normativo, o prazo para interposição de recurso conta-se a partir dessa notificação pessoal. Como afirma o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19.10.03[2], de forma cabalmente aplicável ao caso dos autos, “não é exacto pretender-se que o prazo peremptório só estabelece o seu termo ad quem (…), podendo ser validamente antecipada a prática do acto para antes da ocorrência do termo a quo (…). Com efeito, «os prazos peremptórios estabelecem o período de tempo dentro do qual o acto pode ser praticado (terminus intra quem). Se o acto não for praticado no prazo peremptório, também chamado preclusivo, não poderá já, em regra, ser praticado. Exemplos de prazo peremptório são os prazos para arguir nulidades e irregularidades, requerer a instrução ou interpor recursos.» (Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, I, pág. 37, no mesmo sentido Anselmo de Castro, Lições de Processo Civil, III, pág. 77-8). Esses prazos representam, pois, o período de tempo dentro do qual podem ser levados a efeito os respectivos actos, o referido terminus intra quem, e a sua fixação funciona como instrumento de que a lei se serve em ordem a levar as partes a exercer os seus poderes-ónus segundo um determinado ritmo, a adoptar um determinado comportamento processual e, consequentemente, praticar o acto dentro dos limites de tempo que lhe são assinalados (cfr. Anselmo de Castro, op. cit., pág. 78) e não do limite final. Este tem sido, aliás, o entendimento unânime deste Supremo Tribunal de Justiça”[3]. As razões prendem-se com os princípios de economia processual e da tramitação unitária do recurso e com a necessidade de evitar uma dupla apreciação do recurso, primeiro por iniciativa do defensor e depois por iniciativa do arguido[4]. Por outro lado, não se pode recorrer “de orelha, de ouvido”[5]. Só após a notificação pessoal ao arguido é que se pode afirmar com segurança que o arguido tem conhecimento da sentença e, por isso, só a partir desse momento é que pode decidir livre e sustentadamente que quer recorrer. Só assim ficam preservados os seus direitos de defesa, garantindo-lhe o conhecimento da sentença proferida e permitindo-lhe reagir contra a mesma. Antes, “está-se a ficcionar uma realidade, já que nada garante que tal conhecimento tenha efectivamente ocorrido”[6] nem que o arguido queira efectivamente recorrer após ter conhecimento oficial da sentença. Aliás, se assim não fosse, estar-se-ia a conceder ao arguido relapso um benefício processual inaceitável, estendendo-se incomensuravelmente o prazo de interposição de recurso, desde o momento em que a sentença é depositada até ao termo do prazo de recurso ordinário após a notificação pessoal da sentença ao arguido. Também o Tribunal Constitucional[7] sustenta a necessidade de a decisão condenatória ser pessoalmente notificada ao arguido ausente, não podendo, enquanto essa notificação não ocorrer, contar o prazo para ser interposto recurso. * Do supra exposto conclui-se que a apresentação intempestiva da motivação de recurso do arguido ora Recorrente devia ter levado o tribunal a quo a não admitir sequer tal recurso (art. 414º, nº 2, do Código de Processo Penal). Como, porém, a decisão de admissão do recurso não vincula o tribunal superior (nº 3 do mesmo art. 414º), esta Relação pode e deve rejeitar o recurso prematuramente interposto pelo defensor do mesmo Arguido (art. 420º nº 1 do Código de Processo Penal, com referência ao citado art. 414º nº 2). Em conclusão, esta Relação não pode conhecer do recurso por ter sido interposto fora de tempo. III – DECISÃO Nestes termos, profere-se a presente decisão sumária de rejeição do recurso por ter sido extemporaneamente interposto. Custas pela Recorrente, fixando-se a taxa de justiça devida em três UC. Lisboa, 20 de Setembro de 2010 (elaborado, revisto, rubricado e assinado pelo relator) Jorge Raposo ---------------------------------------------------------------------------------------- [1] Acórdão do Tribunal Constitucional 312/05 e 422/05, em www.tribunal constitucional.pt, acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 6.4.04, 19.4.06 e 21.2.07, nos proc.s 0441909, 0416140 e 0646069, da Relação de Coimbra de 26.9.07, no proc. 255/01.1PBTMR-A.C1, todos em www,dgsi.pt e da Relação de Guimarães de 10.3.03, na CJXXVIII, T. 2, pg. 289 [2] no proc. 03P2711, em www,dgsi.pt, a propósito do recurso de fixação de jurisprudência. [3] No mesmo sentido, os acórdãos dos Tribunais da Relação do Porto e de Guimarães referidos na nota 1 e, ainda, o acórdão dos Tribunal da Relação de Lisboa de 11.12.08, no proc. 8876/2008-9, também disponível em www,dgsi.pt. [4] Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães supra referido. [5] Na expressão usada por Vinício Ribeiro, Código de Processo Penal – Notas e Comentários, pg. 922. [6] Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 6.10.04, supra referido. [7] Acórdãos do Tribunal Constitucional 274/03, de 28.5.03, e 503/03, de 28.10.03, nos D.R. IIª Série, de 5.7.03 e de 5.1. 04, em interpretação aos artigos 334º nº 8 e 113º nº 7 do Código de Processo Penal na versão da Lei 59/98 de 25.8, correspondentes aos dos artigos 334º nº 6 e 113º nº 9 daquele Código com a redacção do Decreto-Lei 320-C/2000 de 15.12, conjugados com o nº 3 do artigo 373º. |