Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
25160/23.9T8LSB.L1-7
Relator: RUTE SABINO LOPES
Descritores: CONTRATO DE ARRENDAMENTO
RESOLUÇÃO PELO ARRENDATÁRIO
DENÚNCIA PELO ARRENDATÁRIO
INDEMNIZAÇÃO AO SENHORIO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/03/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1 – A resolução do contrato de arrendamento é vinculada, pelo que não havendo convenção ou acordo das partes, apenas pode ser exercida com fundamento legalmente previsto: incumprimento da outra parte.
2 – Não existe resolução de contrato pelo arrendatário sem fundamento legal, que determine a condenação do arrendatário a suportar a totalidade das rendas correspondentes à vigência do contrato.
3 - As formas de cessação unilateral do contrato de arrendamento pelo arrendatário são a resolução e a denúncia. Não há concurso (nem sequer aparente) entre elas, sendo cada uma integrada pelo enquadramento fáctico idiossincrático respetivo.
4 – É corretamente integrada como denúncia, a comunicação do arrendatário ao senhorio de que “rescinde” o contrato de arrendamento.
5 – Se uma tal comunicação ocorrer antes de um terço do prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação, o arrendatário é sempre obrigado a suportar o valor das rendas correspondentes aos meses em falta até perfazer esse período de um terço.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: TRIBUNAL DE ORIGEM: JUÍZO LOCAL CÍVEL DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LISBOA

APELANTE/S (nesta decisão também recorrente ou autora): M.

APELADO/A/S (nesta decisão também recorrido ou réu):  T.

DECISÃO OBJETO DE RECURSO: Sentença do tribunal de primeira instância que condenou o réu a pagar à autora €1.926,67, acrescida de juros de mora, por incumprimento do prazo de denúncia do contrato de arrendamento e que condenou a autora a pagar ao réu a quantia de €400,00 a título de danos não patrimoniais.

Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

RELATÓRIO
1 A apelante, autora nos autos, intentou ação contra o apelado, réu, pedindo a sua condenação no pagamento da quantia de €22.600,00, acrescida dos juros, à taxa legal, que se vencerem desde a citação e até integral pagamento.
2 Invocou, em síntese, que celebrou um contrato de arrendamento com o réu e que este terminou o contrato antes do prazo contratualmente previsto, sem fundamento, pelo que deverá indemnizar a autora em montante correspondente ao valor das rendas não pagas até ao termo do contrato.
3 O réu contestou a ação, pugnando pela sua improcedência e deduziu reconvenção, peticionando a condenação da ré no pagamento do montante de €1.150,00.
4 Invocou ter resolvido o contrato com justa causa em virtude da omissão da senhoria na realização de reparações necessárias à boa habitabilidade da casa. E pediu que caso o tribunal não considerasse o contrato resolvido, que considerasse que operou denúncia nos termos legais. Invocou ainda que a conduta da autora provocou ainda danos patrimoniais e não patrimoniais pelos quais deve ser ressarcido.
5 Após julgamento, o tribunal de primeira instância proferiu decisão:
- julgando a ação parcialmente procedente e condenado o réu, a pagar à autora a quantia de €1.926,67 (mil novecentos e vinte e seis euros e sessenta e sete cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa legal civil em vigor desde a data dos respetivos vencimentos até efetivo e integral pagamento;
- julgando a reconvenção parcialmente procedente condenando a autora/reconvinda, a pagar ao réu/reconvinte a quantia de €400,00 (quatrocentos euros).
6 A apelante, inconformada com a decisão do tribunal de primeira instância, recorreu. Concluiu as alegações, em suma, da seguinte forma:

CONCLUSÕES DA APELANTE
1.ª- A sentença recorrida errou ao concluir que sendo ineficaz a declaração de resolução, então deve a mesma declaração ser tratada como declaração de denúncia do contrato.
2.ª - Apesar de a declaração do réu se referir a “rescisão”, não há dúvida que o este quis foi resolver o contrato de arrendamento, sendo ele próprio a declará-lo à saciedade na contestação.
3ª - A ineficácia da declaração resolutiva, por não fundamentada, não apaga o facto de a vontade do R. ter sido a de terminar unilateral e imediatamente o contrato de arrendamento.
4.ª- A ineficácia da declaração resolutiva, tem como consequência que o contrato se manteve plenamente em vigor até ao termo final acordado pelas partes.
5 ª- Estava ao alcance do R., quer do ponto de vista prático quer legal, substituir-se à senhoria na execução das pequenas reparações, sendo que na perspetiva dele e a acreditar no que alega, pelo menos a afinação das janelas era urgente, pelo que estava ao seu alcance minorar o inconveniente de as janelas carecerem de afinação, não podendo, por isso, o prejuízo que para ele adveio desse facto ser imputável à A.
6.ª- Ao julgar como julgou, violou a sentença recorrida o disposto no art.º 236º do C.C., pelo que deve ser ela revogada e substituída por decisão que condene o R. a pagar à A. as rendas devidas, no montante de €22.100,00, acrescidas dos respetivos juros de mora, a contar da citação para a ação, devendo reduzir-se a condenação da A. em sede de reconvenção para não mais de €200,00.
7 O apelado respondeu ao recurso, pugnando pela manutenção da decisão

OBJETO DO RECURSO
8 O objeto do recurso é delimitado pelo requerimento recursivo, podendo ser restringido, expressa ou tacitamente pelas conclusões das alegações, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso e daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras (artigos 635.º, n.ºs 3 e 4, 639.º, n.º 1 e 608.º, n.º 2, do CPC). O tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista e é livre na interpretação e aplicação do direito (artigo 5.º, n.º 3, do CPC).
9 À luz do exposto, o objeto deste recurso consubstancia-se em analisar e decidir o seguinte:
- Erro de julgamento na qualificação e regime legal do negócio jurídico que pôs fim ao contrato de arrendamento.
- Erro de julgamento quanto ao montante arbitrado a título de indemnização.
10 Na análise das questões objeto de recurso, todas as referências jurisprudenciais respeitam a acórdãos publicados em www.dgsi.pt, exceto quanto expressamente mencionada diversa publicação.
FUNDAMENTOS DE FACTO
11 Com interesse para a decisão importa considerar o que resulta descrito no relatório que antecede, a que acrescem os seguintes factos, conforme julgados pelo tribunal de primeira instância.
FACTOS JULGADOS PROVADOS PELO TRIBUNAL A QUO
1) A autora é proprietária da fração autónoma designada pela letra “E”, correspondente ao 3.º andar direito do prédio urbano sito em …, Lisboa.
2) Por contrato celebrado em 03.10.2022, declarou dar de arrendamento ao réu, que declarou tomar-lhe de arrendamento a referida fração autónoma, para habitação deste último e por uma contraprestação de €1.700,00 por mês.
3) Autora e réu acordaram que o contrato teria a duração de 2 anos, com início no dia 04.10.2022 e termo no dia 03.10.2024, caducando automaticamente nesta última data sem necessidade de aviso prévio nesse sentido.
4) A título de caução o réu entregou à autora a quantia de €3.400,00, equivalente a duas rendas mensais.
5) Autora e réu acordaram ainda, nos termos de uma cláusula manuscrita, que intitularam como “ADENDA Cláusula 5.º”, que na data da assinatura do contrato, o réu pagaria à autora a quantia de €3.400,00, correspondente às rendas dos meses de Agosto e Setembro de 2024.
6) Da cláusula 7.a do contrato consta ainda:
“1. O local arrendado é entregue ao ARRENDATÁRIO em bom estado de conservação.
2. O ARRENDATÁRIO obriga-se a conservar, no bom estado em que atualmente se encontram, as instalações e canalizações da água, luz, esgotos e demais equipamentos do local arrendado, ficando a seu cargo as respetivas reparações, salvo as que decorrerem de facto imputável à SENHORIA, obrigando-se, designadamente, a entregar à SENHORIA o local arrendado totalmente livre e devoluto, em condições estéticas, de conservação e limpeza idênticas àquelas em que o encontrou,
7) Do Anexo II ao contrato, referente ao estado de conservação do imóvel, consta:
- pinturas paredes e tetos: parede da despensa com infiltrações
 - janelas: sala e quarto para afinar.
8) Acordaram ainda autora e réu nos termos da cláusula 9.º do contrato, que este último podia, depois de decorrido um terço de duração inicial do contrato, denunciá-lo a todo o tempo, mediante comunicação através de carta registada com aviso de receção, a enviar com a antecedência mínima de 120 dias, em relação à data em que pretenda abandonar a fração autónoma.
9) O réu enviou à autora e-mail datado de 24/04/2023, com o assunto: “Carta rescisão” com o seguinte conteúdo:
“Olá M.,
Venho por meio desta mensagem comunicar a rescisão do nosso contrato de renda. Como já paguei duas rendas adiantadas, além de dois meses de caução, não pagarei as rendas de maio nem as subsequentes. (...) "
10) O réu entregou a fração autónoma à autora no dia 31.08.23.
11) Nos meses de Março e Abril de 2023, o réu pagou apenas o valor de €1.450,00 mensal.
12) Autora e réu já tinham anteriormente celebrado um contrato de arrendamento, com duração de três anos que terminou no dia anterior ao início do presente.
13) Aquando da assinatura deste segundo contrato, o réu colocou como condição para a assinatura que a autora resolvesse alguns problemas existentes no apartamento, que já vinham do arrendamento anterior e que, entretanto, se vieram a agravar.
14) Em concreto foi pedido que a autora reparasse as paredes danificadas por causa da humidade, que reparasse os armários da cozinha e que afinasse as janelas uma vez que as mesmas não vedavam convenientemente e deixavam entrar muito frio.
15) No início de Janeiro de 2023, passados mais de 3 meses desde o início do novo arrendamento, e como nada tivesse sido feito pela autora, o réu enviou uma mensagem de Whatsapp à mesma a solicitar a reparação, mensagem à qual não obteve nenhuma resposta.
16) No dia 27 de Janeiro, e perante a ausência de qualquer resposta, o réu voltou a contactar a autora a insistir na reparação das paredes e janelas, mensagem à qual voltou a não obter resposta.
17) No dia 01 de Março de 2023, o réu voltou a contactar a autora, tanto por mensagens como telefonicamente, a insistir nas reparações, invocando o frio e as despesas acrescidas com eletricidade e gás para aquecer a casa e a propor a aquisição do imóvel, por forma a poder realizar as reparações por si próprio.
18) A autora respondeu alegando estar a passar dificuldades e não conseguir tratar com brevidade da situação, por não lhe ser possível vir a Portugal.
19) O réu insistiu, salientando eu alguns problemas se encontravam por resolver há quase um ano.
20) A autora, não obstante, ter respondido, não tomou qualquer medida para resolver as situações e tão pouco apresentou qualquer data para resolução dos problemas.
21) A autora, apesar dos pedidos do réu, também não registou atempadamente o contrato nas finanças, impedindo réu de declarar as rendas no seu IRS.
22) O facto de as janelas não serem reparadas tornava a casa demasiado fria e desconfortável, levando o réu a ter custos mais elevados com eletricidade e com gás para aquecer o imóvel.
23) Por forma a pressionar a autora a realizar as obras necessárias e a declarar o contrato, e as rendas junto da Autoridade Tributária, o réu resolveu reter 250€ mensais da renda.
24) Face à redução de renda efetuada pelo réu, a autora enviou mensagem pedindo para o Réu pagar a diferença, mas, mais uma vez, sem tomar qualquer medida para resolver o problema.
25) Em face das sucessivas omissões de resposta e da falta de resolução dos problemas suscitados, o réu decidiu terminar o contrato e remeteu à autora o e-mail aludido em 7).
26) Enviou igualmente, no dia 26.04.2023, Carta Registada com Aviso de Receção, para a morada convencionada no contrato, a qual veio devolvida no dia 27.04.2023 com a indicação de “desconhecido na morada”.
27) No dia 31.08.2023, o réu entregou o imóvel, tendo sido realizado inventário dos bens aí deixados, e nada tendo sido apontado ou reclamado pela autora.
28) Com a entrega do imóvel, o Réu pagou os 500€ em atraso que havia retido nas rendas de Março e Abril de 2023.
29) O réu, aquando da resolução, apresentou à autora um casal interessado em arrendar o imóvel assim que saísse.
30) A autora não mostrou interesse na proposta do réu e colocou o imóvel a arrendar por 2.500€ mensais, tendo o anúncio sido retirado a 16.11.2023.
31) O imóvel tinha paredes a descascar com humidade, os armários da cozinha precisavam de ser reparados, e as janelas não vedavam convenientemente.
32) Como as janelas não vedavam, verificava-se correntes de ar que provocaram no autor vários estados gripais.
33) Devido à má vedação das janelas, a casa era fria, o que obrigou o autor a despender elevadas quantias em gás e eletricidade para climatizar a casa.
34) Tal situação, bem como a inércia da autora em resolver o problema, a necessidade de realizar constantes contactos aos quais não obtinha resposta, provocaram no réu um estado de permanente ansiedade e preocupação.
35) Sentiu-se também prejudicado por não poder deduzir o valor das rendas ao seu IRS.
CONHECIMENTO DO OBJETO DO RECURSO
Enquadramento legal
12 O enquadramento legal relevante a considerar na análise e solução deste caso é o seguinte:
Artigo 496.º, n.ºs 1 e 4, do Código Civil
1. Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
4. O montante da indemnização é fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494.º; no caso de morte, podem ser atendidos não só os danos não patrimoniais sofridos pela vítima, como os sofridos pelas pessoas com direito a indemnização nos termos dos números anteriores.
Artigo 1079.º, do Código Civil
O arrendamento urbano cessa por acordo das partes, resolução, caducidade, denúncia ou outras causas previstas na lei.
Artigo 1080.º, do Código Civil
As normas sobre a resolução, a caducidade e a denúncia do arrendamento urbano têm natureza imperativa, salvo disposição legal em contrário.
Artigo 1083.º, n.ºs 1, 2 e 5, do Código Civil
1 - Qualquer das partes pode resolver o contrato, nos termos gerais de direito, com base em incumprimento pela outra parte.
2 - É fundamento de resolução o incumprimento que, pela sua gravidade ou consequências, torne inexigível à outra parte a manutenção do arrendamento (…).
(…)
5 - É fundamento de resolução pelo arrendatário, designadamente, a não realização pelo senhorio de obras que a este caibam, quando tal omissão comprometa a habitabilidade do locado e, em geral, a aptidão deste para o uso previsto no contrato.
Artigo 1098.º, n.ºs 3 a 6 do Código Civil
3 - Sem prejuízo do disposto no número seguinte, decorrido um terço do prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação, o arrendatário pode denunciá-lo a todo o tempo, mediante comunicação ao senhorio com a antecedência mínima seguinte:
a) 120 dias do termo pretendido do contrato, se o prazo deste for igual ou superior a um ano;
b) 60 dias do termo pretendido do contrato, se o prazo deste for inferior a um ano.
4 - Quando o senhorio impedir a renovação automática do contrato, nos termos do artigo anterior, o arrendatário pode denunciá-lo a todo o tempo, mediante comunicação ao senhorio com uma antecedência não inferior a 30 dias do termo pretendido do contrato.
5 - A denúncia do contrato, nos termos dos n.ºs 3 e 4, produz efeitos no final de um mês do calendário gregoriano, a contar da comunicação.
6 - A inobservância da antecedência prevista nos números anteriores não obsta à cessação do contrato, mas obriga ao pagamento das rendas correspondentes ao período de pré-aviso em falta, exceto se resultar de desemprego involuntário, incapacidade permanente para o trabalho ou morte do arrendatário ou de pessoa que com este viva em economia comum há mais de um ano.
*
Artigo 527º, nº 1 do Código de Processo Civil
A decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito.
1. Cessação do contrato de arrendamento pelo arrendatário ora apelado
13 A apelante pretende que a comunicação de rescisão do contrato de arrendamento realizada pelo apelado à apelante, no dia 24/4/2024 (o apelado comunicou por escrito à apelante o seguinte: “Venho por meio desta mensagem comunicar a rescisão do nosso contrato de renda.”), seja interpretada como resolução do contrato de arrendamento. Pretende ainda que, não tendo essa resolução obedecido aos requisitos legais necessários para que se considere validamente resolvido o contrato, seja o apelado condenado a pagar à apelante o valor total das rendas até ao termo do contrato de arrendamento celebrado.
14 Imputa, nessa medida, erro de julgamento ao tribunal de primeira instância, que afastou a aplicação do instituto de resolução do contrato, por não se terem verificado os respetivos pressupostos, e enquadrou a extinção contratual operada pela comunicação do apelado no regime da denúncia do contrato de arrendamento, em conformidade, aliás, com a posição subsidiária assumida pelo apelado na contestação.
15 Entendemos que o tribunal a quo decidiu acertadamente, não assistindo nessa medida razão à apelante.
1.1. Resolução
16 A resolução do contrato de arrendamento, que se traduz num negócio jurídico unilateral dirigido à cessação imediata da relação contratual, é vinculada, na medida em que apenas é admitida nos termos da lei ou de convenção (artigo 432.º, do Código Civil), criando na esfera jurídica de qualquer das partes o direito potestativo de pôr termo ao contrato, em face de um comportamento da contraparte concretizador desse fundamento – Cf. Ac. STJ, de 5/12/2019, Pr. 9283/17.6T8PRT.P1.S1.
17 No caso do contrato de arrendamento, na falta de convenção, a lei apenas permite a resolução do contrato com fundamento em incumprimento da outra parte. Em concreto, o arrendatário pode resolver o contrato quando o senhorio esteja em situação de incumprimento definitivo (cf. citado AC. do STJ) que, pela sua gravidade, torne inexigível a manutenção do arrendamento (artigo 1083.º, n.ºs 1 e 2, do Código Civil).
18 A obrigação do senhorio é incumprida quando este não assegura ao arrendatário o gozo do arrendado para os fins a que a este se destina - artigo 1031.º, alínea b), do Código Civil. Apenas um tal comportamento justifica o reconhecimento ao arrendatário cumpridor do direito de pôr fim ao contrato em qualquer momento da sua vigência, sem penalização, pela via da resolução.
19 Uma cessação de contrato que não se baseia no incumprimento da parte contrária, não é qualificável como resolução, dado o regime vinculado desta. Ou há incumprimento definitivo e a cessação do contrato é fundada neste – neste caso falamos de resolução; ou não existe tal enquadramento e a cessação do contrato não pode ser subsumível na figura da resolução.
20 Em conclusão, na falta de convenção, a resolução do contrato de arrendamento pressupõe sempre o incumprimento da outra parte. Fora deste enquadramento, a cessação do contrato de arrendamento nunca pode ser pela via da resolução.
21 O contrato dos autos foi celebrado por 2 anos, em 3/10/2022. Cerca de 6 meses depois, em 24/4/2023, o apelado comunicou à apelante que rescindia o contrato, sem invocar qualquer causa.
22 É inquestionável que, face ao teor da comunicação efetuada, não tendo o apelado suscitado sequer qualquer fundamento de incumprimento definitivo para justificar a cessação antecipada do contrato, fica afastada a possibilidade de enquadramento da cessação do contrato como resolução.
23 É nessa medida irrelevante fazer qualquer interpretação da declaração negocial contida na comunicação de 24/4/2023, como pretende a apelante. Se a resolução legal apenas podia operar por via de invocação de incumprimento e este não existiu (o que a apelante não contesta) não há resolução contratual.
24 E a conclusão do que ficou exposto para o desiderato da apelante é evidente: o apelado não pode ser responsabilizado pelo pagamento da totalidade das rendas com base numa alegada resolução ilegal do contrato de arrendamento, por a lei não prever tal possibilidade.
25 Notamos, aliás, que a interpretação da apelante esvaziaria o espaço de aplicação de outras formas de desvinculação discricionária unilateral dos contratos de arrendamento legalmente previstas. Em suma, se pudesse equacionar-se como admissível, à luz da lei, a interpretação da apelante de que efetivamente ocorreu uma resolução fora do quadro de incumprimento, que determina a responsabilização do arrendatário no pagamento da totalidade das rendas por ter sido uma resolução sem fundamento legal, não faria sentido a lei prever, igualmente, outros regimes de cessação unilateral discricionária do contrato de arrendamento.
1.2. Denúncia
26 A apelante discorda ainda da conclusão do tribunal de primeira instância, de que o contrato fundou por denúncia.
27 Também aqui decidiu bem o tribunal de primeira instância.
28 Nos termos da lei, os contratos de arrendamento celebrados em relação a prédios urbanos podem terminar por acordo, por resolução, caducidade, denúncia ou outro meio que a lei preveja. As formas de cessação unilateral são a resolução e a denúncia. Não há concurso (nem sequer aparente) entre elas, sendo cada uma integrada pelo enquadramento fáctico idiossincrático respetivo.
29 Afastada a resolução contratual neste caso, deverá a questão enquadrar-se no âmbito da denúncia do contrato pelo arrendatário, prevista no artigo 1098.º, n.º 3, do Código Civil que, na aceção de Manuel Januário da Costa Gomes, em «A desvinculação ad nutum no contrato de arrendamento urbano na reforma de 2012. Breves notas», in Revista da Ordem dos Advogados, ano 72 n.ºs 2-3 (Abr.-Set.2012), permite ao arrendatário operar a revogação unilateral do contrato.
30 De acordo com este regime, pelo mesmo autor denominado de denúncia atípica, decorrido um terço do prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação, o arrendatário pode denunciá-lo a todo o tempo, mediante comunicação ao senhorio com a antecedência mínima de 120 dias se o contrato for de prazo igual ou superior a um ano.
31 Neste regime, o legislador estabeleceu a possibilidade de o arrendatário operar livremente e sem penalizações denúncia do contrato, desde que decorrido pelo menos um terço do prazo de duração inicial do contrato.
32 O regime prevê ainda que tal comunicação seja realizada com pré-aviso de 120 dias de antecedência se o contrato for de prazo igual ou superior a um ano.
33 O período de pré-aviso destina-se a facultar ao locador a possibilidade de arrendar novamente o locado em face da antevista cessação do anterior vínculo contratual – cf. Ac. STJ, de 11/12/2014, Pr. 4311/10.9TBBRR.L1.S1, constituindo nessa medida o incumprimento desse prazo, com a consequente obrigação de pagamento das rendas respeitantes ao período de pré-aviso (artigo 1098.º, n.º 6)  pena pecuniária legalmente estabelecida como sanção para o arrendatário que desrespeite o prazo de pré-aviso – cf. AC. TRE de 23/4/2020, Pr. 46547/19.6YIPRT.E1, onde, a propósito, são citados: Menezes Leitão, Arrendamento Urbano, 2017, 8ª Edição – Reimpressão, Almedina, p. 162; Laurinda Gemas/Albertina Pedroso/João Caldeira Jorge, Arrendamento Urbano, 3ªEdição, 2009, Quid Juris, p. 462; e Acórdão do STJ de 12.02.2009, proc. 09A0033.
34 Decorre do regime legal da denúncia que, na falta de outro fundamento legal de cessação do contrato de arrendamento, ao arrendatário que pretenda pôr fim ao contrato de arrendamento, unilateralmente, e sem causa, é imposto que suporte pelo menos o valor das rendas correspondentes a 1/3 do total do período contratado.
35 Foi este, aliás, e bem, o regime que o tribunal de primeira instância aplicou, considerando que o apelado comunicou à apelante a extinção do contrato, pese embora cumprindo o pré-aviso de 120 dias, antes de decorrido o terço inicial de vigência do contrato.
36 O tribunal de primeira instância condenou-o acertadamente a garantir o pagamento de 1/3 do total das rendas respeitantes ao período contratado, ou seja, nas duas rendas que faltavam até o período de 1/3 ser alcançado - tendo contrato sido celebrado com início a 4/10/2022, poderia ser denunciado a partir de 4/6/2023 (mas com efeitos a 30/6/2023. Por força do artigo 1098.º, n.º 5, do Código Civil). Foi denunciado a 24/4/2023 (com efeitos a 30/4/2023), isto é, dois meses antes da data em que a denúncia deveria ocorrer.
2. Indemnização
37 Sem questionar a verificação dos pressupostos de responsabilidade civil, a apelante pede apenas que o valor da indemnização seja reduzido de €400,00, valor fixado a quo, para não mais de €200,00.
38 Não podemos estar de acordo, face ao que ficou demonstrado.
39 Disse o tribunal de primeira instância para fundar o montante arbitrado:
A indemnização tem por finalidade a reparação dos danos causados e deve, sempre que possível, reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o facto danoso (artigos 562º e 563º do Código Civil), compreendendo o dever de indemnizar, para além do prejuízo causado (dano emergente), os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão (lucros cessantes) (artigo 564º, n.º 1, do Código Civil).
Resultou demonstrado que o réu/reconvinte para manter a casa quente despendeu montantes elevados em gás e electricidade, que sentiu frio, não podendo usufruir da sua casa com o conforto desejável e que sentiu grande ansiedade face à dificuldade em resolver a questão e inércia e omissão da autora na resolução do problema, apesar de se ter comprometido nesse sentido.
Também o facto de a autora não ter registado o contrato junto da Autoridade Tributária, não emitindo os respetivos recibos e impedindo o réu de declarar as rendas no seu IRS, acarretou igualmente transtorno e ansiedade no réu.
Quanto aos danos patrimoniais, apesar de ter ficado demonstrado o dispêndio de quantias elevadas em gás e eletricidade, não logrou o réu demonstrar quais os valores concretamente gastos, nem que os mesmos tenham sido superiores ao usual, pelo que improcede o peticionado a este título.
Quanto aos danos não patrimoniais, este é um núcleo de danos que, pela sua própria natureza, traduzem perdas insuscetíveis de uma avaliação pecuniária, na medida em que atingem bens não integráveis no património do lesado.
Tais danos são ressarcíveis apenas e se, de acordo com o disposto no artigo 496º, n.º 1 do Código Civil, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito. Do que se trata, na verdade, não é de quantificar este género de danos, nem tão pouco, afirmar “quanto” valem. Trata-se, sim, de atribuir um montante que possa servir de reparação ou satisfação por perdas que são irrecuperáveis.
Pois bem, ponderando a natureza do contrato, o valor da renda e expectativa de um nível de comodidade coincidente com o mesmo, o grau de desconforto inerente ao frio e correntes de ar sentidas e impossibilidade de uso adequado da fração, e ainda a ansiedade e frustração pelo protelar da situação causada pela inércia da autora e incapacidade de resolução do problema, julga-se adequada a fixação da quantia indemnizatória no valor de €400,00.
40 A análise e solução do tribunal a quo afiguram-se ajustadas face aos factos provados. Aliás, a merecer censura, seria por defeito e não por excesso.
41 O estado de espírito do apelado, decorrente da conduta da apelante em não fazer as reparações necessárias, obrigando a gastos excessivos de gás e eletricidade para aquecer a casa, bem como a circunstância de se ver impedido de receber benefício fiscal por força da conduta da apelante excede de forma relevante os meros incómodos genericamente considerados como não ressarcíveis.
42 Nessa medida, o valor atribuído não deve ser reduzido, devendo manter-se nos termos fixados pelo tribunal de primeira instância como forma de compensar o apelado pelos danos que sofreu por força da conduta da apelante.
43 Em conclusão, improcede o recurso.
3. Custas
44 Nos termos do artigo 527.º, do Código de Processo Civil, a apelante deverá suportar as custas (na modalidade de custas de parte), porque vencida, face à decisão proferida na presente apelação.
DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente o presente recurso, confirmando a decisão impugnada.
Custas pela apelante.

O presente acórdão mostra-se assinado e certificado eletronicamente.

Lisboa, 3 de dezembro de 2024
Rute Lopes   
Cristina Silva Maximiano
Edgar Lopes