Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | ESTER PACHECO DOS SANTOS | ||
Descritores: | DOCUMENTO ELECTRÓNICO PROVA DOCUMENTAL PROIBIÇÃO DE PROVA IN DUBIO PRO REO | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 01/21/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NÃO PROVIDO | ||
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Sumário: | 1 – Estando em causa documentos eletrónicos, com força probatória - SMS e WhatsApp –, não há qualquer obrigação de autenticação para a sua consideração, nada obstando ao seu tratamento como prova documental, de acordo com as correspondentes disposições gerais (art.º 362.º e ss do CC), e como tal sujeita às regras da experiência e da livre apreciação, nos termos do disposto no art.º127.º do CPP. 2 – Tratando-se de documentos juntos aos autos pelo ofendido, sendo ele o destinatário direto e imediato das mensagens telefónicas enviadas pelo arguido, concretamente, documentos pertencentes ao ofendido, que entraram legitimamente na sua posse e que não foram enviados como confidenciais, não cabe a sua apresentação em qualquer proibição de prova prevista no artigo 126.º do CPP. 3 – O princípio in dubio pro reo tem efetiva relevância e aplicação no domínio da apreciação da prova. Porém, refletindo-se nos contornos da decisão de facto, apenas será de aplicar quando o julgador, finda a produção de prova, tenha ficado com uma dúvida não ultrapassável relativamente a factos relevantes, devendo, apenas nesse caso, decidir a favor do arguido. 4 - A sua eventual violação tem de resultar do texto da decisão recorrida em termos análogos aos dos vícios elencados no artigo 410.º, n.º 2, do CPP, só podendo ser sindicada, conformando a sua violação uma autêntica questão de direito, se da decisão resultar que o tribunal recorrido ficou na dúvida em relação a qualquer facto e que, perante esse estado de dúvida, decidiu contra o arguido. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Em conferência, acordam os Juízes na 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: I – Relatório 1. No processo comum singular n.º 379/17.5PCCSC do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, Juízo Local Criminal de Cascais - Juiz 1, foi proferida sentença a 23.04.2024, com o seguinte dispositivo (transcrição parcial): A) Condenar o arguido AA pela prática de um crime de perseguição, previsto e punido pelo artigo 145.º-A do Código Penal na pena de 150 (cento e cinquenta) dias de multa à taxa diária de 7,00 € (sete euros) no montante global de 1.050,00 € (mil e cinquenta euros). (…) 2. Não se conformando com a sua condenação, veio o arguido interpor recurso para este Tribunal da Relação, formulando as seguintes conclusões (transcrição): a. O Recorrente foi condenado crime de perseguição, previsto e punido pelo artigo 154º-A do Código de Penal, numa pena de multa, no montante de €1.050,00 (mil e cinquenta euros). b. Todavia, cumpre esclarecer que a aludida decisão não pode prosperar, devendo ser reformada, na medida em que, data maxima venia, o juizo a quo não observou os fundamentos explorados pela defesa, que demonstram que a decisão, para estar em consonância com o ordenamento jurídico, deveria seguir outro caminho, sofrendo, o Recorrente, as mazelas de uma decisão penal injusta. c. No dia 15.04.2024, em sede de audiência de julgamento (Ref. Citius:150431575), a defesa do Recorrente alegou diversas matérias, nomeadamente, a prescrição do crime de perseguição e nulidade das provas digitais pela ausência de demonstração da cadeia de custódia. d. No dia 23.04.2024, realizou a leitura e depósito da decisão, onde o juizo a quo, não se manifestou acerca das referidas teses avocadas pela defesa do Recorrente, transgredindo o preceito constitucional indeclinável do contraditório, e falhando no seu dever imperativo de apreciar todas as questões que lhe são suscitadas, contaminando a respetiva decisão por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 379º, n.º 1, al. c) do Código de Processo Penal. e. Outro aspeto fundamental que efetivamente ocorreu no presente processo e não foi diagnosticado pelo juizo a quo, comprometendo os direitos fundamentais do arguido, supostamente, até o mês de agosto de 2017, praticou o crime de perseguição contra a vítima. f. Consoante consta na acusação e foi reproduzido na sentença. g. O crime de perseguição, positivado no artigo 154º-A, do Código Penal, preconiza que o crime será punido com pena de prisão máxima de 3 (anos) ou multa. Portanto, o crime de perseguição, ao abrigo do artigo 118º, n.º 1, al.c) prescreve em 5 (cinco) anos, portanto, o crime ora apreciado, está prescrito desde Agosto de 2022. h. A base probatória para a investigação e, por derradeiro, despacho de acusação, foram diversos prints de SMS e WhatApp, conforme o próprio Ministério Público narrou a acusação. i. Portanto, é inegável que as provas que corroboraram o processo e fomentaram a acusação, são digitais. Neste viés, a prova digital dispõe de determinadas particularidades, que a distingue ontologicamente dos demais meios de prova e obtenção de prova. j. A prova digital, consoante iremos nos debruçamos é imaterial, frágil e volátil, como tal, para representar a verdade material dos factos, com a garantia de que a mesma é autêntica e está integra, mantendo-se inalterada desde a sua obtenção à demonstração em sede de julgamento, é através do instituto da cadeia de custódia da prova. k. A cadeia de custódia da prova é um mecanismo de controlo epistémico da prova, e possui uma importância acrescida no que concerne à verificação de idoneidade das provas digitais, posto que estas podem ser facilmente adulteradas e, por derradeiro, manipular a verdade material, podendo conduzir o Poder Judiciário a decretar uma decisão equivocada, pondo em causa a ordem de todo o sistema jurídico. l. In casu, todas as provas em utilizadas pelo ofendido são digitais. A prova digital, embora exista e seja reconhecida pela doutrina e jurisprudência, não detém um ordenamento jurídico próprio, pelo que, tal meio de prova será corporizado no processo em papel. m. Nessa circunstância, a prova digital será valorada na forma de documento. Sucede que a prova documental, apenas pode ter um valor absoluto, se for autenticado, nos termos do artigo 169º do Código de Processo Penal. n. No caso dos presentes autos, o assistente apenas juntou a prova digital, sem autenticar as cópias, nem tampouco, demonstrando a sua autenticidade por outros meios. o. A falta de autenticidade das provas digitais em questão, reforça ainda mais, a realização da sua cadeia de custódia – ou seja, a demonstração de que foram realizados todos os procedimentos cabíveis e a sua respetiva documentação, de que a prova, desde a sua obtenção até percorrer o crivo da apreciação do tribunal, não sofreu nenhuma adulteração -, que por sua vez, também não foi realizada. p. O Recorrente não tem a pretensão de afirmar que o assistente eventualmente tenha manipulado as provas apresentadas, por outro lado, também não podemos asseverar com plena veemência que as provas são autênticas, na medida em que não houve a comprovação da sua cadeia de custódia, nem tampouco, foram autenticadas em Notário. Entretanto, a questão é simples: o assistente não demonstrou categoricamente que as provas são genuínas, sobretudo, pelo facto de que esse ónus não é do arguido, considerando que o princípio da presunção de inocência milita a seu favor. q. Portanto, o assistente no seu encargo de demonstrar que as provas são genuínas, não teve êxito, limitando-se a imprimi-las. O Ministério Público, por seu turno, não realizou o procedimento da cadeia de custódia da prova, o que, por derradeiro, não se pode assegurar que as provas digitais ancoradas no processo são legítimas para demonstrar a responsabilidade penal do Recorrente. r. Desta feita, não fora realizada a comprovação de que as provas digitais inventariadas no processo são autênticas e que não foram alteradas, não havendo a realização da cadeia de custódia e, muito menos, os respetivos documentos foram autenticados, pelo que, não se pode afirmar com segurança a culpa do Recorrente. s. A ausência da cadeia de custódia e autenticação dos documentos, torna o material probatório de integralidade duvidosa, não podendo ter o escopo, com base nisto, de condenar o Recorrente. t. As provas digitas constantes nos autos são nulas, nos moldes do artigo 126º do CPP e 32º, n.º 8 da CRP, na medida em que violam os direitos fundamentais do Recorrente, nomeadamente, o contraditório, posto que não se pode contestar o que não se tem prova de autenticidade; a presunção de inocência, na medida em que, considerando a sua debilidade, as provas digitais não podem comprovar irrefutavelmente a sua responsabilidade penal. u. Considerando que as provas digitais estão enfermas de nulidade, por força do preceituado no artigo 122º, n.º 1 do CPP, os depoimentos da testemunha e do assistente são igualmente nulos, visto que têm por alicerce os factos ilustrados nas provas digitais apresentadas. v. Se a violação da cadeia de custódia da prova digital não for considerada, o Recorrente deve ser absolvido com fundamento no princípio do in dubio pro reo, posto que as provas digitais não demonstram a sua autenticidade, logo, não podem ter o condão de condenar. Diante do exposto, requer-se a Vossas Excelências, que se dignem em: A) A atribuição do presente recurso em efeito suspensivo e a designação de audiência, consoante mandamento previsto no artigo 411º, n.º 5 do CPP para se discutir os pontos da motivação destacados na peça de interposição; B) DECRETAR A NULIDADE DA SENTENÇA por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 379º, n.º 1, al.c) do Código de Processo Penal, posto que, o juizo a quo, não apreciou todos os pedidos formulados pela defesa na fase de alegações; C) A PRESCRIÇÃO DO CRIME DE PERSEGUIÇÃO, com fundamento na conjugação dos artigos 154º, n-º 1, al. a) e artigo 118º, n.º 1 al. c), ambos do Código Penal; D) A NULIDADE DAS PROVAS DIGITAIS, nos termos do artigo 126º do CPP e 32º, n.º 8 da CRP, posto que não fora demonstrada a sua autenticidade e integralidade, com a adoção da cadeia de custódia da prova. Por derradeiro, ao abrigo do artigo 122º, n.º 1 do CPP, a nulidade dos depoimentos do assistente e da testemunha, posto que os seus termos são alicerçados na prova digital que já está viciada. Ou; E) A ABSOLVIÇÃO do Recorrente, nos moldes do princípio do in dubio pro reo, na medida em que, uma vez que não foi provada a autenticidade das provas, não se pode utilizá-las para fins de condenação. 3. O Ministério Publico apresentou resposta ao recurso interposto pelo arguido, concluindo nos seguintes termos (transcrição): 1. No douto Despacho de admissão do presente recurso, o Tribunal a quo reconheceu a omissão de pronúncia que reparou, apreciando os pontos que o Recorrente trouxe ao presente recurso. 2. Nos termos do disposto no artigo 121.º, n.º 3 do Código Penal que, o prazo máximo de prescrição no caso é de 7 anos e 6 seis meses, sem prejuízo dos períodos de suspensão (pelo que o prazo de prescrição só ocorreria a 14-02-2025). Não pode, pois, encontrar-se prescrita a responsabilidade criminal do arguido pelo crime de perseguição, p. e p. pelo artigo 154.º-A do Código Penal. 3. Considerando o princípio geral de que são admissíveis todas as provas que não forem proibidas por lei, não cabendo a prova produzida em qualquer proibição de prova prevista no artigo 126.º do Código de Processo Penal, e não havendo qualquer obrigação de autenticação de provas documentais, nem qualquer proibição de prova no caso concreto, não há qualquer impedimento à valoração das provas constantes do processo, ao abrigo do princípio da livre apreciação da prova pelo Tribunal. 4. A prova foi junta aos autos sem que se aponte qualquer problema relativo à sua preservação, não havendo indício ou evidência que a ponha em causa. 5. Em face da reparação da douta Sentença a quo, analisadas e explicadas todas as questões que o Recorrente trouxe ao presente recurso, dúvidas não restam do acerto da sua condenação que deve, assim, salvo melhor opinião, manter-se. 4. Por despacho judicial lavrado nos autos a 01.07.2024, foi o recurso admitido, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo, tendo então a Mmª Juiz a quo tomado posição quanto à alegada omissão de pronúncia, sendo tanto nos seguintes termos (transcrição): Das alegadas nulidades da sentença: Argui o arguido a nulidade da sentença por omissão de pronúncia por parte do Tribunal relativamente à prescrição do procedimento criminal alegada em sede de alegações finais. Compulsados os autos, verifica-se que assiste razão ao arguido no que respeita a alegada omissão de pronúncia. Assim, cumpre reparar tal omissão de pronúncia: O arguido foi acusado e condenado pela prática de um crime de perseguição, p. e p. pelo artigo 154.º-A do Código Penal, com uma pena de prisão até 3 anos ou pena de multa, se pena mais grave não lhe couber por força de outra disposição legal. Nos termos do disposto no artigo 118.º, n.º 1, alínea c) do Código Penal, por se tratar de crime punível com pena de prisão cujo limite máximo é superior a um ano, mas inferior a cinco anos o prazo de prescrição é de 5 anos. Os factos em causa nos autos ocorreram entre Abril de 2017 e 14-08-2017. O crime de perseguição é um crime permanente, só se iniciando o prazo de prescrição no dia em que cessar a consumação (cfr. artigo 119.º, n.º 2, a) do Código Penal). Importa, contudo, verificar se se verificam causas de interrupção ou suspensão da prescrição. In casu, verificam-se as seguintes: - 07-03-2019 – constituição de arguido – causa de interrupção cfr. artigo 121.º, n.º 1 al. a) do Código Penal; - 16-09-2020 – notificação do despacho de acusação – causa de interrupção e causa de suspensão 121.º, n.º 1 al. b) do Código Penal e 120.º, n.º 1 al. b) do Código Penal. Acresce ainda ponderar, nos termos do disposto no artigo 121.º, n.º 3 do Código Penal que, o prazo máximo de prescrição no caso é de 7 anos e 6 seis meses, sem prejuízo dos períodos de suspensão (pelo que o prazo de prescrição só ocorreria a 14-02-2025). Contudo, há ainda que considerar a suspensão operada pela notificação da acusação a 16-09-2020, que não pode ultrapassar os 3 anos, nos termos do artigo 120.º, n.º 2 do Código Penal. Ora, do que antecede, decorre não se encontrar prescrita a responsabilidade criminal do arguido pelo crime de perseguição, p. e p. pelo artigo 154.º-A do Código Penal. Em face do que antecede, improcede a alegada prescrição. * Por outro lado, verifica-se que assiste igualmente razão ao arguido no que respeita à omissão de pronúncia por parte do Tribunal relativamente à “violação da cadeia de custódia da prova” alegada em sede de alegações finais. Assim, cumpre reparar tal omissão de pronúncia: Dispõe o artigo 125.º do Código de Processo Penal que são admissíveis todas as provas que não forem proibidas por lei, sendo que, de acordo com o disposto no artigo 127.º do mesmo código, salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente. Entende o recorrente que a prova relativa às mensagens enviadas pelo arguido ao ofendido, constitui prova digital, devendo manter-se “a garantia de que a mesma é autêntica e está integra”, desde a sua obtenção à demonstração em sede de julgamento, “através do instituto da cadeia de custódia da prova.” E que nestas circunstâncias “a prova digital será valorada na forma de documento. Sucede que a prova documental, apenas pode ter um valor absoluto, se for autenticado, nos termos do artigo 169º do Código de Processo Penal.”. Ora, de acordo com o disposto no artigo 164.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, é admissível prova por documento, entendendo-se por tal a declaração, sinal ou notação corporizada em escrito ou qualquer outro meio técnico, nos termos da lei penal, sendo o seu valor livremente apreciado nos termos do já referido artigo 127.º do Código de Processo Penal. Os documentos juntos aos autos e que corporizam as mensagens enviadas pelo arguido ao assistente não são, contrariamente ao defendido pelo arguido, documentos autênticos ou autenticados e, por conseguinte, não se encontram cobertos pelo disposto no artigo 169.º do Código de Processo Penal. A este propósito, recorde-se o disposto no artigo 363.º do Código Civil, que define as modalidades de documentos escritos existentes na ordem jurídica portuguesa, a saber: 1. Os documentos escritos podem ser autênticos ou particulares. 2. Autênticos são os documentos exarados, com as formalidades legais, pelas autoridades públicas nos limites da sua competência ou, dentro do círculo de actividade que lhe é atribuído, pelo notário ou outro oficial público provido de fé pública; todos os outros documentos são particulares. 3. Os documentos particulares são havidos por autenticados, quando confirmados pelas partes, perante notário, nos termos prescritos nas leis notariais. Ora, in casu, não foi junto qualquer documento autêntico ou autenticado, não tendo, consequentemente sido valorado nenhum documento nesses termos. Por outro lado, atendendo ao princípio geral de que são admissíveis todas as provas que não forem proibidas por lei e não cabendo a prova produzida em qualquer proibição de prova prevista no artigo 126.º do Código de Processo Penal, não havendo qualquer obrigação de autenticação de provas documentais, nem qualquer proibição de prova no caso concreto, não há qualquer impedimento à valoração das provas constantes do processo, ao abrigo do princípio da livre apreciação da prova pelo Tribunal, precisamente o que fez o Tribunal. Ademais, no caso concreto, trata-se de prova documental junta pelo ofendido, não de qualquer prova digital recolhida em suporte electrónico por órgãos de polícia criminal. Finalmente, a prova foi junta aos autos sem que se tenha verificado qualquer questão relacionada com a sua preservação, não havendo qualquer indicio ou evidência que ponha em causa a prova junta aos autos, não se verificando, no entender deste Tribunal, nomeadamente, qualquer violação da cadeia de custódia. * Em face do que antecede, entende este Tribunal estarem reparadas as alegadas omissões de pronúncia de que a sentença recorrida enfermava e apontadas pelo recorrente ao abrigo do disposto no artigo 379.º, n.º 1, al. c) do Código de Processo Penal, contudo o Venerando Tribunal da Relação melhor decidirá. * Notifique, nos termos do artigo 411.º, n.º 6 do Código de Processo Penal. Junta a resposta ou decorrido o prazo de resposta, conclua de imediato. * 5. Nesta Relação, efetuado o exame preliminar, foi indeferida a realização da audiência requerida pelo arguido. 6. A Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, no sentido de parcial provimento do recurso, com consequente reparação, consignando o seguinte (transcrição parcial): Pese embora se nos afigure que os factos dados como provados são bastantes para fundar a decisão condenatória proferida, e conquanto se concorde, na sua substância e fundamentos, com o sentido de apreciação exarados no despacho que veio a ser proferido pela Mmª Juiz no sentido de não ocorrer a prescrição do procedimento criminal e não se deparar razão a afectar a validade de provas apresentadas e consideradas em sede de sentença, no que concerne a invocada omissão de pronúncia sobre questões suscitadas pela defesa em audiência, passível de caracterizar-se à luz do disposto no art.379º, n.º 1, al. c) do C.P.P., tendemos a entender, com o devido respeito por distinta interpretação, que sendo admissível e tendo sido interposto recurso da sentença, impugnação cujo objecto integra tal específica questão, o conhecimento da arguida nulidade cabe ao Tribunal superior, ademais considerando o disposto nos arts. 379º nº2 e 380º nº 1 al. a) e 414º nº 4, todos do C.P.P. 7. Cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 2 do Código de Processo Penal (doravante designado CPP), não foi apresentada resposta. 8. Colhidos os vistos, foram os autos à conferência. Cumpre apreciar e decidir. II – Fundamentação 1. Objeto do recurso De acordo com o estatuído no art.º 412.º do CPP e com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19 de outubro de 1995, o âmbito do recurso é definido pelas conclusões que o recorrente extrai da respetiva motivação, que delimitam as questões que o tribunal ad quem deve apreciar, sem prejuízo das que sejam de conhecimento oficioso, mormente os vícios enunciados no art.º 410.º n.º 2 CPP. No caso concreto, atendendo às conclusões da motivação de recurso, cumpre apreciar as seguintes questões: • Da prescrição do procedimento criminal relativo ao crime de perseguição; • Da nulidade das provas digitais; • Da absolvição do recorrente por aplicação do princípio in dubio pro reo. 2. Da sentença recorrida 2.1. O tribunal a quo deu como provada e não provada a seguinte factualidade (transcrição): Factos provados: 1. O arguido e o assistente BB mantinham, há alguns anos, uma relação de amizade; 2. A partir de Abril de 2017, o arguido começou a remeter várias sms’s ao assistente, bem como a realizar várias tentativas de contacto telefónico, através do telemóvel com o número ... para os telemóveis do assistente com os números ... e ...; 3. São as seguintes algumas das “sms’s” remetidas pelo arguido ao assistente: - no dia 01.05.2017, pelas 18h06, remetida via aplicação WhatsApp, conjuntamente com a fotografia de um taco de basebol: “A minha nova aquisição…um taco de basebol para ir jogar com um “amigo”…a estrear muito brevemente”; - no dia 24.05.2017, pelas 14h26, remetida via aplicação WhatsApp, conjuntamente com a fotografia de uma tatuagem: “A minha mais recente loucura. Uma tatuagem com a palavra “DESTINO”. Há pessoas que saberão o significado. Para essas pessoas, até breve. AA.”; - no dia 29.05.2017, pelas 12h50: “…Como sempre te disse, cá se fazem, cá se pagam…e TU ainda nem sequer começaste a pagar…mas o Destino encarregar-se-á de Ti”; - no dia 31.05.2017, pelas 17h53: “Pressinto que a tua vida está muito tranquila…precisas de animação extra. Estou certo que o DESTINO se encarregará, muito em breve, de te proporcionar dias muito, muito agitados”; - no dia 03.06.2017, pela 01h03: “Boas, então hoje não vieste dormir a casa…tínhamos tanto para falar e acertar???? Oportunidades não faltarão. Estarei sempre no teu caminho”; - no dia 06.06.2017, pelas 17h32: “Não me esqueci de TI. Estou cheio de saudades tuas para nos reencontramos e tomarmos um café”; - no dia ........2017, pelas 12h07: “parabéns “amigo” pela vitória conseguida. Ganhaste a guerra, mas continuo a acreditar que o “DESTINO” e o TEMPO te darão a devida recompensa por todo o mal que me fizeste. Desejo-te toda a infelicidade do mundo e que haja justiça…”; - no dia 03.07.2017, pelas 22h48: “Vão-se arrepender amargamente da forma como fizeram as coisas…nem que seja a última coisa que EU faça na VIDA”; - no dia 19.07.17, pelas 11h50: “HOJE tive conhecimento de toda a Verdade, nua e crua. Não ficarás impune…Pode demorar 1, 5, 10, 20 anos, mas a “justiça tarda, mas não falha”. Um desses dias, se calhar quando menos esperares, terás a “recompensa” por todo o mal que me fizeste…Não te desejo nada de bom para o teu futuro…porque não és merecedor de tal”; - no dia 23.07.2017, pelas 22h36 e 22h44: “EU avisei…meteram-se com o MEU FILHO …Eu tinha avisado que o meu FILHO era sagrado. Vão pagar por isso e será um preço muito alto. Olho por olho…dente por dente. PREPARA-TE”; - no dia 31.07.2017, pelas 20h39: “AMIGO. Estás preparado???? O DESTINO tratará de ti muito mais depressa do que TU e a TUA NOVA PARCEIRA julgam. Julgam que é bluff? Pensem o que quiserem. Se julgas que alguma vez terás PAZ…esquece. O DESTINO perseguir-te-á até ao teu último dia. Só tens uma hipótese. Antecipa-te TU ao DESTINO e abate-o”; - no dia 14.08.2017, pelas 17h51: “Vais perder esse risinho cínico. Vais desejar NUNCA me teres conhecido…vou atrás de ti e dos teus”; 4. Entre Junho de 2017 e Janeiro de 2018, o arguido remeteu mais de 40 (quarenta) mensagens telefónicas ao assistente, de cariz similar às transcritas; 5. Por outro lado, entre 6 de Julho de 2017 e 26 de Julho de 2017, o arguido tentou contactar telefonicamente o assistente, ligando do seu referido telemóvel para os dois telemóveis deste, por mais de 60 (sessenta) vezes, tal como ocorreu, exemplificativamente, nas seguintes ocasiões; -no dia 06.07.2017, entre as 22h34 e as 23h49, 19 tentativas de contacto telefónico; -no dia 23.07.2017, entre as 23h01 e as 02h29, 13 tentativas de contacto telefónico; - no dia 24.07.2017, entre as 22h52 e as 00h24, 10 tentativas de contacto telefónico; - no dia 25.07.2017, entre as 00h02 e as 02h26, 15 tentativas de contacto telefónico; 6. O arguido resolveu atormentar o espírito do assistente, remetendo-lhe incessantemente mensagens de teor ameaçador, deixando entender que a integridade física do lesado se encontrava em perigo. 7. O estado de espírito exaltado do arguido, as suas constantes remessas de “sms’s” e as incessantes tentativas de contactar o assistente, conduzem a que o concreto teor das mensagens remetidas à vítima seja adequado a provocar receio, medo e perturbação no lesado, intuito que o arguido visava e logrou; 8. Por outro lado, o arguido assediou incessantemente o assistente, causando-lhe medo e prejudicando a sua liberdade de determinação, levando a vítima a ter que mudar de residência, intuito que o agressor visava e logrou; 9. As constantes tentativas de contacto telefónico, mesmo a altas horas da noite, condicionaram o sossego, a paz e a tranquilidade do assistente, intuito que o arguido visava e logrou; 10. AA, que agiu de forma livre, deliberada e consciente, conhecia toda a factualidade exposta, tendo agido da forma como quis agir, 11. bem sabendo que a sua conduta era, e é proibida e punível por lei; 12. O arguido é licenciado em ciências da comunicação e trabalha como ..., auferindo um salário mensal de 820,00 €. 13. Tem um filho, de 19 anos. 14. Vive em casa arrendada, com a companheira e o filho desta, já maior de idade, dividindo os três a renda da casa, de 800,00 €. 15. Nada consta averbado do certificado de registo criminal do arguido. Factos não provados A. A amizade entre arguido e assistente se deteriorou quando o arguido descobriu, cerca do mês de Abril de 2017, que a sua então esposa CC se encontrava a manter um relacionamento amoroso, até então secreto, com o assistente. B. Em data não concretamente apurada, mas seguramente posterior ao mês de Abril de 2017, o arguido afixou uma carta por si redigida no painel de informações do prédio sito na ..., ex-morada do assistente, contendo uma fotografia visível da face do lesado, bem como os seus contactos telefónicos e endereço electrónico; C. O arguido sabia que não tinha autorização do assistente para a afixação da fotografia da face da vítima no prédio onde este residia, assim como sabia que tal conduta não seria do agrado deste. 2.2. O tribunal recorrido fundamentou a sua convicção nos seguintes termos (transcrição): O Tribunal firmou a sua convicção na ponderação, à luz das regras da experiência comum e na livre convicção do julgador, da análise crítica e conjugada do conjunto da prova produzida, nos termos do disposto no artigo 127.º do Código de Processo Penal. Consideram-se, em especial, os seguintes elementos de prova: prints das mensagens e chamadas, Certificado de Registo Criminal do Arguido, todos conjugados com as declarações prestadas pelo assistente e pela testemunha CC (ex-mulher do arguido e companheira do assistente). Em detalhe: A relação entre arguido e assistente (facto 1) resultou demonstrada pelas declarações prestadas pelo assistente (e nesta medida confirmadas pela testemunha CC) que explicou conhecer o arguido por ambos terem filhos a jogar no mesmo clube, estando inicialmente juntos no âmbito das actividades relacionadas com a prática desportiva dos filhos e posteriormente, de forma mais pessoal. A factualidade assente em 2. a 5. decorre, quanto ao teor, datas e números de envio e recepção das mensagens, dos prints de mensagens e, o número, datas e horas das chamadas recebidas decorre dos prints dos registos de chamadas (fls. 35 e 36, 30, 26, 38, 39, 40, 100,105, 25, 155, 138, 135, 121 e 123, 155 e 157, 146, 148, 149, 153 e 153, 143, 144, 145). O assistente concretizou o teor de algumas das mensagens por si recebidas do arguido, nomeadamente a mensagem do taco de basebol, referiu ainda dezenas de chamadas, e que essas chamadas e mensagens duraram meses. A testemunha CC relatou igualmente ter presenciado a recepção de algumas mensagens (tendo lido algumas) e ter igualmente presenciado as chamadas incessantes, por vezes ocorridas quando a testemunha estava com o assistente. No que respeita à autoria das mensagens, o assistente explicou que as mesmas eram recebidas do número que tinha associado ao arguido. Também a testemunha ouvida, confirmou o número de telefone do arguido. Por seu turno, o assistente confirmou que os números em que recebeu as mensagens e tentativas de telefonemas eram os seus números. Os factos relativos à forma como o assistente se sentiu em face da conduta do arguido decorrem, desde logo, da descrição do próprio, que explicou que ficou com medo, alarmado e, uma vez que ele e o arguido viviam relativamente perto, viu-se obrigado a alterar as suas rotinas. Num momento inicial, quando chegava a casa à noite, procurava assegurar-se de que o arguido não se encontrava à sua espera perto da sua casa e depois acabou por mudar de casa (para uma casa da família) e de carro (tendo pedido um carro emprestado a uma amiga), tendo ainda frequentado um curso de defesa pessoal e deixado de acompanhar o filho no futebol com receio de encontrar o arguido. Apesar da circunstância de a testemunha ser ex-mulher do arguido e de o assistente ser ex-amigo e actual companheiro da ex-mulher do arguido, o Tribunal entendeu os depoimentos prestados como objectivos e credíveis, não denotando qualquer condicionamento ou enviesamento apesar das circunstâncias pessoais que afastam os intervenientes do arguido. Assim, em face das declarações espontâneas e coerentes com as regras de experiência comum prestadas pelo assistente e corroboradas pelas testemunhas, não se suscitaram dúvidas ao Tribunal sobre a ocorrência das mesmas, tanto mais que são ainda em grande medida corroboradas por prova documental. Os factos relativos ao elemento subjectivo, na ausência de confissão sobre os mesmos, resultaram provados na medida em que tais factos decorrem da conjugação da factualidade objectiva apurada com regras de normalidade e de experiência comum do julgador. Na verdade, a intenção criminosa, traduzindo um acontecimento da vida psicológica, da vivência interna, não é facto directamente percepcionável, havendo que a inferir a partir da exteriorização da conduta do agente. Assim, o arguido não podia deixar de saber que ao dirigir ao assistente dezenas de mensagens com o teor referido (ou idêntico) e ligar incessantemente ao assistente causava no assistente medo, receio e inquietação, limitando-o na sua liberdade de decisão e de acção. As condições pessoais e económicas do arguido (factos 12. a 14.) resultam das declarações prestadas pela mesmo, que o Tribunal entendeu como espontâneas, isentas e credíveis, tanto mais que não incidem sobre factos que o possam desfavorecer. A ausência de antecedentes criminais registados resulta do certificado de registo criminal do arguido junto aos autos (facto 15.). * No que concerne aos factos não provados, considerou-se a mesma como não provada, atenta a total ausência de prova sobre os mesmos. Desde logo, no que respeita ao referido em A., não obstante actualmente assistente e testemunha serem companheiros, o assistente negou a existência dessa relação à data dos factos, motivo pelo qual tal facto se deu como não provado. No mais, no que respeita à carta/texto com a fotografia, não foi produzida prova suficiente sobre a utilização da mesma, sobre quem a escreveu/criou e sobre quem a utilizou/afixou/divulgou. Note-se, desde logo, que nem o assistente, nem a testemunha viram a fotografia afixada, apenas tendo tido conhecimento indirecto de tal facto. *** 3. Apreciando a) Questão prévia Da leitura do dispositivo da sentença proferida nos autos consta a referência ao art.º 145.º-A do Código Penal, quando deveria ter sido referido o art.º 154.-A do mesmo diploma legal, por ser este último que corresponde ao crime de perseguição em que se mostra condenado o arguido e não o primeiro. Sendo evidente estarmos perante um mero lapso de escrita, o que decorre, desde logo, do enquadramento jurídico-legal levado a julgamento, pode o mesmo ser objeto de correção, nos termos do disposto no art.º 380.º do CPP, e designadamente o disposto na al. b) do n.º 1 do citado preceito, já que não importa modificação essencial e pode ser feita pelo tribunal de recurso. Em face do exposto, ao abrigo do citado art.º 380.º, n.º 1, al. b) e nº 2 do CPP, corrige-se a sentença recorrida nessa parte, passando a ler-se no respetivo dispositivo o seguinte: A) Condenar o arguido AA pela prática de um crime de perseguição, previsto e punido pelo artigo 154.º-A do Código Penal na pena de 150 (cento e cinquenta) dias de multa à taxa diária de 7,00€ (sete euros) no montante global de 1.050,00€ (mil e cinquenta euros). b) Da prescrição do procedimento criminal A alegada omissão de pronúncia quanto às questões invocadas pela defesa em sede de alegações finais foi reconhecida pelo tribunal a quo, que por isso se pronunciou, tomando posição, conforme despacho judicial exarado nos autos no passado dia 1 de julho de 2024, e que acima se transcreveu. O despacho correspondente foi regularmente notificado, sendo conhecida pelo recorrente a posição do tribunal recorrido quanto às questões por si suscitadas (prescrição e nulidade das provas digitais). Sem prejuízo, as nulidades da sentença devem ser conhecidas em recurso, devendo o tribunal supri-las (cf. art.º 379.º, n. º 2 do CPP). Cumpre, por isso, em primeira linha, conhecer da alegada prescrição do crime de perseguição, p. e p. pelo artigo 154.º-A do Código Penal. Contudo, na senda do despacho exarado nos autos no passado dia 1 de julho de 2024 pelo tribunal a quo, verifica-se que não ocorreu a prescrição do procedimento criminal quanto ao ilícito imputado. É que, ao contrário do pretendido pelo recorrente, não basta afirmar que o prazo de prescrição previsto para o ilícito em questão é de 5 anos, nos termos do disposto no artigo 118.º, n.º 1, alínea c) do Código Penal, mas antes também confirmar se se verificam causas de interrupção ou suspensão da prescrição. O crime de perseguição é um crime permanente, só se iniciando o prazo de prescrição no dia em que cessar a consumação (cf. artigo 119.º, n.º 2, a) do Código Penal). Sendo certo que os factos em causa nos autos ocorreram entre abril de 2017 - facto provado em 2 - e janeiro de 2018 - facto provado em 4 - (e não entre abril de 2017 e 14-08-2017, como por defeito se refere no despacho judicial de 01.07.2024), o termo do prazo prescricional nunca poderia ter sido atingido na data pretendida pelo recorrente (agosto de 2022), desde logo por consideração dos seguintes momentos processuais: - 07-03-2019 – constituição de arguido – causa de interrupção, cf. art. 121.º, n.º 1 al. a) do Código Penal; - 16-09-2020 – notificação do despacho de acusação – causa de interrupção e causa de suspensão, cf. arts. 121.º, n.º 1 al. b) e 120.º, n.º 1 al. b) do Código Penal. Sem prejuízo, cumpre ainda ponderar o disposto no artigo 121.º, n.º 3 do diploma legal citado, segundo o qual prazo máximo de prescrição, no caso dos autos, é de 7 anos e 6 seis meses, pelo que o respetivo termo só ocorreria em julho de 2025. Finalmente, e porque ainda se ressalva o tempo de suspensão, haverá ainda que considerar a suspensão operada pela notificação da acusação a 16-09-2020, mesmo que que não podendo ultrapassar os 3 anos, nos termos do artigo 120.º, n.º 2 do Código Penal. Em consequência, não se encontra prescrito o respetivo procedimento criminal, sendo tanto de acordo com o disposto nos arts. 118.º, n.º 1, alínea b) e 119.º a 121.º do Código Penal. c) Da nulidade das provas digitais Fundamentalmente, almeja o recorrente colocar em crise o resultado obtido através do conteúdo dos SMS e WhatsApp levado a julgamento. Assim pretendendo, e por via de uma alegada ausência de demonstração da cadeia de custódia e autenticação dos documentos juntos pelo ofendido, pretende ter o tribunal a quo valorado positivamente prova proibida, e como tal nula, nos moldes do art.º 126.º do CPP. Vejamos. Em causa estão de facto documentos eletrónicos, com força probatória - arts. 2.º, al. a), 3.º e 4.º, do DL n.º 290-D/99, de 2/08 e art.º 46.º do Regulamento da União Europeia n.º 910/2014, de 23/07/2014. Porém, a circunstância de deles não constar qualquer assinatura digital certificada por uma entidade credenciada não obsta ao seu tratamento como prova documental, de acordo com as correspondentes disposições gerais (art.º 362.º e ss do Código Civil), e como tal sujeita às regras da experiência e da livre apreciação, nos termos do disposto no art.º 127.º do CPP. Ou seja, para a sua consideração não há qualquer obrigação de autenticação, ao contrário do invocado pelo recorrente. Por outro lado, estamos perante documentos juntos aos autos pelo ofendido, sendo ele o destinatário direto e imediato das mensagens telefónicas enviadas pelo arguido, ou seja, estamos perante documentos pertencentes ao ofendido, que entraram legitimamente na sua posse e que não foram enviados como confidenciais, não cabendo a sua apresentação em qualquer proibição de prova prevista no artigo 126.º do CPP. Finalmente, não se identifica nem foi discriminada qualquer questão relacionada com a sua preservação, quando é certo que nem sequer estamos perante qualquer prova digital recolhida em suporte eletrónico por órgãos de polícia criminal, limitando-se o recorrente a “divagar” sobre uma alegada violação da cadeia de custódia sem qualquer suporte factual. Desta feita, e tendo como assente a admissibilidade das provas impugnadas pelo recorrente, nos termos a que alude o art.º 125.º do CPP, conclui-se pela sem razão do recorrente, improcedendo o recurso nesta parte. c) Da violação do princípio in dubio pro reo O princípio em questão tem efetiva relevância e aplicação no domínio da apreciação da prova. Porém, refletindo-se nos contornos da decisão de facto, apenas será de aplicar quando o julgador, finda a produção de prova, tenha ficado com uma dúvida não ultrapassável relativamente a factos relevantes, devendo, apenas nesse caso, decidir a favor do arguido. Assim considerando, a violação desse princípio apenas tem lugar quando, num estado de dúvida insanável, o tribunal opte por decidir de forma desfavorável ao arguido. Sem prejuízo, a sua eventual violação tem de resultar do texto da decisão recorrida em termos análogos aos dos vícios elencados no artigo 410.º, n.º 2, do CPP, só podendo ser sindicada, conformando a sua violação uma autêntica questão de direito, se da decisão resultar que o tribunal recorrido ficou na dúvida em relação a qualquer facto e que, perante esse estado de dúvida, decidiu contra o arguido. No caso concreto, não resulta do texto da decisão recorrida que a 1ª instância tenha ficado com qualquer dúvida quanto à autoria dos factos pelo arguido, ou quanto à ocorrência de qualquer facto relevante e que nesse estado de dúvida tenha decidido contra o recorrente. Verdadeiramente, e olhando à motivação da decisão sobre esses factos, que acima se transcreveu, em lado algum transparece a dúvida, antes se estribando a certeza do tribunal recorrido nos prints das mensagens e chamadas, conjugados com as declarações prestadas pelo assistente e pela testemunha CC (ex-mulher do arguido e companheira do assistente). Rigorosamente, e de forma fundamentada, não teve o tribunal a quo qualquer hesitação em valorar esses meios de prova, conjugando-os entre si. Ou seja, o juízo probatório positivo alcançado pelo tribunal recorrido é logicamente correto, com indicação e exame critico das provas que serviram para formar a sua convicção, tendo estas sido apreciadas segundo as regras da experiência e da livre apreciação, nos termos do disposto no art.º 127.º do CPP. Destarte, não merece qualquer censura, uma vez que não foi obtido através de provas ilegais ou proibidas, ou contra as regras de experiência comum, ou sequer afronta o princípio in dubio pro reo. Por conseguinte, também neste particular o recurso improcede. III – Decisão Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em: I) Corrigir o lapso constante do dispositivo da sentença recorrida, nos termos do disposto no artigo 380.º, n.º 1, al. b) do CPP, passando nela a ler-se: “A) Condenar o arguido AA pela prática de um crime de perseguição, previsto e punido pelo artigo 154.º-A do Código Penal na pena de 150 (cento e cinquenta) dias de multa à taxa diária de 7,00€ (sete euros) no montante global de 1.050,00€ (mil e cinquenta euros). II) Julgar improcedente o recurso apresentado pelo arguido AA, mantendo-se na íntegra a decisão do tribunal a quo. Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC´s. Notifique. * Lisboa, 21 de janeiro de 2025 (texto processado e integralmente revisto pela relatora – artigo 94.º, n.º 2 do Código de Processo Penal) Ester Pacheco dos Santos Pedro José Esteves de Brito Alexandra Veiga |