Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | VAZ GOMES | ||
Descritores: | ANULAÇÃO DE DECISÃO ARBITRAL REQUISITOS | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 04/23/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE A ACÇÃO | ||
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Sumário: | I-A tarifa social de fornecimento de energia elétrica, criada pelo Decreto-Lei n.º 138-A/2010, de 28 de dezembro constitui uma medida de política social de proteção dos consumidores economicamente vulneráveis, configurando-se como uma obrigação de serviço público na linha das orientações europeias presentes, nomeadamente, na Diretiva n.º 2009/72/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de julho, que estabelece regras comuns para o mercado interno de eletricidade, orientações, aliás, já presentes na Diretiva n.º 2003/54/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho. II-O art.º 46/3/b ii da LAV estatui que a sentença arbitral só pode ser anulada pelo tribunal estadual competente se o tribunal verificar que o conteúdo da sentença ofende os princípios da ordem pública internacional do Estado Português III- Na acção de anulação o juiz não pode limitar-se a um exame da parte dispositiva da sentença que se desinteresse da respectiva fundamentação, o que importa averiguar é se a solução que os árbitros adoptaram quanto ao fundo da questão colide ou não com a ordem pública, o dispositivo é neutro quanto à violação da ordem pública, só o exame dos motivos da decisão arbitral e dos dados do caso permite concluir se a decisão constante do seu dispositivo ofende ou não a ordem pública, por isso o exame não pode cingir-se ao direito, deve incidir sobre os factos apreciados pelo árbitro, mas para evitar que esse escrutínio da sentença arbitral se transforme numa reapreciação do mérito do litígio decidido pelo árbitro, a situação deve ser analisada a partir dos elementos de facto tal como foram apresentados ao árbitro, foram documentados e relatados no processo e desconsidere factos que não foram submetidos a este. IV-O controlo da sentença arbitral em matéria de direito deve abranger não só a aplicabilidade das normas e princípios de ordem pública vocacionados para reger a situação litigiosa mas também a concreta aplicação pelo árbitro de tais princípios e regras, o juiz não pode limitar-se a verificar se os princípios e regras foram tidos em conta pelo árbitro sem escrutinar o modo como este os aplicou, o juiz deve, confrontando a solução acolhida pelo árbitro com a que teria adoptado, examinar os efeitos decorrentes da aplicação das regras ou princípios da ordem pública no caso em apreço, só se justifica a anulação da sentença arbitral, se a aplicação criada pela sentença arbitral colidir com os fins ou por aquela regras ou princípios; quando o juiz verifique o erro do árbitro deve, comparando a situação criada pela sentença arbitral com a que resultaria da correcta aplicação da regra ou princípio da ordem pública desaplicada pelo árbitro verificar se é grave a divergência detectada entre essas duas situações, à luz dos objectivos prosseguidos por tal norma ou princípios, pois só uma ofensa grave aos fins que aqueles prosseguem deve ser sancionada. V- Diversos autores referem os seguintes princípios como integrando a ordem pública internacional dos Estados, constituindo a sua violação fundamento de anulação de sentença arbitrais: o princípio do pacta sunt servanda, o princípio da boa fé, a proibição do abuso de direito, o princípio da proporcionalidade, o da proibição das medidas discriminatórias ou espoliadoras, protecção dos civilmente incapazes, proibição das vinculações perpétuas, proibição das indemnizações punitivas em matéria cível, as normas legais destinadas a proteger os contratantes mais fracos; a invocação daqueles 4 primeiros com conteúdo normativo tão amplo ou indeterminado terá de se sujeito a acentuadas restrições para que por essa via não se fomente perniciosamente a impugnação de sentenças arbitrais sem justificação adequada, por parte de quem insatisfeito com a decisão dos árbitros recorra a este meio processual para tentar obter uma reapreciação pelos tribunais estaduais do litígio decidido pelos árbitros. VI-Considerando, porém, que os aludidos princípios possuem um conteúdo normativo amplo ou indeterminado, a invocação da sua violação, como fundamento da anulação de sentença arbitral, terá de ser sujeito a acentuadas restrições e daí que a contrariedade à ordem pública internacional do Estado português, a que alude o art. 46.º, n.º 1, 46º, nº 3, b), ii), da LAV, pressupõe que essa decisão conduza a um resultado intolerável e inassimilável pela nossa comunidade, por constituir um patente, certo e efectivo atropelo grosseiro do sentimento ético-jurídico dominante e de interesses de primeira grandeza ou princípios estruturantes da nossa ordem jurídica. VII-Ainda que a imposição do financiamento da tarifa social a cargo da autora resultante do referido DL 138-A/2010, de 28/12, constitua um encargo ou custo não expectável aquando da celebração do contrato de aquisição de energia de 1994, uma absoluta surpresa para a Autora, a circunstância de se não qualificar essa obrigação de serviço público como um tributo enquadrável na cláusula 20.ª do contrato não parece violar o princípio da confiança que enforma os contratos na medida em que as próprias partes no contrato previram mecanismo de compensação contratual para situações de alterações dos encargos ou custos não previstos aquando da sua celebração como referido no Anexo 16 do C.A.E. (contrato de aquisição de energia). Mesmo que se pudesse qualificar essa alteração como um tributo que, por manifesto erro de qualificação, não fora considerado pelo Tribunal Arbitral como enquadrado na referida clausula 20.ª, que permite ao centro electroprodutor repercutir o custo do financiamento do tributo, constituindo a interpretação do Tribunal Arbitral uma violação grosseira por não permitir à Autora o reequilíbrio contratual com manifesta violação dos princípios da ordem pública internacional do Estado Português, para que se concluir-se pela inadmissibilidade sempre seria necessário que resultasse demonstrado que à Autora não restava outro mecanismo contratual para repor o equilíbrio contratual/ou que a manter-se a imposição do suporte pela Autora do custo do financiamento dessa tarifa representava pelo seu valor de tal maneira elevado que feriria de morte o equilíbrio contratual e por essa via a manifesta violação daquele subprincípio da ordem pública. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na 2ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa I – RELATÓRIO AUTORES na ACÇÃO de ANULAÇÃO de SENTENÇA ARBITRAL /AUTORES nesta última: TURBOGÁS- Produtora Energética S.A. representada pelos ilustres advogados MPC , FV e MS advogados da Vieira de Almeida & Associados Sociedade de Advogados, RL, conforme cópia do instrumento de procuração de 14/9/2021 de fls. 26 v.º do I volume) RÉUS na ACÇÃO de ANULAÇÃO de SENTENÇA ARBITRAL /RÉS NESTA ÚLTIMA: REN -Rede Eléctrica Nacional, (representada pelos ilustres advogados JC, SMA e RS advogados da Miranda & Associados Sociedade de Advogados conforme cópia do instrumento de procuração de 14/6/2019 de fls, 781/782 do II volume); REN TRADING, S.A. (representada entre outros pela ilustre advogada AC que, juntamente com os outros, são advogados da Abreu & Associados, Sociedade de Advogados SP, RL conforme cópia do instrumento de procuração de 15/11/2021 de fls. 790 do II volume). Com os sinais dos autos: Valor 30.000,01 euros indicado na petição inicial e aceite pelas rés. I.1. A Autora interpôs acção de anulação a decisão arbitral proferida no processos arbitral 25128/jpa contra as Rés suportada no disposto no art.º 46/3/b alínea b) subalínea ii) suportado no parecer do Professor Doutor Dário Moura Vicente que junta na medida em que a decisão arbitral anulanda afronta as legítimas expectativas da Autora tal como decorrente do CAE validade e eficazmente celebrado e aditado em reforço pelas partes das obrigações dele decorrentes, recusa a aplicação da cláusula do art.º 20 do CAE negando à Autora a alteração da fórmula de cálculo da capacity charge ou qualquer outra alteração ao CAE que a colocasse na situação em que se encontraria se não lhe tivesse sido imposta a prestação destinada a financiar a tarifa social, forçando-a a arcara integralmente e contra o acordado com as consequências económicas de uma modificação substancial do regime tributário aplicável à sua actividade, violando o princípio fundamental da confiança, motivo pelo qual a sua manutenção se revela incompatível com a ordem pública internacional do Estado Português. Juntou 42 documentos e protestou juntar a tradução o documento n.º 1. I.2. Por despacho de 21/10/2021 foi pela então Ex.mª Juíza Desembargadora, anterior relatora, ordenada a citação das requeridas para se oporem e oferecerem prova. Veio REN-Eléctrica contestar juntando apenas prova documental, no caso 4 documentos em suma dizendo que tal como a própria autora refere não há lugar nesta sede à revisão de mérito do litígio já decidido apenas a reexame para o qual é preciso que seja manifesto que a sentença fira um princípio fundamental do direito português sem necessidade de nova apreciação das questões de fcato e de direito controvertidas, não há qualquer juízo sobre a aplicação que o tribunal arbitral fez do direito e som sobre os efeitos jurídicos que defluem da decisão arbitral, a sentença só é anulada se conduzir a uma resultado intolerável e inassimilável pela nossa comunidade (art.ºs 1 a 100), o que está na base da acção anulatória e tão só a mera discordância da Autora com a interpretação que o Tribunal Arbitral fez do conceito de relevant tax para efeitos do CAE o que não é de modo algum sindicável; a cláusula 20.ª é uma cláusula de estabilidade fiscal e não uma cláusula genérica de estabilidade económica ou contratual nessa medida apenas abrange realidades de natureza tributária, a existir uma legítima expectativa da autora aquela estaria limitada à expectativa de não sofrer não de forma absoluta e sim nos exactos termos da cláusula os impactos económico-financeiros de medidas tributárias fiscais, a apreciação e determinação da natureza dos custos que sejam impostos à Autora são da competência do Tribunal Arbitral e apenas em situações muito limitadas que não esta podem ser apreciadas pela instância judicial anulatória, assim só se o Tribunal Arbitral por absurdo houvesse decidido ou reconhecido que os custos incorridos pela Autora com o financiamento da tarifa social têm natureza tributária- ficando assim abrangidos pela cláusula 20.ª- mas tivesse de seguida recusado qualificá-los como relevant tax e ou sujeitá-los aos mecanismos da cláusula 20.º é que seria anulável a decisão; o Tribunal Arbitral aludiu, ainda, à cláusula 1.1 do anexo 16, o reequilíbrio da base do negócio em virtude do acréscimo ou decréscimo de custos da requerente que repercute, por força de encargos e imposições, na operação de manutenção e eficiência térmica do centro electroprodutor e na sua produção e energia como elemento justificativo na necessária contenção na determinação do âmbito do conceito de relevant tax, para efeitos da cláusula 20.ª, sob pena de os dois regimes colidirem ou se consumirem pelo que o Tribunal Arbitral não ignorou os elementos teleológico e sistemáticos no contexto da determinação do escopo do conceito de relevant tax e do âmbito de aplicação da cláusula 20.ª; na pendência desta acção de anulação a Autora enviou notificação às rés nos termos da qual configurando agora a imposição do financiamento da trafica social como uma change in Cost espoletou um procedimento de alteração da Capacitiy Charge ao abrigo do Anexo 16 do CAE (doc 3), a conduta da Autora confirma a interpretação sistemática que o Tribunal Arbitral fez do CAE no sentido de que os custos da Autora com imposições que não tenham a natureza tributária não são abrangidos pela cláusula 20.ª do CAE podendo ser abrangidos por outros mecanismo contratuais se preenchidas as condições do CAE e nessa medida configura um venire contra factuum proprium que por em causa a boa fé substantiva e processual subjacente à motivação que levou a intentar a presente acção de anulação; o facto de a REN-Trading ter condicionado os pagamentos que fez à aceitação dos correspondentes custos pela ERSE (doc 4) impede a criação de quaisquer expectativas na Autora de que se estaria perante a aplicação da cláusula 20.ª do CAE. Conclui a Ren-Eléctrica pela improcedência total da acção [Art.ºs 101 as 195). Foram juntos 4 documentos. I.3. Também REN-Trading veio contestar em termos muito próximos da contestação da REN-Electrica, fazendo um longo enquadramento do CAE e da Tarifa social da Electricidade (art.ºs 1 a 172), alegando que a CRP no art.º 165 consagra três formas de tributos, os impostos, as taxas e as demais contribuições financeiras a favor das entidades públicas, não podendo colher o entendimento da recorrente da existência de uma quarta categoria de tributos atípicos como sugere a autora, sendo que o art.º 20 do CAE se tem de ater à realidade tributária do direito português, seguindo a interpretação defendida pelas rés salvo as excepções contratualmente previstas será Relevant Tax qualquer tributo lançado por qualquer Autoridade competentes, sentido esse que é muito lato como o decidiu o Tribunal Arbitral com base no entendimento já perfilhado pelo Painel Financeiro, conclusão a que também já chegara a Procuradoria Geral da República no Conselho Consultivo pelo que não sendo a Tarifa Social um tributo também não será relevant tax para efeitos contratuais a Tarifa Social é integralmente repassada pela cadeia de valor até chegar ao consumidor sob a forma d e desconto na tarifa de acesso às redes, a REN Trading ressarciu a Turbogás dos custos com a Tarifa Social da Electricidade a título condicional o que o Tribunal Arbitral concluiu por unanimidade, isto é foi feita na condição da ERSE reconhecer tais custos como custos do CAE nos termos do mecanismo neutro do n.º 3 do art.º 70 do DL 172/06; a sentença arbitral escolheu um dos sentidos possíveis na interpretação da lei portuguesa pelo que não afronta a ordem pública internacional do Estado Português, ficou fixado o sentido de relevant tax na sentença arbitral, do que a Turbogás se queixa é do facto de o contrato, segundo a leitura que dele faz, não estra a ser cumprido e a sentença arbitral ter contribuído para um tal efeito ao decidir contra a sua leitura do CAE, mas tal não afecta a tutela da confiança do art.º 2.º da CRP, o que a Turbogás pretende é pela acção anulatória uma revisão do mérito o que é vedado. (art.ºs 173 a 276). Juntou 9 documentos. I.3 É nesse contexto que surge o requerimento da Autora de 21/1/2022 de prorrogação do prazo para responder à matéria das excepções o que foi deferido pelo despacho de 24/1/2022 com prorrogação do prazo para a resposta às excepções com suporte no art.º 6, do art.º 569, do Código de Processo Civil ( que tem em vista o prazo da contestação do réu mas que a Ex.ma colega relator entendeu estender ao articulado de resposta do Autor à excepções) e que a Autora usou para reafirmar os fundamentos da acção anulatória já invocados na petição inicial, seja a violação da tutela de confiança refutando o entendimento que as rés tiram do parecer do Professor Doutor Rui Moura Ramos juntando como doc 1 o ACTUE de 14/10/2021 referido pelo Professor Doutor Rui Mora Ramos a respeito da legalidade do regime de financiamento da tarifa social em Espanha, o que a Autora pretende é que relação de Lisboa salvaguarde a integridade da ordem jurídica nacional garantindo que nãos e permite a vigência e a produção de efeitos de uma sentença arbitral cujo resultado afronta a ordem pública internacional do Estado Português, muito embora o erro de julgamento não constitua um motivo autónomo de invalidação de uma sentença significa apenas que a revisão está forma de causa mas não significa que se não possa socorrer do erro do julgamento quando está em causa ao exame da conformidade com a ordem pública. Depois, por despacho de 23/2/2022, foi deferido o pedido do prazo de 20 dias solicitados pelas rés para responder ao articulado de resposta e bem assim como aso documentos “sem prejuízo do que venha a ser decidido por este Tribunal”. E as Rés vieram usar do direito de resposta. I.4. Por requerimento de 3/4/2023 Autora, veio, protestando juntar a tradução “nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 423.º, n.º 3, 425.º, do Código do Processo Civil, requerer a junção aos autos de um documento superveniente, que corresponde à Sentença Arbitral proferida no âmbito da arbitragem ICC Case …/…/…, que opôs a Tejo Energia – Produção e Distribuição de Energia Eléctrica, S.A.às aqui Rés –REN –Rede Eléctrica Nacional, S.A.e REN Trading, S.A. –, bem como à comunicação dirigida às partes dessa arbitragem juntamente com a Sentença e um voto de vencido... o excurso interpretativo empreendido pelo Tribunal Arbitral no âmbito da arbitragem ICC Case …/…/… (cuja Sentença se junta através do presente requerimento) é manifestamente diverso do excurso empreendido na Sentença subjacente aos presentes autos, não padecendo de qualquer dos seus vícios invalidantes... o documento cuja junção se requer é objetivamente superveniente, apenas tendo sido transmitido às partes da arbitragem ICC Case …/…/… no dia 14 de março de 2023, pelo que a sua junção em momento anterior não se afigurava possível.” Em sede de Fundamentação de Direito apreciaremos. I.5. Como se disse no anterior despacho a questão é meramente de direito o estado dos autos permite a este Tribunal conhecer sem necessidade de mais provas a apreciação total dos pedido deduzidos (art.º 596/1/b). Mantêm-se os pressuposto de validade e regularidade processual. I.5. Os autos foram aos vistos dos Meritíssimos juízes adjuntos que nada sugeriram. I.6 É a seguinte a questão suscitada na acção de anulação que constitui o objecto do litígio: Saber se a decisão arbitral viola de forma patente o princípio da tutela da confiança que integra a ordem pública internacional do Estado Português, o que constitui fundamento de anulação ao abrigo do disposto no art.º 46/3/b, subalínea ii) do LAV. II- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO II.1. É do seguinte teor a fundamentação e a decisão arbitral: “...)8.1. O Tribunal Arbitral registra, desde logo, que avaliou e considerou na presente decisão todos os argumentos das Partes objeto do contraditório, bem como as provas produzidas, inclusive aqueles que, em tese, poderiam infirmar os entendimentos ora adotados pelo Tribunal Arbitral. Nada obstante, na presente Sentença Arbitral, serão expostas as razões jurídicas e as evidências fáticas relevantes para externar suficientemente a convicção do Tribunal Arbitral, capazes de demonstrar o acolhimento ou a improcedência dos pedidos das Partes. Jurisdição do Tribunal Arbitral 8.2. No que tange à ausência de jurisdição do Tribunal Arbitral para enfrentar as questões referentes à natureza jurídica da Tarifa Social e a alteração do CAE, inclusive com base na proposta apresentada pela Requerente, o Tribunal Arbitral ressalta, primeiramente, o conteúdo da cláusula 26.1 do CAE que dispõe “[e]xcept as otherwise expressly provided in this Agreement all Disputes shall be resolved in accordance with the provisions set out in Appendix 12.” 8.3. Por sua vez, dispõe a cláusula 1 do Anexo 12, Parte I, “[i]f a Dispute arises, whether before or after repudiation or other termination os this Agreement then either party may refer the Dispute to the decision in the first place of the Panel acting as independente experts but not as arbitrators.” 8.4. Nos termos da cláusula 1.1 do CAE, é a seguinte a definição de Dispute: “[a] difference or dispute of whatever nature between the parties arising out of or in connection with this Agreement.” 8.5. Percebe-se do conteúdo das disposições contratuais retrotranscritas ser ampla as questões passíveis de resolução por arbitragem (arbitrabilidade objetiva) pactuadas pelas Partes. 8.6. A exceção vislumbrada reside na parte inicial da cláusula 26.1 “[e]xcept as otherwise expressly provided in this Agreement” combinada com os itens 10.1 e 10.6 do Anexo 16 do CAE, que trata das Changes in Circumstances. 8.7. Conforme o item 10.1 do Anexo 16, “[t]his Paragraph applies in respect of the application of the provisions in respect of a Change in Relevant Taxes, Relevant Change in Law giving rise to a Generator’s Modification, a REN Modification (or Generator’s Modification in lieu of therefor under Paragraph 4.6), Change in Costs or Relevant Emissions Changes (each a ‘Change in Circumstances’).” 8.8. Por sua vez, dispõe o item 10.6 do Anexo 16, “[n]otwithstanding the provisions of Clause 26 and Appendix 12, any reference under this Appendix 16 to the Dispute Resolution Procedure shall be to the Technical Panel or Financial Panel, as the case may be, whose decision (whether unanimous or by majority) shall be final and binding on the parties”. 8.9. Observa-se desse conjunto de regras contratuais que as Partes manifestaram a intenção de submeter ao crivo da jurisdição arbitral todas as controvérsias relacionadas ou oriundas do CAE, seja de que natureza for, mas, de outro lado, reservaram ao Painel Técnico ou Financeiro a decisão sobre a Change in Circumstances, em caráter definitivo. 8.10. Nesse caso, a decisão do Painel restringe-se somente à escolha da proposta passível de alteração do CAE e que mais proximamente reflita a sua letra ou a sua intenção. Portanto, para se acionar o Painel, já deverá haver acordo ou definição sobre a ocorrência de uma Change in Relevant Taxes. 8.11. Em outras palavras, descabe ao Painel decidir se a Tarifa Social configura-se ou não Relevant Taxes para fins e efeitos da pretensão deduzida pela Requerente, pois ao Painel compete única e exclusivamente definir qual das duas propostas apresentadas pautará a alteração do CAE. 8.12. Esse entendimento é deduzido do conteúdo dos itens 10.360 e 10.461 do Anexo 16 os quais, em suma, determinam, inicialmente, que as Partes dialoguem sobre as respectivas propostas de alteração e, caso não alcancem consenso, revertam a questão ao Painel que então decidirá dentre a proposta que melhor reflita os termos e condições do CAE. 8.13. Não pode o Painel escolher ou indicar outra proposta que não seja uma das duas apresentadas. 8.14. Finalmente, segundo o item 10.6 do Anexo 16, a decisão do Painel será final e vinculante às Partes, seja ela majoritária ou unânime. 8.15. Nessa esteira, o Tribunal Arbitral tem jurisdição para decidir se a Tarifa Social enquadra-se no conceito de Relevant Taxes, mas, se positivo, não tem jurisdição para proceder à escolha da proposta da Requerente, a despeito de já apresentada anteriormente, dado que essa competência é exclusiva do Painel Técnico ou Financeiro, por força do contido no Anexo 16 do CAE. 8.16. Assim sendo, se Relevant Tax, a alteração do CAE para encampar os custos com a Tarifa Social deve ser precedida dos procedimentos contratuais, com a apresentação de duas propostas nos moldes traçados no Anexo 16 do CAE. 8.17. Caso, nesse momento uma das Partes deixe de apresentar a sua Proposta, caberá então ao Painel constituído, concretamente, decidir o tratamento a ser adotado, razão pela qual foge à competência do Tribunal Arbitral pronunciamento a esse respeito. 8.18. Para além dessa exceção, não se observa outra restrição à regra geral estipulada no CAE que confere plena jurisdição ao Tribunal Arbitral. 8.19. Nessa senda, aos efeitos da convenção arbitral pactuada não se opõe o fato de as atividades exercidas pelas Partes encontrarem-se imersas em regulação própria ao setor de energia elétrica. 8.20. Não se vislumbra no cenário legal e contratual que a análise e o enfrentamento da questão mais relevante posta nesta arbitragem pela Requerente dependa, como condição sine qua non ao exercício jurisdicional pelo Tribunal Arbitral, do “prévio assentimento do regulador e das demais entidades setoriais competentes” para “proceder, sem mais, à alteração do clausulado dos CAE, incluindo o CAE da Tapada do Outeiro” 21. A restrição que existe no CAE resume-se às alterações relevantes das características do centro electroprodutor que dependem de prévia manifestação favorável da entidade pública, nos termos do art. 10 do Decreto-Lei no 183/95, de 27 de julho, verbis: “Artigo10.º Modificação do contrato de vinculação 1— Sem prejuízo das cláusulas específicas previstas nos contratos de vinculação, a modificação do contrato de vinculação ocorre por alteração relevante das características do centro electroprodutor em causa. 2— A alteração relevante das características do centro electroprodutor prevista no número anterior pode ocorrer por iniciativa do titular da respectiva licença de produção vinculada, por iniciativa da entidade concessionária da RNT ou por iniciativa da DGE. 3— A alteração relevante das características do centro electroprodutor pode ainda ocorrer por determinação das entidades competentes, resultante de imperativo legal. 4—Nos casos previstos nos números anteriores, o processo conducente à modificação só pode ser iniciado após parecer favorável da DGE, no qual esta estabeleça o conjunto de condições mínimas que o contrato de vinculação modificado deve respeitar, nos termos do plano de expansão aprovado, ouvida a Entidade Reguladora. 5—A modificação do contrato de vinculação deve ser negociada entre a entidade concessionária da RNT e o titular da respectiva licença vinculada. 6— O contrato de vinculação modificado carece de parecer favorável da Entidade Reguladora para entrar em vigor. 7— Para o parecer previsto no número anterior, são vinculativas as condições estabelecidas pela DGE, nos termos previstos no n.o 4”. 8.22. Em linha com essa diretriz, o Manual de Procedimentos do Agente Comercial, de junho de 2007, ao traçar os objetivos da Gestão de Contratos no que toca à “Alteração de condições contratuais dos contratos de Aquisição de Energia”, deixa claro que a pronúncia e a aprovação de propostas de alteração pela DGEG e ERSE, restringem-se às necessidades de investimentos voltadas para a melhoria operacional que motivem alterações das condições dos CAE “3.4.2.1. Definição de necessidades Regularmente, a Gestão de Contratos deverá identificar quais os aspectos dos CAE que prejudicam o cumprimento dos objectivos a que está vinculada a gestão dos CAE, designadamente aqueles que se evidenciaram desarticulados da realidade ou da normal gestão contratual. A Gestão de Contratos deverá ainda coligir todas as Adendas aos CAE e as propostas de resolução de anomalias verificadas que possam servir de fundamentação a alterações de condições dos CAE. Após a identificação das necessidades de melhoria que possam justificar alterações das condições dos CAE, a Gestão de Contratos deverá efectuar uma análise fundamentada das vantagens e desvantagens das várias soluções possíveis com quantificação dos benefícios em cada um dos cenários estudados. Os novos investimentos, para serem considerados, deverão ser objecto de uma proposta específica a submeter pelo Produtor ao Agente Comercial, devendo enquadrar-se em algum ou alguns dos seguintes critérios: - reabilitação, ampliação, modificação ou reconversão relevantes dos Grupos ou de outras instalações da Central; - redução ou controlo do impacte ambiental da Central; - introdução de novas tecnologias; - alteração de combustível ou do sistema de abastecimento. O Agente Comercial poderá igualmente solicitar ao Produtor a apresentação de propostas que visem alterações de carácter não temporário nas características da energia produzida ou mesmo características da própria Central, definidas nos parâmetros dinâmicos dos CAE, que afectem o funcionamento técnico ou comercial da Central. (...) 3.4.2.3. Aprovação das condições negociadas Conforme determinado por lei, a DGEG e a ERSE deverão pronunciar-se sobre a proposta de alteração. 3.4.2.4. Alteração das condições contratuais do CAE Em caso de aprovação pelas entidades competentes, deverá proceder-se ao registo das alterações efectuadas e em conformidade iniciar a sua aplicação 8.23. Percebe-se da moldura contratual e legal que a prévia aprovação de entes públicos a condicionar as alterações no CAE da Tapada do Outeiro, tocam as questões estruturais ou operacionais do centro electroprodutor,o que não impede, portanto, decisão deste Tribunal Arbitral sobre a controvérsia em apreço. 8.24. Com efeito, decisões da ERSE em sentido contrário, conquanto não se discuta e tampouco seja objeto desta arbitragem, não encontra amparo nas normas legais aplicáveis ao caso concreto 8.25. O tema atinente ao enquadramento ou não da Tarifa Social no conceito de Relevant Taxes estampado no CAE é de natureza disponível e de cunho patrimonial, e a regra que condiciona a função arbitral passa ao largo da disputa travada nesta arbitragem, circunstâncias essas que autorizam o exercício jurisdicional deste Tribunal Arbitral, ainda que ausente parecer positivo da DGEG e/ou da ERSE. 8.26. Pelo exposto, o Tribunal Arbitral, por unanimidade, entende (i) ter jurisdição para decidir sobre ser ou não a Tarifa Social um Relevant Tax, mas, de outrolado,(ii) não reter jurisdição para decidir sobre a alteração do CAE, por força de competência exclusiva assegurada ao Painel Técnico ou Financeiro, de acordo com o clausulado no Anexo 16 do CAE, o que inclui a questão atinente à opção pela proposta já apresentada pela Requerente. 8.27. O ponto nodal da controvérsia reside em analisar e decidir se a Tarifa Social estabelecida no art. 1o do Decreto-Lei no 138-A/2010, de 28 de dezembro67 (“Decreto-Lei da Tarifa Social”), configura uma Relevant Tax para os fins e efeitos da cláusula 20 do CAE, cujo conteúdo é o seguinte: “20. CHANGES IN TAX 20.1 Relevant Changes If, after the date of this Agreement:- (a) the Generator, the Contractor or the Operator becomes obliged to pay any Relevant Taxes which at the date of this Agreement do not exist or do not affect the Generator, the Contractor or the Operator or shall incur any increase in costs because of an increase in rate or other adverse change in the basis on which any Relevant Taxes are charged; or (b) the Generator, the Contractor or the Operator ceases to be obliged to pay any Relevant Taxes which at the date of this Agreement exist or affect the Generator, the Contractor or the Operator; or (c) the Generator, the Contractor or the Operator shall enjoy a reduction in its costs because of a reduction in rate or other favourable change in the basis on which any Relevant Taxes are charged, then Clauses 20.2 and 20.3 shall have effect. 20.2 Notice of Changes The Generator shall give REN prompt written notice and full details of any circumstance described in Clause 20.1 of which it becomes aware or after being requested to do so in writing by REN. 20.3 Alteration of Charges (a) if the Generator, the Contractor or the Operator (as the case may be) (in the case of Clause 20.1(a)) or REN (in the case of Clauses 20.1(b) or 20.1(c)) by notice to the other party so elects, the Capacity and the Energy Charge shall be amended,in accordance withtherelevant proceduresset out in Appendix 16, Paragraph 10, to the extent necessary to ensure that the Generator, Contractor or Operator is in the same position, or as similar a position as is possible, as it would have been in had the relevant change referred to above not occurred provided always that the liability of REN hereunder shall not extend to any Relevant Tax which the Generatoritselfwould have notincurred had itbeen carrying out the Works or operation of the Power Station as the case may be but provided further that in applying such test any tax allowances, credits or other like matters relating to the actual tax position of the Generator shall be disregarded. (b) Any such alterations shall be reflected in the invoice issued during the month following that in which the Generator, the Contractor or the Operator (as the case may be)was required to make the paymentorreceived the benefit of the reduction referred to in Clause 20.1 with interest being allowed at the Reference Interest Rate for delayed receipt by the party entitled to the benefit of the relevant alterations.” 8.28. Para efeitos de interpretação do conteúdo e efeitos jurídicos da cláusula 20 do CAE, levou-se em consideração o texto contratual, inclusive em análise sistemática, e o entendimento que as próprias Partes fazem do mesmo ao longo de suas manifestações, conforme decorre dos artigos 236.º e 238.º do Código Civil português 8.29. Também se teve em consideração a Constituição da República Portuguesa, designadamente a alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º, que elenca as matérias de reserva relativa de lei, nelas se incluindo os tributos, com maior ou menor amplitude de reserva, na sua tricotomia constitucional, de impostos, taxas e demais contribuições financeiras a favor de entidades públicas complementado com a jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre a matéria e a Lei Geral Tributária 8.30. Conforme previsto na cláusula 1.1 do CAE (“Definitions and Interpretation”), RelevantTaxes significa “allforms of taxation, duties, imposts and levies whatsoever or wherever or whenever imposed by any Competent Authority on the persons referred to in paragraph (a) of Clause 20.1 in relation to the design, construction, commissioning, ownership, operation or maintenance of the Power Station or occupancy of the Site other than corporation tax or any tax on those persons` income or profits or capital gains and excluding value added tax and any tax taken into account in the formulae referred to in Appendices 1 and 2”. 8.31. Extrai-se das regras do CAE que a Requerente fará jus ao ressarcimento caso, no curso da execução contratual, seja obrigada a arcar com uma Relevant Tax que não existisse ou não a impactasse na data de assinatura do Contrato. 8.32. Ao ver das Requeridas a conceituação de Relevant Tax - all forms of taxation, duties, imposts and levies whatsoever and wherever and whenever imposed by any Competent Authority - está adstrita aos tributos consagrados no ordenamento legal, i. e., impostos, taxas e contribuições, afastando, assim, “qualquer outro encargo que venha a recair sobre a Requerente e que não tivesse previsto – caso em (sic) estaremos perante álea contratual – que não é tratada em sede de ‘Changes in Relevant Tax’ 8.33. Para a Requerente, todavia, a restrita equiparação do conceito de Relevant Tax a realidades de natureza tributária seria um equívoco, pois o “CAE consagra de forma clara uma noção abrangente que abarca todo e qualquer tributo ou imposição cobrada à Requerente e que esteja relacionada, entre outros, com a propriedade, operação e manutenção do centro electroprodutor, ‘whatsoever and wherever and whenever imposed by any Competent Authority’” 8.34. No entanto, ao ver do Tribunal Arbitral taxation, duties, imposts e levies têm conotação própria de tributo, haja vista as características que as informam similares àquelas previstas no ordenamento português: impostos, taxas e contribuições financeiras 8.35. A própria definição de Relevant Taxes corrobora esse entendimento ao excluir de seu alcance a tributação incidente na pessoa jurídica, inclusive aquelas baseadas em receitas, ganhos de capital e lucro, bem como o IVA. Todas essas exceções, referidas sempre como tax, são fatos geradores sujeitos às imposições de natureza tributária. 8.36. Do mesmo modo, a ressalva contida na parte final da cláusula 20.3 (a) do CAE remete ao “actual tax position of the Generator [Requerente]”. 8.37. Esse também é o entendimento de Pareceristas da Requerente e das Requeridas para quem a Relevant Tax tem, por suposto, natureza tributária, a saber: “3.10. Denotando essa preocupação, a Cláusula 20.1, alínea a), do CAE previu expressamente que nenhuma alteração legislativa subsequente, de natureza fiscal, pudesse afetar o equilíbrio contratual, prejudicando a produtora de energia elétrica – in casu, a Turbogás. Simetricamente, a mesma cláusula, nas alíneas b) e c), também permite que a REN Trading, S.A. (e a REN, S.A.) extraia(m) benefícios da eventual eliminação ou redução de impostos ou taxas. Tal revela, uma preocupação inequívoca com o equilíbrio contratualentre as partes,emcaso de alterações legislativas futuras. A essencialidade desta cláusula é, aliás, notória e de assinalar, já que, ao longo de todo o clausulado contratual, esta é a única alteração de tipo legislativo alvo de consagração autónoma. O que nos permite concluir que as partes contraentes elegeram a matéria tributária como um aspeto particularmente sensível do investimento estrangeiro a realizar. Mais, a perenidade do quadro legal, em matéria tributária, constitui uma verdadeira circunstância essencial da decisão de contratar, pelo que a sua afetação futura, por decisões legislativas supervenientes com impacto tributário, poderia comprometer a própria viabilidade económico-financeira do mesmo”. “4.11. No presente caso – especificamente reportando-nos ao dever de suportar, por via de lei, os custos da tarifa social de eletricidade –, torna-se evidente que o mesmo se reveste de natureza tributária. Razão pela qual a alteração legislativa em causa não pode deixar de ser tida em consideração para efeitos de aplicação da Cláusula 20.ª do CAE. (…) 4.13. Independentemente da qualificação legal que o legislador lhe confira, a imposição de financiamento dos custos com a tarifa social, aos produtores de eletricidade, não pode senão ser qualificada como um verdadeiro tributo não sinalagmático, que assegura ao Estado o cumprimento de uma política pública que lhe é, aliás, constitucionalmente imposta”. “Na essência, esta é uma questão de interpretação contratual e de busca da vontade das partes tal como estas a exprimem através do clausulado do CAE. A Cláusula 1 do contrato define as relevant taxes em termos particularmente abertos, referindo-se muito amplamente a ‘all forms of taxation, duties, imposts and levies whatsoever and wherever and whenever imposed by any Competent Authority’.É evidente, portanto, o intuito das partes em fazer abranger qualquer espécie de tributo, por incomuns que sejam os seus contornos”. (...)2. A imposição de financiamento da tarifa social prevista no artigo 4º do Decreto-Lei nº138-A/2010 constitui uma prestação pecuniária, coactiva, devida a entidade que exerce funções públicas, possuindo a finalidade da angariação de receita que serve à satisfação de necessidades públicas. 3. A imposição de financiamento da tarifa social prevista no artigo 4º do Decreto-Lei nº138-A/2010 deve ser reconhecida por isso como um tributo público, no sentido em que estes são concebidos pela doutrina, jurisprudência e legislação portuguesas“4. As espécies tributárias Como vimos, no CAE da Tapada do Outeiro o conceito de Relevant Taxes constante da Cláusula 1 abrange ‘all forms of duties, imposts and levies whatsoever and wherever and whenever’. Ora, tendo em consideração o disposto na Cláusula 25 do CAE da Tapada do Outeiro, Relevant Taxes hão-de ser, exclusivamente, impostos, taxas ou contribuições financeiras, ou seja, os tributos admissíveis no ordenamento jurídico português, sendo que, tal como iremos concluir, a Tarifa Social não apresenta as características de nenhuma destas figuras” 8.38. Portanto, não somente os i. Pareceristas das Requeridas como também os da própria Requerente estão de acordo em enquadrar as Relevant Taxes no conceito de tributo e, assim, em recobri-las de natureza tributária. 8.39. Outrossim, não procede a crítica à posição sustentada pela Requerida 1 de a definição de Relevant Taxes corresponder às categorias de tributos admitidas no ordenamento jurídico português, pois, ao ver da Requerente, “isso seria uma coincidência verdadeiramente ‘nostradâmica’, tendo em conta que o CAE foi celebrado em 1994, e a Constituição só passou a prever essas três categorias em 1997 (tal como explicado pela REN Trading) 8.40. Isso porque, há muito antes da assinatura do CAE essa categorização era desenhada pela doutrina portuguesa especializada, restando mais tarde assentada legalmente. Como esclarece Rui Machete em seu Parecer, “8. Os tributos públicos são, desde a autonomização científica da doutrina fiscal operada no século XIX, divididos em três categorias fundamentais: a dos impostos, a das taxas e a das contribuições financeira. Essa divisão tem, entre nós, ainda a vantagem de se encontrar consagrada no art. 165º, n. 1, da Constituição de 1976 (...)” 8.41. Superadas essas questões, resta avaliar se a Tarifa Social se enquadra ou não nos pressupostos que norteiam os tributos em si, haja vista que, ainda que elástica possa ser a definição do termo Relevant Taxes, a imposição ou o encargo que nela se quer incluir, mesmo que atípica, não pode se afastar da natureza tributária que se projeta de seu núcleo duro (taxation, duties, imposts e levies). . 8.42. Por certo foi essa a vontade das Partes e é essa a interpretação que se retira da definição de Relevant Taxes. 8.43. Nesse sentido, ainda que amplo o alcance do conteúdo atinente às Relevant Taxes, conforme definição contratual (all forms of... whatsoever or wherever or whenever), para esta abranger a Tarifa Social deve, ao ver do Tribunal Arbitral, preencher os requisitos inerentes às espécies de tributo, a saber, consubstanciar uma prestação pecuniária compulsória, devida a uma entidade pública cujo fim seja a obtenção de receita. 8.44. Por sinal, esse contorno conceitual contratualmente pactuado afigura-se, inclusive, razoável e lógico, sob pena de indesejável indeterminação do raio de inserção da definição de Relevant Taxes. 8.45. Assim não fosse, estaria aberto o conceito para nele se inserir os mais variados tipos de encargos e imposições, seja de que índole fosse, em detrimento do mínimo que se espera da equação econômico-financeira contratual – e dos custos de transação decorrentes - marcada que estaria por uma exposição altamente incerta ao risco do negócio, notadamente em Contrato fundado no longo prazo. 8.46. Tal não era o propósito, à luz também do disposto na cláusula 1.1. do Anexo 16 do CAE86, vez que nos Changes in Costs reside exatamente o reequilíbrio da base do negócio em virtude de acréscimo ou decréscimo de custos da Requerente que repercutam, por força de encargos e imposições, na operação, manutenção e eficiência térmica do centro electroprodutor e na sua produção de energia. 8.47. Sob outra ótica, enquanto as Relevant Taxes traduzem os receios e as salvaguardas por força de modificações ulteriores na legislação tributária, com impactos na Requerente, as Change in Costs encerram ajustes na equação econômico-contratual dado resultar de aumento ou diminuição de encargos supervenientes que incidam na estrutura operacional, regra geral, da Requerente. 8.48. Nesse particular, andou bem o Painel Financeiro ao realçar, “81. [n]este ponto, importa sublinhar, é manifesta a colagem do texto contratual à ideia de encargos de natureza tributária/fiscal, pelo que falece a argumentação no sentido de se tratar de uma definição que pretendia abranger todo o tipo (sic) de encargos. 82. De resto e se assim fosse, sempre ficaria por explicar a relevância do conceito contratual de Change in Costs, constante da Cláusula 1.1. do Anexo 16 do CAE da Tapada do Outeiro”. 8.49. Nessa senda, não decola a alegação da Requerente de que “(...) as Partes não pretenderam apegar-se a noções legais dos tipos de tributo especificamente regulados, e adotaram um conceito que releva qualquer encargo imposto às pessoas identificadas na Cláusula 20.1 (a) (...)”. 8.50. Indo adiante, observa-se que a Tarifa Social não se ajusta aos critérios informadores da categoria taxa, dada a ausência de bilateralidade por dela não decorrer qualquer prestação da administração em prol do contribuinte (no caso, Requerente), e tampouco se harmoniza aos requisitos que norteiam as contribuições financeiras, por não se consubstanciar em pagamento pelo sujeito passivo em razão de contrapartida da administração pública, tida por presunção como aceita pelo contribuinte 8.51. Neste último caso, explica-se, o sujeito passivo (a Requerente) não recebe qualquer contrapartida, e sim os consumidores economicamente vulneráveis, pelo que não se pode enquadrar a Tarifa Social na categoria de contribuição 8.52. Quanto à espécie impostos, nas palavras de Sérgio Vasques, estes “(...) distinguem-se por constituírem tributos rigorosamente unilaterais, querendo isso dizer que o pressuposto legal que dá origem à obrigação de pagar o imposto é constituído por um comportamento do sujeito passivo e não por uma prestação administrativa. Via de regra, o pressuposto legal dos impostos está na angariação de rendimentos, no consumo de bens e serviços ou na titularidade do patrimônio, factos reveladores da capacidade económica dos contribuintes, sendo indiferente à formação da obrigação tributária a intervenção da administração”. 8.53. No concreto, a Tarifa Social, não há dúvida, é uma prestação pecuniária, coactiva e unilateral, pendente de exame mais detido, no entanto, a condição de ser exigida por entidade pública com o propósito de angariação de receita. 8.54. Para tanto, releva verificar o funcionamento sistemático da Tarifa Social, incidente sobre os titulares de centros electroprodutores em regime ordinário, na proporção da respectiva potência instalada. que os repassa aos operadores intervenientes na cadeia de valor do setor eléctrico. 8.56. A aplicação da Tarifa Social aos clientes finais economicamente vulneráveis é de responsabilidade dos comercializadores que com estes mantêm relação direta de fornecimento de energia 8.55. De acordo com o art. 4º, (2) e (3) do Decreto-Lei da Tarifa Social, os custos com a adoção da Tarifa Social, determinados conforme o Regulamento Tarifário e publicados pela ERSE94, são devidos pela Requerente à Requerida 1, na qualidade de concessionária da Rede Nacional de Transporte de Energia Eléctrica, comercializadores esses que na relação como Operador da Rede de Distribuição (i.e. EDP),deduzem dovalor a este devido aquele correspondente à Tarifa Social. 8.57. Para melhor apreensão, a ilustração que segue resume bem as particularidades na aplicação da Tarifa Social 8.58. Em suma, importante notar que os únicos beneficiários na aplicação da Tarifa Social são os consumidores economicamente vulneráveis, cuja energia elétrica lhes é entregue nas redes de baixa tensão, concessão esta de titularidade de EDP, na qualidade de Operador da Rede de Distribuição. Redes essas, por sinal, objeto de concessão municipal98, ao reverso da atribuída à Requerida 1 8.59. Ademais, é de ressaltar que as Requeridas não retêm para si parcela alguma dos custos com o financiamento da Tarifa Social, pois, como se extrai da dinâmica operacional de aplicação da Tarifa Social, esta se reflete em desconto aos usuários economicamente vulneráveis cuja energia elétrica, reitere-se, lhes é transmitida nas redes de baixa tensão, cuja concessão é detida por EDP. 8.60. Portanto, a Requerida 1 participa da sistemática de funcionamento e aplicação da Tarifa Social como mero veículo para o atingimento do fim a que foi criada a tarifa. Na dicção do art. 3º, (1) do Decreto-Lei da Tarifa Social, esta visa proporcionar aos hipossuficientes econômicos “um desconto na tarifa de acesso às redes em baixa tensão normal”. 8.61. Com efeito, resulta desse desconto, em poucas palavras, que os consumidores beneficiários pagam menos pela energia consumida. 8.62. Desse contexto operacional percebe-se que a Tarifa Social não pode ser considerada um imposto, visto não ser exigida por ente público e não tem por finalidade a angariação de receita para o Estado. 8.63. Afinal, a Requerida 1, conquanto Operador da Rede de Transporte, é manifestamente empresa privada e, como integrante da cadeias de intermediários na ligação centro electroprodutor/consumidores economicamente hipossuficientes, procede à arrecadação junto à Requerente do montante determinado pela ERSE, com o único fito de repassá-lo na sequência à EDP, de modo a que se efetive o desconto aos consumidores beneficiários e, assim, atenda ao disposto no Decreto-Lei da Tarifa Social. 8.64. Resumidamente, não há nesse liame relacional entidade pública e também não se verifica captação de receita para os propósitos da administração pública. 8.65. Outrossim, ao reverso da posição jurídica em que se apoia a Requerente, não se pode afirmar que “os custos [tarifa social] são entregues a uma entidade (ainda que privada) [Requerida1] que prossegue funções de interesse público, que depois os redistribui por vários particulares ao longo da cadeia do setor elétrico até ao beneficiário, in casu, os consumidores economicamente vulneráveis.” 8.66. Isso porque a cadeia relacional, para além da Requerida 1, é composta de outros agentes (Operador da Rede de Distribuição e comercializadores) que, do mesmo modo, implementam os mecanismos pertinentes à aplicação da Tarifa Social, a fim de que o desconto seja efetivamente operado em favor dos consumidores beneficiários. 8.67. A todos os intermediários – e não somente à Requerida 1 – cumpre instrumentalizar os procedimentos necessários até que o último elo da cadeia (consumidores hipossuficientes) obtenha o devido desconto objeto da Tarifa Social. 8.68. Daí a observação constante do Parecer de Eduardo Paz Ferreira e Clotilde Celorico Palma: “[o]ra, tal como afirmámos, os administrativistas, sem cuidar da devida fundamentação e análise, chegam muito rapidamente à conclusão de que estamos perante uma espécie tributária, partindo do pressuposto errado de que a REN Elétrica procede à redistribuição do rendimento, sendo que, como vimos supra, não leva a cabo qualquer redistribuição encontrando-se sim tal tarefa a cargo dos demais intervenientes na cadeia.”. 8.69. De outro lado, conquanto a Requerida 1 desempenhe papel crucial no sistema elétrico português, como sustenta Sérgio Vasques101, o Tribunal Arbitral não enxerga essa função como apego do i. Parecerista, no que toca à implementação da Tarifa Social. 8.70. Segundo Sérgio Vasques, a Requerida 1 “não constitui um operador privado comum mas o concessionário exclusivo de uma das mais importantes infraestruturas do País, a Rede Nacional de Transporte de Energia Elétrica, sujeito a um conjunto de obrigações extraordinariamente pesado”, e está incumbida de “cobrar aos centros electroprodutores a imposição de financiamento da tarifa social”. De outro lado, afirma ainda coexistir “O reconhecimento de natureza tributária a receitas devidas a concessionários do estado. 8.71. Todavia, como acima já acentuado, a Requerida 1 tão somente dá início ao procedimento de recolhimento e repasse da verba, numa rede de agentes que inclui os comercializadores e o concessionário das redes de baixa tensão (EDP) que faz a interface direta com os usuários finais e beneficiários do desconto, e que também exerce a relevante função de Operador da Rede de Distribuição. 8.72. Com efeito, não se observa atuação única e crucial da Requerida 1 na operacionalização do financiamento da Tarifa Social. O que se verifica é uma dualidade de concessões e uma pluralidade de agentes, todos com funções praticamente iguais, e todos instados, em fases distintas, mas conjugadas, a instrumentalizar a concretização do benefício previsto no Decreto-Lei da Tarifa Social. 8.73. Disso resulta que a Tarifa Social não se enquadra na definição de imposto, como registra Rui Machete: “[é] assim o objeto de uma relação obrigacional entre o credor público e o devedor privado, sujeita ao direito público, através da qual, o segundo fica obrigado ao pagamento de uma dívida destinada a financiar as despesas do Estado (...). Os impostos são devidos ao Estado ou a entidades públicas de base territorial. Consubstanciam transferências de riqueza, regra geral expressa em termos monetários, tendo como credores o Estado ou outras entidades públicas integradas na Administração. 8.74. Daí a conclusão do i. Parecerista, em linha com o entendimento do Tribunal Arbitral: “[a] sua definição [imposto] e o titular do crédito seriam suficientes para concluir que ‘prima facie’, a sua definição, seria suficiente para dizer que a tarifa social está desenhada como um apoio ou subvenção que concretiza um princípio favorável aos consumidores, e não uma medida que favoreça o Estadoou outra entidade administrativa independente. O Estado nem sequer é titular do sujeito de uma relação jurídica, em que do lado passivo, tenhamos os centros electroprodutores. (...) Em resumo, na tarifa social, nem o sujeito activo da relação é uma entidade pública integrando a Administração, nem tão pouco o ‘desconto’ na tarifa é realizado para beneficiar uma entidade pública ou alguém que a represente, mas feito pelos titulares dos centros electroprodutores em regime ordinário, que são sociedades comerciais ou indivíduos singulares – artigo 4º, nº 1 do Decreto-Lei nº 138/2010, de 28 de dezembro, a favor de outros particulares, os consumidores economicamente vulneráveis”. 8.75. Na mesma linha conclusiva, o Parecer da Procuradoria-Geral da República: “[a] obrigação de financiamento dos custos com a aplicação da tarifa social imposta a todos os titulares de centros electroprodutores em regime ordinário consubstancia uma prestação patrimonial de natureza atípica já que, a nosso ver, não assume natureza tributária. De facto, esta contribuição não cabe no conceito de tributo, definido como a prestação patrimonial definitiva estabelecida por lei a favor de uma entidade que tem a seu cargo o exercício de funções públicas, para satisfação de fins públicos. Desde logo, porque o financiamento da tarifa social vai beneficiar uma determinada categoria de consumidores – os consumidores economicamente vulneráveis -, não tendo como destinatário imediato o Estado ou outra entidade que tenha a seu cargo o exercício de funções públicas. É certo que os custos com o financiamento da tarifa social são devidos à entidade concessionária da RNT, conforme se dispõe no n. 2 do artigo 4º do Decreto-Lei n. 138-A/2010. No entanto, essa entidade atua enquanto ‘operador do sistema’, conforme disposto no mesmo preceito, competindo-lhe proceder mensalmente à faturação dos custos de financiamento da tarifa social aos produtores (art. 40º do Regulamento de Relações Comerciais). A função do operador da rede de transporte é aqui instrumental, não sendo ela a destinatária final do financiamento da tarifa social, mas antes os consumidores que dela vão se beneficiar”. 8.76. Portanto, o entendimento acima exposto torna frágil o argumento da Requerente de o mecanismo de financiamento da Tarifa Social ter “também uma ‘finalidade de angariação de receita’, uma vez que a existência de um ‘intermediário privado’ entre a arrecadação e a afetação da receita é admitida e não prejudica a condição de tributo”. 8.77. Ao ver do Tribunal Arbitral, repise-se, as Requeridas ou qualquer ente público não aufere receita alguma, dado que a Requerida 1 funciona como mera arrecadadora e repassadora dos custos atinentes à adoção da Tarifa Social, cujos únicos beneficiários são os usuários hipossuficientes de energia, por força de preceitos protetivos decorrentes do regramento jurídico da União Europeia, com vistas à garantia pelos Estados-Membros de salvaguardas sociais. 8.78. Nada obstante deixar de preencher dois dos relevantes requisitos que embasam o conceito de imposto e, assim, não se encaixar a Tarifa Social no eixo conceitual de Relevant Taxes, para os fins da pretensão deduzida pela Requerente, sustenta esta que, “(...) mesmo assumindo como boa a interpretação contratual das Requeridas (o que apenas se concebe para efeitos de raciocínio), a verdade é que a conclusão é a mesma: o mecanismo de financiamento da Tarifa Social é um Relevant Tax porque é um tributo. (...) Ora, a existência de tributos atípicos é reconhecida pela lei e por toda a doutrina e jurisprudência”. 8.79. Nesse campo, contudo, deve-se preventivamente caminhar à luz das ponderações de Eduardo Paz Ferreira e Clotilde Celorico Palma: “[é] certo que assistimos a uma proliferação de espécies tributárias cada vez mais atípicas, mas certo é igualmente que não poderemos cair no exagero incauto de pretender abarcar todas as figuras de prestações patrimoniais num conceito demasiadamente amplo de tributo”. 8.80. Ainda que a Tarifa Social configure-se em tributo atípico, essa categoria híbrida deve, mesmo assim, dada a sua natureza tributária ater-se aos parâmetros conceituais que informam o gênero tributo. 8.81. Registre-se, de antemão que, como já visto, a Tarifa Social não se consubstancia em taxa, pois ausente qualquer contraprestação da administração pública em prol do sujeito passivo, isto é, a Requerente. 8.82. Tampouco se insere no perímetro das contribuições, pois inexiste prestação pela entidade pública que vise “compensar prestações administrativas que apenas presumivelmente são provocadas ou aproveitadas pelo sujeito passivo [Requerente]” 8.83. Em suma, a Tarifa Social é desprendida de bilateralidade, ainda que ‘imperfeita’ nas palavras de Sérgio Vasques, pois o que dela emana é a unilateralidade de seu comando, sem qualquer contrapartida administrativa em prol da Requerente. 8.84. Ademais, como antes acentuado, também não se encaixa nos requisitos inerentes ao imposto, por não ser a Tarifa Social exigida por entidade pública com o fim de angariar receita. 8.85. Tais óbices a descaracterizam como imposto e, mais ainda, lhe retiram a natureza tributária, haja vista que esses mesmos pressupostos se inserem na noção de tributo estampada no Parecer de Sérgio Vasques, a saber: “[o]s tributos públicos podem ser definidos como prestações pecuniárias, coactivas, devidas a uma entidade pública com a finalidade da angariação da receita. 8.86. Dessa forma, irrelevante, no concreto, a circunstância de, a se caracterizar a Tarifa Social como imposto, segundo a própria observação de Sérgio Vasques, restaria eivada de inconstitucionalidade por não ter sido criada por lei parlamentar. 8.87. Nesse particular, sobreleva o entendimento exposto no Parecer da lavra de Eduardo Paz Ferreira e Clotilde Celorico Palma: “Com efeito, deve notar-se que, obviamente, é evidente que para falarmos de inconstitucionalidade importa antes de mais qualificar a figura como uma espécie tributária. A aventarmos estar erradamente perante um imposto, opecado de Sérgio Vasques é não ter em consideração devida que, precisamente por estar em causa um desconto num preço sem características de tributo, e enquanto tal querido pelo legislador, não foi sequer respeitado, naturalmente, o princípio da legalidade, pura e simplesmente porque não tinha que ser. A equacionarmos estar perante um imposto, como nota o autor do Parecer, então seria inconstitucional e, salientamos nós, precisamente por o legislador conscientemente ter criado uma espécie não tributária, um mero desconto num preço sem natureza tributária, um preço regulado, é que não estamos perante um Decreto-Lei autorizado 8.88. De fato, a Tarifa Social configura simplesmente um desconto no preço da energia elétrica em prol dos consumidores vulneráveis economicamente, e em desproveito dos centros electroprodutores em regime ordinário. 8.89. Esse financiamento social emerge como obrigação de serviço público, nos termos do Decreto-Lei n. 29/2006 e da Diretiva 2003/54/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26.06.2003118.90. Essa obrigação de serviço público extrai-se também dos princípios que nortearam a criação da Tarifa Social, pelo que se percebe do introito ao Decreto-Lei da Tarifa Social: “Também a situação de crescente incremento e volatilidade dos custos energéticos que se tem verificado internacionalmente e a intenção de prosseguir o aprofundamento da harmonização no âmbito do mercado eléctrico justificam o estabelecimento de medidas concretas de proteção destes consumidores economicamente mais vulneráveis, em linha com as orientações europeias (...). Neste contexto, o presente decreto-lei cria a tarifa social aplicável aos clientes de energia eléctrica que se encontrem numa situação de carência sócio-econômica, optando-se, por um critério de elegibilidade que coincide com as prestações atribuídas pelo sistema de segurança social. (...) A existência de uma tarifa social protege os interesses das famílias e outros grupos de consumidores economicamente mais vulneráveis através de um modelo tarifário que lhes garanta uma situação de tendencial estabilidade tarifária, nomeadamente mediante a utilização de descontos”. 8.91. Observa-se do desdobramento legal que o Decreto-Lei da Tarifa Social cristaliza no ordenamento a iniciativa que já se exigia anteriormente no âmbito da União Europeia. 8.92. Sob outra ótica, demandava-se a adoção pelos Estados-Membros, no quadrante dos serviços públicos de energia elétrica, de mecanismo de proteção dos consumidores mais vulneráveis, daí resultando a criação da Tarifa Social tendo como beneficiários os clientes finais acessados por redes de baixa tensão e, como financiadores dos custos decorrentes dessa obrigação de cunho social, “todos os titulares de centros electroprodutores em regime ordinário, na proporção da potência instalada de cada centro electroprodutor. 8.93. Como registra Rui Machete, “[é] a existência de um subsistema bem definido, referente à produção, transporte e distribuição de energia eléctrica, que conduziu à formulação, logo no direito comunitário derivado, de um princípio de proteção aos consumidores de energia, incluindo os clientes economicamente mais vulneráveis e, posteriormente, à transposição desse subsistema do direito comunitário para o direito nacional dos Estados-Membros da União Europeia, incluindo Portugal”. 8.94. Daí, conclui o i. Parecerista que “[a] tarifa social constitui, assim, a resultante do procedimento de concretização do princípio da prestação dos clientes economicamente mais vulneráveis, consubstanciando, no compromisso regulatório, uma obrigação de serviço público de carácter social. 8.95. De fato, a Tarifa Social tem finalidade manifestamente social, haja vista voltada exclusivamente aos clientes vulneráveis economicamente, os quais usufruem de um desconto no preço da tarifa de acesso - preço este regulado -, custo esse que recai em agentes específicos de mercado regulado que, nessa condição, lhes é imposto o financiamento como obrigação de serviço público. 8.96. Cabe registrar, ainda, que a decisão do Tribunal Constitucional relativamente à compensação por cópia privada, aduzida pela Requerente para sustentar o enquadramento da Tarifa Social no conceito de Relevant Tax, resta fragilizada dada a função da Requerida 1 na operacionalização da aplicação da Tarifa Social. 8.97. Segundo pontuado pela Requerente na audiência, “[s]ão vários os tributos, os tributos cobrados pelo concessionário de serviço público (...) o Sr. Presidente diz-me assim, bom, mas como é que classificam estes tributos no âmbito da Constituição? Há uma certa polémica se serão impostos, se serão contribuições financeiras, depois existe também a figura da contribuição especial (...). A grande vantagem deste processo é que este processo não necessita de fazer uma qualificação porque todos eles são tributos e portanto, nós, o nosso argumento é que este financiamento exigido à Turbogás é um tributo, a cláusula do CAE abrange todos os tributos (...). E por isso, por exemplo a questão, a questão da compensação pela cópia privada, que é uma entidade pública que gere e agrega artistas, entrega o dinheiro aos artistas e autores e aos editores de livros, também o Tribunal Constitucional disse que é um tributo (...) mas aí tem um caso de uma entidade privada que estava cobrando, cobra um imposto, um tributo muito parecido com imposto, como diz o Tribunal Constitucional e que disse de facto de ser privado não desqualifica com o imposto e nesse caso, essa entidade fica com o dinheiro, é ela que gere o dinheiro. Portanto, é um caso muito parecido com o aqui presente” 8.98. Ocorre, contudo, que a Requerida 1 não “fica com o dinheiro” arrecadado junto a Requerente e muito menos “gere” tais recursos, como o faz a entidade privada nos termos relatados na transcrição acima, posto funcionar a Requerida 1 como mera intermediária na ligação Requerente/consumidores economicamente vulneráveis, semelhantemente a outros agentes integrantes desse elo de ligação. 8.99. Não bastasse, como sustenta a Requerida 2, “(...) o Tribunal Constitucional, nesse Acórdão, considerou a natureza tributária de tal figura na base de que ‘esta «quantia» se encontra também afeta a finalidades que vão além de uma verdadeira remuneracão dos autores ou dos outros beneficiários em causa’, ‘numa parte que não é insignificante’ a ‘accões de incentivo à actividade cultural e à investigação e divulgação dos direitos de autor e direitos conexos’, isto é, finalidades de interesse público a prosseguir por entidades públicas que beneficiam de tais réditos” 8.100. Portanto, as peculiaridades na aplicação da Tarifa Social são bem distintas daquelas estampadas no Acórdão do Tribunal Constitucional atinentes à compensação por cópia privada. 8.101. Por fim, não é de se desprezar a alegação da Requerida 1 de a Tarifa Social ter sido imposta, em caráter personalíssimo, aos titulares de centros electroprodutores em regime ordinário, detentores de certo benefício econômico, cabendo, portanto, a eles arcar, exclusivamente, com o seu financiamento. 8.102. De fato, conforme consta do Decreto-Lei da Tarifa Social, “[o] financiamento deste desconto é assegurado pelos titulares de centros electroprodutores em regime ordinário, nomeadamente os beneficiários de incentivos relacionados com a garantia de potência [serviço de disponibilidade e incentivo ao investimento] (...) 8.103. Pelo exposto, não procede o pedido declaratório da Requerente de a Tarifa Social ser reconhecida como um Relevant Tax para os efeitos do CAE. A conduta pretérita da REN Trading 8.104. Quanto à conduta da Requerida 2, criticada pela Requerente por violar sua legítima expectativa e se configurar contraditória, a documentação acostada ao dossiê da arbitragem fragiliza as alegações da Requerente e posições de suporte 8.105. Vejamos. 8.106. Diante da intenção da Requerente de repassar para a Requerida 2 os montantes cobrados pela Requerida 1 relativamente aos custos da Tarifa Social deu-se início a uma troca de correspondências que se estendeu por meses. 8.107. Nessa esteira, percebe-se dos correios eletrônicos da Requerida 2 sua preocupação quanto ao que seria o entendimento da ERSE a respeito da posição da Requerente, como se nota dos seguintes trechos: “O ponto 6. Do Documento da ERSE sobre a Tarifa Social de Electricidade é claro, ao afirmar de que são os Produtores que devem suportar os respectivos custos. (...) Não tivemos até hoje qualquer indicação por parte da Regulação ou ERSE sobre este tema, apenas sobre a Tarifa de Uso de redes. (...) o que posso fazer é pedir aos produtores ao abrigo de que clausula contratual eles estão a apoiar-se para que a REN Trading pague este valor. Agora eu julgava que este assunto em termos regulatórios estivesse resolvido, e não houvesse dúvidas. (...) solicito o teu parece (sic), o que deverá ser feito junto aos produtores, assim como o que deverá ser feito junto da ERSE para esclarecer esta situação. A área de regulação da REN como interlocutor junto da ERSE também terá uma palavra a dizer sobre este assunto como é óbvio” 8.108. Frente a essas incertezas, a Requerida 2 enviou à Requerente a seguinte solicitação: “[n]o sentido de esclarecer dúvidas colocadas, vimos por este meio solicitar que nos sejam enviadas novas cartas esclarecendo e especificando a/as clausulas relevantes dos CAE, ao abrigo das quais estão [Requerente e Tejo Energia] a imputar à REN Trading o pagamento da tarifa social e da tarifa de uso de redes” 8.109. A despeito de a Requerida 2 ter, posteriormente, concordado em arcar com os custos da Tarifa Social, não o fez incondicionalmente. Ao contrário, deixou expresso que, “[n]o caso dos produtores com CAE estes custos são transferidos para a REN Trading, que suporta o custo até que o mesmo seja reconhecido pela ERSE” “Os custos com a Tarifa Social são financiados pelos centros electroprodutores em regime ordinário (...). No caso dos produtores com CAE estes custos são transferidos anualmente para a REN Trading, cabendo a esta última entidade a recuperação/devolução de eventuais acertos que venham a ocorrer” 8.110. Portanto, dada a reserva manifestada pela Requerida 2 perante a Requerente, em linha com suas incertezas quanto ao cabimento do entendimento da Requerente vis-à-vis as cláusulas e condições do CAE, não procede a alegação de ter a Requerida 2incutido legítima confiança na Requerente, mediante aceitação tácita da assunção dos custos da Tarifa Social, consubstanciando-se, assim, em comportamento contraditório a recusa da Requerida 2 em continuara arcar com os encargos oriundos da Tarifa Social 8.111. Por suposto, a expressa reserva feita pela Requerida 2 é suficiente a afastar, por incompatibilidade, os argumentos jurídicos antes mencionados. 8.112. Com efeito, não se verifica na conduta da Requerida 2 declaração tácita de vontade, posto a ressalva privilegiar o futuro entendimento da ERSE sobre o tema. 8.113. Essa circunstância também repele o entendimento de o comportamento da Requerida 2 ter gerado na Requerente legítima confiança, pois a Requerida 2 deixou claramente pendente de definição futura a questão da responsabilidade pelos encargos. 8.114. Em outros termos, essa questão não era pacífica e tão pouco restava estabilizada entre as partes. 8.115. Pelo exposto, segundo entendimento unânime do Tribunal Arbitral, não há que se falar em comportamento contraditório, pois a questão somente foi pacificada com a alteração do 4º, (4) do Decreto-Lei Tarifa Social pelo Decreto-Lei no 172/2014, de 14 de novembro, na sequência do Parecer do CCPGR e dos Comentários da ERSE ao Parecer do Conselho Tarifário quando, então, a Requerida 2 passou a recusar as faturas emitidas pela Requerente que visavam ao reembolso dos encargos com o financiamento da Tarifa Social Pedidos remanescentes da Requerente 8.116. Dado o insucesso da Requerente no que tange ao seu pedido mais relevante (“declare que o mecanismo de financiamento da Tarifa Social é um Relevant Tax para os efeitos do CAE”) os seus demais pedidos, no entender da maioria do Tribunal Arbitral restam improcedentes ou prejudicados, conforme o caso, por estarem estritamente vinculados à procedência do entendimento de a Tarifa Social configurar um Relevant Tax para os fins e efeitos do CAE. 8.117. Cumpre ainda ressaltar que, diante da ausência de direito da Requerente de repasse a qualquer das Requeridas dos custos de financiamento da Tarifa Social, e da falta de especificação de quais seriam as potenciais tutelas e seus fundamentos de fato e de direito passíveis de provimento pelo Tribunal Arbitral, o pedido de reconhecimento ou de concessão de “qualquer outra tutela dos seus direitos que o Tribunal considere adequada à luz do CAE e da lei portuguesa para efetiva resolução da Disputa resta improcedente, por afronta ao contraditório e a ampla defesa IX. ALOCAÇÃO DE CUSTOS 9.1. De acordo com as informações prestadas pela Requerente, os custos com a presente arbitragem totalizam €706.849,02, assim discriminados: (i) USD 290 mil, equivalentes a €243.608,00 em05.04.2021, correspondente aos honorários dos árbitros e despesas administrativas da CCI; (ii) €192.908,39 relativos aos honorários e despesas de seus advogados; (iii) €67.650,00 referente aos honorários e despesas dos pareceristas; (iv) 2.460,00 correspondente aos honorários e despesas dos assessores técnicos; e, (v) €222,63 correspondente aos custos com a realização da audiência. Nesse montante total também estão incluídos honorários advocatícios contratados no valor de €200 mil, a título de success fee 9.2. A Requerida 1, por seu turno, apresentou custos com a arbitragem no total de €332.170,16, incorridos do seguinte modo: (i) €186.874,52 relativos aos honorários de seus mandatários; (ii) €15.375,00 relativos aos honorários de pareceristas; (iii) €111,32 correspondentes aos custos com a audiência; e, (iv) €129.809,32 relativamente ao provisionamento para custos com o procedimento CCI. 9.3. A Requerida 2, conforme informado, incorreu no montante total de €261.906,68 relativamente aos custos desta arbitragem, a seguir especificados: (i) €116.724,47 a título de honorários advocatícios; (ii) €15.375,00 com honorários de pareceristas; (iii) USD 145 mil, equivalente a €129.695,89 (data do respectivo pagamento), a título de provisão para os custos da arbitragem CCI; e, (iv) €111,32 relativos aos custos com a realização da audiência. 9.4. Os custos incorridos com os pareceristas e os mandatários das Partes são, ao ver do Tribunal Arbitral, bastante razoáveis em razão da complexidade do caso e da qualidade dos mandatários de todas as Partes e de seus pareceristas, não demandando qualquer ressalva deste Tribunal Arbitral, devendo, dessa forma, ser inteiramente considerados para efeito da decisão sobre a alocação dos custos da arbitragem. 9.5. Outrossim, divergência revelada na fase final deste procedimento reside na pretensão da Requerente de o Tribunal Arbitral rever e, para tanto, realocar os custos determinados pelo Painel Financeiro quando da decisão que precedeu à instauração desta arbitragem. 9.6. Naquele procedimento, o Painel Financeiro responsabilizou a Requerente no percentual de 75% dos custos incorridos pelas Requeridas com o referido procedimento contratual. 9.7. Inconformada com a decisão do Painel Financeiro, pleiteia a Requerente a revisão da decisão sobre a alocação de custos, de forma a imputar às Requeridas a responsabilidade pelo reembolso do quanto incorrido no citado procedimento prévio, designadamente o montante de €75.952,50 relativos, unicamente, aos honorários e despesas dos membros do Painel Financeiro. 9.8. As Requeridas sustentam que a decisão do Painel Financeiro, nesse particular, não pode ser alterada, mas, por determinação do Tribunal Arbitral, apresentaram os custos incorridos com o Painel Financeiro equivalentes a €37.976,25 para cada Requerida. 9.9. Muito embora esse pedido tenha sido formulado a destempo, a pretensão da Requerente foi objeto de contraditório entre as Partes, razão pela qual não há prejuízo ao devido processo legal, podendo, portanto, ser objeto de decisão pelo Tribunal Arbitral. 9.10. Conquanto as Requeridas aduzam ser da competência exclusiva do Painel Financeiro a decisão sobre a alocação de custas, à luz da independência das cláusulas 6 e 7 do Anexo 12, Parte II, do CAE, esse entendimento perde aderência pelo fato de a decisão não unânime do Painel Financeiro sobre questão de mérito, ser passível de reanálise por arbitragem. 9.11. Sob outra ótica, sendo as questões de mérito as que mais expressam relevância, e, nada obstante, estão sujeitas a revisão e nova decisão em sede de arbitragem, não se percebe razão para que tema vinculado e acessório ao sucesso ou ao insucesso das questões de fundo não possam ser, do mesmo modo, submetidas a revisão pelo Tribunal Arbitral. 9.12. Ademais, não faz sentido que decisão substantiva do Painel Financeiro venha a ser alterada em sede de arbitragem – o que se apresenta em tese – e a correspondente responsabilidade pelo ressarcimento dos custos incorridos não possa, na arbitragem, ser realocada para, assim, manter exata correspondência com o julgado final. 9.13. Com efeito, a simples distribuição em duas cláusulas distintas no CAE - uma sobre a decisão de mérito (cláusula 6) e a outra sobre a alocação dos custos (cláusula 7) – e a menção ao “poder” do Painel Financeiro para decidir sobre a parte responsável pelo reembolso dos custos incorridos, não se sobrepõem à ampla jurisdição conferida aos árbitros para julgar todas as questões decididas pelo Painel Financeiro bem como para resolver todas as Disputas oriundas do CAE, com amplos poderes para “open up, review and revise any decision, opinion, instruction, notice, statement ofobjection,determination orcertificate related to the Dispute and any non-unanimous decision of the Panel and to order the rectification of this Agreement and of any agreement made between the parties pursuant thereto subject to any rule of law which would restrict this power. 9.14. Superada a controvérsia, o Tribunal Arbitral entende que a alocação de custos determinada pelo Painel Financeiro é razoável e está de acordo com o que naquele procedimento foi tratado e decidido, razão pela qual deve ser mantida, cabendo à Requerente efetuar os pagamentos devidos no prazo assinalado para o cumprimento desta Sentença. 9.15. Por fim, nos termos do art. 38 do Regulamento e considerando a complexidade das questões jurídicas e factuais controvertidas, o princípio da causalidade e a (im)procedência dos pedidos formulados pelas Partes, entende o Tribunal Arbitral, por maioria condenar a Requerente a reembolsar as Requeridas no equivalente a 90% dos custos por cada qual incorridos nesta arbitragem, ou seja, €298.953,12 para a Requerida 1 e €235.716,01 para a Requerida 2, montantes esses a serem acrescidos de juros de 4% (quatro por cento) ao ano, nos termos do art. 559º/1 do Código Civil e Portaria 291/2003, de 8 de abril contados a partir da data de cada desembolso até o efetivo pagamento X. DISPOSITIVO 10.1. Diante do exposto, DECIDE o Tribunal Arbitral: Pedidos da Requerente “234. Requer que o Tribunal: (a) Declare ter jurisdição para apreciar o presente Litígio, devendo para o efeito proferir uma Sentença Parcial Decisão unânime: Improcedente em parte. “(b) Declare que o mecanismo de financiamento da Tarifa Social é um Relevant Tax para os efeitos do CAE”; Decisão por maioria: Improcedente. “(c) Declare que a Requerente tem direito ao reembolso dos custos incorridos com o financiamento da Tarifa Social desde a sua entrada em vigor e até ao termo do CAE ou à revogação da Tarifa Social, consoante o que ocorra primeiro”; Decisão por maioria: Improcedente. “(d) Declare, em conformidade com os parágrafos anteriores, alterada a fórmula de cálculo da Capacity Charge de acordo com a proposta apresentada pela Requerente, na ausência de qualquer contraproposta das Requeridas e de acordo com o parágrafo 10.4 do Anexo 16 do CAE, ou que seja declarada qualquer outra alteração ao CAE que o Tribunal considere adequada a colocar a Requerente na situação em que estaria caso não lhe tivesse sido imposto o financiamento da Tarifa Social”; Decisão unânime: Improcedente. “(e) Condene as Requeridas no pagamento do montante de € 44.990.141,18 (quarenta e quatro milhões novecentos e noventa mil cento e quarenta e um euros e dezoito cêntimos) (incluindo IVA) correspondente aos custos incorridos até à data pela Requerente com o financiamento da Tarifa Social e não reembolsados pelas Requeridas, a faturar pela Requerente nos termos do parágrafo 10.7 do Anexo 16 do CAE, acrescido do montante correspondente à aplicação do Relevant Interest Rate previsto nesse parágrafo cujo montante, na presente data, ascende a € 4.233.836,88 (quatro milhões duzentos e trinta e três mil oitocentos e trinta e seis euros e oitenta e oito cêntimos)”; Decisão por maioria: Improcedente. “(f) Condene as Requeridas no pagamento dos custos incorridos com o financiamento da Tarifa Social que venham a ser incorridos pela Requerente em acréscimo ao montante referido no parágrafo anterior até ao termo do CAE ou à revogação do mecanismo de financiamento da Tarifa Social, conforme o que ocorrer primeiro, a faturar pela Requerente nos termos do parágrafo 10.7 do Anexo 16 do CAE”; Decisão por maioria: Improcedente. “(g) Condene as Requeridas no pagamento dos juros de mora vincendos à taxa contratual aplicável acrescidos dos juros legais compulsórios previstos no n.º 4 do artigo 829.º-A do Código Civil, à taxa de 5%, desde a data de vencimento da fatura a emitir pela Requerente referida em (e) após a sentença de condenação transitar em julgado e até ao efetivo e integral pagamento dos montantes em que as Requeridas sejam condenadas Decisão por maioria: Improcedente. “(h) Condene as Requeridas no pagamento de todos os encargos da arbitragem, nomeadamente os honorários e despesas do Tribunal e todos os custos incorridos pela Requerente, incluindo os honorários devidos aos seus Advogados e as despesas incorridas com a sua representação, bem como dos juros sobre esses montantes”; Decisão por maioria: Improcedente. “235. Subsidiariamente aos pedidos formulados nas alíneas (a), (d), (e), (f) e (g), e para acautelar a eventualidade de o Tribunal Arbitral entender não ter jurisdição para alterar a Capacity Charge, a Requerente requer que o Tribunal (a) Declare que já decorreram os 3 meses previstos no parágrafo 10.3 do Anexo 16 do CAE para que as Requeridas pudessem formular uma contraproposta à proposta de alteração da Capacity Charge apresentada pela Requerente”; Decisão unânime: Prejudicado. “(b) Declare que não há qualquer impedimento ao funcionamento do procedimento previsto no parágrafo 10 do Anexo 16 do CAE com vista à alteração da Capacity Charge de acordo com a proposta formulada pela Requerente, conforme disposto na parte final do parágrafo 10.4 do Anexo 16 do CAE”; Decisão unânime: Improcedente. “(c) Condene as Requeridas no cumprimento do procedimento previsto no parágrafo 10 do Anexo 16 do CAE com vista à alteração da Capacity Charge, incluindo no pagamento de todas as faturas a emitir pela Requerente, após alteração da fórmula, nos termos do parágrafo 10.7 do Anexo 16 do CAE”; Decisão por maioria: Improcedente. “236. Subsidiariamente, e para acautelar a eventualidade de o Tribunal entender que a alegada inconstitucionalidade do mecanismo de financiamento da Tarifa Social impede o funcionamento da Cláusula 20. do CAE a Requerente requer que o Tribunal (a) Condene a Requerida REN Eléctrica a abster-se de cobrar esses montantes à Requerente”; Decisão por maioria: Prejudicado. “(b) Condene a Requerida REN Eléctrica a restituir os montantes cobrados à Requerente desde 2015 e até à data em que cesse a cobrança em cumprimento da alínea precedente”; Decisão por maioria: Prejudicado. “(c) Condene as Requeridas no pagamento dos juros de mora vincendos à taxa contratual aplicável acrescidos dos juros legais compulsórios previstos no n.º 4 do artigo 829.º-A do Código Civil, à taxa de 5%, desde a data em que a sentença de condenação transitar em julgado e até ao efetivo e integral pagamento dos montantes a cuja restituição for condenada nos termos da alínea precedente”; Decisão por maioria: Prejudicado. “237. (...) caso as Requeridas desenvolvam nas suas Tréplicas as objeções suscitadas à jurisdição do Tribunal Arbitral, o Tribunal permita que a Requerente apresente uma nova Alegação Escrita quanto à jurisdição, dessa forma assegurando a igualdade entre as Partes”; Decisão unânime: Indeferido, nos termos da Ordem Processual no 2. “238. A Requerente pretende ainda que após proferir uma decisão autónoma quanto à jurisdição – ao abrigo do disposto no artigo 42.º, n.º 2 da Lei da Arbitragem Voluntária –, o Tribunal conceda subsequentemente um prazo razoável para as Partes reverem (se necessário) os pedidos deduzidos”; Decisão unânime: Indeferido, nos termos da Ordem Processual no 2. “239. (...) seja reconhecida qualquer outra tutela dos seus direitos que o Tribunal considere adequada à luz do CAE e da lei portuguesa para efetiva resolução da Disputa”. Decisão por maioria: Improcedente. Pedidos da Requerida1 “423. Concretamente deverá este Tribunal Arbitral: (a) Declarar-se incompetente para conhecer a proposta de alteração contratual – da fórmula de cálculo da Capacity Charge – submetida no âmbito do presente procedimento arbitral”. Decisão unânime: Procedente. “(b) Declarar-se em qualquer caso incompetente para declarar qualquer alteração contratual ao abrigo quer do Anexo 12 quer do Anexo 16 do CAE”; Decisão unânime: Procedente em parte. “(c) Sem conceder, julgar improcedentes todos os pedidos formulados pela Requerente”; Decisão unânime: Procedente em parte. “(d) Condenar a Requerente no pagamento de todos os encargos da arbitragem, nomeadamente honorários e despesas do Tribunal Arbitral e demais custos incorridos pela Requerida 1, incluindo os honorários devidos aos seus mandatários e despesas pelos mesmos incorridas, bem como juros sobre tais montantes”. Decisão por maioria: Procedente em parte, para condenar a Requerente no pagamento total de €298.953,12 (duzentos e noventa e oito mil, novecentos e cinquenta e três euros e doze cêntimos), acrescido de juros de 4% (quatro por cento) ao ano, contado da datade cada desembolso e até o efetivo pagamento, sendo €168.187,06 (cento e sessenta oito mil, cento e oitenta e sete euros e seis cêntimos) referentes aos honorários de advogados, €13.837,50 (treze mil, oitocentos e trinta sete euros e cinquenta cêntimos) relativos aos honorários de pareceristas, €100,18 (cem euros e dezoito cêntimos) correspondentes às despesas com a audiência e €116.828,38 (cento e dezesseis mil, oitocentos e vinte oito euros e trinta e oito cêntimos) equivalentes aos custos de arbitragem CCI Pedidos da Requerida 2: “417. (...) o Tribunal Arbitral deverá declarar-se incompetente para conhecer do litígio, mormente quanto aos pedidos formulados pela Requerente”; Decisão unânime: Improcedente “418. (...) julgar totalmente improcedentes os pedidos formulados pela Requerente, designadamente, o seu pedido de reembolso dos custos incorridos com a Tarifa Social ou de qualquer outro tipo de compensação, bem como o seu pedido de alteração contratual”; Decisão por maioria: Procedente. “419. (...) condenar a Requerente no pagamento de todos os encargos da arbitragem, nomeadamente honorários e despesas do Tribunal Arbitral e demais custos incorridos pela Requerida 2, incluindo os honorários devidos aos seus mandatários e despesas pelos mesmos incorridas, bem como juros sobre tais montantes”. Decisão por maioria: procedente em parte, para condenar a Requerente no pagamento de €235.716,01 (duzentos e trinta cinco mil, setecentos e dezesseis euros e um cêntimo), acrescido de juros de 4% (quatro por cento) ao ano, contado da data de cada desembolso e até o efetivo pagamento, sendo €105.052,02 (cento e cinco mil, cinquenta e dois euros e dois cêntimos) a título de honorários dos mandatários, €13.837,50 (treze mil, oitocentos e trinta sete euros e cinquenta cêntimos) referentes aos honorários de pareceristas, €100,18 (cem euros e dezoito cêntimos) equivalentes às despesas com a audiência) e €116.726,30 (cento e dezesseis mil, setecentos e vinte e seis euros e trinta cêntimos) relativos aos custos com a arbitragem CCI 10.2. Fica mantida a decisão do Painel Financeiro quanto à alocação de custos, devendo a Requerente efetuar os pagamentos devidos à Requerida 1,como determinado,no prazo de cumprimento desta Sentença. 10.3. Todos os demais pedidos e solicitações das Partes são rejeitados. (A presente folha é parte integrante da Sentença Arbitral Final no Procedimento Arbitral CCI 25128/JPA sob a administração da Corte Internacional de Arbitragem da Câmara de Comércio Internacional –CCI) Sede da arbitragem: Lisboa, Portugal. Data: 14 de julho de 2021. III- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO III.1. Não havendo questões de conhecimento oficioso são as questões apresentadas na petição inicial e no requerimento de3 3/4/2023 e acima elencadas que delimitam objecto do conhecimento por este Tribunal. III.2. A questão da junção dos documentos por requerimento de 3/4/2023. Apreciando e decidindo: ao julgamento da acção de anulação da decisão arbitral aplicam-se as regras da apelação sendo por isso aplicável o disposto no art.º 651/1, as partes juntaram os documentos com os seus articulados nos termos do Código do Processo Civil e ao abrigo do disposto no n.º 2 do art.º 651 podiam as partes juntar pareceres de jurisconsultos até ao início do prazo para a elaboração do projecto do acórdão, circunstância que manifestamente não ocorre nos autos com o requerimento de 3/4/2023 pelo que se indefere a sua junção. Not. III.3.Saber se a decisão arbitral viola, de forma patente, o princípio da tutela da confiança que integra a ordem pública internacional do Estado Português, o que constitui fundamento de anulação ao abrigo do disposto no art.º 46/3/b, subalínea ii) do LAV. III.3.1 O art.º 46/3/b ii da LAV estatui que a sentença arbitral só pode ser anulada pelo tribunal estadual competente se o tribunal verificar que o conteúdo da sentença ofende os princípios da ordem pública internacional do Estado Português. E como é que o tribunal estadual faz essa verificação? Embora a resolução de litígios através de arbitragens não seja, ontologicamente, incompatível com a possibilidade de os tribunais estaduais reapreciarem a decisão dos árbitros sobre o fundo da causa a grande maioria das leis nacionais reguladoras da arbitragem e quase todos os regulamentos de instituições que administram esta forma de resolução de litígios impedem que das sentenças arbitrais sejam interpostos recursos para os tribunais estaduais, solução que é justificada pela presunção de que as partes, ao optarem pela arbitragem, quiseram que a decisão dos árbitros sobre o litígio fosse definitiva e que os tribunais estaduais fossem afastados deste, e essa definitividade da sentença arbitral que tende a reduzir o controlo dos tribunais estaduais sobre o modo como os árbitros dirimiram o litígio que lhes foi submetido não é um valor absoluto, porque qualquer arbitragem desenrola-se no quadro de uma ordem jurídica que confere validade e eficácia jurídica à convenção pela qual as partes atribuem a árbitros competência para decidirem litígios suscitadas entre elas, e é por isso que é aos tribunais arbitrais desse Estado que compete anular uma sentença arbitral que a lex arbitri considere como não podendo ser aceite por razões atinentes ao modo como o tribunal chegou a essa sentença ou à solução que por ela foi dada ao litígio é neste ponto que surge o controlo via ordem pública. Se a lex arbitri mandar que os tribunais escrutinem as sentenças arbitrais para verificarem a sua conformidade com a ordem pública esse controlo tem de ser efectivo, o juiz não pode limitar-se a um exame da parte dispositiva da sentença que se desinteresse da respectiva fundamentação, o que importa averiguar é se a solução que os árbitros adoptaram quanto ao fundo da questão colide ou não com a ordem pública, o dispositivo é neutro quanto à violação da ordem pública, só o exame dos motivos da decisão arbitral e dos dados do caso permite concluir se a decisão constante do seu dispositivo ofende ou não a ordem pública, por isso o exame não pode cingir-se ao direito, deve incidir sobre os factos apreciados pelo árbitro, mas para evitar que esse escrutínio da sentença arbitral se transforme nua reapreciação do mérito do litígio decidido pelo árbitro, a situação deve ser analisada a partir dos elementos de facto tal como forma apresentados ao árbitro, foram documentados e relatados no processo e desconsidere factos que não foram submetidos a este; todo o raciocínio seguido pelo árbitro deve poder ser objecto de exame do juiz tanto em matéria de direito como em matéria de facto, desde que isso tenha influência sobre a aplicabilidade de um princípio ou regra de ordem pública, o controlo da sentença arbitral em matéria de direito deve abranger não só a aplicabilidade das normas e princípios de ordem pública vocacionados para reger a situação litigiosa mas também a concreta aplicação pelo árbitro de tais princípios e regras, o juiz não pode limitar-se a verificar se os princípios e regras foram tidos em conta pelo árbitro sem escrutinar o modo como este os aplicou, o juiz deve, confrontando a solução acolhida pelo árbitro com a que teria adoptado, examinar os efeitos decorrentes da aplicação das regras ou princípios da ordem pública no caso em apreço, só se justifica a anulação da sentença arbitral, se a aplicação criada pela sentença arbitral colidir com os fins ou por aquela regras ou princípios; quando o juiz verifique o erro do árbitro deve, comparando a situação criada pela sentença arbitral com a que resultaria da correcta aplicação da regra ou princípio da ordem pública desaplicada pelo árbitro verificar se é grave a divergência detectada entre essas duas situações, à luz dos objectivos prosseguidos por tal norma ou princípios, pois só uma ofensa grave aos fins que aqueles prosseguem deve ser sancionada.[1] III.3.2. O conceito de ordem pública interna e internacional não coincide, sendo este mais restrito do que aquele em função da “maior tolerância” para com as regras do sistema jurídico estrangeiro que é própria do Direito Internacional Privado. Aliás, a concepção apriorística da ordem pública internacional (essencialmente defendida em finais do sec. XIX e princípios do sec. XX) e que pressuporia que se encarassem as “normas de aplicação necessária” como normas da ordem pública internacional, tem vindo a ser posta de parte, referindo Lima Pinheiro [2] que, «na concepção vigente no Direito português, a reserva de ordem pública internacional só intervém a posteriori, quando a solução material concreta a que o Direito estrangeiro ou transnacional conduz é intolerável face a certos princípios e normas da ordem jurídica portuguesa», ideia que repete [3], referindo que « é justificada a tendência para separar a ordem pública internacional da temática das normas susceptíveis de aplicação necessária». E nesta lógica - e fazendo notar [4] ter já defendido «em obras anteriores que as normas de aplicação necessária (…) são uma modalidade de normas autolimitadas: aquela em que a norma reclama uma esfera de aplicação mais vasta do que aquele que decorreria do Direito de Conflitos geral», mas que, o desenvolvimento da tipologia das normas “autolimitadas» o levou a rever essa posição - apela para uma melhor delimitação da “norma de aplicação necessária” referindo que a mesma «sobrepõe-se ao sistema de Direito de conflitos por força de uma norma de conflitos unilateral que prevalece, como norma especial, sobre a norma de conflitos geral ou de uma valoração casuística». Daí que conclua que as normas “autolimitadas” são «excepcionais - não se encontra aqui, portanto, uma alternativa global ao sistema de Direito de Conflitos, mas um limite ao funcionamento deste sistema que só se verifica em casos excepcionais. III.3.3.A esta reserva de ordem pública internacional que é um limite à aplicação do direito estrangeiro, contrapõe-se a ordem pública de direito material a que se reportam os artigos 271/1, 280, 281 do CCiv e é nessa acepção que a ofensa da orem pública pode constituir e constitui na esmagadora maioria dos sistema jurídicos fundamento de anulação de sentenças proferidas em arbitragens internas ou internacionais, sendo que no núcleo da ordem pública de direito material alguma doutrina distinga a ordem pública interna e a ordem pública internacional.[5] III.3.4. Diversos autores referem os seguintes princípios como integrando a ordem pública internacional dos Estados, constituindo a sua violação fundamento de anulação de sentença arbitrais: o princípio do pacta sunt servanda, o princípio da boa fé, a proibição do abuso de direito, o princípio da proporcionalidade, o da proibição das medidas discriminatórias ou espoliadoras, protecção dos civilmente incapazes, proibição das vinculações perpétuas, proibição das indemnizações punitivas em matéria cível, as normas legais destinadas a proteger os contratantes mais fracos; a invocação daqueles 4 primeiros com conteúdo normativo tão amplo ou indeterminado terá de se sujeito a acentuadas restrições para que por essa via não se fomente perniciosamente a impugnação de sentenças arbitrais sem justificação adequada, por parte de quem insatisfeito com a decisão dos árbitros recorra a este meio processual para tentar obter uma reapreciação pelos tribunais estaduais do litígio decidido pelos árbitros. III.3.5. Já acima dissemos que a análise da decisão arbitral importa, neste domínio da apreciação do conteúdo da sentença no confronto com os princípios de ordem pública internacional do Estado Português, uma análise quer do dispositivo quer da fundamentação e facto e de direito; a análise da decisão de facto como acima dissemos não implica a alteração da decisão de facto, há que levar em consideração os factos que o Tribunal Arbitral e não quaisquer outros. III.3.6. Postas estas considerações considera a autora Turbogás em suma o seguinte: III.3.7. Citada a REN-Rede Eléctrica Nacional S.A. sobre o fundamento específico da acção de anulação qui em causa em suma diz: III.3.8. A Ré REN Trading, juntando 9 documentos opôs-se em termos muito similares aos da REN – Rede Eléctrica acrescentando que: III.3.9. Na sua resposta às oposições que foi admitida a Autora conclui que não busca qualquer tutela recursória nem se limita a veicular a sua discordância com a interpretação sustentada na sentença arbitral, o resultado afirmado na sentença arbitral afronta o princípio da tutela da confiança por isso o Tribunal da Relação deve interpretar o CAE, sendo a República Portuguesa um Estado de Direito garantir que os contratos são cumpridos e que em tal se pode confiar é um princípio com dignidade constitucional, a existência da cláusula 20.ª do CAE como fundamento da relevância da dimensão jusprprivada do princípio da confinada no ordenamento jurídico nacional com o seu papel de preservação do equilíbrio económico pactuado entre as partes refuta a posição das rés. Esta conclusão é corroborada pela decisão do TJUE referida pelo Professor Rui Moura Ramos no seu Parecer §§ 29 e seguintes proferida e 14/10/2021 no processo C-683/19 (Viesgo Infarestructuras Energéticas SL contra Administracion General del Estado e Outros) a respeito da legalidade do regime de financiamento da tarifa social em Espanha junta como doc 1 essa a decisão qualifica o mecanismo de financiamento da Tarifa Social como tendo a natureza jurídico-tributária ou seja inequivocamente um tributo e dentro desta categoria a natureza de contribuição financeira. III.3.10. A REN- Rede Eletcrica Nacional e a REN Trading aos 28/2/2022 e 2/3/2022 respectivamente vieram em cumprimento do despacho de 23/2/2022 juntar a tradução para o Português dos documentos e3 e 9 juntos com as oposições respectivamente e que se encontra a fls. 1478 e ss e que é uma tradução de uma carta datada de 30/10/2021 da Turbogás para as Rés com a referência “notificação da alteração nos custos decorrente do Financiamento da Tarifa Social e proposta de alteração ao encargo de Potência instalada. III.3.11. A tradução apresentada a Autora veio apresentar uma objecção de incorreta tradução da expressão Relevant Tax que se deve ter por tributos relevante e não impostos relevantes. III.3.12. Reitera-se o que acima se disse: o controlo da sentença arbitral em matéria de direito deve abranger não só a aplicabilidade das normas e princípios de ordem pública vocacionados para reger a situação litigiosa mas também a concreta aplicação pelo árbitro de tais princípios e regras, o juiz não pode limitar-se a verificar se os princípios e regras foram tidos em conta pelo árbitro sem escrutinar o modo como este os aplicou, o juiz deve, confrontando a solução acolhida pelo árbitro com a que teria adoptado, examinar os efeitos decorrentes da aplicação das regras ou princípios da ordem pública no caso em apreço, só se justifica a anulação da sentença arbitral, se a aplicação criada pela sentença arbitral colidir com os fins ou por aquela regras ou princípios; quando o juiz verifique o erro do árbitro deve, comparando a situação criada pela sentença arbitral com a que resultaria da correcta aplicação da regra ou princípio da ordem pública desaplicada pelo árbitro verificar se é grave a divergência detectada entre essas duas situações, à luz dos objectivos prosseguidos por tal norma ou princípios, pois só uma ofensa grave aos fins que aqueles prosseguem deve ser sancionada. III.3.13 Considerando, porém, que os aludidos princípios possuem um conteúdo normativo amplo ou indeterminado, a invocação da sua violação, como fundamento da anulação de sentença arbitral, terá de ser sujeito a acentuadas restrições e daí que a contrariedade à ordem pública internacional do Estado português, a que alude o art. 46.º, n.º 1, 46º, nº 3, b), ii), da LAV, pressupõe que essa decisão conduza a um resultado intolerável e inassimilável pela nossa comunidade, por constituir um patente, certo e efectivo atropelo grosseiro do sentimento ético-jurídico dominante e de interesses de primeira grandeza ou princípios estruturantes da nossa ordem jurídica.[6] III.3.14. Sustenta a Autora que a decisão a que o Tribunal Arbitral chegou negando a natureza de imposto, tributo ou contribuição financeira ao conceito de relevant tax na cláusula 20.ª do CAE (contrato de aquisição de energia) entre Autora e Rés celebrado, conduziu a uma resultado intolerável pela nossa comunidade na medida em que a cláusula em apreço tem por finalidade precípua assegurar a preservação do equilíbrio contratual pactuado entre as partes, acautelando, através da neutralização das consequências económicas decorrentes de uma eventual alteração do quadro normativo em matéria tributária existente à data da celebração desse equilíbrio, e permitindo-lhe planear e gerir a sua actividade em conformidade com elas, conclusão o que é reforçada pelo mecanismo das Changes in Costs regulado no apêndice 16 ao CAE, e assim sustentando que a tarifa social não tem aquela natureza contratualmente acordada afronta as legítimas expectativas da Autora tal como decorrentes do CAE válida eficazmente celebrado e aditado com reforço pelas Partes das obrigações nele constante violando o princípio fundamental da confiança motivo pelo qual a sua manutenção se revela incompatível com a ordem pública internacional do Estado Português. III.3.15. As questões relacionadas com a protecção de posições jurídicas subjectivas em matéria tributária têm sido tradicionalmente abordadas a partir de dois prismas analíticos fulcrais: por um lado a retroactividade, e por outro lado o Direito substantivo. O Estado de Direito deve garantir a proteção da confiança, bem como o princípio da igualdade. Garante liberdade, assegura a segurança e a previsibilidade da lei, a reserva da lei e sua precedência e apoia a separação de poderes. O princípio da segurança jurídica reconduz-se essencialmente aos aspectos da certeza, estabilidade e proteção da confiança legítima, podendo-se definir este último princípio, numa proposta funcional, “…como princípio constitucional que tem por finalidade proteger expectativas de confiança legítima nos atos de criação ou de aplicação de normas mediante certeza jurídica, estabilidade do ordenamento e confiabilidade na efectividade de direitos e liberdades assegurada como direito público fundamental” A confiança legítima surge, assim, como corolário subjectivo da segurança jurídica, “…evidenciando-se o seu conteúdo pela certeza da legalidade tributária e do Sistema Constitucional Tributário, tendo por objectivo reduzir a complexidade e indeterminações do “ambiente” e assegurar direitos e liberdades fundamentais, calibração da estabilidade sistêmica, mediante princípios de correcção implícitos, como os de proibição de excesso, proporcionalidade e razoabilidade, e, por fim, o princípio de protecção da confiança legítima stricto sensu, na forma de confiança na experiência do sistema tributário, a partir das condutas adotadas e das práticas efetivadas por órgãos e autoridades.”[7] Assim a proteção da expectativa da confiança legítima surge-nos como princípio corrector quer em situações de deficiência da ordenamento jurídico, nomeadamente em casos de retroactividade ou excesso de exigências, quer em casos de salvaguarda de direitos fundamentais ou defesa da prática de atos da Administração Tributária. A lei só pode servir de parâmetro para a conformação da actuação dos seus destinatários se os seus efeitos puderem ser previstos, antecipadamente, por esses destinatários. A previsibilidade dos efeitos da lei implica, por um lado, que o comportamento dos destinatários da lei seja regulado pela lei em vigor no momento em que o mesmo se exterioriza. Por outro lado, implica que os efeitos jurídicos dessa regulação se cristalizem na ordem jurídica, não devendo ser destruídos ou alterados por uma lei subsequente. Ou, conforme afirma Gomes Canotilho, esta dimensão de previsibilidade da lei traduz-se na tutela de expectativas através da garantia da segurança jurídica: “O homem necessita de segurança para conduzir, planificar e conformar autónoma e responsavelmente a sua vida. Por isso, desde cedo se consideram os princípios da segurança e da protecção da confiança como elementos constitutivos do Estado de Direito […]. O princípio geral da segurança jurídica em sentido amplo (abrangendo a ideia de protecção de confiança) pode formular-se do seguinte modo: o indivíduo tem o direito de poder confiar em que aos seus actos ou às decisões públicas incidentes sobre os seus direitos, posições ou relações jurídicas alicerçadas em normas jurídicas vigentes e válidas por esses atos jurídicos deixado pelas autoridades com base nessas normas se ligam os efeitos jurídicos previstos e prescritos no ordenamento jurídico”[8]. III.3.16. Contudo, não é esta perspectiva constitucional do princípio da confiança integradora da ordem pública internacional do Estado Português que a Autora reclama como tendo sido violada pela decisão arbitral. O que a Autora sustenta é que em 20/12/1994, quando foi celebrado o contrato de aquisição e energia as partes- que se encontra a fls. 27 e ss, não podiam de todo prever que 16 anos mais tarde o DL 138-A/2010, de 28/12, iria instituir a tarifa social, em 1994 o sistema fiscal não estava preparado para a privatização da fiscalidade mas isso não significava que elas não tivessem estipulado para a eventualidade de singularidades fiscais, por isso a maioria arbitral desconsiderou o contrato concluído em 1994, haveria que verificar a composição de interesses assumida pelas partes no CAE de 1994 e na mesma linha ponderar que valores e meios é que o Estado Português engendrou em 2010 quando estatuiu a denominada tarifa social. Basta ler o que acima consta que o Tribunal analisou o contrato de aquisição e energia não só a cláusula 20.ª do contrato como as outras do mesmo contrato por isso atendeu não só ao elemento literal do contrato como aos outros elementos, designadamente o teleológico e o sistemático, acontece como bem dizem as rés é que a Autora não concorda com c interpretação que o Tribunal Arbitral fez do contrato. Muito embora a doutrina reconheça os princípios do pacta sunt servanda, da boa-fé, da proibição do abuso de direito, da proporcionalidade, da proibição das medidas indemnizatória ou espoliadoras, protecção dos civilmente incapazes, proibição de vinculações perpétuas e de indemnizações punitivas em matéria cível, normas legais destinadas a proteger os contratantes mais fracos, isto na medida em que, casuisticamente, e a necessidade de observação de alguns desses princípios se pode mostrar conflituante designadamente o princípio da liberdade contratual por um lado e os da proporcionalidade isto porque os princípios têm conteúdo normativo demasiado amplo ou indeterminado tendo de ser sujeitos a acentuadas restrições para que por essa via não se fomente, perniciosamente, a impugnação da sentença arbitral, sem justificação adequada, constituindo um perigo para a eficácia da arbitragem, pelo que o controlo passa por averiguar se a situação criada pela sentença arbitral ofendeu concreta e gravemente os objectivos prosseguidos pelas regras e princípios de ordem pública.[9] António Sampaio Caramelo[10] afirma, no que concordamos que não havendo recurso da sentença arbitral, como manifestamente não houve, os árbitros podem errar no apuramento dos factos ou na aplicação do direito sem que isso ponha em causa a subsistência da sua sentença e por maioria de razão quando só numa das possíveis qualificações da factualidade apreciada na decisão arbitral se poderia identificar um possível erro de julgamento uma vez que uma das possíveis interpretações jurídica suportada em boa parte da doutrina (Calvão da Silva Cumprimento e Sanção pecuniária Compulsória, 1987, Cimbra FDUC, Galvão teles, Direito das obrigações, 7.ª edição, 1997). III.3.17. Diz a apelante que sim, que houve ofensa grave dos subprincípios de ordem pública, pelas seguintes razões: 1. o contrato tem por objecto um vultuoso investimento a realizara pela Turbogás necessário à implantação de uma infraestrutura de grande relevo na produção de energia uma central de ciclo combinado a gás e vapor constituído por três unidades geradoras com uma potência total de 990 megawats, a Turbogás comprometeu-se a vender à REN a totalidade da energia produzida por essa infraestrutura durante um dilatado período temporal de 25 anos contados do início da laboração da primeira unidade que a integrar e as partes fixaram no contrato o modo de cálculo dos montantes devidos pelas REN a título do que designaram por “energy charge” e “capacity charge” e dada a longa duração do contrato era possível se não mesmo expectável que o quadro normativo vigente em Portugal nomeadamente em matéria tributária viesse a alterar-se no decurso da sua execução, nomeadamente mediante a criação de novas espécies tributárias ou o alargamento das já existentes em potencial detrimento da Turbogás que acordara coma REN os valores referidos “energy charge e “capacity charge” tendo em conta o quadro normativo vigente ao tempo da celebração do contrato e para prevenir esse risco as partes convencionaram que as alterações tributárias superveniente à celebração do contrato que tivesse esse efeito conferiram à Turbogás o direito à revisão das condições financeiras estipuladas no contrato assegurando que a Turbogás ficava na mesma posição ou posição tão semelhante quanto possível à que ocuparia se essas alterações não tivessem ocorrido. 2. A essa luz impõe-se concluir que a cláusula em apreço tem por finalidade precípua assegurar a preservação do equilíbrio contratual pactuado entre as partes acautelando através da neutralização das consequências económicas decorrentes de uma eventual alteração do quadro normativo em matéria tributária existente à data da celebração desse equilíbrio e permitindo-lhe planear e gerir a sua actividade em conformidade com elas, conclusão que é reforçada pelo mecanismo das Changes in Costs regulado no apêndice 16 ao CAE o qual revela a preocupação das partes com o equilíbrio económico do contrato; também o Professor Menezes Cordeiro no seu voto de vencido realça que as partes podem licita e legitimamente distribuir o risco de quaisquer superveniências, foi o que fizeram. 3. O CAE apenas pode ser interpretado no sentido de a cláusula 20.ª e o conceito de relevant taxes abrangerem todas as imposições unilaterais do Estado de natureza tributária e análoga independentemente da concreta configuração e sua subsumilidades a um conceito legal estricto tipológico de tributo imposto, taxa contribuição financeira ou outro, relevam apenas que o custo sub iudice sendo superveniente onerasse a Autora sendo imposto por uma Competent Authority e relacionado com o Centro Electroprodutor e fosse materialmente tributário e não há dúvida de que o mecanismo de financiamento da Tarifa Social é materialmente tributário independentemente de preencher (ou não) as características específicas de uma concreta tipologia tributária expressamente prevista na lei. 4. Desde que se verifique uma certa bilateralidade ainda que difusa há tributo, na tarifa social a mesma é indigitada aos pequenos consumidores sob a autoridade e protecção aos fins do Estado, o facto puramente técnico-instrumental de o valor tributário ser afecto aos fins do Estado de modo directo e com a intermediação de um Fundo não pode alterar a naturezas da imposição, assim realçaram os Acs 365/08 de 2/7613/08 de 10/12, 152/2013 de 20/3, 80/2014 de 22/1, a tarifa social foi instituída e exigida pelo Estado, visa obter receita para fins públicos aos quais é imediatamente afecta e mesmo que se não considere um imposto é seguramente um tributo, a não ser tributo não se percebe como é que o Estado pode retirar riqueza a um particular para o entregar a outro, nesse sentido se pronunciando os professores Dário Moura Vicente no seu parecer e Rui Medeiro embora emitido a respeito da natureza do mecanismo de financiamento da Tarifa Social. 5. A sentença arbitral encerrando um sentido decisório jurídica e axiologicamente errado afronta as legítimas expectativas da Autora tal como decorrentes do CAE válida eficazmente celebrado e aditado com reforço pelas Partes das obrigações nele constante violando o princípio fundamental da confiança motivo pelo qual a sua manutenção se revela incompatível com a ordem pública internacional do Estado Português como acentuam o Professor Doutor Moura Vicente III.3.18 E o que se diz em síntese no Parecer do Professor Dário Moura Vicente para além do que acima consta? Diz entre o mais que um a prestação pecuniária imposta aos produtores de energia como a definida pelo DL 138-A/2019, de 28/12, cujo montante é definido por uma entidade pública a entidade reguladora dos serviços de energia (ERSE) e se destina a financiar a tarifa social de fornecimento de energia eléctrica, sendo fixada na proporção da potência instalada de cada centro electro propulsor, cujo pagamento é devido à entidade concessionária da rede nacional de transporte de energia eléctrica, subsume-se, inequivocamente, à referida cláusula contratual, mencionada cláusula 20.ª que permite repercutir sobre o respectivo adquirente quaisquer impostos relevantes definidos como todas as formas de tributação, direitos impostos e taxas de qualquer natureza onde quer ou quando quer que sejam impostas por autoridade compete que inexistissem à data da celebração do contrato e que essa subsunção é independente da exacta natureza jurídica dessa prestação atenta a finalidade estabilizadora da cláusula contratual e matéria tributária. A sentença arbitral que recusa a aplicação da referida cláusula contratual negando ao produtor da energia que suportou os custos de referida prestação no valor de várias dezenas de milhões de euros a possibilidade de repercuti-los sobre a adquirente de energia por si produzida e forçando-a assim em contravenção ao acordado a arcara com as consequências económicas de uma alteração do regime tributário ofende as expectativas legítimas desse contraente contratualmente fundadas na preservação do régie ou na neutralização das consequências económicas da sua alteração superveniente através do mecanismo da repercussão dos respectivos custos estipulado na cláusula em questão e portanto a sua confiança, ofensa essa agravada pela circunstância de, durante vários anos, a adquirente de energia produzida pela contraente lesado ter aceite sem oposição a aplicação dessa cláusula. Estão verificados os pressuposto da confiança desde logo traduzida na expetativa de que caso viesse a ser obrigada a pagar algum tributo inexistente ou que não abrangesse à data do contrato ou uma imposição análoga que revestisse as característica de tributo lhe seria possível repercutir sobre o adquirente da energia por si produzida nos termos da cláusula 20.ª o aumento de encargos daí decorrente, por forma a ser colocada na posição em que estaria se essa circunstância não tivesse ocorrido. Tendo a Autora investido, com base nessa confiança, implementando um projecto avaliado em cerca de 686 milhões de euros acarretando a recusa da aplicação ao caso vertente da cláusula 20.ª vultuoso prejuízos superiores a 50 milhões de euros à data da sentença arbitral correspondentes aos custos incorridos com o financiamento de uma tarifa social inexistente aquando da celebração do contrato e não reembolsados pelas demandadas no processos arbitral. Também no voto de vencido do árbitro Menezes Cordeiro entendeu-se a tarifa social como sendo um pagamento pecuniário obtido activa ou passivamente pelo desconto decretado unilateralmente pelo Estado nas suas vestes de soberania, qualquer contrapartida destinada ao fim público de beneficiar pequenos consumidores é em qualquer país do mundo um tributo e a sua natureza não se altera caso a importância em questão fosse arrecadada pelo Estado e depois entregue aos tais consumidor assim o entendeu o Tribunal Constitucional com a CESE seja a contribuição especial para o sector energético que foi qualificada como contribuição financeira ou tributo lato sensu e não com um imposto, com a taxa de regulação e de supervisão pela entidade reguladora para comunicação social (ERC) havida como um tributo a taxa de utilização do espectro radioléctrico, a taxa relativa a emissões excedentárias de CO2 que foi considerada como um tributo. III.3.19. Dir-se-á em primeiro lugar que em parte alguma da decisão recorrida consta aquilo que o parecer do Professor Dário Moura Vicente refere no seu Parecer ou seja que a Autora investiu com base na confiança do projecto que abraçou implementando um projecto avaliado em cerca de 686 milhões de euros e que a recusa da aplicação ao caso vertente da cláusula 20.ª acarreta prejuízos superiores a 50 milhões de euros à data da sentença arbitral correspondentes aos custos incorridos com o financiamento de uma tarifa social inexistente aquando da celebração do contrato e não reembolsados pelas demandadas no processos arbitral. Não existe a mínima referência a tal o que se revela essencial para aquilatar da gravidade de uma eventual violação da confiança investida na autora no projecto e com reflexo no contrato. Como resulta dos pontos 8.27 a 8.103 o Tribunal Arbitral considera que a Tarifa Social se não enquadra na previsão da cláusula 20.ª na medida em que mesmo que se considere um tributo atípico como realça o Professor Menezes Cordeiro essa categoria híbrida deve dada a sua natureza tributária ater-se aos parâmetros conceituais que informam o género tributo, não possui a característica da bilateralidade própria das taxas e contribuições, não é exigida por uma entidade pública com o fim de angariar receita, o que é ainda pressuposto do conceito de tributo na senda de Sérgio Vasques que é citada na decisão, sendo apenas um desconto no preço da energia eléctrica em prol dos consumidores vulneráveis economicamente e em desproveito dos centros electro propulsores em regime ordinário, emergindo esse financiamento do DL 29/06 e da Directiva 2003/54/CE do Parlamento e do Conselho de 26/6/03. Entendeu-se no Parecer da Procuradoria geral da República[11] que os contratos de aquisição de energia (CAE), previstos no artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 182/95, de 27 de julho, caracterizam-se por serem contratos de longo prazo através dos quais os produtores vinculados ao serviço público da energia se comprometeram a abastecer, em exclusivo, a entidade concessionária da rede nacional de transporte (RNT), vendendo-lhe toda a energia produzida nos respetivos centros electroprodutores e que integrados num regime de produção vinculada de energia elétrica, os contratos de aquisição e energia (vulgo C.A.E.) baseiam-se nas condições previamente acordadas entre as partes outorgantes – electroprodutores e concessionária da RNT – e não nas condições decorrentes de um mercado livre e concorrencial. Mais se concluiu nesse parecer que nesses contratos são reconhecidos tanto os proveitos expectáveis dos produtores como as compensações a que as partes têm direito em caso de incumprimento, alteração ou rescisão por motivos que não lhes sejam imputáveis, remunerando-se, de acordo com o disposto no n.º 5 do artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 182/95, os custos ou encargos fixos (encargos de potência) dos centros electroprodutores, permitindo-se ainda recuperar os custos ou encargos variáveis de produção de energia elétrica pelo empreendimento e que a tarifa social de fornecimento de energia elétrica, criada pelo Decreto-Lei n.º 138-A/2010, de 28 de dezembro. constitui uma medida de política social de proteção dos consumidores economicamente vulneráveis, configurando-se como uma obrigação de serviço público na linha das orientações europeias presentes, nomeadamente, na Diretiva n.º 2009/72/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de julho, que estabelece regras comuns para o mercado interno de eletricidade, orientações, aliás, já presentes na Diretiva n.º 2003/54/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho, sendo tarifa social determinada mediante a aplicação de um desconto na tarifa de acesso às redes em baixa tensão normal, sendo o valor desse desconto determinado pela ERSE que os custos com o financiamento da tarifa social suportados pelos centros electroprodutores partes de contratos de aquisição de energia (CAE) não devem constituir factor atendível para efeitos de apuramento do valor dos ajustamentos anuais aos montantes das compensações devidas pela cessação antecipada desses contratos para que não possam ser repercutidos nos consumidores de energia elétrica e que os encargos com o pagamento pelos titulares de centros electroprodutores de contratos de aquisição de energia (CAE) que ainda subsistem dos custos com o financiamento da tarifa social devem ser inteiramente suportados por esses titulares. Como consta desse parecer de 2012 nessa data detinham CAE válidos e eficazes a central térmica a carvão do Pego, de que é titular a Tejo Energia – Produção e Distribuição de Energia Elétrica, S.A., e a central de ciclo combinado da Tapada do Outeiro, de que é titular a Turbogás – Produtora Energética, S.A., prevendo tais contratos a possibilidade de os titulares desses centros electroprodutores «requererem o recálculo da respetiva remuneração ao abrigo desses contratos nas situações em que se verifique um acréscimo de custos decorrentes de alterações legislativas posteriores à celebração dos contratos, de modo a permitir que os referidos titulares sejam colocados na mesma posição financeira em que se encontrariam caso não tivesse ocorrido alteração legislativa». Ora esse recalculo parece ter sido a via seguida pela Autora como refere a Ré na sua constatação quando afirma com o respectivo suporte documental que pendência desta acção a Autora enviou notificação às rés nos termos da qual configurando agora a imposição do financiamento da tarifa social como uma Change in Cost despoletou o procedimento de alteração da Capacity Charge ao abrigo do disposto no Anexo 16 do CAE, tal conduta da Autora confirma a interpretação sistemática que o Tribunal Arbitral fez do CAE no sentido de que os custos da Autora com imposições que não tenham a natureza tributária não são abrangidos pela cláusula 20.ª do CAE podendo ser abrangidos por outros mecanismo contratuais se preenchidas as condições do CAE. III.3.20. Ainda que a imposição do financiamento da tarifa social a cargo da autora resultante do referido DL de 2010 constitua um encargo ou custo não expectável aquando da celebração do contrato de aquisição de energia de 1994, uma absoluta surpresa para a Autora a circunstancia de se não qualificar essa obrigação de serviço público como um tributo enquadrável na cláusula 20.ª do contrato não parece violar o princípio da confiança que enforma os contratos na medida em que as próprias partes no contrato previram mecanismo de compensação contratual para situações de alterações dos encargos ou custos não previstos aquando da sua celebração como referido Anexo 16 do CAE. Mas mesmo que se pudesse qualificar essa alteração como um tributo que, por manifesto erro de qualificação, não fora considerado como enquadrado na referida cláusula 20.ª, que permite ao entro electroprodutor repercutir o custo do tributo, constituindo a interpretação do Tribunal Arbitral uma violação grosseira, por não permitir à Autora o reequilíbrio contratual com manifesta violação dos princípios da ordem pública internacional do Estado Português, para que se possa concluir pela inadmissibilidade sempre seria necessário que resultasse demonstrado que à Autora não restava outro mecanismo contratual para repor o equilíbrio contratual/ou que a manter-se a imposição do suporte pela Autora do custo do financiamento dessa tarifa representava pelo seu valor de tal maneira elevado que feriria de morte o equilíbrio contratual e por essa via a manifesta violação daquele subprincípio da ordem pública, o que se não demonstra. O Acórdão do TJUE de 14/10/2021 que foi junto por cópia a fls. 1454 e que incidiu sobre um pedido de decisão prejudicial no âmbito do litígio que opõe a Viesgo Infraestruturas Energéticas SL à Adminstracion General del Estado e sociedades espanholas que exercem a sua actividade no sector da electricidade a respeito da legalidade do regime de financiamento de uma obrigação de serviço público relativa a uma redução de preço da electricidade de que beneficiam determinados consumidores vulneráveis, que lhe foi submetida pelo Tribunal Supremo de Espanha em 9/7/2019, tinha como base um litígio diferente. Na verdade, o litígio a correr no Tribunal Supremo de Espanha teve por base uma acção proposta pela E.ON em cujo direitos a Viesgo sucedeu, destinada à anulação do Real Decreto 968/2014 pelo qual se desenvolve a metodologia para a fixação das percentagens de repartição das quantias e financiamento relativos à tarifa social, tendo a E.ON alegado a incompatibilidade com a Directiva 2009/72, tendo o Tribunal Supremo julgado procedente a acção administrativa proposta pela E.ON e declarado inaplicável esse regime de financiamento com o fundamento da sua incompatibilidade com o art.º 3/2 da mencionada Directiva, houve recurso para o Tribunal Constitucional que anulou aquele acórdão com o fundamento de que o Supremo Tribunal tinha violado o direito a um processo com todas as garantias tal como previsto no art.º 24 das Constituição espanhola ao afastar a aplicação da legislação interna por incompatível como o artigo 3.º /2 da Directiva se ter previamente submetido um pedido de decisão prejudicial ao Tribunal de Justiça, tendo por isso o Supremo submetido a questão ao Tribunal de Justiça como determinado pelo Tribunal Constitucional espanhola. Concluiu o Tribunal de Justiça que “o artigo 3.°, n.° 2, da Diretiva 2009/72/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de julho de 2009, que estabelece regras comuns para o mercado interno da eletricidade e que revoga a Diretiva 2003/54/CE, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que o custo de uma obrigação de serviço público, que consiste no fornecimento de energia elétrica a uma tarifa reduzida a determinados consumidores vulneráveis, recaia unicamente sobre as sociedades‑mãe dos grupos de sociedades ou, se for caso disso, sobre as sociedades que desenvolvem simultaneamente as atividades de produção, distribuição e comercialização de energia elétrica, uma vez que esse critério, escolhido pelo legislador nacional para distinguir entre as sociedades que devem assumir esse custo e as que dele estão totalmente isentas, conduz a uma diferença de tratamento que não é objetivamente justificada entre as diferentes sociedades que operam nesse mercado.” No caso que nos ocupa o Estado (responsável pela legislação) não é parte e não se discute a anulação da norma do DL de 2010 que impôs a tarifa social, tão pouco está em causa a aplicação daquele diploma legal, as partes aceitam que aquele diploma impõe aos centros electroprodutores e em exclusividade esse encargo, o que está em causa é a interpretação da cláusula contratual e a sua conformidade legal e constitucional pelo que salvo melhor opinião se não justifica a o reenvio prejudicial. II.3.21. Terminamos como começamos: não se verifica no caso que nos ocupa o fundamento a anulação da decisão arbitral da violação da ordem pública internacional do Estado Português IV- DECISÃO. Tudo visto acordam os juízes em não admitir a junção dos documentos pelo requerimento de 34/4/2023 e julgar improcedente a ação e consequentemente absolvem as Rés do pedido. Regime da Responsabilidade por Custas: As custas são da responsabilidade daa Autora que decai e porque decai (art.º 527/1 e 2); pelo incidente anómalo de junção de documentos vai a Autora condenada nas respectivas custas com taxa de justiça que se fixa em 1 UC. Lxa., 23-04-2023 Vaz Gomes Nelson Borges Carneiro Paulo Fernandes da Silva _______________________________________________________ [1] SAMPAIO CARAMELO, António, “Temas de Direito de Arbitragem”, Coimbra Editora, 2013, págs. 327/332 [2]- «Direito Internacional Privado», Vol I, 2ª ed , p 589 [3] - Obra atrás citada, p 591 [4] - Obra citada, p 245 [5] SAMPAIO CARAMELO, António, obra citada pág. 298/299. MENEZES CORDEIRO, no seu TRATADO de ARBITRAGEM, ALMEDINA, Reimpressão, 2016, págs. 442/443 e 454, distingue na ordem pública interna que agrupa as regras injuntivas do ordenamento, os princípios cogentes do sistema jurídico, a ordem pública lata que abrange todas as denominadas leis de polícia, normas de tipo público que escapam à livre disposição das partes, a ordem pública estricta, normas mais sensíveis que os tribunais não podem deixar de aplicar, a ordem pública processual, no caso o princípio da arbitrabilidade, o da independência dos árbitros, da audição do contraditório, proibição da fraude processual, ordem pública internacional que veda a aceitação interna de decisões estrangeiras por contrariedade a valores muito significativos, a ordem pública europeia assente em decisões do Tribunal de Justiça Europeu, enriquecida por elementos ideológicos provenientes dos direitos humanos e dos respectivos instrumentos; este autor refere, claramente, nessa obra, que a ordem pública internacional referida no art.º 46/3/b ii, não equivale à ordem pública internacional do art.º 22 do CCiv e do art.º 980/f do CPC e 54 e 56/1/b ii da LAV, mas conclui um tanto diferentemente da posição de António Sampaio Caramelo e acima referido que basta que uma decisão interna arbitral contrarie a ordem pública que designa de internacional-interna, a ordem pública internacional-interna fica próxima da ordem pública interna, dela só se distingue por ter implícita uma mensagem legislativa de só se recorrer a ela em casos substancialmente sérios. [6] Entre outros os Acs da RLxa de 16/1/2014 no processo 1036/12.yyrlsb.-8 relatado por Luís Correia de Mendonça e do STJ de 26/9/2017 no processo 1008/14.yyrlsb.l1-8 relatado pro Alexandre Reis [7] Heleno Taveira Torres, Direito Constitucional Tributário e Segurança Jurídica – Metódica da Segurança jurídica do Sistema Constitucional Tributário, Editora Revista dos Tribunais, 2011, pp. 187 e 188) [8] Cfr. Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, op. cit., p. 257. [9] SAMPAIO CARAMEMO, António, obra e local citados, pág. 332 [10] Anulação de Sentença Arbitral contrária à Ordem Pública in Temas d Direito de Arbitragem, Coimbra Editora, 2013, pp 334-338 [11] Parecer 39/2012 |