Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
26876/22.2T8LSB-A.L1-2
Relator: ANA CRISTINA CLEMENTE
Descritores: CONVITE AO APERFEIÇOAMENTO
OBRAS
REPARAÇÕES URGENTES
CONTRATO DE ARRENDAMENTO
DECLARAÇÃO
PROVA PLENA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/10/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: - A formulação do convite ao aperfeiçoamento previsto no artigo 639º nº 3 do Código de Processo Civil não se justifica por falta de indicação das normas jurídicas violadas se o recorrente não pretende pôr em causa o acerto da decisão quanto à norma jurídica que serviu de suporte à sua condenação, nem tão pouco se o Tribunal ad quem entender que dispõe de elementos que lhe permitem determinar as questões a decidir.
- A realização de obras urgentes pelo arrendatário nas situações previstas no artigo 1.036º do Código Civil confere-lhe direito à compensação do valor despendido mediante a dedução nas rendas vincendas, mas o seu exercício depende da comunicação dessa intenção ao senhorio nas condições previstas no nº 4 do artigo 1.074º na redação da Lei nº 6/2006 de 27 de Fevereiro e, após 13 de Fevereiro de 2019, do preenchimento dos requisitos previstos nos artigos 22º-A a 22º-D do DL nº 157/2006 de 8 de Agosto.
- A inserção, no contrato de arrendamento, de uma cláusula que alude a obras de remodelação realizadas seis meses antes da sua celebração e ao estado excelente do imóvel, sendo desfavorável ao arrendatário que não impugna a assinatura nem argui a falsidade do documento, faz prova plena do facto contido nessa declaração.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes da 2ª Secção no Tribunal da Relação de Lisboa

I. Relatório
O Réu J  deduziu reconvenção pedindo a condenação dos Autores B, E e M a pagar-lhe um montante nunca inferior a € 30.000 (trinta mil euros) alegando, para tanto, que desde o início do contrato o apartamento estava em muito mau estado de conservação e bastante degradado: as paredes encontravam-se rachadas e com muita humidade, o pavimento encontrava-se levantado e a descolar, a canalização estava entupida e havia frequentemente inundações na casa de banho, o sistema elétrico estava em curto circuito, devido à infiltração da água e à sua própria deterioração; para habitar o locado em condições condignas, viu-se na necessidade de realizar obras urgentes; informou a senhoria de todas as obras que efetuou, tendo a mesma dado autorização à sua realização através da respetiva Mandatária; na casa de banho substituiu a sanita, o lavatório, o pavimento, a canalização, pintou a janela e as paredes, colocou azulejos onde faltavam; substituiu parte do sistema elétrico, pintou os quartos e colocou novo pavimento, raspou as paredes, colocou massa, estucou, pintou com primário e, seguidamente, com tinta, tendo despendido quantia não inferior a € 30.000.
Na réplica os Autores argumentaram que a cláusula 9ª do contrato de arrendamento prevê que o arrendatário não pode fazer obras de alteração do locado sem autorização prévia e por escrito da senhoria, nem levantar benfeitorias ou pedir por elas indemnização e que o apartamento tivera obras de remodelação seis meses antes da sua entrega ao Réu, ficando a constar da cláusula 3ª do contrato que se encontrava em excelente estado de conservação; imputaram o mau de estado de conservação ao mau uso e à utilização do locado como pensão.
A reconvenção foi admitida e, em sede de despacho saneador, ponderando que os autos permitem o conhecimento imediato do pedido reconvencional, o Tribunal a quo julgou o pedido reconvencional manifestamente infundado e improcedente, absolvendo os Autores do mesmo.
Inconformado o Réu interpôs recurso, tecendo as seguintes conclusões:
“1. O Tribunal “a quo” indeferiu o pedido reconvencional porquanto considerou que os autos permitiam de imediato o conhecimento do pedido, todavia, não podemos perfilhar tal entendimento;
2. Efetivamente, dúvidas não há de que as obras foram realizadas pelo Recorrente e que não são susceptíveis de serem levantadas;
3. O Recorrente enumerou todas as obras que efetuou:
a. Reparação das paredes porque estavam abrir rachas e com muita humidade;
b. A canalização entupiu e inundou o pavimento, o qual descolou e começou a levantar, pelo que houve necessidade de substituir o pavimento;
c. O sistema elétrico com as humidades entrou em curto circuito e teve que ser substituído;
d. Na casa de banho os azulejos, devido à humidade, começaram a cair, pelo que tiveram que ser substituídos, tal como a sanita e o lavatório que com a queda dos mesmos abriram fendas, e foram substituídos, bem como as paredes e as janelas foram pintadas e ainda substituído o pavimento em virtude da rutura da canalização que foi igualmente reparada e substituída;
e. Outrossim, nos quartos as paredes foram todas raspadas, estucadas e pintadas e os respectivos pavimentos substituídos.
4. Sucede que, a proprietária do apartamento foi intimada pela Câmara Municipal de Lisboa para realizar obras de conservação (Documento N.º 2 junto aos autos), nada tendo feito;
5. Efetivamente, tendo a Senhoria remetido-se a uma absoluta inércia e nunca tendo executado as obras ordenadas pela Edilidade, impediu o gozo do apartamento pelo Recorrente em condições de conforto e dignidade;
6. Deste modo, após avisar a proprietária, o Recorrente realizou obras urgentes ao abrigo do disposto no nº 1, do artigo 1036.º ex vi do nº 3, do artigo 1074.º, ambos do Código Civil;
7. Pese embora, no processo especial para cumprimento de obrigações pecuniária não seja admissível pedido reconvencional, a verdade é que tem sido entendimento da Jurisprudência atual dominante que sempre será possível ao réu invocar uma compensação como mera exceção ao direito do crédito do autor, para impedir o efeito jurídico desse crédito;
8. Nessa esteira seguem o douto Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, proferido em 10/02/2022, no âmbito do processo N.º 37952/20.6YIPRT-A.E1; o douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido em 13/07/2022, no âmbito do processo N.º 102792/21.8YIPRT-A.P1; o douto Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, proferido em 21/09/2023, no âmbito do processo N.º 107925/22.4YIPRT.G1; o douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido em 07/04/2022, no âmbito do processo N.º 68807/21.6YIPRT-A.L1-6;
9. Em face do supra exposto, deverá o pedido reconvencional formulado ser considerado uma compensação a pagar à ora Recorrente a quantia de € 5.040,00 (cinco mil e quarenta euros), invocando, assim, a exceção do não cumprimento do contrato, nos termos do artigo 847.º do Código Civil.”
Os Autores apresentaram contra-alegações terminando-as as seguintes conclusões:
“A. Não se alcança o fundamento do presente recurso, nem são invocadas as normas jurídicas violadas.
B. As alegações são desconexas, descuidadas e não só as conclusões, mas todo o conteúdo das alegações apresentadas é deficiente e obscuro.
C. Com efeito, o Recorrente tanto alega que despendeu a título de benfeitorias no locado o montante global nunca inferior a € 30.000,00, como conclui, em sede de recurso, que os Recorridos deverão ser condenados no montante de € 5.040,00.
D. O Recorrente não indica a data em que realizou as mencionadas benfeitorias, quais os materiais utilizados, o empreiteiro a cargo das obras, o tempo que as mencionadas obras demoraram e não juntou aos autos uma única fatura referente aos alegados trabalhos realizados ou materiais colocados.
E. Mas mais, nos termos do contrato de arrendamento dos autos o Recorrente não podia fazer quaisquer obras de alteração no local arrendado sem autorização prévia e por escrito dos Recorridos, nem levantar quaisquer benfeitorias por si realizadas ainda que autorizadamente, nem por elas pedir indemnização.
F. E, conforme consta do contrato de arrendamento que o Recorrente outorgou e consequentemente aceitou, o locado foi arrendamento em bom estado de conservação, com obras totais de remodelação realizadas nos 6 meses anteriores à outorga do contrato.
G. Assim, mesmo que o Recorrente demonstrasse todos os factos que alega, nunca o efeito jurídico pela reconvenção pretendida poderia ser alcançado, revelando-se o prosseguimento deste pedido absolutamente inútil.
H. Termos em que deve o recurso ser julgado improcedente, mantendo-se a decisão recorrida, com o que V. Exas. farão a habitual justiça!
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II. Delimitação objetiva do recurso:
- a inexistência de elementos para o conhecimento do mérito da reconvenção em face aos factos alegados. 
- a título de questão prévia, importa apreciar as consequências da omissão da invocação das normas violadas no recurso interposto pelo Réu e a alegada deficiência e obscuridade das alegações e conclusões.
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III. Fundamentação de facto:
A decisão do Tribunal a quo foi alicerçada no contrato de arrendamento junto como documento nº 2 da petição inicial, não impugnado pelo Réu, dele se destacando os seguintes factos:
1. Por escrito datado 11 de Novembro de 2013, assinado pela ilustre Mandatária dos Autores invocando procuração outorgada pela primeira Autora, na qualidade de comproprietária, e pelo Réu, foi declarado ajustar o arrendamento do rés-do-chão esquerdo do prédio urbano situado na Rua …, em Lisboa, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de S. Jorge de Arroios sob o artigo …, pelo prazo de um ano, com início a 1 de Dezembro de 2013 e término a 30 de Novembro de 2014, renovando-se por sucessivos períodos de um ano, se não fosse denunciado, mediante o pagamento da quantia mensal de € 650, sujeita a atualizações.
2. Na cláusula 3ª do referido escrito ficou a constar “o Rés do Chão Esquerdo, é arrendado num excelente estado de conservação, uma vez que sofreu obras totais de remodelação há cerca de seis meses, pelo que o arrendatário se obriga a fazer um uso prudente do locado e entregá-lo no mesmo bom estado de conservação que o recebeu”.´
3. Na cláusula 7ª foi declarado “o rés do chão esquerdo é arrendado no bom estado em que o mesmo se encontra, como aliás, é do conhecimento do arrendatário”.
4. Na cláusula 9ª ficou a constar “o arrendatário, não poderá fazer quaisquer obras de alteração no local arrendado sem autorização prévia e por escrito da senhoria, nem levantar quaisquer benfeitorias por si realizadas ainda que autorizadamente, nem por elas pedir indemnização.”
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IV. Fundamentação de direito:
Os Autores suscitaram duas questões de ordem formal: as alegações de recurso do Réu omitiram as normas violadas e o seu conteúdo é deficiente e obscuro.
Importa que seja tomada posição a título de questão prévia.
O artigo 639º do Código de Processo Civil dispõe, nos nºs 1 e 2,  que o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão e, versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar: (a) as normas jurídicas violadas, (b) o sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas, (c) invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada.
O nº 3 do preceito em referência prevê que quando as conclusões sejam deficientes, obscuras, complexas ou nelas se não tenha procedido às especificações a que alude o nº 2, o relator deve convidar o recorrente a completá-las, esclarecê-las ou sintetizá-las, no prazo de cinco dias, sob pena de se não conhecer do recurso, na parte afetada.
É um facto que o recorrente não identifica qualquer norma violada, limitando-se a citar o artigo 1.036º do Código Civil, por remissão do artigo 1074º nº 3.
Coloca-se a questão de saber se deveria ser proferido despacho de convite ao aperfeiçoamento.
A resposta é negativa: a formulação de convite apenas se justifica naqueles casos em que as deficiências verificadas podem conduzir à rejeição do recurso; em contrapartida, tal não sucede quando as alegações e respetivas conclusões não colocam ao Tribunal, ou à contraparte, qualquer dificuldade ou dúvida de entendimento sobre os fundamentos do recurso e das questões nele suscitadas, designadamente, “não se impõe, ou sequer justifica, por falta de indicação das normas jurídicas violadas se o recorrente não pretende pôr em causa o acerto da decisão quanto à norma jurídica que serviu de suporte à sua condenação”[1], nem tão pouco se o Tribunal ad quem entender que dispõe de elementos que lhe permitem determinar as questões a decidir, solução sustentada em razões de celeridade processual[2].
Na verdade, tem-se entendido que o ónus consagrado nas normas citadas “visa proporcionar ao tribunal uma maior facilidade e rapidez na apreensão dos fundamentos do recurso”[3] e que o convite ao aperfeiçoamento apenas se justifica em situações que possam contender com o princípio constitucional do acesso ao direito e aos tribunais consagrado no artigo 20º da Constituição[4].
No caso dos autos a ausência de indicação das normas violadas não perturba a apreciação do mérito do recurso pois, na prática, o Réu insurge-se contra a decisão recorrida por entender não existirem condições de proferir uma decisão de fundo sobre a sua pretensão ao afirmar que realizou as obras por serem, alegadamente, urgentes, citando a disposição legal que lhe permite substituir-se ao senhorio.
No que diz respeito à deficiência e obscuridade das alegações e das conclusões, existem, efetivamente, aspetos confusos na medida em que o recorrente chama à colação argumentos de facto que contrariam as suas alegações na contestação, desde logo, o valor das obras e, nas conclusões 7ª a 9ª, invoca uma situação que nada tem a ver com a ação, mas, mais uma vez, não constitui um impedimento à apreciação do mérito do recurso, no primeiro caso, devido à recondução do seu objeto à pretensa decisão prematura da reconvenção e, no segundo caso, a uma perceção errada, mas inócua, do tipo de ação e da posição do Tribunal a quo.
A este propósito, importa referir que os Autores propuseram uma ação de despejo visando a declaração da resolução do contrato de arrendamento celebrado com o Réu e a consequente condenação deste à restituição do locado, não estando em causa, pois, um “processo especial para cumprimento de obrigações pecuniária” ou AECOP; tão pouco a reconvenção se reconduz a um pedido de compensação, mas antes, a uma pretensão de reembolso de valor alegadamente despendido na realização de obras urgentes, recusadas pelo senhorio mas por ele autorizadas, constituindo a conclusão uma alteração da causa do pedido e da causa de pedir à revelia do artigo 265º do Código de Processo Civil.
Acresce que, o Tribunal a quo admitiu a reconvenção citando o artigo 266º nº 2 alínea b) do Código de Processo Civil, que diz respeito às situações em que “o réu se propõe tornar efetivo o direito a benfeitorias ou despesas relativas à coisa cuja entrega lhe é pedida”, o que se verifica no litígio que nos ocupa.
Em conclusão: não existe fundamento para a prolação de despacho de convite ao aperfeiçoamento e as conclusões 7ª a 9º são improcedentes.
Passando a apreciar a decisão recorrida, começaremos por abordar a norma que cita.
O artigo 1.074º do Código Civil, na redação da Lei nº 6/2006 de 27 de Fevereiro, estatui, no nº 1, que  cabe ao senhorio executar todas as obras de conservação, ordinárias ou extraordinárias, requeridas pelas leis vigentes ou pelo fim do contrato, salvo estipulação em contrário, prevendo, nos nºs 2 a 4, que o arrendatário apenas pode executar quaisquer obras quando o contrato o faculte ou quando seja autorizado, por escrito, pelo senhorio, exceto nas situações previstas no artigo 1036º, caso em que pode efetuar a compensação do crédito pelas despesas com a realização da obra com a obrigação de pagamento da renda, comunicando ao senhorio essa intenção aquando do aviso da execução da obra e juntando os comprovativos das despesas até à data do vencimento da renda seguinte.
O nº 5 deste preceito dispõe que, salvo estipulação em contrário, o arrendatário tem direito, no final do contrato, a compensação pelas obras licitamente feitas, nos termos aplicáveis às benfeitorias realizadas por possuidor de boa fé.
O nº 4 foi revogado e o nº 3 alterado pela Lei nº 13/2019 passando a excetuar-se do âmbito do nº 2, além das situações previstas no artigo 1036º, também as previstas no artigo 22º-A do regime jurídico das obras em prédios arrendados, aprovado pelo DL nº 157/2006 de 8 de Agosto.
Tal significa que, à semelhança do que sucedia na anteriormente, o locatário pode realizar obras extrajudicialmente, com direito ao respetivo reembolso:
-  se  houver mora do locador no cumprimento da obrigação de fazer reparações ou outras despesas e a sua urgência não se compadecer com as delongas do procedimento judicial;
- quando a urgência não consinta qualquer dilação, independentemente de mora do locador, contanto o avise ao mesmo tempo[5].
Desde 13 de Fevereiro de 2019, o arrendatário pode substituir-se ao senhorio realizando obras objeto de intimação prevista no nº 2 do artigo 89º do Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação, aprovado pelo DL nº 555/99 de 16 de Dezembro ou no nº 1 do artigo 55º do Regime Jurídico da Reabilitação Urbana, aprovado pelo DL nº 307/2009, de 23 de Outubro, se o senhorio não cumprir os prazos de início ou de conclusão[6], salvo se for imputável à Administração Pública, nomeadamente por demora no licenciamento da obra ou na decisão sobre a atribuição de apoio à reabilitação do prédio[7].
Porém, tal substituição exige a prévia comunicação dessa intenção pelo arrendatário ao senhorio, cumprindo com o formalismo previsto no artigo 9º do NRAU[8], com antecedência mínima de quinze dias em relação à data prevista para início da execução,  mediante exposição dos factos que lhe conferem o direito de as efetuar e junção do respetivo orçamento, mapa de quantidades, com indicação da data prevista para o início e conclusão das obras e especificação da necessidade de realojamento temporário de arrendatários que se mostre indispensável[9], bem como comunicação subsequente à conclusão, no prazo máximo de trinta dias, juntando comprovativos das despesas realizadas[10] e especificando o valor da compensação que corresponde às despesas das obras efetuadas e orçamentadas e respetivos juros, acrescidas de 5% destinados a despesas de administração e dos eventuais custos suportados com o realojamento temporário dos arrendatários, com realização de uma síntese do montante global, do já deduzido e daquele que se encontre em dívida[11].
Importa fazer duas observações:
- a compensação é realizada através da dedução nas rendas vincendas desde o início das obras;
- o artigo 22º-A do DL nº 157/2006 manda aplicar o mesmo regime ao caso previsto no nº 1 do artigo 1.036º do Código Civil, isto é, à situação de mora do senhorio na realização de reparações ou despesas cuja urgência não se compadeça com a demora dos trâmites judiciais.
O Réu não delimita a data ou o período da alegada realização de obras urgentes, no entanto, ainda que tivessem sido levadas a cabo após a entrada em vigor na nova redação da nº 3 do artigo 1.074º do Código Civil, não estariam preenchidos os requisitos inerentes à previsão do artigo 22º-A do DL nº 157/2006, dada a alegação contida no artigo 14º da contestação, onde refere, somente, que a senhoria foi informada.
Por outro lado, o enquadramento jurídico no artigo 1.036º nº 1 não confere ao arrendatário um direito a indemnização por benfeitorias, mas antes, a compensação do crédito que assim se formou, sendo certo que o nº 4 do artigo 1.074º, com a redação da Lei nº 6/2006, exige que o arrendatário  avise o senhorio que vai executar a obra,  comunicando, nesse momento, a intenção de compensar as despesas com as rendas e que junte os comprovativos das despesas até à data do vencimento da renda seguinte, não constando dos factos articulados na contestação a alegação de tal procedimento.
Precisamos, ainda, de notar que o conceito indeterminado empregue pelo legislador para delimitar as obras previstas no artigo 1.036º do Código Civil é o de “reparação”, o que pressupõe a existência de coisas danificadas ou avariadas[12] e uma atividade traduzida em consertar, restaurar, remediar, recuperar[13].
O Réu não alegou o estado prévio da sanita, do lavatório, da janela da casa de banho que justificasse a substituição dos dois primeiros e a pintura da terceira, não constituindo, por isso, reparações, o que é relevante nos termos do artigo 1.046º nº 1 do último diploma citado, dada a equiparação do locatário que tenha feito benfeitorias no locado fora dos casos  previstos no artigo 1036º ao possuidor de má fé e para efeitos da aplicação do regime do artigo 1273º nº 1 parte final e nº 2.
Acresce que o pedido de indemnização por benfeitorias não foi formulado a título subsidiário para a hipótese de procedência da ação e de extinção do contrato por resolução, hipótese essa que o Réu não coloca, sequer, à cautela, concentrando-se na defesa por exceção invocando a caducidade e o abuso de direito. Esta pretensão contraria o regime do nº 5 do 1.074º do Código Civil que prevê a indemnização somente no caso de cessação do vínculo jurídico, assim como a cláusula 9ª do contrato de arrendamento que estipula a exclusão do levantamento e da indemnização mesmo que as benfeitorias tivessem sido autorizadas[14].
Finalmente, quanto ao alegado estado do imóvel justificativo da realização de obras urgentes, o Réu descreve uma série de problemas contemporâneos do início da relação jurídica locatícia que chocam com a cláusula  3ª do contrato de arrendamento onde consta que o locado tinha sido alvo de “obras totais de remodelação há cerca de seis meses” e que era “arrendado num excelente estado de conservação”, o que foi reiterado na cláusula 7ª aí se referindo “o rés do chão esquerdo é arrendado no bom estado em que o mesmo se encontra, como aliás, é do conhecimento do arrendatário”.
Estas declarações vinculam os contraentes, atento o conteúdo do artigo 376º do Código Civil: o documento particular cuja autoria seja reconhecida nos termos dos artigos 373º a 375º[15], faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor, sem prejuízo da arguição e prova da falsidade do documento, considerando-se provados os factos compreendidos na declaração[16] na medida em que forem contrários aos interesses do declarante.
O Réu não impugnou a assinatura que lhe é atribuída no documento que corporiza o contrato de arrendamento, nem arguiu a sua falsidade, pelo que as declarações contidas nas cláusulas 3ª e 7ª são consideradas provadas na medida em que lhe são desfavoráveis.
A descrição de um apartamento em mau estado de conservação e “bastante” degradado logo no início do contrato, com as patologias discriminadas no relatório supra  e a necessidade de obras urgentes, contraria em absoluto aquelas declarações contratuais e não é passível de ser demonstrada, dada a força probatória plena do documento.
Mas ainda que houvesse obras necessárias e urgentes, destinadas a assegurar o gozo do imóvel, o Réu em momento algum explica os motivos pelos quais não intentou ação destinada à condenação dos proprietários à sua realização:  o documento 2 junto com a contestação, que diz respeito à cópia de uma peça de um procedimento administrativo pendente na Câmara Municipal de Lisboa, a qual, na sequência de uma vistoria ao edifício realizada em 8 de Maio de 2018, atribuiu a classificação “mau” ao nível de conservação do rés-do-chão esquerdo e concluiu pela necessidade de executar obras de conservação e reabilitação para correção das deficiências que constam de anexos cuja apresentação o demandado omitiu, data de 23 de Janeiro de 2019, o que significa que, a serem verdadeiros os vícios do locado em momento contemporâneo da celebração do contrato, teríamos cerca de cinco anos de inércia do arrendatário, que não cuidara de tomar as medidas adequadas a compelir os senhorios à sua execução.
Em suma, ainda que fosse dada ao Réu a oportunidade de produzir prova quanto às alegadas patologias do apartamento que lhe foi cedido temporariamente a título oneroso, a sua pretensão sempre redundaria em improcedência dado o conteúdo das cláusulas citadas e o regime jurídico exposto.
Daqui decorre a improcedência das conclusões 2ª a 6ª do recurso.
Verificamos, pois, que os autos continham todos elementos necessários à prolação de decisão de mérito no que diz respeito à reconvenção, improcedendo a conclusão 1ª.
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IV. Decisão
Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação improcedente, confirmando a decisão recorrida.
Custas a cargo do apelante.

Lisboa, 10 de Outubro de 2024
Ana Cristina Clemente
António Moreira
Susana Mesquita Gonçalves
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[1] Nesse sentido, vide Ac. STJ de 9.06.2016 in https://www.dgsi.pt/jstj processo nº 6617/07.5TBCSC.L1.S1.
[2] Nesse sentido, Ac. STJ  de 9.3.2004 in https://www.dgsi.pt/jstj processo nº 04A300.
[3] Nesse sentido vide Ac. STJ de 24.03.2021 in https://www.dgsi.pt/jstj processo nº 7430/17.7T8LRS.L1.S1.
[4] Vide Acórdão citado na última nota.
[5] No sentido que as obras urgentes que não consentem qualquer dilação, referidas no nº 2 do artigo 1036º do Código Civil, são aquelas que, em geral, não permitam a utilização do locado, no todo ou em parte, se não forem executadas imediatamente, vide Ac. RP de 8.05.2017 in https://www.dgsi.pt/jtrp processo nº 3542/15.0T8GDM.P1.
[6] Cfr. artigo 22º-B nº 1.
[7] Cfr. artigo 22º-B nº 2.
[8] Cfr. artigo 22º-C nº 4.
[9] Cfr. artigo 22º-C nºs 1 e 2.
[10] Cfr. artigo 22º-C nº 3.
[11] Cfr. artigo 22º-D.
[12] Nesse sentido, vide Ac. RL de 10-01.2012 in https://www.dgsi.pt/jtrl processo nº 887/11.1TJLSB-A.L1-2.
[13] Vide https://www.infopedia.pt/dicionarios/lingua-portuguesa/reparar.
[14] Vide infra o que se escreve a propósito da cláusula 3ª.
[15] Avulta no caso, com particular relevância o nº 1 do artigo 374º: “a letra e a assinatura, ou só a assinatura, de um documento particular consideram-se verdadeiras, quando reconhecidas ou não impugnadas pela parte contra quem o documento é apresentado, ou quando esta declare não saber se lhe pertencem, apesar de lhe serem atribuídas, ou quando sejam havidas legal ou judicialmente como verdadeiras”.
[16] Que é indivisível, nos termos prescritos para a prova por confissão.