Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | ANTÓNIO CLEMENTE LIMA | ||
Descritores: | IMPUTABILIDADE IMPUTABILIDADE DIMINUIDA IN DUBIO PRO REO ABORTO SEQUESTRO CONCURSO DE INFRACÇÕES MEDIDA DA PENA | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 02/16/2005 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | PROVIDO PARCIALMENTE | ||
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Sumário: | I – Tendo em conta a factualidade dada como provada (todo o modo de actuação do arguido, preparando o cenário para, a pretexto de um jogo sexual com a vítima, a atar de pés e mãos e, obrigando-a a inalar éter, torná-la temporariamente inconsciente, e agredi-la na barriga de forma a provocar a morte do feto), que não oferece qualquer crítica, sustentada, aliás, por relatório pericial e por esclarecimentos dos peritos em tribunal, é de manter a decisão do tribunal colectivo de que o arguido não era inimputável nem estava em circunstâncias compatíveis com imputabilidade diminuída, nem sequer se podendo conceder a forma de dolo eventual, por claramente se verificar o dolo directo. II – Também não procede a sustentada invocação pelo arguido da violação do princípio in dubio pro reo. Tal princípio só tem lugar quando há que valorar uma situação de non liquet, que deverá decidir-se a favor do arguido. Diferente é, como é óbvio, a situação onde não se verifica nenhuma situação de non liquet. III – O acórdão também não oferece críticas no que respeita à questão levantada pelo recurso do MºPº, ou seja, saber se os factos praticados pelo arguido que integram um crime de sequestro (artº 158º,nº 1 do C.Penal), concorrem em concurso real com os factos que integram o crime de aborto pelo qual arguido foi condenado. A materialidade dada como provada resulta que “...o arguido, ao colocar a ofendida, pelo menos em situação de perda de consciência de memória, bem sabia que, a partir daí, a mantinha manietada e privada da sua liberdade, contra a vontade dela...”. No entanto, no caso relatado, a privação da liberdade não consubstancia uma resolução diversa da relativa ao aborto que o arguido logrou praticar. Havendo, como há, uma relação de subsidiariedade entre o crime-meio (sequestro) e o crime-fim (aborto) deverá manter-se a decisão que considerou que o crime de sequestro se encontra em concurso aparente com o de aborto, que consome a protecção visada com o primeiro ilícito. IV – Tendo em conta as finalidades das penas “...o grau de culpa do agente e, bem assim, os critérios de determinação da censura, a pena aplicada ao arguido, de 6 anos de prisão, situa-se em um ponto demasiado afastado do termo médio da pena...” e não teve na devida conta o facto de se estar “...perante um delinquente ocasional, que terá sucumbido à pressão de circunstâncias exógenas...a que não soube resistir...”, devendo a pena ser diminuída para 5 anos de prisão. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em audiência, na 3.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: I 1. Nos autos de processo comum n.º 70/03.0JAFUN, da 2.ª Secção da Vara Mista do Funchal, o arguido, P., identificado a fls. 1904, na situação de prisão preventiva desde 9-3-2003, a) foi acusado, pelo Ministério Público, da prática de factos consubstanciadores da autoria material de um crime de sequestro agravado, previsto e punível nos termos do disposto no art. 158.º/1 e 2 b), do Código Penal, de um crime de aborto agravado, p. e p. nos termos do disposto nos arts. 140.º/1, 141.º/1 e 144.º/c), do CP; e de um crime de omissão de auxílio, este p. e p. nos termos do disposto no art. 200.º/1 e 2, do CP; b) foi acusado, pela assistente, S., da prática de factos consubstanciadores da autoria material de «todos os crimes arrolados na acusação do MP» e de um crime de ofensa à integridade física qualificado, p. e p. nos termos do disposto nos arts. 146.º/1 e 2, 144.º/c) e d), e 132.º/2 d), f), h) e i), do CP – sem comutação de factos e, por tal via (como expressamente afirmado a fls. 380 e no despacho de saneamento, a fls. 657, sem alteração substancial da acusação do Ministério Público; c) foi demandado, pela assistente, pela quantia global de € 300.000,00, a título de indemnização por danos materiais e morais decorrentes dos factos acusados. 2. O arguido contestou, admitindo apenas a condenação pela prática do crime de ofensa à integridade física e ressaltando o contexto atenuativo em que os factos ocorreram. 3. Em sequência, o arguido foi submetido a julgamento, perante Tribunal Colectivo e com documentação, através de gravação audio, dos actos de audiência. 4. A final, por acórdão de 24-6-2004 (fls. 1904-1930), o Tribunal decidiu condenar o arguido, - pela prática de factos consubstanciadores da autoria material de um crime de aborto, p. e p. nos termos do disposto no art. 140.º/1, do CP, na pena de 6 anos de prisão, e de um crime de ofensa à integridade física, p. e p. nos termos do disposto nos arts. 143.º/1, 146.º/1 e 2 e 132.º/2 b), do CP, na pena de 1 ano de prisão; - absolver o arguido «do mais acusado»; - em cúmulo daquelas penas parcelares, condenar o arguido na pena única de 6 anos e 6 meses de prisão; - condenar o arguido a pagar à assistente a quantia, a liquidar em execução de sentença, a título de danos patrimoniais resultantes das despesas com acompanhamento psicológico e psiquiátrico, a quantia de € 5.000,00, «pelos danos físicos sofridos pela ofendida», a quantia de € 35.000,00, «pelas dores e outros efeitos psicológicos sofridos pela ofendida, entre os quais, a dor da perda da filha», e a quantia de € 35.000,00, «pelos danos na imagem da ofendida», para além dos correspondentes juros. 5. O Ministério Público e o arguido interpuseram recurso do referido acórdão. 6. O Ministério Público, recorrente, pretende que o Tribunal recorrido violou, por erro de interpretação, o disposto no art. 30.º/1, do CP. Pede a revogação e alteração do acórdão revidendo nos termos que propõe. Extrai da minuta as seguintes conclusões: 1) Dos factos provados no acórdão (art. 11.º a 16.º, 29.º e 30.º), na parte em que dizem respeito à acção do arguido, P, sobre a vítima S., integra também, em autoria material e em concurso real, a prática de 1 (um) do crime de sequestro p. no art. 158.º n.º 1, do Código Penal. 2) Não se está assim, numa relação de concurso aparente (subsidariedade) entre o crime de aborto (crime-fim) e o crime de sequestro (crime-meio). 3) Mas sim, numa verdadeira relação de concurso real de crimes, nos termos do art. 30.º n.º 1 do Código Penal. 4) Pela prática, em autoria material, de um crime de sequestro, o qual é abstractamente punido com uma pena até 3 anos de prisão, deve o arguido ser punido - concretamente - com a pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão. 5) Nesse curto período de tempo que privou a liberdade ambulatória da vítima S. provou-se igualmente que: a) o seu grau de ilicitude foi elevado; b) o dolo foi intenso; c) o modo de execução do crime, que o arguido cometeu, sem qualquer tipo de objecção pelo dever ser jurídico; d) o fim que o determinou; e) a não confissão dos factos, nesta parte; f) a ausência de arrependimento (com excepção para a prática do crime de aborto e ofensa à integridade física qualificada), justifica o agravamento da pena de prisão em que o arguido foi condenado, por mais este crime. 6) Desta forma, apreciando em conjunto os factos e a personalidade do arguido, tendo presente as exigências de prevenção geral e especial, e a circunstância do arguido ter revelado uma tendência criminosa, ainda que por curto período de tempo, justificam a sua condenação, em cúmulo jurídico, na pena concreta de 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de prisão. 7) Estas penas são adequadas e proporcionais à gravidade dos crimes e à culpa concreta do arguido e não excede a medida desta. 7. Respondeu o arguido, concluindo nos seguintes (transcritos) termos: 1) Nesta resposta, o arguido contesta a qualificação jurídica dos factos que leva o Ministério Público a sustentar a prática do crime de sequestro, mas impugna igualmente a matéria fáctica que serve de base a tal argumentação, alargando, assim, o âmbito do recurso interposto, nos termos do artigo 648.º-A, do CPC, aplicável por força do artigo 4.º, do CPP. 2) Quanto à questão da qualificação jurídica, mesmo que fossem verdadeiros - que o não são - os factos em que assenta o recurso, o certo é que o tempo e a forma da privação da liberdade de movimentos teriam sido apenas meio para a prática do crime de aborto, o que determina a existência de um concurso aparente de tais crimes, como, nessa parte, bem julgou o acórdão recorrido. 3) Acresce que os factos provados sob os números 12 a 16, 29 e 30, em que assenta o recurso do Ministério Público, pura e simplesmente não ocorreram, como já se demonstrou na motivação de recurso interposto pelo arguido, que agora se desenvolve num ou outro aspecto. 4) Antes de mais, para deixar bem vincado que a ofendida sempre sustentou que teria sido manietada pelas cordas constantes de fls. 124, como resulta de fls. 129, que foram confirmadas nas declarações para memória futura de fls. 148, as quais foram lidas em audiência de julgamento, como consta da acta da audiência de 12 de Fevereiro de 2004. Ora, como resulta dos relatórios dos exames n.os 412/04 e 413/04, a fls. 983 e ss. dos autos, nenhuma dúvida razoável pode subsistir quanto à circunstância de essas cordas alguma vez terem sido utilizadas na amarração da ofendida, o que efectivamente nunca aconteceu. 5) Outrossim, deve dar-se como assente o quadro de grande liberdade sexual em que o arguido e a ofendida actuavam, como resulta até do depoimento da ofendida produzido em audiência de julgamento. 6) Por outro lado, importa dar como assente, como já se referiu na motivação de recurso, que, no dia em apreço, no almoço que habitualmente tinha aos sábados com colegas e subordinados de trabalho, o arguido havia bebido uma ou duas cervejas antes do almoço, uma garrafa de vinho branco à refeição e, depois, uma ou duas amêndoas amargas e um whisky, como foi confirmado pelas testemunhas M. e S., cujos depoimentos contam das fitas magnéticas já identificadas no número 25 da motivação do recurso interposto pelo arguido. A isso somou-se a garrafa de champanhe que a ofendida e o arguido ingeriram no encontro que tiveram aquando dos factos da acusação, o que decorre do depoimento de ambos prestado na audiência de julgamento. 7) Deve igualmente ficar assente, como decorre dos relatórios e dos esclarecimentos periciais de l D. e J., a seguinte matéria fáctica, já referida na motivação de recurso interposto pelo arguido, de que se retiram os seguintes elementos essenciais: A disfunção psíquica de perturbação de estado-limite de personalidade de que o arguido padece; A circunstância de o álcool ingerido (ao almoço e durante o encontro com a ofendida) actuar (adequadamente) como elemento que reforça a acção dessa disfunção; A ausência de premeditação ou planeamento da agressão por parte do arguido; A congruência da agressão ocorrida com a disfunção existente, o que determina que uma é também consequência (total ou parcial) da outra. Donde decorre que o arguido actuou no quadro de uma perda de controlo dos seus impulsos - numa passagem ao acto - com consciência da ilicitude, mas incapaz de avaliar a dimensão dessa violência. 8) Tal matéria fáctica decorre dos elementos probatórios referidos no número 25 da motivação do recurso interposto pelo arguido, muito particularmente dos esclarecimentos periciais prestados por D. e J. nas audiências de julgamento de 7 e 8 de Junho. 9) Ora, tais elementos fácticos - de que o Tribunal não se pode afastar, sob pena de desconsiderar um quadro científico assente e inquestionável, tão claros foram os esclarecimentos periciais prestados - são incompatíveis com a versão fáctica em que assenta a tese do sequestro, a qual se funda apenas na versão da ofendida, que manifestamente não tem a subsistência necessária para dever ficar como a verdade processual apurada. Termos em que não merece provimento o recurso interposto pelo Ministério Público. 8. Por sua vez, a assistente contra-motivou, concluindo nos seguintes termos: 1) Ao não ter recorrido, a assistente conformou-se com o decidido. 2) Afigura-se, porém, pertinente, como o pretende o MP, a existência de uma relação de concurso real e não aparente entre os crimes de sequestro e o de aborto, não tanto em função da coincidência temporal da ablação da liberdade ambulatória inerente ao primeiro com o necessário para que o arguido praticasse o aborto doloso pelo qual foi também condenado, mas sim, porque para a realização deste último não carecia de privar a vítima da liberdade nos termos excessivos e desnecessários em que o fez [amarrá-la, vendá-la, narcotizá-la com éter], pelo que, é em função deste excesso e desta desnecessidade que a censura inerente ao aborto não consome a censura penal exigida para o sequestro. 3) Daqui decorre alteração da pena concreta, com agravamento da pena concreta, pela violação da relação de concurso (artigos 30.º e 77.º do Código Penal). 9. O arguido, por sua vez, extrai da respectiva minuta recursória as seguintes conclusões: 1) Através do presente recurso, o Recorrente visa os seguintes objectivos: Impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto relativamente a alguns aspectos considerados provados e relativamente a outros não considerados provados. Impugnar, em sede de apreciação da culpa, a não consideração de uma imputabilidade diminuída do arguido. Discutir a qualificação jurídica do crime (ou crimes) pelo qual o arguido deve ser condenado. Discutir a medida da pena. 2) O arguido agrediu a ofendida num momento trágico de perda de controlo dos seus impulsos, na sequência de uma discussão e de provocações recíprocas, o que causou a morte do feto, devendo assinalar-se os seguintes factos relevantes: Nesse dia, no almoço que habitualmente tinha aos Sábados com colegas e subordinados de trabalho, o arguido havia bebido um ou duas cervejas antes do almoço, uma garrafa de vinho branco à refeição e, depois, uma ou duas amêndoas amargas e um whisky. Na vez anterior em que tinha mantido relações sexuais (3.ª ou 4.ª feira da mesma semana), o arguido e a ofendida praticaram um jogo sexual que era comum no seu relacionamento, que consistia em se amarrarem com écharpes e lenços enquanto mantinham relações sexuais. No encontro desse Sábado, o arguido e a ofendida tinham bebido uma garrafa de champanhe e mantido relações sexuais, após o que se envolveram em acesa discussão, tendo o arguido «perdido a cabeça» e agredido a ofendida: encostou-a à parede, prendeu-lhe os pulsos com as suas mãos, deu-lhe umas bofetadas e agrediu-a com joelhadas no abdómen, até que ela desfaleceu nos seus braços, nos demais termos que se encontram descritos de fls. 71 a 105 do seu depoimento, que já se encontra transcrito nos autos (cfr. cassete n.º 977, lado B). Esta é a verdade. 3) Não é verdadeira a versão fáctica que consta dos arts. 11.º a 17.º e 29.º a 32.º dos «factos provados», que se impugna. 4) O Tribunal dá como assente que o arguido não premeditou o crime: Ambos os Peritos sustentaram que o arguido não seria capaz, dada a sua disfunção de personalidade, de pensar e planear antecipadamente o acto em causa; sem pôr em causa essa falta de capacidade de planeamento, que se tem de aceitar (…). Tal proposição - a de que o arguido não premeditou o crime - é exaustivamente sustentada pelos peritos D. e J.. Como é que, em face de tal pressuposto, o Tribunal dá como assente a versão constante dos n.os 11 a 17 dos «factos provados», que obviamente pressupõe uma premeditação que realmente não existiu? Sem necessidade de outras explicações, assinale-se a inverosimilhança da tese que o Tribunal sustenta. O certo é que os factos em apreciação não requerem qualquer tipo de premeditação ou planeamento; basta o arguido ao dirigir-se para casa da ofendida, movido se calhar por um qualquer impulso repentino, apanhar cordas e uma venda (a ofendida refere que era um lenço vermelho publicitário da Coral) num qualquer local e comprar éter na farmácia, e está já com todos os meios para perpetrar os factos em apreciação. Tem esta justificação consistência à luz de um critério de experiência comum? 5) Pelo exposto, a verdade é que o Tribunal optou pela versão da assistente apenas com base nas declarações da própria e na corroboração efectuada por uma amiga – L. Oliveira -, sendo todos os outros elementos compatíveis com a versão do arguido. A isso acresce que a não premeditação dos factos - o que o Tribunal aceita - só é compatível com a versão do arguido, mas já não com a da ofendida, de acordo com o mais elementar critério de experiência comum. Pode manter-se a versão fáctica narrada nos n.os 11 a 17 e 29 a 32 dos «factos provados»? A resposta é uma questão de bom senso e de aplicação ao caso dos autos das regras do ónus da prova e do princípio in dubio pro reo. O Tribunal não podia dar como assente tal versão fáctica, devendo admitir como viável a factualidade acima descrita no n.º 6 desta motivação do recurso. E, em conformidade, devia apenas dar como assente que o arguido agrediu a ofendida no abdómen, em circunstâncias não totalmente esclarecidas, o que provocou a morte do feto que ambos haviam gerado. 6) Acresce que o Tribunal ignorou, nos factos provados, que o arguido padece de uma disfunção psíquica denominada perturbação estado-limite da personalidade, muito embora não ponha em causa a sua existência. 7) O Prof. D. e o Dr. J. foram ouvidos em longos esclarecimentos periciais, na sessão de julgamento de 7 de Junho, sendo pacífico que ambos concordaram no seguinte: A baixíssima probabilidade de o arguido ter premeditado a agressão à ofendida (vale a pena recordar que é a própria ofendida quem, nas suas declarações prestadas em audiência, refere: ele não era capaz de ser agressivo comigo frente a frente). A circunstância de a agressão do arguido ter resultado de uma perda de controlo nos seus impulsos. A impossibilidade científica de medir qual a quantidade de álcool capaz de reforçar o diagnóstico da disfunção psíquica em causa no momento da passagem ao acto, reconhecendo ambos que o álcool que o arguido diz ter ingerido (o que foi confirmado pela testemunha M., sendo ainda indirectamente corroborado pela testemunha S., bem como, quanto ao champanhe, pela ofendida) era susceptível de actuar como reforço dessa disfunção. O reconhecimento de que a agressão praticada pelo arguido é consentânea e congruente com a sua disfunção psíquica, sendo certo que, em termos científicos internacionalmente aceites, quando tal acontece, a conclusão clínica é que o acto também foi determinado por tal disfunção. 8) Em face do exposto, o Tribunal devia, em sede de matéria fáctica assente, ter considerado o seguinte: A disfunção psíquica de perturbação de estado-limite de personalidade de que o arguido padece. A possibilidade de o álcool ingerido (ao almoço e durante o encontro com a ofendida) ter actuado como elemento que reforçou a acção dessa disfunção. A congruência da agressão ocorrida com a disfunção existente, o que determina que uma é também consequência (total ou parcial) da outra. 9) São estes os pontos de facto que deviam ter sido julgados de maneira diferente, o que resulta do teor do próprio acórdão, dos relatórios técnicos e demais documentos supra citados e ainda dos seguintes elementos de prova, que estão gravados e se especificam para o efeito do art. 412.º n.º 4 do CPP: (...) 10) Em função daquilo que supra se assinala, o Tribunal devia ter reconhecido que o arguido actuou no quadro de uma perda de controlo dos seus impulsos - numa passagem ao acto - com consciência da ilicitude em apreço, mas incapaz de avaliar a dimensão dessa violência. 11) Tal proposição - para além de poder ter relevância na qualificação jurídica do crime cometido - gera, em qualquer caso, uma imputabilidade sensivelmente diminuída, o que devia ter sido considerado - e não foi - em sede de apreciação da culpa, pelo que o Tribunal aplicou erroneamente o art. 20.º do CP. 12) Perante o quadro acima descrito em matéria de culpa, o Tribunal não pode dar como assente que o arguido, embora consciente da ilicitude da agressão, tivesse desejado ou configurado a perda do feto. 13) Daí que não tenha ocorrido a prática do crime de aborto, mas apenas o de ofensa à integridade física qualificada, pelo que o Tribunal aplicou erroneamente os arts. 140.º n.º 1, 143.º n.º 1 e 146.º n.os 1 e 2, com referência ao art. 132.º n.º 2 b), todos do Código Penal. 14) Mesmo que assim não seja, o certo é que - admitindo-se o dolo eventual quanto ao aborto - tal crime consome o da ofensa à integridade física, já que esta lesão é mera consequência da acção abortiva eventualmente configurada, pelo que não ocorre um concurso real entre os dois crimes. 15) Mesmo que assim não fosse, as circunstâncias provadas - muito particularmente, a falta de premeditação, a perda de controlo dos impulsos aquando da agressão, a confissão e o arrependimento - justificam uma pena significativamente inferior à que foi aplicada, devendo ser, quanto ao aborto, se for mantida essa incriminação, inferior a metade da moldura abstracta, o que corresponde a uma adequada aplicação dos critérios constantes do art. 71.º, do CP. 10. O Ministério Público respondeu, concluindo nos seguintes termos: 1) O arguido teve capacidade para avaliar a licitude dos seus actos - no momento actual e na altura dos factos - e não estava intoxicado pelo álcool - caso contrário não tinha conseguido conduzir o seu veículo automóvel desde o Caniçal (local do almoço com os seus empregados) com paragem no Caniço (local onde se encontrou com os seus dois filhos) e continuação até ao Funchal (casa da vítima); não tinha conseguido manter relações sexuais com a mesma; e após tudo o que ocorreu e do qual foi o principal e único protagonista, não tinha conseguido fugir desse local com alguns dos vestígios da preparação dos crimes por si cometidos e que logo os dissipou - de forma que, durante este período de tempo, teve a capacidade necessária e suficiente para avaliar a ilicitude dos seus actos. 2) Ou seja, o arguido não perdeu o controle dos seus impulsos, mas antes quis matar o nascituro que a vítima trazia no seu ventre, visando a eliminação da vida intra-uterina do feto. 3) Para esse efeito, utilizou um ardil - jogo sexual por si planeado e executado - acabando por privar a vítima da sua liberdade de locomoção - manietando a vítima com cordas nos pulsos, tornozelos e vendado os seus olhos, de forma que lhe facilitou as agressões por si desferidas com vários socos e joelhadas (por si confessados em sede de julgamento) no ventre da vítima, o que foi causa adequada e necessária a provocar-lhe o aborto - e após fugir do local do crime, sem deixar quaisquer vestígios da sua presença - levou consigo a mochila, as cordas, a venda, o éter e a garrafa de champanhe - deixando a vítima atordoada, com vómitos e a esvair-se em sangue. 4) Assim, estão correctamente fundamentados os factos provados dados por assentes no acórdão, ora impugnados, nesta parte, pelo arguido, a saber os arts. 11.º a 17.º e 29.º a 32.º. 5) Por outro lado, a culpa do arguido não se acha sensivelmente diminuída, pois que qualquer cidadão médio suposto pela ordem jurídica quando comete crimes desta jaez, não está momentaneamente no seu estado normal de avaliação da sua ilicitude; caso contrário, não o fazia, como efectivamente o fez, daí que não haja motivo para aplicação do art. 20.º, do Código Penal. 6) O objectivo último do arguido sempre foi que a vítima fizesse a interrupção voluntária da sua gravidez - a qual sabia ser o seu progenitor - e face à negativa da vítima em aceder a tal pedido, seduziu-a para o jogo sexual, amarrou-a com cordas, dopou-a com éter e seguidamente desferiu-lhe várias socos e pontapés no ventre, bem sabendo que estas agressões eram causa adequada e necessária a provocar-lhe a morte do feto. 7) Os factos dados como provados relativamente ao arguido integram a prática, em autoria material e em concurso real, de 1 (um) crime de aborto, p. no art. 140.º n.º 1, do Código Penal e 1 (um) crime de ofensa à integridade física agravada p. no art. 143.º n.º 1, 146.º n.os 1 e 2, por referência ao art. 132.º n.º 2 al. b) do mesmo Código. 8) A medida da pena global foi a correcta e justa ao caso concreto, não tendo sido violado o art. 71.º n.os 1 e 2 do Código Penal. 11. A assistente respondeu, extraindo da minuta as seguintes conclusões:[…] 4) No que se refere ao recurso do arguido quanto à matéria de facto, ele não cumpre o ónus previsto nos n.os 3 e 5 do artigo 412.º, do CPP, pois que (i) não só não indica quais os factos que deveriam ter sido dado como provados em alternativa àqueles outros que genericamente impugna (ii) como ainda se limita a indicar meios de prova de que supostamente decorrerá a prova desses outros factos, sem que explicite em que medida concreta é que de tais meios de prova resultará essa diversa factualidade que diz estar em causa. 5) Assim, quer em relação à actuação com perda de controlo de impulsos, e sem premeditação, o arguido esquece que meros critérios de experiência comum dão conclusão lógica aos achados factuais da decisão recorrida, sendo certo que o modo de comissão do crime (reiterados golpes centrados na zona do ventre anterior à da placenta), os meios empregues (cordas, venda para os olhos, éter) só são compatíveis com uma atitude pensada anteriormente e reflectida quanto ao modo de perpetrar a conduta e actuada com controlo do pensar e do agir. 6) Não se justificando decisão diversa em matéria de facto, não há que alterar a qualificação jurídica dos factos. 7) No que se refere à valoração, a nível da culpa, da situação de «estado limite», a qual foi dada como adquirida pelo exame psiquiátrico efectuado já em sede de audiência, sendo certo que, segundo conclusão pericial, a mesma não releva a nível da imputabilidade, foi valorada, devido à sua projecção na culpa, a nível da dosimetria da pena concreta, nada havendo a apontar a tal respeito. 8) Finalmente, os critérios em favor de uma pena mais benigna não ocorrem, por inexistir falta de premeditação, ausência no caso de uma situação de perda de controlo dos impulsos e de arrependimento, o que avulta pela recusa de prestação de caução económica e não concretização do pagamento da indemnização a que o arguido foi condenado. Nestes termos, conclui-se como o MP, ou pela manutenção do decidido. 12. O Ministério Público, nesta instância, não emitiu parecer. 13. Os poderes cognitivos deste Tribunal alcançam a apreciação da matéria de facto e da matéria de direito, desde logo por que foram documentados os actos de audiência, em 1.ª instância – arts. 364.º e 428.º, do Código de Processo Penal. O objecto do recurso é definido e demarcado, maxime, pelo teor das conclusões que o recorrente extrai da correspondente motivação – art. 412.º n.º 1, do CPP[1]. 14. Isto posto, no caso e tal como se deixou editado no proémio da audiência, nesta instância, importa fazer exame das seguintes questões, tal como arroladas pelos recorrentes: Quanto ao recurso interposto pelo Ministério Público: (i) saber se os factos enumerados, como provados, em 11-16, 29 e 30, consubstanciam a prática, pelo arguido, de um crime de sequestro, p. e p. nos termos do disposto no art. 158.º/1, do CP; (ii) saber se se verifica concurso real entre aquele crime de sequestro e o crime de aborto por que o arguido vem condenado; (iii) assim sendo, saber se é justificável a condenação do arguido, como autor material do dito crime de sequestro em pena de 1 ano e 6 meses de prisão e, em cúmulo com as demais estabelecidas em 1.ª instância, na pena única de 7 anos e 6 meses de prisão. Quanto ao recurso interposto pelo arguido: (i) saber se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento em matéria de facto: - ao considerar como provados os factos alinhados sob os n.os 11.º a 17.º e 29.º a 32.º; - ao desconsiderar a (invocada) actuação do arguido num quadro de imputabilidade sensivelmente diminuída; (ii) da inverificação de factos consubstanciadores do crime de aborto; e, subsidiaria e sucessivamente, averiguar (iii) da consumpção, pelo crime de aborto, do crime de ofensa à integridade física, e (iv) da adequação, pela autoria material do crime de aborto (configurando-se uma actuação com dolo eventual), da condenação do arguido em pena concreta inferior a metade da moldura legal. Cumpre, previamente, por lógica preclusiva, examinar a questão, suscitada na contra-motivação da assistente ao recurso interposto pelo arguido, atinente aos vícios da motivação recursória por este oferecida. II 15. Importa começar por examinar a questão, suscitada na contra-motivação da assistente ao recurso interposto pelo arguido, atinente aos vícios da motivação recursória por este oferecida. 16. Defende a assistente, que, no tocante à impugnação da matéria de facto, o arguido deixou de cumprir o ónus estabelecido nos n.os 3 e 4 do art. 412.º, do CPP, porquanto (i) não só não indica quais os factos que deveriam ter sido dado como provados em alternativa àqueles outros que genericamente impugna, (ii) como ainda se limita a indicar meios de prova de que supostamente decorrerá a prova desses outros factos, sem que explicite em que medida concreta é que de tais meios de prova resultará essa diversa factualidade que diz estar em causa. O ónus informatório (dito de «lealdade processual») estabelecido nos n.os 3 e 4 do art. 412.º, do CPP, afigura-se cumprido, com rigor, quando, em sede de impugnação da decisão sobre matéria de facto, o recorrente alinha, especificando, designadamente, e no que ao presente recurso importa, (a) os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, e (b) as provas que impõem decisão diversa da recorrida, estas por referência aos suportes técnicos. Ora, no caso, o arguido recorrente, ainda que passando a «especificação» (vale por dizer, a enunciação, um a um e em sequência) dos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, não deixa de estabelecer o respectivo rol, na medida em que salienta que, no seu entender, (i) o Tribunal recorrido não devia ter julgado provados os factos alinhados sob os n.os 11.º a 17.º e 29.º a 32.º, e (ii) desconsiderou a comprovação de que o arguido num quadro de imputabilidade sensivelmente diminuída. Por outro lado, o mesmo recorrente não deixa de elencar os meios de prova de que, em seu critério, resulta, seja a não comprovação dos primeiros, seja a comprovação dos segundos. Ademais, não pode deixar de reconhecer-se que, passada uma primeira fase de interpretação restritiva, quase geométrica, daqueles segmentos normativos, a doutrina[2] e a jurisprudência[3] mais impressivas têm sedimentado o entendimento de que importa, antes de tudo, é que o objecto do recurso (e, assim, os poderes e limites cognitivos do tribunal de recurso) esteja definido com a necessária clareza. Conceda-se que, in casu, o arguido recorrente não deixa de elucidar os pontos do julgamento que o Tribunal recorrido levou sobre a matéria de facto que lhe suscitam divergência, como não deixa de inventariar, ainda que por junto, as provas que, no seu entender, imporiam decisão diversa daquela que foi assumida em 1.ª instância. Assim, só por excesso de rigoridade se poderia configurar, em face da motivação recursória oferecida pelo arguido, fosse um convite ao aperfeiçoamento das conclusões da minuta, fosse a respectiva rejeição ou improvimento. Termos em que, ressalvado o muito e devido respeito pelo seu esforço argumentativo, não pode conceder-se provimento à questão prévia suscitada pela assistente respondente. 17. Vejamos o juízo sobre os factos, tal como firmado em 1.ª instância. 18. Factos julgados provados: 1) S. começou a trabalhar para o arguido em Setembro de 1999. 2) Em Dezembro de 1999 passaram a ter um relacionamento afectivo e sexual. 3) Após S. ter tomado de arrendamento um apartamento à R...., os encontros afectivos e sexuais decorriam nesse imóvel. 4) Desse relacionamento afectivo e sexual resultou a gravidez de S.. 5) O arguido não queria que a gravidez fosse até ao fim da gestação e era sua vontade que S. abortasse. 6) S. decidiu levar a gravidez até ao fim. 7) Não obstante a divergência quanto ao nascimento da filha de ambos, continuaram o relacionamento afectivo e sexual. 8) No dia 8 de Março de 2003, quando S. levava já cerca de vinte e três semanas de gravidez, encontraram-se, como o habitual, em casa da ofendida, na R.. 9) Ela chegou cerca das 17.30, e já ali encontrou o arguido, que tinha levado uma garrafa de champanhe. 10) Tiveram relações sexuais, depois do que o arguido foi buscar a garrafa de champanhe ao frigorífico e beberam. 11) Depois de beberem, o arguido propôs à ofendida um jogo sexual que consistia em ela deixar que a amarrasse de pés e mãos à cama, e a vendasse, ao que ela acedeu. 12) Quando estava já amarrada e com os olhos vendados, com cordas e um venda que o arguido trouxera, este tapou a boca e o nariz de S. com um pano embebido em éter. 13) Ela ainda tentou reagir, abanando a cabeça de um lado para outro, mas o arguido continuou a pressionar a zona do nariz e boca com tal pano, até que ela perdeu, pelo menos, a consciência da memória. 14) Foi então que o arguido, com a ofendida assim indefesa, começou a agredi-la na zona do ventre, com objecto não concretamente apurado, mas actuando de forma contundente. 15) Depois das agressões, o arguido vestiu-se, desamarrou-a e tirou-lhe a venda. 16) Com bofetadas na cara, o arguido conseguiu que a ofendida recuperasse, embora não completamente, a consciência. 17) Depois, o arguido deixou a ofendida na cama, colocando o telemóvel dela ao lado, e foi-se embora, levando consigo a mochila, as cordas, a venda, o éter e a garrafa vazia de champanhe. 18) Ao recuperar a consciência, verificou que perdeu algum sangue, e vomitou, tendo então telefonado a pedir auxílio. 19) Chegou primeiro L., que encontrou a ofendida ainda nua, suja de sangue da cintura para baixo, e com a zona abdominal vermelha. 20) A pedido da ofendida, tentou L. ligar para o médico daquela, que não atendeu. 21) Então, com a ajuda do filho, que conduzira o carro em que se fizera transportar, L. levou a ofendida para as Urgências do Hospital Central do Funchal, onde, pelas 20.30, foi imediatamente internada no Serviço de Urgência de Obstetrícia. 22) No exame objectivo logo feito, foi diagnosticado que a ofendida apresentava os membros inferiores com pequenas manchas de sangue coagulado ao nível das coxas, abdómen com lesão extensa avermelhada, sem edema e sem solução de continuidade da pele, e equimoses ligeiras ao nível de ambos os punhos. 23) Realizada ecografia abdominal, visualizou-se a presença de um feto no útero em posição transversal, mas sem actividade cardíaca. 24) A ofendida ficou na sala de partos, tendo feito várias induções para a expulsão do feto. 25) Pelas 02.30 do dia 11 de Março seguinte, expulsou um feto morto em apresentação pélvica, envolvido em membranas intactas, pesando 490 gramas, não apresentando, o feto, qualquer lesão. 26) Recolhidos e acondicionados a placenta e o feto, foram remetidos para o Instituto Nacional de Medicina Legal, Delegação de Coimbra, para autópsia, e também para determinação da paternidade do feto. 27) Nestes exames concluiu-se que a morte do feto foi devida a extenso hematoma transplacentar, causado por lesões abdominais na mãe, que determinaram perturbações circulatórias graves com hipoxia fetal grave e morte subsequente; e que a paternidade do arguido em relação a esse feto era praticamente provada, com uma probabilidade de 99,99997 %. 28) As agressões, o modo como foram produzidas e a perda da filha causaram depressão à ofendida. 29) O arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era passível de procedimento criminal. 30) O arguido, ao colocar a ofendida, pelo menos em situação de perda de consciência de memória, bem sabia que, a partir daí, a mantinha manietada e privada da sua liberdade, contra a vontade dela. 31) E consciente de que, ao agredi-la do modo descrito, necessariamente lhe causaria lesões corporais, e fê-lo com a intenção conseguida de causar a morte ao feto, que sabia que a ofendida trazia em gestação. 32) Bem sabendo que tinha sido ele o causador da situação, e perfeitamente consciente que a integridade física da ofendida podia correr perigo, quis abandoná-la, e abandonou-a quando ela não tinha recuperado completamente a consciência, sem lhe prestar auxílio devido a afastar tais perigos, sendo certo que o podia fazer. 33) Em consequência das agressões sofridas no ventre, a ofendida esteve internada no Hospital Central do Funchal durante o período de 7 dias, e solicitou uma baixa por trinta dias. 34) As agressões sofridas pela ofendida provocaram-lhe dores. 35) A ofendida sofreu e continua a sofrer mau estar psicológico, abatimento moral, desgosto, angústia, tristeza e ansiedade. 36) A ofendida encontrava uma fonte de alegria na filha que estava para nascer e sentiu dor da perda com a morte do feto. 37) A ofendida, à data dos factos, era pessoa respeitada no trabalho e no ambiente familiar. 38) Os factos em causa tiveram ampla repercussão pública. 39) A ofendida e o arguido encontram-se inseridos num meio pequeno, sendo que ele tem uma posição de destaque na área da construção civil e imobiliária. 40) Os acontecimentos descritos foram amplamente divulgados em conversas, com destaque na imprensa local e nacional, com difusão na Internet, expondo a intimidade da ofendida, a reserva da sua vida privada e da sua intimidade sexual, que gerou vexame e humilhação para a ofendida. 41) A ofendida trabalhava à data dos factos, como ainda trabalha, embora em situação de baixa médico-psiquiátrica, em empresa que o arguido era administrador. 42) O arguido tem forte ascendência sobre a administração. 43) Na sequência dos factos e em sua consequência, a ofendida foi deslocada profissionalmente para um outro sector da empresa, passando de secretária da administração para o arquivo. 44) A ofendida vive com os seus pais e filho de 8 anos de idade. 45) Por via dos factos a ofendida teve de recorrer a acompanhamento psicológico e psiquiátrico, que ainda hoje se mantém. 46) A ofendida mandatou advogado para acompanhar o presente processo criminal. 47) A ofendida pagou taxa de justiça pela constituição de assistente. 48) O arguido é pessoa ligada aos meios empresariais na área da construção civil e imobiliária e administrador de empresas, dispondo de património pessoal e desafogo económico. 49) A ex-mulher do arguido tinha conhecimento da gravidez. 50) O arguido tomava medicamentos destinados ao tratamento de insónias. 51) O arguido é respeitado como um profissional competente, sério e trabalhador. 52) O arguido é tido como pessoa generosa, amiga e leal. 53) O arguido é dedicado aos seus filhos e amigos. 54) O arguido mostra-se arrependido. 55) O arguido é empresário desde 1994. Tem o 10.º ano de escolaridade. Tem dois filhos menores. Não tem antecedentes criminais. 19. Factos julgados não provados: 1) Foi por alvitre do arguido que a ofendida arrendou o apartamento da Rua 31 de Janeiro. 2) O arguido ameaçou dar um tiro à ofendida e, bem assim à criança. 3) O arguido só parou de agredir a ofendida quando a viu perder sangue da vagina. 4) O arguido disse à ofendida as seguintes expressões: «agora vais ao hospital e dizes que caíste», «agora vais pensar que tens o teu filho para criar, que eu te vou ajudar», «só não te matei porque te amo». 5) O arguido levou os copos de champanhe. 6) O tempo de doença da ofendida atingiu os 60 dias. 7) A depressão que ofendida sofreu e sofre é major. 8) A ofendida sofreu dores no ventre durante semanas e que ainda hoje se manifestam. 9) O vexame e humilhação que sofreu a ofendida se projectam para os seus pais e filho menor. 10) Por via do vexame e humilhação que sofreu, ocorreu o afastamento de pessoas que até ali conviviam com a ofendida. 11) A ofendida foi mandada fazer tarefas muito aquém daquilo para que estava habilitada, sem razão profissional e com o manifesto propósito de a rebaixar e humilhar, e gerar nela um estado psíquico que levasse à sua saída da empresa. 12) Após os factos, foi retirado à ofendida a regalia de poder utilizar um automóvel da empresa, o direito a um local de estacionamento e a cem euros de combustível. 13) Durante o período de baixa a ofendida recebeu apenas 65% da remuneração base. 14) A situação em que se encontra a ofendida gerou e continua a gerar dificuldades no que se refere à capacidade de assistir e acompanhar o seu filho de oito anos. 15) A ofendida é obrigada a cuidadoso acompanhamento psicológico e médico para avaliação das sequelas que daí possam advir. 16) A arguida teve de efectuar deslocações para mandatar advogado, perdendo tempo que poderia aplicar ao seu descanso e no acompanhamento da sua família. 17) Há muito o arguido aceitara a gravidez, manifestando a intenção de assumir a paternidade, com toda a responsabilidade e dignidade. 18) A actual companheira do arguido tinha conhecimento da gravidez. 19) A partir de certa altura, o arguido e a assistente se envolveram numa discussão acesa, provocada por exigências crescentes que a assistente lhe fazia relativamente ao filho que iam ter, acompanhada de comentários injuriosos e altamente desagradáveis dirigidos à sua família, tudo num crescendo de exaltação, agressividade verbal e física e perda total de controlo, o que o fez perder a cabeça. 20) O arguido não pretendia provocar o aborto nem de qualquer forma magoar a ofendida. 21) O arguido estava num quadro colérico e de perda de controlo das suas capacidades intelectuais. 22) Por comum acordo e em ocasiões anteriores, arguido e assistente mantinham relações sexuais com um deles amarrado, para o que utilizavam lenços ou outros panos da assistente. 23) Os medicamentos que o arguido tomava eram susceptíveis de provocar alguma irritabilidade, ataques de raiva e agressividade, o que contribuiu para o estado de espírito que causou a agressão em apreço. 24) O arguido encontrava-se numa situação de grande stress emocional, provocado por alguma desorientação familiar e afectiva, o que igualmente contribuiu para aquele estado emocional. 25) O arguido só deixou a assistente após a agressão porque se convenceu que ela estava em condições de recorrer ao apoio necessário. 20. Motivação: A convicção do Tribunal assenta no seguinte: Factos Provados 1) Depoimentos inteiramente concordantes do arguido, da assistente e de todas as testemunhas com ligações às empresas (...) e/ou à vida do arguido (ex-mulher ... e actual namorada...). 2) Depoimentos concordantes do arguido e da assistente. Importa referir que a classificação do relacionamento existente como afectivo e sexual está directamente relacionada com a perspectiva de cada um, pois enquanto o arguido referiu que, da sua parte, era meramente sexual, a assistente sustentou que, pelo seu lado, havia ligação afectiva. 3) Depoimentos concordantes do arguido e da assistente. Importa referir que também a classificação dos encontros como afectivos e sexuais está directamente relacionada com a apontada perspectiva de cada um. 4) Relatório da perícia de investigação de paternidade, com recolha de DNA, realizada pelo Instituto Nacional de Medicina Legal, Delegação de Coimbra, junto a fls. 251 a 253, que conclui por paternidade praticamente provada do arguido relativamente ao feto em gestação no ventre da assistente. 5) O Tribunal fundamenta a sua convicção na prova testemunhal alicerçada nos depoimentos do arguido e da assistente. Explicitando, os depoimentos das amigas da assistente que também trabalham ou trabalhavam para empresas do arguido – (....) – foram concordantes em referir que a assistente sempre lhes transmitiu que o arguido não queria aquele filho e que sempre desejou que fosse interrompida a gravidez. Destes depoimentos deve dar-se especial ênfase a L., pessoa que depôs com isenção e credibilidade assinaláveis, afirmando nutrir um grande carinho pelo arguido, considerando-o como se fosse seu filho, a qual, não obstante, referiu claramente que a assistente sempre lhe disse que «o P. não queria o filho». De realçar ainda o depoimento de F., desenhador de construção civil, que prestava serviços para o arguido e suas empresas, e com relacionamento próximo (pessoal e profissional) com este último, que referiu expressamente em audiência que «o P. não devia ter feito aquilo, mais criança menos criança, as coisas aconteceram porque houve pressões, demasiadas pressões, as coisas foram adiantando, o P. não queria ter um filho, de certeza, o P. nunca me disse, mas eu deduzo, o P. tinha dois filhos, tinha uma miúda que era a N., que adorava, tinha um afaire com a P., se calhar tinha afaires com outras... se tenho uma amante, uma relação sexual com alguém, é óbvio que não quero ter um filho dessa pessoa». De resto, o próprio arguido afirmou o seguinte «não acredito em acidentes... a P., nós estivemos juntos tanto tempo ela nunca engravidou por acidente, portanto, eu vi aquilo, para já, tanta pressão naquela altura... tanto andou, tanto andou, até que eu caí...tornei a ir para a cama com ela... ela engravidou porque quis... teve uma intenção de engravidar... ». O arguido tinha a convicção que a gravidez foi premeditada para o «apanhar» e isso claramente o desagradava, até porque tinha uma namorada «oficial» e sempre disse à ora ofendida que a decisão de ter ou não o filho era dela, até porque «a P. é que está grávida, eu não». A assistente, por seu lado, deixou claro que o arguido não abandonou a ideia do aborto, chegando inclusive a propor-lhe uma ida a Espanha. Porém, a grande prova de que o arguido não queria este filho tem a ver com os factos ocorridos no dia 8 de Março de 2003, em que, segundo a convicção deste Tribunal, o arguido agiu voluntariamente com a intenção de interromper a gravidez, convicção que será devidamente fundamentada mais adiante, em sede dos factos provados sob os números 11.º a 14.º, 29.º e 31.º. 6) Depoimento da assistente, das testemunhas suas amigas (....) e da decisiva circunstância da gravidez ter prosseguido até 8 de Março de 2003, data em que foi interrompida contra a vontade da assistente. 7) Depoimentos concordantes do arguido e da assistente quanto à continuação do relacionamento afectivo e sexual. Quanto à divergência relativamente ao nascimento, resulta da fundamentação supra respeitante ao facto 5.º. 8) Depoimentos concordantes do arguido e da assistente. Relatório médico de fls. 105 (23 semanas de gestação). 9) Depoimentos concordantes do arguido e da assistente. 10) Depoimentos concordantes do arguido e da assistente. 11), 12), 13), 14), 15), 16), 17) A matéria dada como provada nestes factos corresponde à versão da assistente, que o Tribunal adere pelos seguintes motivos: - depoimento de L., que, repete-se, nutria uma grande consideração pelo arguido e depôs com isenção e credibilidade, pessoa que foi logo a primeira a chegar ao apartamento da ofendida, respondendo a um apelo desta, afirmando em audiência o seguinte: «a voz da P. parecia de quem estava a acordar...ela estava nua...o chão tinha vómitos e sangue...a barriga estava parecia riscada, a Patrícia dizia «não sei o que foi»... ela dificilmente se equilibrava... dizia a P. «foi o P., não sei o que ele fez»... sangue no quarto e pingos no tapete... a barriga estava vermelha, parecia tintura, havia duas velas acesas e o ambiente era romântico... disse a P. que «ele deu-lhe champanhe... uma coisa com cheiro no nariz... foi amarrada»; este depoimento revela que esta testemunha encontrou a ofendida numa situação como se estivesse a recuperar a consciência, para além do que, logo na altura, a ofendida lhe falou na amarração e no cheiro no nariz, não sabendo, porém, o que se passara, o que assenta claramente na versão da acusação; - esclarecimentos prestados pela Ex.ª Sr.ª Perita do INML Dr.ª B., que referiu que as marcas que a ofendida apresentava nos pulsos e tornozelos (cfr. fotografias de fls. 28 e 29), são compatíveis com a utilização de cordas, classificando tais marcas como figuradas, por identificarem o instrumento agressor; as marcas não são compatíveis com lenços ou panos, por serem uniformes; a referida perita consegue precisar que tais marcas, que classifica como equimoses, designadamente a do pulso direito, é muito recente, o máximo 24 horas até à data em que foi fotografada (as imagens fotográficas foram recolhidas cerca das 23.30 do dia 8 de Março), porque apresenta um vermelho muito vivo; por seu lado, acrescenta que as agressões na barriga foram feitas por instrumento que actuou de forma contundente, que pode ter sido socos, pontapés ou joelhadas; esclarecimentos prestados pela Ex.ª Sr.ª Dr.ª N., Especialista em Medicina Legal no INML, que concordou que as lesões abdominais foram provocadas por instrumento que actuou de forma contundente, que pode ter sido a mão; mais disse que a lesão do punho direito, que identifica como escoriação, está muito marcada e só poderia ter sido feita até ao máximo de 3 ou 4 dias, podendo ter sido originada por uma corda, um lenço ou mesmo uma écharpe; do que decorre que ambas as Exm.as Peritas estão de acordo quanto à natureza contundente das agressões abdominais e que as marcas dos tornozelos e pulsos são recentes e compatíveis com cordas; naquilo que as peritas divergem – também ser provocadas por écharpes ou lenços e terem ocorrido há mais de 24 horas - não pode o Tribunal levar em consideração porque não tem fundamento científico (cfr. art. 163.º n.os 1 e 2, do Código do Processo Penal) para fazer prevalecer uma opinião em detrimento da outra; importa é relevar que ambas as peritas estão de acordo quanto à compatibilidade das lesões nos punhos e tornozelos terem sido efectuadas por cordas e com probabilidade (reconhecida por ambas) de não terem mais de 24 horas (as peritas só não se entendem quanto ao prazo máximo, pois a Dr.ª N. estende-o até 3 ou 4 dias, enquanto a Dr.ª B. exclui qualquer tempo para além das 24 horas); aqui chegados, está mais uma vez demonstrada a forte probabilidade da versão da assistente (amarração com cordas no próprio dia 8 de Março); - esclarecimentos do Ex.ª Sr. Dr. C., anestesista do Hospital Central do Funchal, que disse: «os produtos que usam em anestesia não estão à venda no mercado...apenas o éter é um produto de fácil acesso porque se vende nas farmácias...que continua a ser vendido sem prescrição médica...; a anestesia é a perda da consciência... há vários estádios, vários graus de perda de consciência... o primeiro estádio vai desde a altura em que o paciente está acordado e é submetido a uma anestesia, com perda de consciência, durante este estádio se for submetido a qualquer estímulo dolorosa, acorda e defende-se... no segundo estádio há perda de consciência da memória, se for submetido a um estímulo cirúrgico não acorda mas entra em agitação, debate-se, tosse, vomita... o terceiro estádio é o chamado estádio cirúrgico em que o doente está profundamente adormecido e deixa-se submeter a qualquer estímulo cirúrgico... se o produto utilizado foi o éter podemos conseguir os três primeiros estádios», ora, destes esclarecimentos se conclui que o produto utilizado pelo arguido foi o éter e que a ofendida, por não se recordar de dor, atingiu pelo menos o segundo estádio, ou seja, perda de consciência de memória; de resto, as marcas constantes dos tornozelos e pulsos são compatíveis com este segundo estádio, em que, como refere o Anestesista, a paciente não acorda, mas entra em agitação, debate-se, que certamente lhe provocou reacção para libertar-se da amarração; esta justificação é bem mais plausível para a existência das marcas nos pulsos e tornozelos do que qualquer jogo amoroso, seja com cordas seja com écharpes, pois na situação amorosa não é usual que a amarração seja tão forte que deixe marca e provoque dor; com isto pretende-se referir que estas marcas apresentadas pela ofendida nada têm a ver com eventuais jogos amorosos de 3 ou 4 dias, com écharpes, como sustenta o arguido, mas com uma luta de libertação das cordas neste dia 8 de Março, levada a cabo pela desacordada ofendida perante o estímulo doloroso resultante das agressões do arguido; - acresce ainda que as agressões são claramente direccionadas ao abdómen da ofendida, o que exclui a versão do arguido de que a agrediu quando ela se encontrava de pé e num momento de ira; ora, foi visível em audiência que o arguido é mais alto (referiu que media 1,88), pelo que, em pleno ataque de raiva, normal seria que as agressões fossem onde calhasse, sobretudo na cara; mas não, elas são quase em exclusivo no abdómen, o que é bem mais compatível com o relato da ofendida, que estava deitada, nua, sem consciência e completamente à mercê do arguido; de resto, se a ofendida estivesse em plena posse da sua consciência, certamente que lutaria, gritaria, fugiria, dificultando a tarefa do arguido e apresentaria muito mais lesões pelo corpo todo; é manifesto que o arguido mente; - arguido e assistente concordam em que ele a acordou com bofetadas quando já se encontrava vestido, e que, antes de abandonar a casa, colocou o telemóvel dela junto da cama; importa referir que o arguido admite que a ofendida perdeu os sentidos em consequência das agressões, mas, como resulta dos elementos de prova acima referidos, a perda de consciência tem a ver com o éter e não com as agressões; - o arguido admite que levou a garrafa vazia de champanhe; porém como se conclui que o arguido amarrou a ofendida com cordas, vendou-a e utilizou éter, e nada disto foi encontrado no apartamento, é óbvio que só ele as pode ter levado, ocultando assim tais meios de prova. 18) Depoimentos da Assistente, de (....) e relatório médico de fls. 105 (hora em que foi internada no Serviço de Urgência de Obstetrícia). 22) 23) 24) e 25) Relatório médico de fls. 105. 26) e 27) Documento de expedição de fls. 96, relatório da perícia de investigação de paternidade de fls. 251 a 254, relatório da autópsia do feto de fls. 291 a 295, ambos realizados pela Delegação de Coimbra do Instituto Nacional de Medicina Legal e esclarecimentos complementares prestados pela Ex.ª Sr.ª Perita do INML Dr.ª B.. 28) Relatório Clínico do Psicólogo Dr. V. e Parecer do Prof. D., assim como esclarecimentos complementares destas duas individualidades. 29) O perito psiquiátrico Dr. J.e o Prof. D. são concordantes em diagnosticar ao arguido uma perturbação estado-limite de personalidade; o Prof. D. considera que, no momento do acto, esta perturbação apresentou-se como anomalia psíquica grave porque foi reforçada pela intoxicação pelo álcool, com consciência da ilicitude mas com diminuição do domínio dos impulsos, concluindo então pela imputabilidade sensivelmente diminuída (cfr. relatório de fls. 1730 a 1749, designadamente as conclusões de fls. 1748); o Dr. J., no seu relatório de fls. 1848 a 1853, concluiu: o examinando tem capacidade para avaliar a licitude dos seus actos, no momento actual e na altura dos factos, não teve nenhuma dependência de álcool, bem como de outras substâncias psicotrópicas e que, no momento dos actos, apesar de referir ter ingerido álcool, não foi de certeza suficiente para diminuir a avaliação da ilicitude dos seus actos; em audiência, o Prof. D., sustentou que as agressões perpetradas pelo arguido são congruentes com a perturbação estado-limite de personalidade que padece o arguido reforçada pelo álcool, ou seja, o resultado é congruente com a disfunção quando reforçada pelo álcool; o Dr. J., também em julgamento e em tese, igualmente considerou que, em situação de intoxicação pelo álcool, que não aceita ter existido, o comportamento criminoso do arguido seria congruente com a disfunção da personalidade; a questão fulcral é, pois, de saber se o arguido estava ou não com intoxicação alcoólica; vejamos, e segundo as declarações do próprio, tinha tido um almoço que terminou por volta das 15.30, onde tinha bebido uma ou duas cervejas antes do almoço, uma garrafa de vinho branco à refeição e, depois, uma ou duas amêndoas amargas e um whisky; o arguido estava habituado a beber e pesava cerca de 130 kg (declarações do próprio); depois conduziu o seu carro do Caniçal (local do almoço) até ao Caniço, onde esteve a brincar com os seus filhos durante algum tempo; mais tarde conduziu de novo o seu veículo até as proximidades da casa da ofendida, onde chegou cerca das 16.43, altura em que telefonou para esta (cfr. fls. 1029 – factura detalhada do telemóvel do arguido); entrou no apartamento, despiu-se, esperou por ela, que só chegou por volta das 17.30, teve relações sexuais e ainda bebeu champanhe; a fls. 69 dos apenso de transcrição das declarações do arguido, ele refere, questionado sobre a bebida, que vinha normal; acresce ainda que a ofendida sustentou que o arguido não cheirava a álcool; ora, perante toda esta sequência de actos (brincar com os filhos, conduzir e ter relações sexuais), não se pode concluir que o arguido estivesse, no momento dos factos, intoxicado pelo álcool, até porque já tinham passado cerca de 2 horas após ter terminado o almoço; é assim de afastar o quadro de intoxicação pelo álcool, de acordo, aliás, com a perícia do Dr. J., termos em que, sem intoxicação pelo álcool está afastada qualquer diminuição da avaliação da ilicitude dos actos; acresce ainda que, segundo as palavras da testemunha S., que frequentava os almoços de Sábado no Caniçal, com o arguido, «o Sr. P. bebia ao Sábado mas não era logo com o primeiro copo que ficava descontrolado, que pudesse ficar embriagado, nunca vi ninguém sair de lá extremamente bêbedo, o P. talvez bebesse ao Sábado para ter coragem para nos dizer algumas coisa, para nos puxar as orelhas, o álcool desinibia as pessoas»; termos em que, a considerar-se que o arguido bebia para colocar-se em situação de coragem para fazer algo, então, a suceder tal no dia 8 de Março, temos de concluir que a intoxicação alcoólica seria agravante e não atenuante; mas a conclusão do Tribunal é que não havia qualquer intoxicação alcoólica; apreciemos agora a premeditação ou a capacidade de planeamento do arguido, tendo em conta a sua perturbação de personalidade; ambos os Peritos sustentaram que o arguido não seria capaz, dada a sua disfunção de personalidade, de pensar e planear antecipadamente o acto em causa; sem pôr em causa essa falta de capacidade de planeamento, que se tem de aceitar (art. 163.º, do Código do Processo Penal), o certo é que os factos em apreciação não requerem qualquer tipo de premeditação ou planeamento; basta o arguido ao dirigir-se para casa da ofendida, movido se calhar por um qualquer impulso repentino, apanhar cordas e uma venda (a ofendida refere que era um lenço vermelho publicitário da Coral) num qualquer local e comprar éter na farmácia, e está já com todos os meios para perpetrar os factos em apreciação; atente-se que o arguido falta claramente à verdade quanto ao que se passou naquela tarde, designadamente quando refere, e citando, «recebo um telefonema... que era... isto entretanto já seria perto das 4... e era a P.... que acabei por atender» - cfr. fls. 69, 70 e 104 dos autos de transcrição das declarações do arguido. Ora, do que resulta do confronto das facturações detalhadas do telemóvel do arguido com o da ofendida, fls. 1025 a 1032, esta não fez qualquer telefonema nessa tarde para o arguido, sendo que este é que lhe telefonou às 15.40 (chamada que o arguido negou em audiência) e 16.43 (que o arguido aceita); repare-se ainda que o arguido diz que «ficou um bocadinho com os filhos» – citada fls. 69, mas o certo é que só chegou perto da casa da ofendida cerca das 16.43, ou seja, mais de uma hora depois de ter saído do almoço (cerca das 15.30) o que daria tempo para apanhar umas cordas, o éter e o champanhe, com a circunstância de que, durante este tempo, ainda procedeu a um telefonema (para o nº .......), pelas 15.36, pouco antes de telefonar pela primeira vez nessa tarde à ofendida; de resto, o arguido volta a mentir quando, e transcreve-se «não telefonei (inquirido se telefonou a alguém logo após os factos)... saí com o carro e quando já ia a andar, é que abri os vidros... e com aquele ar... tentei-me acalmar mais um pouco, tentei raciocinar... então o meu pensamento foi ligar para a P... mas o telemóvel estava impedido... eu continuo a andar com o carro, sem... sem destino... e acabo por ir ter aos Barreiros, onde estava um empregado meu... ligo para ele... e falo com ele»; ora, sendo certo que a ofendida, logo que acordou, liga para a primeira ajuda às 19.22 (cfr. fls. 1027), também o é que o arguido já às 19.10 tinha efectuado um telefonema para um número, que depois repete cerca das 19.29; do exposto decorre que, ao contrário do que refere o arguido, tinha levado o seu telemóvel para casa da ofendida e que fez um telefonema ainda antes de ela recuperar a sua consciência, e não andou nada sem destino até encontrar um empregado seu; tudo isto para dizer que o arguido não fala a verdade, que estava com a plena consciência dos actos, que não estava intoxicado pelo álcool e que os factos em causa não requerem obrigatoriamente nenhum tipo de premeditação, podendo até ser decididos e realizados em muito pouco tempo (basta providenciar-se com cordas, venda e éter); finalmente, importa referir que, em sede de contestação, não é feita qualquer referência ao álcool, justificando-se a sua agressividade apenas em medicamentos para insónias; manifestamente não há intoxicação alcoólica, pelo que, como conclui o Perito Dr. J., o examinando tem capacidade para avaliar a licitude dos seus actos, no momento actual e na altura dos factos, não teve nenhuma dependência de álcool, bem como de outras substâncias psicotrópicas e que, no momento dos actos, apesar de referir ter ingerido álcool, não foi de certeza suficiente para diminuir a avaliação da ilicitude dos seus actos. 30) Esclarecimentos do Ex.mo Sr. Dr. C., Anestesista, e utilização do éter (chama-se à colação a fundamentação supra aos factos 11.º a 17.º); sendo que, sendo certo que a ofendida se deixou amarrar, também o é que após perder a consciência, contra a sua vontade, ficou manietada e privada da sua liberdade. 31) Importa reter de novo toda a fundamentação supra para os factos 11.º a 17.º e 29.º, com especial ênfase para quase exclusividade de agressões no abdómen, o que revela uma clara vontade em direccioná-las para esta zona do corpo, onde, muito bem sabia o arguido, se encontrava o feto em gestação. 32) Das declarações do arguido resulta que ele apenas colocou o telemóvel da ofendida junto dela, quando esta ainda não tinha recuperado totalmente a sua consciência, e foi embora - dizendo que ela o expulsou, mas, se a vontade fosse auxiliar, haveria outras formas de obter ajudas, como, por exemplo, contactar amigos comuns para acudir ou chamar uma ambulância. 33) Relatório médico de fls. 105 e declarações da ofendida. 34) Relatório médico de fls. 105, declarações da ofendida e regras da experiência comum (127.º, do Código do Processo Penal). 35) Relatório Clínico do Psicólogo Dr. V. (428 a 433), Parecer do Prof. D. (fls. 1701 a 1707), assim como esclarecimentos complementares destas duas individualidades e depoimentos das testemunhas amigas da ofendida (....). 36) e 37) Depoimentos das testemunhas amigas da ofendida (...). 38) Excertos da imprensa local e nacional constante de fls. 435 a 513. 39) Depoimentos das testemunhas amigas da ofendida (...). 40) Depoimentos das testemunhas amigas da ofendida (...), excertos da imprensa local e nacional constante de fls. 435 a 513 e as seguintes passagens da carta enviada pelo arguido à ofendida, junta a fls. 979: «... que partilho minhas noites com os tormentos dos meus pesadelos e consciência... sou ainda sujeito a maior provação à maior dor, à maior tortura que é ver o meu nome e o teu exibido e achincalhado pelos diários, que pejada muitas vezes de mentiras e insinuações, tentam ainda me crucificar na praça pública e acabarem assim com os empregos que ajudei a erguer mas o que mais estranho e que acho desumano e desnecessário é exporem-te também a ti e ao teu nome em público como se tratasse de uma atracção de circo, e que fazem de toda esta tragédia e da nossa vida íntima em comum uma telenovela com capítulos sucessivos chegando ao cúmulo de exibirem mesmo o teu nome completo escarrapachado nos jornais de maneira a que também tu estejas sujeita ao ridículo e ao comentário das ruas, não mostrando assim o mínimo de dignidade e compaixão com a vítima de toda esta história trágica, e só faltando mesmo a tua foto para o circo ser completo; tratamento este que eu apenas sou merecedor e não a vítima, também por tudo isto me condeno e assumo as minhas culpas, nada podendo fazer a não ser te pedir perdão para sempre, tentaste preservar a tua intimidade e agora és exposta desta maneira». 41), 42) e 43) Depoimentos inteiramente concordantes do arguido, da assistente e de todas as testemunhas com ligações às empresas (.....). 44) Declarações da ofendida. 45) Relatório Clínico do Psicólogo Dr. V. e esclarecimentos complementares que prestou em audiência. 46) e 47) Resulta dos próprios autos (fls. 342 – procuração a mui Ilustre Advogado – e fls. 387 - pagamento da taxa de justiça devida pela constituição de assistente). 48) Depoimentos de todas as testemunhas com ligações às empresas (.....), dos documentos juntos a fls. Junto nos autos de arresto em apenso, ao que acresce a circunstância do arguido admitir, em sede de contestação, que vive com desafogo económico. 49) Depoimentos de PN (ex-mulher) e do Psicólogo Dr. E. (a quem a ex-mulher se dirigiu para orientação no modo como contar aos filhos o nascimento de mais um filho do arguido). 50) Depoimento de T. secretária do arguido, que se deslocava às farmácias para adquirir este tipo de medicamentos. 51), 52) e 53) Depoimentos inteiramente concordantes de todas as testemunhas com ligações às empresas (...) e/ou à vida do arguido 54) e 55) Depoimento do arguido, cartas escritas à ofendidas (fls. 130 e 979) e certificado do registo criminal junto a fls. 90. Factos não provados (....) 21. Vejamos agora as questões sob apreciação. 22. Do erro de julgamento em matéria de facto, suscitado no recurso interposto pelo arguido. 23. Como acima se deixou editado, o arguido recorrente centra a sua dissidência, neste plano do julgado, em dois pontos. Por um lado, entende que o Tribunal recorrido não deveria ter julgado provados os factos alinhados sob os n.os 11.º a 17.º e 29.º a 32.º. Por outro lado, entende que o Colectivo incorreu em desconsideração de factos que autorizavam a convicção de que a actuação do arguido se produziu num quadro de imputabilidade sensivelmente diminuída. 24. Importa salientar, antes de mais e com o devido respeito pelo esforço argumentativo do recorrente, que o pedido de reapreciação da matéria de facto não conduz a um novo julgamento, nem pode supri-lo. Na verdade, a prova gravada ou transcrita nunca poderá suprir a abundância de pormenores (a cor e o cheiro) que a imediação proporciona ao juiz quando aprecia a matéria de facto. O modo como a testemunha depõe, as suas reacções, as suas reticências e a sua mímica, são factores decisivos na formação de uma convicção final e não podem ser captados pela frieza de meios mecânicos. Assim o juiz que, em 1ª instância, julga de facto goza de ampla liberdade de movimentos ao erigir os meios de que se serve na fixação dos factos provados, de harmonia com o princípio da livre convicção e apreciação da prova. Por maioria de razão, quando, como no caso, a prova se produz perante (e com intervenção) de um colectivo de juízes. As provas são livremente valoradas pelo juiz sem obediência a regras pré-fixadas – art. 127.º, do CPP. Essa liberdade de apreciação com base no conjunto do material probatório recolhido pela percepção global é insindicável por esta Relação. Como assim, o tribunal de recurso só em casos excepcionais de manifesto erro de apreciação da prova poderá alterar o decidido em 1ª instância – será, por exemplo e caricatura, o caso de o depoimento de uma testemunha ter um sentido diametralmente oposto ao que foi considerado na sentença. Vale dizer que, por força do referido princípio da livre apreciação da prova (não estando em causa, como in casu não está, pelo menos em parte, prova dita tarifada ou legal), o processo de formação da livre convicção do julgador na apreciação da prova é insindicável pelo tribunal de recurso, havendo apenas que indagar se é contrariado pelas regras da experiência comum ou pela lógica do homem médio, suposto pela ordem jurídica. Diga-se, ademais, que, na convicção, desempenham papel de relevo não apenas a actividade puramente cognitiva mas também elementos que, racionalmente, não são explicitáveis (v. g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova) e mesmo elementos puramente emocionais[4]. Ensinava o Prof. Alberto dos Reis que a livre apreciação da prova é indissociável do princípio da oralidade, «entendida como imediação de relações (contacto directo) entre o juiz que há-de julgar e os elementos de que tem de extrair a sua convicção (pessoas, coisas, lugares), e condição indispensável para actuação do princípio da livre convicção do juiz, em oposição ao sistema de prova legal». Citando Chiovenda, concluía que «ao juiz que haja de julgar segundo o princípio da livre convicção é tão indispensável a oralidade, como o ar é necessário para respirar»[5]. 25. No caso, ponderando que, consabidamente, a credenciação e consistência probatória dos depoimentos das testemunhas não vale pelo número, e não se mostrando (como, no caso, se não mostra, em vista da cautelosa e pormenorizada fundamentação oferecida pelo Colectivo) que, de harmonia com tais critérios, o deciso seja arbitrário, infundado ou manifestamente erróneo, aquela decisão de 1.ª instância, que beneficiou da oralidade e da imediação, não pode deixar de prevalecer, nos termos prevenidos no art. 127.º, do CPP, sendo irrelevante, no contexto, a percepção e mesmo a convicção alcançada pelo recorrente e pelos mais intervenientes no processo. Com efeito, no confronto do rol de factos julgados provados e correspondente motivação, oferecida pelo Colectivo, em 1.ª instância, com as razões do arguido recorrente, tem de reconhecer-se que a dissidência vem situada no ponto essencial relativo à convicção do Tribunal recorrido, convicção que, como vem de expor-se, este Tribunal ad quem só pode apreciar na sua vertente externa e aparente. 26. Revertendo ao caso, há-de conceder-se que o Colectivo deu suficiente explicação sobre as razões em que fundou a sua convicção sobre a culpabilidade do arguido. 27. Vejamos ainda, em abono, com mais detalhe e a partir da douta motivação do arguido recorrente. 28. Quanto ao pretextado erro de julgamento, na consideração, como provados, dos factos alinhados sob os n.os 11.º a 17.º e 29.º a 32.º. 29. O Tribunal recorrido julgou provado que: [...] 11) Depois de beberem, o arguido propôs à ofendida um jogo sexual que consistia em ela deixar que a amarrasse de pés e mãos à cama, e a vendasse, ao que ela acedeu. 12) Quando estava já amarrada e com os olhos vendados, com cordas e um venda que o arguido trouxera, este tapou a boca e o nariz de S. com um pano embebido em éter. 13) Ela ainda tentou reagir, abanando a cabeça de um lado para outro, mas o arguido continuou a pressionar a zona do nariz e boca com tal pano, até que ela perdeu, pelo menos, a consciência da memória. 14) Foi então que o arguido, com a ofendida assim indefesa, começou a agredi-la na zona do ventre, com objecto não concretamente apurado, mas actuando de forma contundente. 15) Depois das agressões, o arguido vestiu-se, desamarrou-a e tirou-lhe a venda. 16) Com bofetadas na cara, o arguido conseguiu que a ofendida recuperasse, embora não completamente, a consciência. 17) Depois, o arguido deixou a ofendida na cama, colocando o telemóvel dela ao lado, e foi-se embora, levando consigo a mochila, as cordas, a venda, o éter e a garrafa vazia de champanhe. E estabeleceu ainda, como provado, que: [...] 29) O arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era passível de procedimento criminal. 30) O arguido, ao colocar a ofendida, pelo menos em situação de perda de consciência de memória, bem sabia que, a partir daí, a mantinha manietada e privada da sua liberdade, contra a vontade dela. 31) E consciente de que, ao agredi-la do modo descrito, necessariamente lhe causaria lesões corporais, e fê-lo com a intenção conseguida de causar a morte ao feto, que sabia que a ofendida trazia em gestação. 32) Bem sabendo que tinha sido ele o causador da situação, e perfeitamente consciente que a integridade física da ofendida podia correr perigo, quis abandoná-la, e abandonou-a quando ela não tinha recuperado completamente a consciência, sem lhe prestar auxílio devido a afastar tais perigos, sendo certo que o podia fazer. 30. Defende o arguido recorrente que, da prova testemunhal e presencial que arrola, não resultou senão (i) que as equimoses em referência resultaram de um jogo sexual praticado entre arguido e ofendida, dias antes, consistente em se amarrarem com écharpes e lenços, (ii) que arguido e ofendida discutiram, na sequência do que aquele perdeu a cabeça, encostou a ofendida à parede e agrediu-a com joelhadas no abdómen. 31. Ressalvado o muito e devido respeito pelo esforço argumentativo do recorrente, da reanálise atenta dos meios de prova indicados, tem de concluir-se que o juízo positivo do Colectivo a quo sobre a dita factualidade não merece reparo. Com efeito, a comprovação dos factos alinhados sob 11.º a 17.º, resulta, incontornavelmente, conforme revisão agora levada, a partir da transcrição das declarações prestadas oralmente na audiência, em 1.º instância: (a) da versão dos factos apresentada pela assistente, corroborada (a1) pelo depoimento da testemunha L.[6], revelando que encontrou a ofendida «numa situação como se estivesse a recuperar a consciência, para além de que, logo na altura, a ofendida lhe falou na amarração e no cheiro no nariz, não sabendo, porém, o que se passara»[7], (a2) pelos esclarecimentos das peritas do INML, B. e P., contestes no sentido da natureza contundente das agressões abdominais, no sentido de que as marcas dos tornozelos e pulsos são recentes e compatíveis com cordas e na probabilidade de tais marcas não terem mais de 24 horas[8]; (a3) pelos esclarecimentos do anestesista, C., quanto à acessibilidade do éter, aos vários estádios da perda de consciência e ao nexo causal entre a inspiração dos vapores do éter e a perda de consciência por parte da ofendida[9]; e (a4) pela nítida improbabilidade da versão do arguido relativamente aos pontos de agressão sobre a ofendida e sobre a questão de este (não) ter levado consigo o éter e as cordas; (b) da inconsistência de diversos segmentos da versão dos factos relatada pelo arguido, designadamente (b1) quanto aos precedentes jogos amorosos, e (b2) quanto às circunstâncias da agressão. Acresce dizer que, no tocante à (ausência de) premeditação, a revisão dos referenciados maios de prova não autoriza a conclusão pretextada de que o Colectivo incorreu em erro de julgamento. Com efeito, a especificação motivatória oferecida (cfr. a motivação do juízo positivo sobre a comprovação do facto alinhado em 29.º) não suscita reparo, pois que se afigura razoável e verosímil, na medida em que distingue (e bem, atentos os contornos do caso e a prova produzida) a premeditação no sentido da verificação de um planeamento frio e calculado do crime (que desconsidera) da premeditação no sentido de um impulso repentino (que considera), em coerência aliás com as inconsistências avulsas (que enumera e se conferiram) da versão oferecida pelo arguido relativamente ao seu percurso nas horas imediatamente anteriores à ocorrência delitiva[10]. Ademais, dos depoimentos referenciados pelo arguido recorrente não pode (sem quebra de rigor na apreciação do material probatório e sem invasão do referido espaço interno da livre convicção do Colectivo a quo) extractar-se a pretextada conclusão de que o arguido agiu num quadro de imputabilidade sensivelmente diminuída, pois que numa situação de perda de controlo dos seus impulsos – numa passagem ao acto – com consciência da ilicitude em apreço mas incapaz de avaliar a dimensão da violência comprovadamente exercida. E assim, desde logo, em face do relatório de avaliação clínico psiquiátrica do arguido, de fls. 1848-1853[11], no sentido, designadamente, de que a precedente ingestão de álcool pelo arguido não foi ao ponto de lhe diminuir a capacidade de avaliação da ilicitude dos seus actos. Depois, também, ponderando as bebidas afirmadamente ingeridas, o percurso do arguido entre o almoço e a ocorrência delitiva, duas horas depois, e mesmo as afirmações do arguido (vinha normal) e da assistente (não cheirava a álcool). 32. Ainda que se não possa conceder o alargamento do objecto do recurso que o arguido vem suscitar, sob invocação do disposto no art. 648.º-A, do Código de Processo Civil, ex vi do disposto no art. 4.º, do CPP, pois que, em vista do disposto no art. 412.º/1, do CPP, não pode reconhecer-se o pretextado caso omisso, também no particular aduzido pelo arguido o alegado não pode merecer acolhimento. É que o teor dos autos de exame de fls. 963-966 e 984-986[12], não tem virtualidade suficiente para que se desconsidere, sem mais, seja o depoimento, a respeito, da ofendida[13], seja a fundamentação aduzida pelo Colectivo para o juízo positivo emitido, no particular do facto 12, do rol dos factos provados. Termos em que o alegado não pode lograr procedência. 33. Quanto ao pretextado erro de julgamento, consistente na (invocada) actuação do arguido num quadro de imputabilidade sensivelmente diminuída. 34. Defende o arguido recorrente, neste particular, que o Tribunal a quo ignorou que o arguido padece de uma disfunção psíquica dita perturbação estado-limite da personalidade, em desconsideração dos depoimentos, neste ponto concordes, do Prof. D. e do Dr. J., no tocante seja à perda de controlo dos impulsos, por parte do arguido, determinante da agressão, seja ainda ao reconhecimento de que a quantidade de álcool previamente ingerido pelo arguido era susceptível de reforçar a disfunção psíquica em causa no momento de passagem ao acto. Salientam, a propósito, os respondentes, que a tese da alcoolização do arguido é incompatível com o percurso e acção deste antes da ocorrência e que a conduta comprovadamente empreendida não é compatível com a pretextada perda de controlo. A este respeito, ressaltando os depoimentos do Prof. D. e do Dr. J., o Colectivo entendeu salientar a impossibilidade de, no momento dos factos delitivos, o arguido se encontrar intoxicado pelo álcool (cf. supra, motivação ao n.º 29 do rol dos factos provados), afastando, por tal via, a pretendida diminuição da avaliação da ilicitude dos seus actos. 35. Afigura-se que, também neste segmento, o alegado não pode merecer acolhimento. Reitera-se, a respeito, o que acima se deixou aditado. Acresce que o relatório pericial inserto nos autos[14], relevado pelo Colectivo, conclui, incontornavelmente, que o arguido/examinado (i) apresenta perturbação estado limite da personalidade, (ii) tem capacidade para avaliar a licitude dos seus actos, no momento actual e na altura dos factos, (iii) não teve nenhuma dependência de álcool, bem como de outras substâncias psicotrópicas dado o carácter esporádico destas últimas, e (iv) no momento dos actos, apesar de referir ter ingerido álcool, não foi de certeza suficiente para diminuir a avaliação da ilicitude dos seus actos. Ora, é sabido, um tal juízo, inerente à prova pericial, presume-se subtraído à livre apreciação do julgador – art. 163.º/1, do CPP[15]. A presunção a que alude o n.º 1, refere-se ao juízo técnico-científico emitido pelos peritos e não propriamente aos factos em que se apoia[16]. Assim, a necessidade de o juiz fundamentar a divergência só se dará quando esta incide sobre o juízo pericial[17]. No caso, assumida e inequivocamente (convocando, além do mais, aquele juízo pericial) o Tribunal a quo concluiu que o arguido agiu «livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era passível de procedimento criminal» (n.º 29.º, do rol dos factos provados). Não se verifica, assim, que se haja manifestado divergência relativamente ao referido juízo pericial. 36. Por outro lado, o estabelecimento dos factos revidendos, no acórdão recorrido, foi exaustivamente fundamentado, como se vê do acima transcrito, e foi exaustivamente testado e confrontado, até com o parecer psiquiátrico e psicopatológico, elaborado pelo Prof. D.[18] e pelos esclarecimentos por este prestados em audiência de julgamento[19], ressaltando-se que se não logrou estabelecer a pretextada[20] «circularidade causal»: álcool, comprimidos (indutores do sono), perturbação estado limite da personalidade. E o mais assinalado, é matéria de livre convicção do Colectivo recorrido, que, para além do que vem de expor-se, este Tribunal de recurso (sem a sensibilidade e a nitidez que só podem advir da imediação e da oralidade presentes no irrepetível julgamento levado na instância) não tem como sindicar. 37. Assim sendo, não pode reconhecer-se a invocada violação do disposto, maxime, no art. 20.º, do CP. Como acentuou o Colectivo a quo, não está aqui em causa uma situação que justifique a declaração de inimputabilidade do arguido, nos termos e para os efeitos prevenidos no art. 20.º/2, do CP. E assim, desde logo, porque não resulta dos factos provados, sequer do relatório psiquiátrico sobre-mencionado, nem mesmo dos esclarecimentos prestados em audiência pelo relator daquele relatório médico, que esteja presente um quadro de significativa redução daquela capacidade de avaliação e de actuação que justifique a equiparação do arguido a um inimputável. Tão pouco pode conceder-se, por idêntica ordem de razões, a pretextada actuação do arguido num quadro de dolo eventual. 38. Acresce sublinhar, quanto à violação do princípio in dubio pro reo, que a improcedência do alegado decorre, incontornavelmente, do que vem de expor-se. Com efeito, é sabido que, com base naquele princípio, na questão da prova, tem de ser sempre valorado o non liquet a favor do arguido[21]. Só que isso é assim apenas quando o non liquet existe. Ora, no caso, nem o Tribunal recorrido chegou a qualquer estado de dúvida que justificasse o funcionamento da regra, nem à dúvida anunciada pelo arguido recorrente se pode, para tal efeito e como vem de dizer-se, atribuir qualquer valimento. Improcede pois a motivação do arguido recorrente, no particular do invocado erro de julgamento em matéria de facto. 39. Quanto às questões relativas (i) à inverificação de factos consubstanciadores do crime de aborto, (ii) à consumpção, pelo crime de aborto, do crime de ofensa à integridade física e (iii) à adequação da medida da pena, num quadro de dolo eventual, suscitadas no recurso interposto pelo arguido. Atento que o arguido suscitava as questões sub indice com base em materialidade fáctica que, pelas razões acima reveladas, não pode ter-se como sedimentada, a apreciação do alegado, a tal respeito, tem de considerar-se prejudicada. 40. Do concurso real entre os crimes de aborto e de sequestro. Defende o Ministério Público, recorrente, que os factos arrolados, como provados, sob os n.os 11.º a 16.º e 29 e 30, consubstanciam a prática, pelo arguido, de um crime de sequestro, p. e p. nos termos do disposto no art. 158.º/1, do CP, que concorre, em concurso real, com o crime de aborto por que o arguido vem condenado. A assistente sublinha, em abono, que, para a realização do crime de aborto, o arguido não carecia de privar a vítima da liberdade em termos tão excessivos e desnecessários como privou, por isso que, em função de tal excesso e desnecessidade, a censura inerente ao aborto não consome a censura exigida para o sequestro. Em dissidência, salienta o arguido respondente que (considerados os factos julgados provados em 1.º instância[22]), o tempo e a forma da privação da liberdade de movimentos da ofendida constituíram meio para a prática do crime de aborto, o que, conforme julgado, configura um concurso aparente entre aqueles crimes. 41. Importa, antes de mais, repristinar a materialidade pertinente, tal como sedimentada pelo julgamento, em 1.º instância. O Colectivo a quo julgou provados os seguintes factos:[...] 11) Depois de beberem, o arguido propôs à ofendida um jogo sexual que consistia em ela deixar que a amarrasse de pés e mãos à cama, e a vendasse, ao que ela acedeu. 12) Quando estava já amarrada e com os olhos vendados, com cordas e um venda que o arguido trouxera, este tapou a boca e o nariz de Sílvia Patrícia com um pano embebido em éter. 13) Ela ainda tentou reagir, abanando a cabeça de um lado para outro, mas o arguido continuou a pressionar a zona do nariz e boca com tal pano, até que ela perdeu, pelo menos, a consciência da memória. 14) Foi então que o arguido, com a ofendida assim indefesa, começou a agredi-la na zona do ventre, com objecto não concretamente apurado, mas actuando de forma contundente. 15) Depois das agressões, o arguido vestiu-se, desamarrou-a e tirou-lhe a venda. 16) Com bofetadas na cara, o arguido conseguiu que a ofendida recuperasse, embora não completamente, a consciência. [...] 29) O arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era passível de procedimento criminal. 30) O arguido, ao colocar a ofendida, pelo menos em situação de perda de consciência de memória, bem sabia que, a partir daí, a mantinha manietada e privada da sua liberdade, contra a vontade dela. 42. O Tribunal recorrido, na fundamentação, considerou, a este respeito, que: Está indubitavelmente preenchido o tipo legal do crime de sequestro. Todavia, sempre que a duração da privação de liberdade de locomoção não ultrapasse a medida naturalmente associada à prática do crime-fim, e como tal já considerada pelo próprio legislador na descrição típica e na estatuição da pena, deve concluir-se pela existência de concurso aparente (relação de subsidariedade) entre o sequestro (crime-meio) e o crime-fim, respondendo o agente só por este crime - Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo I, pg. 415. A intenção do arguido era fazer abortar (crime-fim), sendo que a privação da liberdade de locomoção por força da perda de consciência causada pela utilização de éter, limitou-se ao tempo necessário para a prática do aborto, do que se conclui que existe concurso aparente entre os crimes de aborto e sequestro, respondendo o arguido apenas pelo crime do art. 140.º n.º 1, do Código Penal. 43. Nos termos prevenidos no art. 30.º/1, do CP, o número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente. Como sublinha o Prof. Faria Costa[23], «o direito penal visa proteger bens jurídicos criminais, juridicamente precipitados no tipo legal. É no tipo que se focaliza o núcleo do juízo de ilicitude que tem como suporte material (...) o ‘bem jurídico’. Daí que não possa deixar de ser visto como uma referência essencial para a determinação do número de crimes praticados». Salientava o Prof. Eduardo Correia[24], que «no tipo legal de crime (Tatbestand) escreve o legislador aquelas expressões da vida humana que em seu critério encarnam a negação dos valores jurídico-criminais que violam, portanto, os bens ou interesses jurídico-criminais». Vale dizer que neles vaza a lei em moldes os seus juízos valorativos, neles formula de maneira típica a antijuridicidade, a ilicitude criminal. Depois, uma vez formulados esses tipos legais de crime, impõe-nos ao aplicador como quadros a que este deve sempre subsumir os acontecimentos da vida para lhes poder atribuir aquela dignidade jurídico-criminal – nisto consiste, precisamente, a chamada «tipicidade», intimamente conexionada ao princípio do nullum crimen sine lege. O tipo legal é pois o portador, o interposto da valoração jurídico-criminal, ante o qual se acham colocados o tribunal e o intérprete. Isto posto, ficam apreendidos os critérios que orientam a determinação da unidade ou pluralidade de valores jurídico-criminais violados uma determinada actividade delitiva e, por tal via, fica nítida a unidade ou pluralidade de crimes a que a mesma dá lugar. «Na verdade, se todos os juízos de valor jurídico-criminais hão-de ser fornecidos através de tipos legais de crimes, é por outro lado certo que cada tipo legal há-de ser informado por um específico valor jurídico-criminal, no sentido amplo que lhe demos»[25]. Por outro lado, reconhecidamente, verifica-se o dito concurso aparente de infracções quando a conduta do agente preenche formalmente vários tipos de crime cujas normas penais se encontram entre si numa relação de hierarquia ou de subordinação que se pode revelar como de especialidade, consumpção, subsidariedade, alternatividade e absorção. Há concurso real, verdadeiro ou puro, quando os tipos penais preenchidos pela conduta do agente, não estando numa relação de hierarquia, surgem como concorrentes na aplicação concreta da punição e verificando-se independência entre si dos bens, valores e interesses jurídicos protegidos e autonomia perante cada ilícito praticado[26]. É assim a esta luz que há-de resolver-se a questão posta pelo Ministério Público, recorrente, quanto aos crimes de aborto e de sequestro. 44. Nos termos prevenidos no art. 159.º/1, do CP, comete o crime de sequestro quem detiver, prender, mantiver presa ou detida outra pessoa ou de qualquer forma a privar da liberdade. «Bem jurídico protegido pelo art. 158.º é a liberdade de locomoção, isto é, a liberdade física ou corpórea de mudar de lugar, de se deslocar de um sítio para o outro. O tipo de crime de sequestro não visa a tutela da liberdade de permanecer em determinado lugar ou da liberdade de aceder ou dirigir-se a determinado lugar; o constranger alguém a que abandone determinado lugar ou o impedir alguém de se dirigir para determinado lugar não é subsumível ao tipo de sequestro, mas sim ao tipo de coacção»[27]. Está assim em causa a chamada «liberdade ambulatória», a capacidade de cada um se fixar ou movimentar livremente no espaço físico, contra a ilícita restrição, por qualquer forma ou medida temporal, desse direito. O sequestro é a «arbitrária privação ou compressão da liberdade de movimentação no espaço», e «o que a lei penal protege, na espécie, particularmente é a liberdade pessoal de movimento da pessoa no âmbito espacial que a lei lhe assegura (...) o direito de ir ou vir, ou escolher o lugar onde se quer ficar»[28]. É um crime de execução continuada, permanente, que se inicia com a privação da liberdade ambulatória e só cessa no momento em que à pessoa ofendida é restituída essa liberdade[29]. Trata-se de crime de execução não vinculada, no sentido de que o agente não precisa de praticar actos de uma espécie determinada, bastando que leve a cabo uma actividade que possa considerar-se meio adequado para privar outrem do seu jus ambulandi[30]. Não depende do preenchimento de um específico lapso de tempo, embora a doutrina[31], atenta a particular gravidade da ofensa à liberdade das pessoas, tenda a remeter os casos de diminuta duração e importância para o âmbito da coacção, bastando a existência de um efectivo impedimento a que a vítima possa abandonar o local – a impossibilidade de a vítima abandonar o local não tem de se apresentar, em abstracto, como inultrapassável, basta existir um efectivo impedimento a que o faça. Para o preenchimento do tipo, irreleva o período de tempo durante o qual se prolongou a privação da liberdade, desde logo por que o nosso legislador não verteu no tipo de crime qualquer critério quantitativo[32]. Tal lapso de tempo releva apenas como elemento do tipo qualificado, por mais de 2 dias (art. 158.º/2), devendo também ser considerado, em qualquer caso, como critério para aquilatar do grau de ilicitude da conduta empreendida. 45. Nos termos do disposto no art. 140.º/1, do CP, pratica o crime de aborto quem (designadamente e para o que aqui importa), por qualquer meio e sem consentimento da mulher grávida, a fizer abortar. Bem jurídico protegido é, in casu, a vida humana intra-uterina. Como salienta J. M. Damião da Cunha, «Trata-se de um bem jurídico autónomo e também eminentemente pessoal. A autonomia do bem jurídico resulta da consideração de que, no crime de aborto, não está protegida a vida humana que é protegida nos crimes de homicídio». E adianta que, sendo aquele o bem jurídico fundamental dos crimes de aborto, «por forma diversa, intervêm ainda outros bens jurídicos na concreta conformação típica do crime de aborto, em especial os valores da liberdade e da integridade física da mulher grávida»[33]/[34]. Isto posto, não pode deixar de concluir-se, como concluiu o acórdão revidendo, que com a sua (comprovada) conduta, o arguido preencheu, numa primeira abordagem, os dois mencionados ilícitos típicos – aborto e sequestro. Porém (como o referido aresto não deixa de referir e levando em conta as considerações supra), para se concluir pela existência do dito concurso real, torna-se necessário, para além da verificação de uma tal pluralidade de tipos violados, que seja possível formular uma pluralidade de juízos de censura. Vale por dizer que da matéria de facto apurada há-de resultar, desde logo, uma pluralidade de resoluções delitivas. Ademais, no contexto do referido crime de sequestro, é sabido, sempre que a duração da privação da liberdade não ultrapasse aquela medida naturalmente associada à prática do crime-fim e como tal já considerada, pelo próprio legislador, na descrição típica e na estatuição da pena, deve concluir-se pela subsistência de concurso aparente entre o sequestro, crime-meio, e o crime-fim - no caso, o crime da aborto. 46. Ora (ressalvado o devido respeito pelo que doutamente vem alegado), no caso em apreço, atento o circunstancialismo acima relatado, tem de conceder-se, como reconhece o douto acórdão recorrido, que a privação da liberdade da ofendida não consubstancia uma resolução diversa daquela relativa ao aborto que o arguido intentou praticar, nem se vê que se verifique a necessária duplicação do processo volitivo. Sem embargo, do circunstancialismo de facto acima relatado, não pode concluir-se, sem lesão do favor rei, que a conduta do agente, ao praticar o sequestro, excedeu, pela variedade e intensidade de meios, quanto era exigido pela prática do aborto. E assim, desde logo, na medida em que a privação da liberdade da ofendida - as ditas «amarração» e «anestesia» -, não foi excedeu o que era instrumental do crime de aborto. Termos em que deve concluir-se que, conforme julgado, o sequestro, no caso, está numa relação de concurso aparente com o aborto, que consome a protecção visada com o primeiro ilícito. Afigura-se pois que, também neste segmento, a douta decisão revidenda não merece reparo. 47. Importa ainda tomar em conta a questão da medida da pena, que o arguido suscita (para além do que fica prejudicado pelo que vem de expor-se) nos seguintes termos: as circunstâncias provadas – muito particularmente a falta de premeditação, a perda do controlo dos impulsos aquando da agressão, a confissão e o arrependimento – justificam uma pena significativamente inferior à que foi aplicada, devendo, no caso do crime de aborto, a pena concreta ser estabelecida, com adequada aplicação dos critérios constantes do art. 71.º, do CP, em medida inferior a metade da moldura abstracta. Opõe-lhe o Ministério Público que o julgado respeita o disposto no art. 71.º/1 e 2, do CP. Por sua vez, a assistente defende que não ocorrem razões para alteração in melius, da pena estabelecida na instância, «o que avulta pela recusa de prestação de caução económica e não concretização do pagamento da indemnização a que o arguido foi condenado». Está assim em causa, apenas, a pena concreta estabelecida relativamente à prática do crime de aborto. 48. Vejamos – levando em conta, pelas razões acima expostas, os factos e respectiva incriminação, tal como operados em 1.ª instância. O arguido vem condenado, como autor material de um crime de aborto, previsto e punível, nos termos do disposto no art. 140.º/1, do CP, com pena de 2 a 8 anos de prisão, na pena de 6 anos de prisão. No estabelecimento desta concreta medida, o Tribunal recorrido ponderou nos seguintes (transcritos) termos: São os seguintes os elementos para a medida concreta da pena: - é elevada a ilicitude do facto, pois a conduta do arguido reflecte acentuado desvalor em relação à ordem jurídica e valores dominantes na comunidade em que se insere: - o modo de execução (colocar a ofendida em situação indefesa e completamente à mercê para agir criminosamente); - a gravidade das consequências (a morte do feto já com 23 semanas de gestação, a dor, a perda, a angústia, a depressão); - a violação dos deveres do agente, bastante reforçada por ser o arguido o pai do nascituro e, como tal, exigia-se-lhe protecção e não agressão; - o dolo é intenso, tendo em conta a vontade clara e livre em delinquir de modo desumano e grave; - os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram (pôr fim à vida intra-uterina de um feto concebido pelo agente em prol de sentimentos egoístas); - a prevenção geral, para afastar eventuais futuros delinquentes deste tipo de ilícito que revelam o pior da natureza humana; - a prevenção especial, para que o arguido reflicta e não torne a delinquir; - o arguido é respeitado como um profissional competente, sério e trabalhador, e é tido como pessoa generosa, amiga, leal e dedicado aos seus filhos e amigos; - o arrependimento; - o arguido é empresário desde 1994, tem o 10.º ano de escolaridade e dois filhos menores; - não tem antecedentes criminais; - a pena de multa mostra-se insuficiente para punir o crime de ofensa à integridade física dadas as agravantes supra mencionadas. 49. Nos termos do disposto no art. 40.º/1, do CP, a aplicação de penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. No dizer da Prof. Fernanda Palma, «A protecção de bens jurídicos implica a utilização da pena para dissuadir a prática de crimes pelos cidadãos (prevenção geral negativa), incentivar a convicção de que as normas penais são válidas e eficazes e aprofundar a consciência dos valores jurídicos por parte dos cidadãos (prevenção geral positiva). A protecção de bens jurídicos significa ainda prevenção especial como dissuasão do próprio delinquente potencial. Por outro lado, a reintegração do agente significa a prevenção especial na escolha da pena ou na execução da pena. E, finalmente, a retribuição não é exigida necessariamente pela protecção de bens jurídicos. A pena como censura da vontade ou da decisão contrária ao direito pode ser desnecessária, segundo critérios preventivos especiais, ou ineficaz para a realização da prevenção geral»[35]. Depois, é em vista do disposto no art. 71.º, do CP, que há-de fazer-se a pertinente ponderação. A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, devendo levar-se em conta que, nos termos prevenidos no art. 40.º/2, do mesmo Código, a pena não pode, em caso algum, ultrapassar a medida da culpa. Como refere o Prof. Figueiredo Dias, «culpa e prevenção são assim os dois termos do binómio com auxílio do qual há-de ser construído o modelo da medida da pena (em sentido estrito ou de determinação concreta da pena)»[36]. A escolha da pena terá assim de ser perspectivada em função da adequação, proporção e potencialidade para atingir os objectivos estipulados no referido art. 40.º/1, do CP. É que, embora a pena privativa da liberdade possa corresponder a uma expectativa geral da sociedade, como meio de retribuir o mal causado à comunidade, o sistema legal não pode esquecer que a este anseio colectivo tem sempre de sobrepor a necessidade de ressocializar o infractor. 50. No caso, afigura-se que o Tribunal recorrido, elegendo correctamente os factores de ponderação, veio a estabelecer a medida da pena relativamente ao crime de aborto praticado pelo arguido com critério que (ressalvado o muito e devido respeito e sem desdouro para a sensibilidade revelada) se afigura padecer de excesso de severidade. É que, conceda-se (até pelo distanciamento viabilizado pela não sujeição à impressividade causada pela ocorrência no meio social de inserção de todos os intervenientes processuais), levando em conta as referidas finalidades das penas, o grau de culpa do agente e, bem assim, os critérios de determinação da censura, a pena aplicada ao arguido, de 6 anos de prisão, situa-se em ponto demasiado afastado do termo médio da moldura abstracta, afigurando-se não ter levado em devido sopeso que (tudo indica) estamos perante um delinquente ocasional, que terá sucumbido à pressão de circunstâncias exógenas (mesmo endógenas?) a que não soube resistir – é a esta luz que se devem avaliar os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram. Para além disso, a primariedade delitiva e a atitude repesa do arguido (manifestada até no pleno ressarcimento indemnizatório da ofendida – e ainda que este facto só tenha vindo ao processo nesta instância) induzem a concluir que a referida finalidade reintegrativa do arguido na sociedade não deve ser comprometida por uma pena desproporcionada à culpa, às exigências da falada prevenção geral de reintegração e mesmo à prevenção especial, quando se afigura não haver razões que imponham a necessidade de uma pena marcada por uma especial severidade, pois que se não divisam fundados receios de que o arguido venha a cometer novos crimes da mesma natureza, na base de um prognóstico de comportamento futuro desfavorável. Tudo ponderado, afigura-se que a pena concreta estabelecida na instância para punição do crime de aborto deve ser comutada in melius, devendo situar-se em 5 (cinco) anos de prisão. Por sua vez, a pena única resultante do cúmulo jurídico desta pena com a pena de 1 (um) ano de prisão por que o arguido vem condenado pela prática do crime de ofensa à integridade física, feita a ponderação global dos factos e da indiciada personalidade do arguido, deve situar-se em 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão. Termos em que, neste particular, o recurso do arguido merece provimento. 51. Resulta de quanto vem de expor-se que (i) o recurso interposto pelo Ministério Público deve improceder e (ii) que o recurso interposto pelo arguido merece parcial provimento. 52. O Ministério Público está isento de custas – art. 522.º/1, do CPP. A responsabilidade do arguido pelo pagamento de taxa de justiça decorre do disposto nos arts. 513.º/1 e 514.º/1, do CPP, sendo o montante fixado de harmonia com o disposto nos arts. 82.º e 87.º/1 b), estes do Código das Custas Judiciais. A responsabilidade da assistente pelo pagamento de taxa de justiça decorre do disposto no art. 515.º/1 b), do CPP, a fixar, de igual modo, cf. o disposto nos arts. 82.º e 87.º/1 b), do CCJ. Os encargos são responsabilidade conjunta do arguido e da assistente – art. 514.º/3, do CPP. III 53. Nestes termos e com tais fundamentos, decide-se: (a) negar provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público; (b) conceder parcial provimento, nos termos acima expostos, ao recurso interposto pelo arguido, passando este a condenado, pela prática de factos consubstanciadores de um crime de aborto, p. e p. nos termos do disposto no art. 140.º/1, do CP, na pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão, e, pela prática de factos consubstanciadores de um crime de ofensa à integridade física, p. e p. nos termos do disposto nos arts. 143.º/1, 146.º/1 e 2 e 132.º/b), do CP, na pena de 1 (um) ano de prisão, e (c) em cúmulo jurídico de tais penas parcelares, condenar o arguido na pena única de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão; (d) condenar o arguido na taxa de justiça que se fixa em 8 (oito) UCs, condenar a assistente na taxa de justiça que se fixa em 4 (quatro) UCs e, ambos, conjuntamente, nos encargos. Lisboa, 16 de Fevereiro de 2005 António Clemente Lima, relator / Maria Isabel Duarte / António Oliveira Simões, adjuntos / João Cotim Mendes, Presidente da Secção ____________________________________________ [1] É a partir das conclusões que o recorrente extrai da sua motivação que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem, sem prejuízo para a apreciação de questões de oficioso conhecimento e de que ainda se possa conhecer. Sublinha o Prof. GERMANO MARQUES DA SILVA, que «são só as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões da respectiva motivação que o tribunal ad quem tem de apreciar» - «Curso de Processo Penal», vol. III, Verbo, 2ª edição - 2000, pág. 335. [2] Vd., por todos, GERMANO MARQUES DA SILVA, «Curso de Processo Penal», Vol. III, Verbo/2000, p. 350 e segs. e, com interesse até ao presente, ALBERTO DOS REIS, «Código de Processo Civil, Anotado», Vol. V, p. 358 e segs. [3] Vd., por mais recente, contendo recopilação de decisões anteriores, o Acórdão, do Tribunal Constitucional, n.º 529/03 (www.tribunalconstitucional.pt), e os Acórdãos, do Supremo Tribunal de Justiça, de 20-3-2002 (Proc. 363/02 – 3.ª S / Cons. Lourenço Martins) e de 2-5-2002 (Proc. 588/02 – 3.ª S / Cons. Armando Leandro), estes em www.dgsi.pt. [4] Cfr. FIGUEIREDO DIAS, «Direito Processual Penal», I, Coimbra Editora, 1974, pp. 204/205, e em «Direito Processual Penal», Lições 1988-9, pp. 135 e segs. [5] «Código de Processo Civil, Anotado», Vol. IV, pág. 566. [6] Expressamente credibilizado, não apenas por ter sido a primeira a chegar ao apartamento da ofendida mas ainda por nutrir consideração pelo arguido. [7] Referindo, expressa e claramente, que a ofendida «parecia que estava a acabar de acordar» (fls. 322 da transcrição do respectivo depoimento), ofendida que, na altura (chegou ao local dez minutos depois da chamada telefónica da ofendida), lhe disse «o P. matou a minha filha» (fls. 322) e que lhe deu champanhe a beber e «pôs-me uma coisa no nariz, pôs-me a cheirar uma coisa» e que a amarrou à cama (fls. 334), com uma venda nos olhos e uma coisa (éter) no nariz (fls. 347). [8] A depoente P. salienta, designadamente, que lhe não parece que as marcas nos pulsos da ofendida pudessem resultar de o arguido a ter agarrado – como este defende - «deixaria equimoses ovóides» (fls. 571/572), que são «marcas mais compatíveis com a amarração» (fls. 573), e a própria B. ressalta que não pode excluir a utilização das cordas (fls. 501, 505, 599), que as marcas no pulso direito da ofendida «podem ter 24 horas» (fls. 480), ressaltando, ademais, quanto às agressões na barriga da ofendida, que esta terá sido «agredida de lado» (fls. 403), «de baixo para cima ou de cima para baixo mas de lado» (fls. 423), salientando que, não podendo excluir as joelhadas, isto «não está muito de acordo com outras marcas brancas na zona equimótica» - o que se figura incompatível com a versão do arguido. [9] Cf. transcrição, a fls. 441 e segs., esclarecendo que a situação de «acordar» descrita pela ofendida e pela testemunha Maria Lubélia «é o normal que acontece a uma pessoa que foi submetida a anestesia, é compatível com inalação do éter» (fls. 445), e que o álcool (referenciado pelo arguido) constitui «estimulante respiratório para acordar» (fls. 451). [10] A congeminação prévia da prática do crime não pode ser confundida com a premeditação – vejam-se a respeito, por mais recentes e impressivos para o caso, os Acórdãos, da Relação de Lisboa, de 27-11-2002 (Proc. 0067483 / Des. Rodrigues Simão) e, da Relação do Porto, de 12-5-2004 (Proc. 0346422 / Des. António Gama), ambos em www.dgsi.pt.. [11] E sequentes esclarecimentos, em audiência de julgamento, do perito, João Paulo Abreu – cfr. transcrição, a fls. 742 e segs., salientando, «não sei como é possível, bebendo como diz, ter relações sexuais duas vezes numa tarde», «ninguém conseguia beber tanto e [depois] conduzir, estar com os filhos, ter duas vezes relações sexuais e depois ainda conduzir para ir ter com o amigo...» (fls. 764), «não foi a ingestão de álcool que fez com que a situação se desencadeasse», «a ingestão alcoólica não é suficiente para diminuir e desencadear a reacção de agressividade». [12] Não pode esquecer-se mesmo que, como consta do auto de exame, a fls. 965, «as cordas constituintes dos itens 2 e 5 apresentavam-se manchadas de uma cor amarelada ao longo de quase todo o comprimento. A origem dessa coloração não foi identificada». [13] Transcrito a fls. 122-127. [14] Fls. 1848-1853. [15] Salienta o Prof. FIGUEIREDO DIAS que «... perante um juízo cientificamente provado, de acordo com as exigências legais, o tribunal guarda a sua inteira liberdade no que toca à apreciação da base de facto pressuposta, quanto, porém, ao juízo científico, a apreciação há-de ser científica também e estará, por conseguinte, subtraída em princípio, à competência do tribunal» - in «Direito Processual Penal, I (1974), p. 209. Na lição do Prof. GERMANO MARQUES DA SILVA, in «Curso de Processo Penal», II (1999), p. 177/178, a perícia é a actividade de percepção ou apreciação dos factos probandos efectuada por pessoas dotadas de especiais conhecimentos técnicos, científicos ou artísticos (...). Pode exigir-se ao perito, não a descoberta de factos probatórios, mas a sua apreciação. Vejam-se, por mais impressivos para o caso, os Acórdãos, do Supremo Tribunal de Justiça, de 16-11-1994 e de 20-10-99 (na Colectânea de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, ano II, tomo III, p. 250 e segs. e ano VII, tomo III, p. 196 e segs., respectivamente), e da Relação do Porto, de 22-3-2000 (Proc. 29/00 – 1.ª S, em www.trp.pt). [16] Cfr. Acórdão, do Supremo Tribunal de Justiça, de 9-5-95, na Colectânea de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, ano III, tomo II, p. 189 e segs. [17] Cfr. Acórdão, do Supremo Tribunal de Justiça, de 5-11-97, na Colectânea de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, ano V, tomo III, p. 227 e segs.(228). [18] Inserto a fls. 1730-1749. [19] Transcritos a fls. 605 e segs. [20] Transcrição, fls. 675. [21] Cfr., por todos, J. FIGUEIREDO DIAS, «Direito Processual Penal», I, p. 211 a 219 e na Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 105.º, p. 125 e segs., em anot. discordante ao acórdão, do Supremo Tribunal de Justiça, de 14-7-71 (Boletim do Ministério da Justiça, n.º 209, p. 65 e segs.), GERMANO MARQUES DA SILVA, «Curso de Processo Penal», II, 2.ª edição, Verbo, 1999, pp. 106-108. Vd. os arestos publicados na Colectânea de Jurisprudência, IV-1-201, VIII-3-187 e no Boletim do Ministério da Justiça, n.º 289, p. 293 e segs., n.º 313, p. 173 e segs., n.º 321, p. 454 e segs., n.º 322, p. 281 e segs. e anot., e n.º 324, p. 630 e segs. Com recensão da matéria de maior relevância atinente ao princípio in dubio pro reo, salienta-se o Acórdão, do Supremo Tribunal de Justiça, de 14-11-2002 (Proc. 02P3316 / Cons. Simas Santos, em www.dgsi.pt). [22] Atento o que acima se considerou, não podem levar-se em conta os factos que o arguido pretexta provados. [23] Nas «Jornadas de Direito Criminal», p. 181. [24] Em «Unidade e Pluralidade de Infracções», p. 107. [25] Cf. Acórdão, do Supremo Tribunal de Justiça, de 8-3-1995, no Boletim do Ministério da Justiça, n.º 445, p. 101 e segs. (107). [26] Cf., por mais impressivo, o Acórdão, do Supremo Tribunal de Justiça, de 4-6-1998, no Boletim do Ministério da Justiça, n.º 478, p. 183 e segs. [27] AMÉRICO TAIPA DE CARVALHO, no «Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo I, Coimbra editora, 1999, p. 401 e segs. (404). [28] NELSON HUNGRIA, no «Comentário ao Código Penal Brasileiro», Vol. VI, p. 19 e segs., citado no Acórdão, do Supremo Tribunal de Justiça, de 8-3-1995, acima referenciado. [29] Cf. Acórdão, do Supremo Tribunal de Justiça, de 3-5-2000, no Boletim do Ministério da Justiça, n.º 497.º, p. 118 e segs. [30] Cf. Acórdão, do Supremo Tribunal de Justiça, de 21-6-1995, na Colectânea de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, ano III, tomo III, p. 183 e segs. [31] FIGUEIREDO DIAS, no parecer junto ao processo a que se refere o Acórdão, do Supremo Tribunal de Justiça, de 3-10-1990, na Colectânea de Jurisprudência, ano XV, tomo IV, p. 21 e segs. Vd. também COSTA ANDRADE, «Consentimento e acordo em Direito Penal», p. 653 [32] Neste sentido, vejam-se, v.g., os Acórdãos, do Supremo Tribunal de Justiça, de 27-11994 (Boletim do Ministério da Justiça, n.º 433, p. 306 e segs.) e de 30-10-90 (Colectânea de Jurisprudência, ano XV, tomo IV, p. 21 e segs.) e o Acórdão, da Relação do Porto, de 14-4-2004 (Proc. 0345574, www.dgsi.pt). [33] «Comentário Conimbricense... », citado, p. 146 e segs. (148-150). [34] Vejam-se, a respeito do crime de aborto, com particular interesse, FRANCISCO J. VELOSO, «A propósito do crime de aborto», na SCIENTIA JURIDICA, XXXII (1983), A. M. ALMEIDA COSTA, «Aborto e Direito Penal», Separata da Revista da Ordem dos Advogados, ano 44.º (Dez./84), BOAVENTURA DE SOUSA SANTOS, no Boletim da FDUC, XLIII, p. 163 e segs., A. CARVALHO MARTINS, «O Aborto e o Direito Penal», JOSÉ PINTO BARROS, «Planeamento familiar. Aborto e o Direito«, Coimbra Editora, 1982, MÁRIO PINTO TENREIRO, «Crime de aborto e direito comunitário», na Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano II, tomo 3, p. 353 e segs. [35] «As Alterações Reformadoras da Parte Geral do Código Penal na Revisão de 1995: Desmantelamento, Reforço e Paralisia da Sociedade Punitiva», in »Jornadas sobre a Revisão do Código Penal» (1998), AAFDL, pp. 25-51, e in «Casos e Materiais de Direito Penal» (2000), Almedina, pp. 31-51 (32/33). [36] «Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime», Editorial Notícias, 1993, pág.214. |