Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | RUI VOUGA | ||
Descritores: | CONTRATO DE ARRENDAMENTO RESOLUÇÃO DO CONTRATO EMPRÉSTIMO COMODATO | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 06/17/2008 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA A DECISÃO | ||
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Sumário: | I - As cedências provisórias, gratuitas e parciais do arrendado a terceiros, designadamente para fins de vigilância ou segurança ou por motivos de solidariedade humana ou cortesia, mas sem demissão por parte do arrendatário do seu direito de uso e fruição, estão fora da previsão dos arts. 1038º, al. f), do Cód. Civil e 64º, nº 1, al. f), do R.A.U. II - Para que se verifique a situação de comodato do local arrendado, é preciso que o suposto sublocatário ou cessionário passe a gozar da coisa sem limites ou condicionamentos de qualquer natureza, salvo os resultantes do próprio contrato locativo. III - A circunstância de a locatária ter albergado em sua casa, durante perto de seis meses, duas pessoas enquanto frequentaram estágios profissionais na área da Grande Lisboa, e o facto de não se ter ausentado do arrendado enquanto eles ali permaneceram inculca que ela nunca se demitiu ou renunciou ao uso e fruição da casa arrendada, tendo-se confinado a recebê-los como visitas, em sua casa, durante um período perfeitamente delimitado no tempo e por motivos de solidariedade humana ou de cortesia. FG | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção Cível da Relação de Lisboa: A intentou acção declarativa constitutiva de condenação, com processo sumário, contra M pedindo que fosse decretada a resolução do contrato de arrendamento entre ambos celebrado e, em consequência, a Ré fosse condenada no despejo do locado, livre e desocupado de pessoas e bens. Para tanto, alegou, em síntese, que a Ré – a quem se transmitiu, por morte de seu marido, a posição contratual de arrendatário habitacional da fracção autónoma melhor identificada no art. 1º da p.i., da qual o Autor é dono e possuidor - não dorme no locado, não toma ali as suas refeições, não recebe ali os seus amigos nem a correspondência, tendo deixado de ali ter o centro da sua vida doméstica, familiar e social, situação que perdura há mais de um ano e, até, há cerca de três anos, sendo há cerca de três anos que a Ré vive em casa da sua filha, a isto acrescendo que, desde então, a Ré cedeu o gozo do locado, sem autorização do Autor, a quatro jovens, alegadamente estudantes, que ali habitam. A Ré, contestou, por excepção e impugnação, invocando a excepção dilatória da ilegitimidade activa (porquanto, sendo o Autor casado, deveria estar nesta acção acompanhado pela sua mulher) e alegando haver sofrido um grande abalo após a morte do seu marido, tendo passado, desde então, a padecer de doença do foro psiquiátrico, sendo frequentes as crises de agudização, as quais requerem a companhia e o acompanhamento que apenas a sua filha lhe pode prestar, em casa desta última, já que é casada e tem filhos que não pode abandonar, regressando a Ré à casa arrendada logo que melhora. Por outro lado, reconheceu que, num curto período de alguns meses, desde fins de 2002 até Junho de 2003, albergou gratuitamente em sua casa, três jovens, um que é seu neto, a sua namorada e um outro a quem tem fortes ligações afectivas e trata por sobrinho, os quais, residindo em Évora, estiveram a fazer um estágio profissional, motivo pelo qual necessitavam de uma casa que lhes permitisse estarem mais próximos do local de estágio. De todo o modo, sempre esteve a residir no arrendado durante o tempo que os jovens lá permaneceram, tendo sido a Ré quem inteirou o Autor destes factos através da carta que se encontra junta aos autos. O Autor respondeu às excepções invocadas pela Ré, pugnando pela respectiva improcedência. Findos os articulados, o processo foi saneado, fixaram-se os factos assentes por acordo das partes e por documentos dotados de força probatória plena e organizou-se a base instrutória, após o que se seguiu a instrução dos autos. Discutida a causa em audiência de julgamento (com gravação da prova testemunhal produzida) e decidida a matéria de facto controvertida, veio a ser proferida (em 16 de Fevereiro de 2007) sentença final que, julgando a acção improcedente, por não provada, absolveu a Ré do pedido contra ela formulado pelo Autor. Inconformado com o assim decidido, o Autor apelou da referida sentença, tendo rematado as concernentes alegações com as seguintes conclusões: “1. Está provado no autos que: a. A R. albergou em sua casa três jovens, um dos quais seu neto, outro a namorada deste e um outro a quem tem fortes ligações afectivas, residindo estes dois últimos em Évora. b. A permanência dos referidos jovens em sua casa durou desde o final de 2002 até Junho de 2003. c. E enquanto aqueles estiveram a fazer um estágio, os dois primeiros no Instituto Oceanográfico e a última no Instituto Hidrográfico.; 2. O Tribunal “A quo” entendeu como “… certo que a ré facultou aos três jovens a ocupação da casa.”; 3. As referências e exemplos doutrinários em que a douta sentença se escora, versam sobre factos de todo divergentes aos dos autos, pelo que aqui não podem ser seguidas; 4. A ocupação conferida pela Recorrida aos três jovem prolongou-se por longo período de mais de seis meses e foi destinada a fins de habitação numa situação de mais valia pessoal e material relevante, pelo menos, para os referidos jovens, em manifesto prejuízo do senhorio ora Apelante; 5. Três jovens, incluindo o neto, que não fazem parte do agregado familiar da inquilina ora Recorrida; 6. E que, à excepção do neto, não são legalmente familiares da inquilina ora Recorrida; 7. O art. 802º C. Civil trata apenas da Impossibilidade do cumprimento parcial não culposo, situação distinta do Incumprimento culposo que ocorre nos presentes autos; 8. Mesmo que assim não se entenda, o confronto entre as vantagens pessoais e económicas resultantes da ocupação ilícita, para a Recorrida e para os terceiros, face à exígua renda auferida pelo senhorio, demonstram que o interesse deste não é de escassa importância; 9. No contrato dos autos vem estabelecido entre as partes que “Fica expressamente entendido que o inquilino nunca poderá ter hospedes.”, quando, na douta sentença recorrida está assente que a Recorrida “albergou em sua casa três jovens…” o que só por si demonstra o relevante interesse que para as partes tem a ilicitude praticada e obriga a decisão inversa da produzida pelo Tribunal “A quo”; 10. A Sentença recorrida violou as normas dos artºs. 8º, 9º, 432º e seg e 1038º f) do Código Civil e do artº. 63º nº. 1 e 64º nº. 1 f) da R.A.U. Termos em que deve a douta sentença ser revogada e julgando procedente o pedido de resolução do contrato de arrendamento entre a A. ora Apelante e a R. Recorrida. Assim se fazendo Justiça!” A Ré/Apelada contra-alegou, pugnando pela improcedência da Apelação. Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir. O OBJECTO DO RECURSO Como se sabe, é pelas conclusões com que o recorrente remata a sua alegação (aí indicando, de forma sintéctica, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: art. 690º, nº 1, do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem [1] [2]. Efectivamente, muito embora, na falta de especificação logo no requerimento de interposição, o recurso abranja tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente (art. 684º, nº 2, do C.P.C.), esse objecto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (nº 3 do mesmo art. 684º) [3] [4]. Por isso, todas as questões de mérito que tenham sido objecto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso. No caso sub judice, emerge das conclusões da alegação de recurso apresentada pelo Autor ora Apelante que o objecto da presente Apelação está circunscrito a duas questões: a) Se, uma vez provado que a arrendatária ora Ré albergou em sua casa, por período superior a seis meses, três jovens, incluindo o neto, que não fazem parte do agregado familiar da inquilina e que, à excepção do neto, não são legalmente familiares da inquilina, tal situação configura uma hipótese de comodato ilícito que constitui fundamento de resolução do contrato de arrendamento, à face da al. f) do nº 1 do artigo 64º do R.A.U.; b) Se, dado que, no Contrato de Arrendamento junto como doc. nº 1 com a petição inicial, as partes convencionaram que “ Fica expressamente entendido que o inquilino nunca poderá ter hospedes”, uma vez provada a hospedagem (o tribunal “ a quo” deu como provado que “A Ré albergou em sua casa três jovens…”, sendo certo que “albergar” é sinónimo de “hospedar”) e estando esta contratualmente proibida, sempre seria forçoso decretar a resolução contratual dando procedência ao pedido do A. ora Apelante. MATÉRIA DE FACTO Factos Considerados Provados na 1ª Instância: Não tendo sido impugnada a decisão sobre matéria de facto, nem havendo fundamento para a alterar oficiosamente, consideram-se definitivamente assentes os seguintes factos (que a sentença recorrida elenca como provados): 1 – O A. é dono da fracção autónoma designada pela letra “ E “ correspondente ao 1º andar do lado direito do prédio sito na Rua Fernão Lourenço, inscrito na matriz predial sob o artigo 720-E, composta por três divisões, cozinha, casa de banho e despensa – al. A) dos factos assentes 2 – Com data de 13/04/1958 e início em 1 de Maio de 1958, foi celebrado um acordo por escrito, entre J, pai do A., e V mediante o qual “ ajustaram o arrendamento “ da fracção referida em 2.1, pelo prazo de 6 meses renováveis e renda mensal de 450$00 – al. B) dos factos assentes 3 – Acordaram, ainda, as partes sob a cláusula 3ª do aludido acordo que “ a casa arrendada é para habitação exclusiva do inquilino, não podendo este dar-lhe outro uso, nem sublocá-la, no todo ou em parte ( … ) “ – al. C) dos factos assentes 4 – A renda em 1 de Dezembro de 2004 era de 22,45 euros – al. D) dos factos assentes 5 – Por morte de V o contrato de arrendamento veio a transmitir-se para a sua mulher, ora R. – al. E) dos factos assentes 6 – Por vezes, a ré não dorme nem toma as suas refeições no andar referido em 2., fazendo-o em casa da sua filha, na Praça Camilo Castelo Branco, em Almada – resposta restritiva aos nºs 1º a 3º da B.I. 7 – Há cerca de 23 anos que a R. padece de sindroma ansio – depressivo grave – resposta ao nº 6º da B.I. 8 – Motivo pelo qual necessita de tratamento psiquiátrico permanente e regular – resposta ao nº 7º da B.I. 9 – No quadro de tal patologia são frequentes as crises de agudização – resposta ao nº 8º da B.I. 10 – Essas crises requerem companhia e acompanhamento que lhe é prestado pela sua filha – resposta restritiva ao nº 9º da B.I. 11 – A R., durante as referidas crises acolhe-se em casa da filha regressando sempre ao andar referido em 2.1 logo que melhora – resposta ao nº 10º da B.I. 12 – A R. albergou em sua casa três jovens, um dos quais seu neto, outro a namorada deste e um outro a quem tem fortes ligações afectivas, residindo estes dois últimos em Évora – resposta ao nº 11º da B.I. 13 – A permanência dos referidos jovens em sua casa durou desde o final de 2002 até Junho de 2003 – resposta ao nº 12º da B.I. 14 – E enquanto aqueles estiveram a fazer um estágio, os dois primeiros no Instituto Oceanográfico e a última no Instituto Hidrográfico – resposta ao nº 13º da B.I. 15 - Do assento de nascimento nº 66, lavrado na Segunda Conservatória do Registo Civil do Porto, no ano de 1934, consta declarado o nascimento, no dia 24 de Dezembro de 1933, de Maria, filha de … e de Maria … (art. 9º da contestação e doc. fls. 65 – tal facto transposto para a fundamentação da sentença , nos termos do art. 659º, nº 3, do Cód. Proc. Civil ) O MÉRITO DA APELAÇÃO 1) UMA VEZ PROVADO QUE A ARRENDATÁRIA ORA RÉ ALBERGOU EM SUA CASA, POR PERÍODO SUPERIOR A SEIS MESES, TRÊS JOVENS, INCLUINDO O NETO, QUE NÃO FAZEM PARTE DO AGREGADO FAMILIAR DA INQUILINA E QUE, À EXCEPÇÃO DO NETO, NÃO SÃO LEGALMENTE FAMILIARES DA INQUILINA, TAL SITUAÇÃO CONFIGURA UMA HIPÓTESE DE COMODATO ILÍCITO QUE CONSTITUI FUNDAMENTO DE RESOLUÇÃO DO CONTRATO DE ARRENDAMENTO, À FACE DA AL. F) DO Nº 1 DO ARTIGO 64º DO R.A.U. ? O Autor ora Apelante, tendo embora peticionado a resolução do contrato de arrendamento com um duplo fundamento (a saber: a) falta de residência permanente no local arrendado, por parte da arrendatária; e b) empréstimo ou sub-locação do arrendado a terceiros), restringiu o objecto do presente recurso à questão de saber se o facto – considerado provado pelo tribunal “a quo” – de a Ré ter albergado em sua casa, desde o final de 2002 até Junho de 2003, três jovens, um dos quais seu neto, outro a namorada deste e um outro a quem tem fortes ligações afectivas, enquanto aqueles estiveram a fazer um estágio, os dois primeiros no Instituto Oceanográfico e a última no Instituto Hidrográfico, constitui ou não cedência ilícita do gozo do locado a terceiros, nos termos e para os efeitos da alínea f) do nº 1 do artigo 64º do R.A.U.. A sentença ora sob recurso excluiu a relevância resolutiva do arrendamento de tal facto com base no seguinte argumentário: “Dispõe o art. 64º, nº 1, al. f) do RAU, que o senhorio só pode resolver o contrato, entre outros fundamentos, se o arrendatário subarrendar ou emprestar, total ou parcialmente, o prédio arrendado, ou ceder a sua posição contratual, nos casos em que estes actos são ilícitos, inválidos por falta de forma ou ineficazes em relação ao senhorio, salvo o disposto no artigo 1049º do Código Civil. O fundamento invocado pelo autor para obter o despejo baseia-se no facto da ré ter cedido o gozo do locado, sem sua autorização, a quatro jovens, alegadamente estudantes, que habitam o locado. O autor não provou a factualidade que sustentava a sua pretensão, conforme resulta da resposta negativa que mereceram os nºs 4º e 5º da base instrutória. Antes se tendo provado que a ré albergou em sua casa três jovens, um dos quais seu neto, outro a namorada deste e um outro a quem tem fortes ligações afectivas. A permanência dessas pessoas em sua casa durou desde o final de 2002 até Junho de 2003, e enquanto eles estiveram a fazer um estágio, os dois primeiros no Instituto Oceanográfico e o último no Instituto Hidrográfico ( cfr. 2.12 a 2.14 dos factos provados ). Embora não se tenha provado que a ré permitiu a sua permanência sem nada lhes cobrar, o certo é que também não se demonstrou a realidade contrária, isto é, que a ré lhes tenha cobrado alguma retribuição durante o período em que eles permaneceram no arrendado. Deste modo, não estão demonstrados factos dos quais se possam retirar que a ré subarrendou o locado, desde logo por a sublocação ser um contrato subordinado, mediante o qual o sublocador, ao abrigo da sua qualidade de locatário, proporciona a terceiro ( sublocatário ) o gozo de uma coisa, mediante retribuição. No caso que nos ocupa não está demonstrada a retribuição. Em face da materialidade considerada assente, também não se pode concluir que a ré deu hospedagem àqueles três jovens. Com efeito, para tanto seria necessário alegar e provar, que mediante o pagamento de uma retribuição, a ré proporcionou habitação, limpeza e arrumação dos quartos, ou outros compartimentos utilizados pelos hóspedes, ou forneceu alimentação – cfr. art. 76º, nº 3, do R.A.U.. Por outro lado, não vislumbramos nos factos provados qualquer situação de cessão onerosa ou gratuita da posição contratual da ré. E será que da factualidade provada se pode extrair que ré emprestou o prédio arrendado aos três jovens? Comodato é o contrato gratuito pelo qual uma das partes entrega à outra certa coisa, móvel ou imóvel, para que se sirva dela, com a obrigação de a restituir – art. 1129º do Cód. Civil. Como resulta da al. f) do art. 1038º do Cód. Civil, sem autorização do senhorio não é possível o comodato total ou parcial do arrendado, traduzindo-se esse empréstimo, por parte do inquilino, num acto ilícito que fundamenta o despejo, nos termos do art. 64º, nº 1, al. f), do R.A.U.. Porém, conforme ensinam os Professores P. Lima e A. Varela, é difícil, por vezes, distinguir na prática entre as ocupações da casa facultadas a terceiro, por curto período, pelo locatário ( durante as férias deste no estrangeiro, durante a missão a cumprir fora da localidade onde o prédio se situa, etc. ), que em princípio são lícitas, e os casos de cedência ilícita que, podendo não constituir na intenção das partes verdadeiros contratos de comodato, representam todavia casos de empréstimo da casa que a alínea f) do nº 1 considera ilícitos, quando não autorizados pelo senhorio.[5] Também o Conselheiro Aragão Seia, referindo-se, neste caso, à figura do hóspede, diz que não será hóspede o amigo desempregado que se aceita em casa por caridade e a quem se proporciona, sem retribuição, habitação, serviços relacionados com esta e/ou alimentação, nem as visitas que se recebem e alojam temporariamente no arrendado, nem os amigos a quem se proporcionam umas férias na casa arrendada situada numa praia ou numa localidade de termas.[6] No caso dos autos, é certo que a ré facultou aos três jovens a ocupação da casa. Porém, um deles era seu neto, outra a namorada deste e um terceiro a quem tinha fortes ligações afectivas. Fê-lo por um período de tempo que não se pode considerar longo - cerca de seis meses -, e enquanto os três jovens estiveram a fazer um estágio. Entende-mos, pois, que esta ocupação da casa por terceiros é lícita. Mesmo a entender-se que tinha havido empréstimo do local arrendado, ainda assim não tinha o autor fundamento para a resolução do contrato, pois, tendo em conta as relações familiares existentes entre a ré e aqueles terceiros, bem como as circunstâncias em que ela permitiu a ocupação temporária do locado, afigura-se-nos ser de escassa importância a violação do contrato, à luz do disposto no art. 802º, nº 2, do Cód. Civil.[7] Pelo exposto, não é caso, com tal fundamento, para o autor invocar o direito à resolução do arrendamento, pelo que, nesta parte, terá necessariamente que improceder a acção”. Argumenta, ex adverso, o aqui Apelante que: “A doutrina dos Professores P. Lima e A. Varela, distingue “… entre as ocupações da casa facultadas a terceiro, por curto período, pelo locatário (durante as férias deste no estrangeiro, durante a missão a cumprir fora da localidade onde o prédio se situa, etc. ), que em princípio são lícitas, e os casos de cedência ilícita que, podendo não constituir na intenção das partes verdadeiros contratos de comodato, representam todavia casos de empréstimo da casa que a alínea f) do n° 1 considera ilícitos, quando não autorizados pelo senhorio.” Cremos que, face ao longo período do confessado e provado comodato – mais de 6 meses – ao carácter regular, permanente da ocupação facultada pela Recorrida a três pessoas e ao fim a que essas pessoas destinaram a ocupação – para habitar durante estágio profissional - configura-se que a cedência dos autos seria, na visão dos Professores P. Lima e A. Varela considerada ilícita. Já a alusão à doutrina do Conselheiro Aragão Seia, peca por esta se referir à figura da hospedagem, figura que, embora próxima, a douta sentença afastou circunscrevendo-se ao comodato que deu como provado. No entanto aceita-se que não será ilícito que o inquilino receba no locado e dê abrigo temporário a um amigo desempregado, por solidariedade social, a que todos estão moralmente obrigados, nomeadamente o respectivo senhorio, ou receba em casa uns amigos, para com eles conviver e a quem proporciona alguns dias de férias na casa arrendada situada numa praia ou numa localidade de termas. Não resulta dos autos que os três jovens estivessem em situação economicamente precária, pelo contrário, são licenciados, usufruem de elevado grau de educação académica, em áreas de prestigio técnico e cientifico e, a precisarem de alimentos, para ocorrerem a despesas de habitação durante o estágio, têm seus pais, como primeiros obrigados. A citada previsão doutrinária aborda uma situação que decorre num período de tempo exíguo, ao convívio ocasional e esporádico do locatário com terceiros, permitindo-lhes a pernoita ocasional e esporádica no locado, situação que é diametralmente divergente ao longo período de ocupação habitacional conferida aos três jovens pela Recorrida, como está confessado e provado nos autos”. Quid juris ? O art. 64º, nº 1, alínea f), do R.A.U. permite ao senhorio resolver o contrato de arrendamento se o arrendatário subarrendar ou emprestar, total ou parcialmente, o prédio arrendado, ou ceder a sua posição contratual, nos casos em que estes actos são ilícitos, inválidos por falta de forma ou ineficazes em relação ao senhorio, salvo o disposto no art. 1049º do Código Civil. É que o art. 1038º, alínea f), do Cód. Civ. impõe ao locatário a obrigação de «não proporcionar a outrem o gozo total ou parcial da coisa [locada] por meio de cessão onerosa ou gratuita da sua posição jurídica, sublocação ou comodato, excepto se a lei o permitir ou o locador o autorizar». Por isso, os actos referidos na cit. al. f) do nº 1 do art. 64º do R.A.U., porque proibidos, salvo permissão legal ou convencional, são, em regra, ilícitos e constituem, quando verificados, fundamento para a resolução do contrato. Mas são-no também se, sendo embora permitidos, não forem válidos por carência de forma ou forem ineficazes em relação ao senhorio. A locação diz-se sublocação quando o locador a celebra com base no direito de locatário que lhe advém de um precedente contrato locativo (art. 1060º do Cód. Civil). Existe, portanto, subarrendamento quando o arrendatário, sem perder essa qualidade, dá de arrendamento parte ou a totalidade do prédio urbano que anteriormente arrendara, passando a ocupar a posição de locador ou senhorio, sem prejuízo dos direitos e obrigações constituídos. O subarrendamento tem de ser autorizado pelo senhorio (cit. art. 1038º, al. f), do Cód. Civil e art. 44º do R.A.U.): «tanto pode tratar-se de autorização genérica, concedida pelo senhorio, designadamente, no próprio contrato de arrendamento, como de autorização específica, reportada a determinada sublocação»[8]. Na falta dessa autorização, o subarrendamento é ilícito e constitui para o senhorio - como vimos - fundamento de resolução do contrato, salvo se este reconhecer o subarrendatário como tal (não valendo, porém, como reconhecimento o simples conhecimento de que o prédio foi sublocado: cfr. PEREIRA COELHO in ob. cit., p. 236 nota 1), caso em que o subarrendamento não autorizado se considera ratificado (art. 44º, nº 2, do R.A.U.). Ainda que autorizado pelo senhorio, o subarrendamento só é válido se revestir a forma devida: nos termos do art. 44º, nº 1, do R.A.U., a autorização para subarrendar o prédio deve ser dada por escrito ou em escritura pública, consoante a forma exigida para o contrato nos termos do art. 7º do mesmo diploma. Se o subarrendamento não revestir a forma legal, é nulo (nos termos do art. 220º do Cód. Civil) e o senhorio pode, com base nesta invalidade formal, resolver o contrato de arrendamento, tendo embora autorizado a sublocação [9]. Embora autorizado e formalmente válido, o subarrendamento só é eficaz em relação ao senhorio, se lhe for comunicado no prazo de 15 dias, quer pelo arrendatário, quer pelo sublocatário (arts. 1038º, al. g), 1049º e 1061º, «in fine», todos do Cód. Civil). A falta desta comunicação confere ao senhorio - como vimos - o direito de resolver o arrendamento (cit. al. f) do nº 1 do art. 64º do R.A.U.). Também aqui, porém, o senhorio não poderá resolver o contrato com fundamento em sublocação ineficaz, devido à falta da comunicação prevista na al. g) do art. 1038º, se tiver reconhecido o sublocatário nessa qualidade (art. 1049º do Cód. Civil). O subarrendamento é figura distinta da cessão da posição de arrendatário. «Trata-se, num caso e noutro, de negócios sobre o prédio arrendado, mas enquanto o arrendatário-sublocador não perde a sua qualidade de arrendatário e continua vinculado ao contrato de arrendamento, na cessão da posição de arrendatário ele torna-se estranho à relação locativa, cedendo à outra parte a sua posição contratual», i. é, «perde a qualidade de arrendatário e sai, portanto, da relação locativa que o ligava ao senhorio, na qual é substituído pelo cessionário»[10]. Ora, a cessão da posição contratual do arrendatário, quer gratuita, quer onerosa, exige, em princípio, o consentimento do locador (arts. 1038º, al. f), 1059º, nº 2, e 424º, nº 1, todos do Cód. Civil)[11], só sendo permitida sem dependência de autorização do senhorio nos casos previstos nos arts. 84º, nº 1 (transmissão da casa de morada da família, após o divórcio, havendo acordo dos ex-cônjuges), 111º, nº 1 (cessão de exploração de estabelecimento comercial ou industrial), 115º, nº 1 (trespasse de estabelecimento comercial ou industrial) e 122º, nº 1 (cessão da posição do arrendatário no arrendamento para o exercício de profissões liberais), todos do R.A.U.. Por isso, a cessão não autorizada é ilícita[12], constituindo, como tal, fundamento de resolução do contrato (cit. al. f) do nº 1 do art. 64º do R.A.U.), salvo se o senhorio tiver reconhecido o cessionário nessa qualidade (art. 1049º do Cód. Civil). Ainda, porém, que o senhorio haja autorizado a cessão ou se trate dum dos casos (já apontados) em que a lei a permite sem dependência de autorização do senhorio, haverá lugar à resolução do arrendamento se a cessão for inválida por falta de forma[13]. E, mesmo que lícita (porque autorizada pelo senhorio ou legalmente dispensada de tal autorização) e formalmente válida, a cessão da posição contratual do arrendatário carece igualmente, para ser eficaz, de ser comunicada ao senhorio pelo arrendatário ou pelo beneficiário da cedência, dentro de 15 dias (arts. 1038º, al. g), 1059º, nº 2, 424º, nº 2, e 1049º, «in fine», todos do Código Civil), constituindo a falta dessa comunicação fundamento de resolução do arrendamento nos termos da cit. al. f) do nº 1 do art. 64º do R.A.U.. O senhorio não terá, porém, direito à resolução, com fundamento na ineficácia da cessão da posição contratual do arrendatário, se houver reconhecido o beneficiário da cessão como tal (art. 1049º do Cód. Civil). Finalmente, o empréstimo ou comodato é um contrato gratuito pelo qual uma das partes entrega à outra certa coisa, móvel ou imóvel, para que se sirva dela com a obrigação de a restituir (art. 1129º do Cód. Civil). «O comodato difere, essencialmente, do contrato de subarrendamento, por estas duas razões: - é gratuito, enquanto que o de subarrendamento só existe mediante retribuição (art. 1022º); e - o comodatário é obrigado a restituir a coisa findo o prazo convencionado (art. 1135º, alínea h)), enquanto que no subarrendamento pode haver prorrogação do prazo por exclusiva vontade do sub-locatário (art. 1054º)»[14]. «Difere também do contrato de cessão porque, neste, não há nem pode haver prazo para a restituição da coisa locada: o cedente desligou-se totalmente da coisa para sempre»[15]. Sob pena de praticar um acto ilícito, o arrendatário não pode, sem autorização do senhorio, emprestar, parcial ou totalmente, o local arrendado (cit. art. 1038º, al. f), do Cód. Civil). Também o comodato, ainda que autorizado, só é eficaz em relação ao senhorio se lhe for comunicado no prazo de 15 dias (cit. art. 1038º, alinea g), do Cód. Civil). De qualquer modo, tanto a falta de autorização por parte do senhorio, como a falta de comunicação ao mesmo do comodato por ele autorizado deixam de constituir fundamento de resolução do arrendamento se ele tiver reconhecido o beneficiário do empréstimo como tal (cit. art. 1049º do Cód. Civil). Segundo uma orientação praticamente uniforme, tanto na doutrina como na jurisprudência, a al. f), do citado art. 1038º do Código Civil deve interpretar-se no sentido de que a enumeração, que nela se faz, dos actos relativos ao gozo da coisa que ao locatário é vedado praticar não reveste carácter taxativo[16]. Por isso, «a referência aos tipos legais (subarrendamento, empréstimo, cessão de posição contratual) não significa que outras situações de cedência não devam considerar-se ao abrigo dessa previsão legal; daqui decorre que ao A. basta provar que houve uma cedência de utilização do arrendado a terceiro, posto que não prove o negócio que lhe subjaz, para que a acção proceda, salvo demonstração pelo Réu de factos contrários impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do A. (art. 342º do Código Civil)»[17] [18] [19] [20] [21]. Consequentemente, «se o locatário se demitir do gozo do locado e este aparece ocupado por outrem, sem conhecimento nem autorização do senhorio, o facto é causal de resolução do contrato de arrendamento, ainda que se não perfilem as figuras jurídicas de subarrendamento, empréstimo e cessão da posição contratual» [22]. E, em sede de ónus da prova, uma vez «provado pelo autor, em acção de despejo, que o arrendado está a ser utilizado por outrem, incumbe aos réus arrendatários a prova de que tal utilização é permitida, isto é, não viola o preceituado no artigo 1038 alínea f) do Código Civil» [23] [24]. No caso dos autos, está provado que a Ré albergou em sua casa, desde o final de 2002 até Junho de 2003, três jovens, um dos quais seu neto, outro a namorada deste e um outro a quem tem fortes ligações afectivas, enquanto aqueles estiveram a fazer um estágio, os dois primeiros no Instituto Oceanográfico e a última no Instituto Hidrográfico. Não tendo o senhorio/autor/apelante alegado sequer que os referidos jovens pagassem renda à Ré (cfr. os arts. 1022º e 1060º do Cód. Civil), está, obviamente, excluído que tenha havido subarrendamento, i. é, que a Ré haja subarrendado o locado a terceiros. Resta considerar as outras duas violações do contrato de arrendamento previstas na cit. al. f) do nº 1 do art. 64º do R.A.U.: o empréstimo ou comodato e a cessão da posição contratual de arrendatário. Quanto ao empréstimo ou comodato, a jurisprudência tem decidido, quase uniformemente, que as cedências provisórias, gratuitas e parciais do arrendado a terceiros, designadamente para fins de vigilância ou segurança ou por motivos de solidariedade humana ou cortesia, mas sem demissão por parte do arrendatário do seu direito de uso e fruição, estão fora da previsão dos arts. 1038º, al. f), do Cód. Civil e 64º, nº 1, al. f), do R.A.U.[25]. Na mesma linha, também JOSÉ CARLOS BRANDÃO PROENÇA admite[26] que certas cedências provisórias, gratuitas e parciais do arrendado, sem demissão, por parte do arrendatário, do seu direito de uso e fruição, ou seja, sem a intencionalidade da constituição de uma vinculação jurídica, estão fora da previsão da al. f) do art. 1038º do Cód. Civil. É que, «para que se verifique a situação de comodato do local arrendado, é necessário que a situação criada gere direitos e obrigações recíprocos que excluam a sua precariedade em relação a um dos contraentes»[27], «é preciso que o suposto sublocatário ou cessionário passe a gozar da coisa sem limites ou condicionamentos de qualquer natureza, salvo os resultantes do próprio contrato locativo e como se locatário fosse, o que importa demissão ou renúncia, total ou parcial, ao uso e fruição da coisa locada por parte do próprio locatário», devendo tal situação «inferir-se da prática e experiência comuns, diárias, e principalmente do carácter de continuidade e independência em que se manifeste a actuação do terceiro sublocatário-cessionário»[28] No caso dos autos, a matéria de facto provada inculca, com segurança, que se está perante uma das tais cedências provisórias, gratuitas e precárias do arrendado a terceiros, por motivos de solidariedade humana ou cortesia, mas sem demissão por parte do arrendatário do seu direito de uso e fruição, que a jurisprudência exclui da previsão da cit. al. f) do nº 1 do art. 64º. Efectivamente, a permanência no local arrendado dos três indivíduos em questão não foi além de 6 (seis) meses: desde o final de 2002 até Junho de 2003. Acresce que um desses três jovens que a Ré albergou na casa arrendada é seu neto e um dos outros não é senão a namorada deste mesmo neto da arrendatária, sendo que, quanto ao terceiro, a Ré mantém com ele fortes ligações afectivas. Por outro lado, a permanência dos mesmos jovens na casa arrendada coincidiu com o período temporal em que aqueles frequentaram estágios profissionais na área da Grande Lisboa, sendo certo que dois deles residem em Évora, isto é, fora de Lisboa, necessitando, por isso, de alojamento numa casa sita nas proximidades do local do estágio, por forma a não carecerem de se deslocar diariamente de Évora para Lisboa e vice-versa. Ao contrário do sustentado pelo Apelante, irreleva que se não tenha provado que os três jovens em questão estivessem em situação economicamente precária, se bem que o mero facto de eles já possuírem uma licenciatura, eventualmente em áreas de prestígio técnico e cientifico, nada permite inferir sobre a robustez da sua condição sócio-económica. Irreleva, outrossim, para o julgamento do carácter lícito ou ilícito do empréstimo de parte da casa arrendada, o facto de qualquer destes três jovens, incluindo o neto, não fazerem parte do agregado familiar da Inquilina ora Recorrida, fazendo, quanto muito, parte dos agregados familiares dos respectivos pais. Se esses jovens integrassem o núcleo das pessoas que vivessem em economia comum com a arrendatária ora Ré, óbvio é que, tratando-se dum arrendamento para habitação, eles poderiam residir na casa arrendada, juntamente com a inquilina, mesmo sem carácter de provisoriedade, nos termos do artigo 76º, nº 1, al. a), do R.A.U.. A circunstância de a Ré só os ter albergado em sua casa, durante perto de seis meses, enquanto eles frequentaram estágios profissionais na área da Grande Lisboa, e o facto de a Ré não se ter ausentado do arrendado enquanto eles ali permaneceram inculca que ela nunca se demitiu ou renunciou ao uso e fruição da casa arrendada, tendo-se confinado a recebê-los como visitas, em sua casa, durante um período perfeitamente delimitado no tempo e por motivos de solidariedade humana ou de cortesia. Tudo evidencia, portanto, que a situação comprovada nos autos configura uma das tais cedências provisórias, gratuitas e parciais do arrendado, sem demissão, por parte do arrendatário, do seu direito de uso e fruição, ou seja, sem a intencionalidade da constituição de uma vinculação jurídica, que estão fora da previsão da al. f) do art. 1038º do Cód. Civil. Como assim, a sentença ora recorrida não merece qualquer censura, no segmento em que denegou a pretendida resolução do contrato de arrendamento existente entre as partes, ao abrigo do disposto na cit. al. f) do nº 1 do artigo 64º do R.A.U.. Eis por que a apelação improcede, necessariamente, quanto a esta 1ª questão. 2) SE, DADO QUE, NO CONTRATO DE ARRENDAMENTO JUNTO COMO DOC. Nº 1 COM A PETIÇÃO INICIAL, AS PARTES CONVENCIONARAM QUE “ FICA EXPRESSAMENTE ENTENDIDO QUE O INQUILINO NUNCA PODERÁ TER HOSPEDES”, UMA VEZ PROVADA A HOSPEDAGEM (O TRIBUNAL “ A QUO” DEU COMO PROVADO QUE “A RÉ ALBERGOU EM SUA CASA TRÊS JOVENS…”, SENDO CERTO QUE “ALBERGAR” É SINÓNIMO DE “HOSPEDAR”) E ESTANDO ESTA CONTRATUALMENTE PROIBIDA, SEMPRE SERIA FORÇOSO DECRETAR A RESOLUÇÃO CONTRATUAL DANDO PROCEDÊNCIA AO PEDIDO DO A. ORA APELANTE. Sustenta, por fim, o Apelante que, desde que, no Contrato de Arrendamento junto como doc. nº 1 com a petição inicial, as partes convencionaram que “Fica expressamente entendido que o inquilino nunca poderá ter hospedes”, uma vez provada a hospedagem (o tribunal “ a quo” deu como provado que “A Ré albergou em sua casa três jovens…”, sendo certo que “albergar” é sinónimo de “hospedar”) e estando esta contratualmente proibida, sempre seria forçoso decretar a resolução contratual dando procedência ao pedido do A. ora Apelante. Quid juris ? A existência, no contrato de arrendamento cuja resolução é peticionada na presente acção, duma cláusula contratual estipulando a proibição expressa de o inquilino ter hóspedes, não foi sequer invocada pelo senhorio ora Autor/Apelante, na petição inicial dos presentes autos. Consequentemente, ainda mesmo que o mero facto de a arrendatária dar hospedagem a terceiros constituísse, por si só, fundamento legal de resolução do arrendamento, nunca esta Relação poderia julgar procedente a apelação e decretar a resolução do contrato existente entre as partes, com base numa causa de pedir nunca antes invocada pelo Autor, a não ser já nas alegações respeitantes ao presente recurso (art. 664º do Cód. Proc. Civil). Acresce que, nos termos do art. 76º, nº 3, do R.A.U., “apenas se consideram hóspedes as pessoas a quem o arrendatário proporcione habitação e preste habitualmente serviços relacionados com esta, ou forneça alimentos, mediante retribuição”. Assim sendo, «já não serão hóspedes, nesta acepção, o amigo desempregado que se aceita em casa por caridade e a quem se proporciona, sem retribuição, habitação, serviços relacionados com esta e/ou alimentação, nem as visitas que se recebem e alojam temporariamente no arrendado, nem os amigos a quem se proporcionam umas férias na casa arrendada situada numa praia ou numa localidade de termas» [29]. A esta luz, no caso dos autos, a mera prova de que a Ré albergou em sua casa, desde o final de 2002 até Junho de 2003, três jovens, um dos quais seu neto, outro a namorada deste e um outro a quem tem fortes ligações afectivas, enquanto aqueles estiveram a fazer um estágio, os dois primeiros no Instituto Oceanográfico e a última no Instituto Hidrográfico, não é suficiente para se poder concluir que esses três jovens foram hóspedes da Ré, na acepção do cit. art. 76º-3 do R.A.U. e para os efeitos previstos na alínea e) do nº 1 do art. 64º do mesmo diploma. Ao contrário do propugnado pelo senhorio ora Apelante, “albergar” não é sinónimo de “hospedar”, pelo que, o tribunal não deu, afinal, como provada a hospedagem dos três jovens. Assim sendo, a apelação também improcede, necessariamente, quanto a esta 2ª questão. DECISÃO Acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a Apelação, confirmando integralmente a sentença recorrida. Custas da Apelação a cargo do Autor/Apelante. Lisboa, 17.6.2008 Rui Torres Vouga Maria José Barbosa Maria Rosário Gonçalves _________________________ [1] Cfr., neste sentido, ALBERTO DOS REIS in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 362 e 363. [2] Cfr., também neste sentido, os Acórdãos do STJ de 6/5/1987 (in Tribuna da Justiça, nºs 32/33, p. 30), de 13/3/1991 (in Actualidade Jurídica, nº 17, p. 3), de 12/12/1995 (in BMJ nº 452, p. 385) e de 14/4/1999 (in BMJ nº 486, p. 279). [3] O que, na alegação (rectius, nas suas conclusões), o recorrente não pode é ampliar o objecto do recurso anteriormente definido (no requerimento de interposição de recurso). [4] A restrição do objecto do recurso pode resultar do simples facto de, nas conclusões, o recorrente impugnar apenas a solução dada a uma determinada questão: cfr., neste sentido, ALBERTO DOS REIS (in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 308-309 e 363), CASTRO MENDES (in “Direito Processual Civil”, 3º, p. 65) e RODRIGUES BASTOS (in “Notas ao Código de Processo Civil”, vol. 3º, 1972, pp. 286 e 299). [5] In Cód. Civil Anotado, Vol. II, 4ª ed., p. 603. [6] In Arrendamento Urbano, 6ª ed., p. 420. [7] Vid. a este respeito o Ac. do STJ de 3/7/1997, BMJ 469, p. 486. [8] PEREIRA COELHO in “Arrendamento. Direito Substantivo e Processual”, Lições ao curso do 5º ano de Ciências Jurídicas no ano lectivo de 1988-1989, Coimbra, 1988, p. 234. [9] Cfr., neste sentido, PAIS DE SOUSA in “Anotações ao Regime do Arrendamento Urbano”, 3ª ed., 1994, p. 131 in fine. [10] PEREIRA COELHO in ob. cit., pp. 230-231. [11] Efectivamente, como bem observa JANUÁRIO GOMES (in “Arrendamentos Comerciais”, 2ª ed., 1991, pp. 157-158), o nº 2 do art. 1059º do Cód. Civil, ao estabelecer que «a cessão da posição do locatário está sujeita ao regime geral dos arts. 424º e segs., sem prejuízo das disposições deste capítulo», «remete (...) para o regime geral da cessão da posição contratual, ressalvando eventuais excepções identificáveis na legislação locatícia, nomeadamente no R.A.U.». Por virtude dessa sujeição da matéria ao regime geral dos arts. 424º e segs. do Cód. Civil, «o arrendatário que queira ceder a sua posição contratual a terceiro terá de obter o consentimento do senhorio, o qual pode ser anterior, coevo ou posterior ao contrato através do qual se opera a cessão» (ibidem). [12] De facto - como nota JANUÁRIO GOMES (in “Arrendamentos Comerciais” cit., p. 158) -, «se o arrendatário não obtiver o consentimento do senhorio, a cessão que realize em favor de terceiro é ineficaz: para o locador, a contraparte continua a ser o locatário cedente». «Mas esse acto de cessão é também ilícito, já que o locatário viola uma das obrigações que enformam o conteúdo do contrato: a obrigação, estabelecida na al. f) do art. 1038º de «não proporcionar a outrem o gozo total ou parcial da coisa por meio de cessão onerosa ou gratuita da sua posição jurídica, sublocação ou comodato, excepto se a lei o permitir ou o locador o autorizar» (ibidem). [13] Nos termos do art. 425º do Cód. Civil, aplicável à cessão da posição do locatário ex vi do disposto no cit. nº 2 do art. 1059º do mesmo diploma, a forma da transmissão define-se em função do tipo de negócio que serve de base à cessão. Porém, face ao preceituado nos arts. 115º, nº 3, e 122º, nº 2, do R.A.U. (na redacção introduzida pelo Decreto-Lei nº 64-A/2000, de 22 de Abril), tanto o trespasse como a cessão da posição do arrendatário que exerce profissão liberal carecem apenas de ser celebrados por escrito, sob pena de nulidade. [14] DEUSDADO CASTELO BRANCO in “Problemas de Inquilinato”, Coimbra, 1973, pp. 73-74. [15] DEUSDADO CASTELO BRANCO, ibidem. [16] MANUEL HENRIQUE MESQUITA (in Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 126º, p. 347), PINTO FURTADO (in “Manual do Arrendamento Urbano”, 3ª ed., 2001, págs. 455 e 818). [17] Ac. desta Relação de 3/5/2001, proferido no Proc. nº 0018318 e relatado pelo Desembargador SALAZAR CASANOVA, cujo texto integral pode ser acedido, via Internet, no sítio www.dgsi.pt. [18] Cfr., igualmente no sentido de que «o art. 1038, al. f), do Código Civil deve interpretar-se no sentido de que a enumeração, que nele se faz, dos actos relativos ao gozo da coisa que ao arrendatário é vedado praticar não reveste carácter taxativo», o Ac. do S.T.J. de 28/9/2004, proferido no Proc. nº 04A2444 e relatado pelo Conselheiro AZEVEDO RAMOS, cujo texto integral pode ser consultado, via Internet, no sítio www.dgsi.pt. [19] Cfr., também no sentido de que, como a enumeração feita na alínea f) do nº 1 do artigo 64º do RAU não se reveste de natureza taxativa, «a resolução do contrato pode ter como fundamento a ocupação do prédio arrendado por estranhos, mesmo que não se prove o subarrendamento, a cessão e o comodato», o Ac. desta Relação de 28/4/1994, proferido no Proc. nº 0068286 e relatado pelo Desembargador RODRIGUES CODEÇO, cujo sumário pode ser acedido, via Internet, no sítio www.dgsi.pt. [20] Cfr., igualmente no sentido de que, «conquanto no art. 64º, al. f), do R.A.U e no art. 1038º, al. f), do Cód. Civil, se enumerem, expressa e precisamente, três casos considerados proibidos, e por isso eivados de força resolutiva - a saber, subarrendamento, empréstimo e cessão da posição contratual -, o certo é a que essa enunciação não deve conferir-se outro cunho que meramente exemplificativo», pelo que «podem verificar-se outras situações igualmente justificativas, no quadro daqueles preceitos, de resolução do arrendamento, posto que nelas não concorram factos consubstanciadores de qualquer uma daquelas três figuras», desde que «estejam em causa situações de proporcionação do gozo do prédio por parte do inquilino a favor de terceiras pessoas, não com carácter de precariedade, mas com demissão ou renúncia, total ou parcial, do seu direito de uso e fruição do locado», o Ac. da Rel. de Coimbra de 14/12/1999, proferido no Proc. nº 2567/99 e relatado pelo Desembargador HÉLDER ALMEIDA, cujo texto integral pode ser acedido, via Internet, no sítio www.dgsi.pt. [21] Cfr., de igual modo no sentido de que, «tendo o contrato de arrendamento como uma das suas características o " intuitus personae ", entende-se que é meramente exemplificativa a indicação dos contratos feita na citada disposição legal, devendo nela ser abrangidos todos os casos em que alguém que não seja arrendatário, não integre o seu agregado familiar, nem seja seu hóspede, utilize o arrendado com o seu acordo contra a vontade do senhorio», o Ac. da Rel. do Porto de 5/4/1990, proferido no Proc. nº 0224255 e relatado pelo Desembargador AUGUSTO ALVES, cujo sumário pode ser acedido, via Internet, no sítio www.dgsi.pt. [22] Cfr., neste sentido, o Ac. da Rel. do Porto de 15/1/1996, proferido no Proc. nº 9550638 e relatado pelo Desembargador BRAZÃO DE CARVALHO, cujo sumário pode ser acedido, via Internet, no sítio www.dgsi.pt. [23] Cfr., neste sentido, o Ac. da Rel. do Porto de 9/11/1999, proferido no Proc. nº 9921280 e relatado pelo Desembargador AFONSO CORREIA, cujo sumário pode ser acedido, via Internet, no sítio www.dgsi.pt. [24] Cfr., todavia, no sentido - que tempos por erróneo – de que, como «I - a cedência, por um ou vários médicos, sem autorização do senhorio, dos seus consultórios, para que outros clínicos exerçam regularmente e por conta própria a sua profissão, em certas horas do dia em que o cedente os não utilize, pode corresponder a uma sublocação, a um comodato, ou a um contrato inominado de associação ou de comparticipação», «II - improcede a acção de despejo baseada na cedência referida no número anterior se não forem alegados e muito menos provados factos que a permitam caracterizar como comodato ou como sublocação não autorizados», o Ac. desta Relação de 9/1/1985, proferido no Proc. nº 0011603 e relatado pelo Desembargador BEÇA PEREIRA, cujo sumário pode ser acedido, via Internet, no sítio www.dgsi.pt.. [25] Cfr., neste sentido, os Acórdãos da Rel. do Porto de 9/5/1978, de 10/10/1978 e de 21/7/1983 (in Col. Jur. 1978, t. 3, p. 833, Col. Jur. 1978, t. 4, p. 1246, e BMJ nº 329 p. 620, respectivamente), da Rel. de Coimbra de 24/11/1976, de 2/3/1977, de 26/4/1983, de 6/11/1984 e de 12/12/1989 (in, respectivamente, Col. Jur. 1976, t. 3, p. 589, BMJ nº 267 p. 207, Col. Jur. 1983 t. 2, p. 34, BMJ nº 341 p. 478 e BMJ nº 392 p. 519), da Rel. de Lisboa de 14/4/1977, de 24/10/1978, de 24/4/1979, de 8/10/1979, de 9/10/1979 e de 28/5/1991 (in, respectivamente, BMJ nº 269 p. 216, Col. Jur. 1978 p. 1262, BMJ nº 290 p. 456, BMJ nº 294 p. 391, BMJ nº 294 p. 391 e BMJ nº 407 p. 607) e da Rel. de Évora de 14/4/1977, de 22/3/1979, de 6/10/1988 e de 11/10/1990 (in, respectivamente, Col. Jur. 1977, t. 2, p. 354, BMJ nº 288 p. 475, BMJ nº 380 p. 555 e BMJ nº 400 pp. 752-753). [26] In “A Sublocação como fundamento de despejo”, Rev. da Ord. dos Advogados, 1983, t. 1, p. 186. [27] Acórdãos da Rel. do Porto de 25/4/1969 e de 21/7/1983 in, respectivamente, Jur. Rel. ano 14º, p. 554 e BMJ nº 329 p. 620. [28] Ac. Rel. Lisboa de 9/10/1979 in BMJ nº 294 p. 391. [29] ARAGÃO SEIA in “Arrendamento Urbano Anotado e Comentado”, 5ª ed., 2000, p. 470. |