Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3688/19.5T8LSB-B.L1-2
Relator: CARLOS CASTELO BRANCO
Descritores: RECURSO EXTEMPORÂNEO
RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA
NOTIFICAÇÃO DE DECISÃO À PARTE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/30/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I) A ressalva feita ao artigo 641.º, n.º 6, no artigo 652.º, n.º 3, do CPC, não visa as decisões de não admissão do recurso proferidas pelo relator no tribunal de recurso, mas as decisões de rejeição do recurso proferidas no tribunal recorrido, pelo que, conforme resulta expresso do n.º 3 do artigo 643.º do CPC, da decisão de manutenção do despacho reclamado, proferida em sede de apreciação da reclamação do artigo 643.º do CPC, cabe impugnação, por meio de reclamação para a conferência, em conformidade com o mencionado artigo 652.º, n.º 3, do CPC.
II) Tendo sido expressamente referidas as circunstâncias – por referência aos atos processuais realizados e à legislação correspondentemente aplicável – em que teve lugar a notificação da decisão recorrida aos progenitores, elementos suficientes para viabilizar uma adequada, correta e congruente interpretação dos termos em que teve lugar a efetivação da mencionada notificação.
III) A forma de realização das notificações de decisões às partes que não constituam mandatário tem lugar nos termos consignados no artigo 249.º do CPC, não se exigindo que ocorra “recibo” ou a comprovação de efetivo recebimento, para a produção dos efeitos respetivos.
IV) Sendo o prazo de recurso a considerar o de 10 dias, a que se reporta o n.º 1 do artigo 124.º da LPCJP (por estar em causa decisão tomada no âmbito de processo de promoção e proteção de crianças e jovens em perigo), sem que tenha sido impugnada a matéria de facto (e tendo a decisão recorrida sido proferida em 19-12-2022), tendo sido notificada aos progenitores e à recorrente (esta, através da sua mandatária, por notificação expedida em 20-12-2022), tendo-se por efetuada em 23-12-2022 - artigos 132.º, n.º 2, 138.º, 139.º, 247.º e 248.º do Código de Processo Civil – e considerando que o aludido prazo corre em férias, a recorrente poderia interpor recurso da referida decisão, até 02-01-2023, ou, nos termos do artigo 139.º do Código de Processo Civil, até 05-01-2023.
V) Sendo o recurso apresentado apenas em 09-01-2023, o mesmo é extemporâneo.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
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1. Relatório:
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1. No processo de promoção e proteção, de que os presentes são apenso, referente às crianças SM, nascida em 7 de Março de 2009, MF, nascido em 13 de Abril de 2015, GF, nascida em 6 de Junho de 2016, GOF, nascido em 16 de Julho de 2017, e LF, nascida em 12 de agosto de 2018, em 3 de agosto de 2022 foi aplicada medida cautelar de acolhimento residencial às referidas crianças, pelo período de 3 meses.
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2. Dessa decisão foi interposto recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa, o qual, por acórdão de 27-10-2022, julgou improcedente o referido recurso (cfr. apenso A).
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3. No desenvolvimento dos autos, em 19-12-2022 foi proferido despacho de revisão da medida cautelar, do qual consta, nomeadamente, escrito o seguinte:
“Revisão de Medida Cautelar:
RELATÓRIO
Os presentes autos de processo judicial de promoção e protecção respeitam aos menores:
- SM, nascida a 7 de março de 2009 (13 anos);
- MF, nascido a 13 de abril de 2015 (7 anos);
- GF, nascida em 6 de junho de 2016 (6 anos);
- GOF, nascido a 16 de julho de 2017 (5 anos), e
- LF, nascida aos 12 de agosto de 2018 (4 anos).
Por despacho proferido em 3 de agosto de 2022, transitado em julgado, decidiu-se aplicar em benefício dos menores, a título cautelar, a medida de acolhimento residencial, pelo período de 3 (três) meses, sendo que as crianças integraram a CA Novo Rumo em 12 de agosto de 2022.
A EATTL, em articulação com a CA, propôs a manutenção da medida de acolhimento residencial relativamente à jovem Susana, e a substituição da medida aplicada pela medida de acolhimento familiar relativamente aos menores MF, GF, GOF e LF.
Cumpriu-se o disposto no artigo 85.º da LPCJP, sendo que os progenitores não manifestaram nos autos qualquer oposição, e a progenitora manifestou a sua discordância com a proposta apresentada pela EATTL, quer no que concerne à menor SM, quer no que respeita aos restantes menores
A Digna Magistrada do Ministério Público pronunciou-se no sentido da alteração da medida de promoção e protecção aplicada, de acolhimento residencial pela medida de acolhimento familiar relativamente aos menores MF, GF, GOF e LF e a manutenção, por ora, da medida de acolhimento residencial relativamente à menor SM.
(…)
FUNDAMENTAÇÃO
Por força do disposto no artigo 62.º n.º 1, da LPCJP, as medidas são obrigatoriamente revistas findo o prazo fixado no acordo ou na decisão judicial e, em qualquer caso, decorridos períodos nunca superiores a seis meses.
Por seu turno, o artigo 37.º, da LPCJP preceitua que:
«1- A título cautelar, o tribunal pode aplicar as medidas previstas nas alíneas a) a f) do n.º 1 do artigo 35.º, nos termos previstos no n.º 1 do artigo 92.º, ou enquanto se procede ao diagnóstico da situação da criança e à definição do seu encaminhamento subsequente. (…)
3- As medidas aplicadas têm a duração máxima de seis meses e devem ser revistas no prazo máximo de três meses.»
No caso em apreço, considerando a situação vivencial actual dos menores descrita nos relatórios/ informações sociais, conclui-se, que não se alteraram os pressupostos em que se baseou a decisão proferida em 3 de agosto de 2022, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, na qual se determinou a urgência em retirar as crianças do contexto familiar.
Pelo que, relativamente à jovem Susana (13 anos), atenta a posição expressa pela EATTL e pela Casa de Acolhimento Novo Rumo e a concordância da Digna Magistrada do Ministério Público, a medida cautelar de acolhimento residencial mantém a sua actualidade, proporcionalidade e adequação, revelando-se necessária enquanto se procede à definição do encaminhamento subsequente, inexistindo, por ora, alternativas no meio natural de vida, designadamente a reintegração no agregado familiar materno.
No que respeita aos menores MF, GF, GOF e LF, com base na factualidade descrita nos relatórios/ informações juntos aos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzida, por razões de economia e celeridade processual, resulta que, na presente data, não é possível a reintegração das crianças na sua família biológica, uma vez que os progenitores não reúnem condições para cuidar dos filhos menores, e não são conhecidos outros elementos da família alargada (materna ou paterna), que se possam constituir como alternativa protectora e securizante em meio natural de vida.
Deste modo, atenta a posição expressa pelas Equipas Técnicas da EATTL e da Casa de Acolhimento Novo Rumo, que têm acompanhado a situação vivencial destes menores, a concordância da Digna Magistrada do Ministério Público, a idade das crianças (7, 6, 5 e 4 anos), impõe-se substituir a medida cautelar de acolhimento residencial, pela medida cautelar de acolhimento familiar, a qual se revela mais actual e adequada a permitir aos menores a sua integração em meio familiar, e vincular-se de forma saudável a outros adultos que se constituam como referências afectivas, protectoras e securizantes (artigos 3.º, 4.º, 5.º, 35.º, n.º 1, alíneas e) f), 37.º, 46.º, 61.º e 62.º, n.º 1 e n.º 3, alínea b), todos da LPCJP).
(…)
DECISÃO
Face ao exposto e, ao abrigo das normas legais citadas, em sede de revisão da medida de promoção e protecção, decido:
a) Prorrogar por 3 meses a medida cautelar de acolhimento residencial, aplicada em benefício da menor SM, a executar na Casa de Acolhimento Novo Rumo;
b) Determinar a substituição da medida cautelar de acolhimento residencial, pela medida cautelar de acolhimento familiar, por 3 meses, ficando as crianças MF, GF, GOF e LF, confiadas à guarda e cuidados de uma família de acolhimento;
c) Nomear a EATTL como entidade responsável pelo acompanhamento da execução da medida, a qual deverá enviar relatório de acompanhamento no prazo de 2 (dois) meses, se nada antes o justificar, concretizando sobre as alternativas de promoção e protecção, a título definitivo.
 (…)
Solicite, de imediato e com nota de urgência, à UAACAF da SCML a indicação de família de acolhimento que possa acolher as crianças, devendo informar o Tribunal logo que seja encontrada família de acolhimento adequada que corresponda às necessidades e características pessoais dos menores MF, GF, GOF e LF.
(…)
Notifique e comunique. D.N.(…)”.
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4. A notificação da decisão foi efetuada à recorrente, por notificação de 20-12-2022 (cfr. acto com a ref.ª 421620166).
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5. Não se conformando com esta decisão, dela apela a progenitora, DN, pugnando pela revogação da mesma e sua substituição por outra que “REABRA O DEBATE JUDICIAL E EQUACIONE A APLICAÇÃO DA MEDIDA DE APOIO JUNTO DOS PAIS, NA PESSOA DA PROGENITORA PREVISTA NO ARTIGO 35.º, N.º 1, AL. A) E 43.º da LPCJP, CUMPRINDO ASSIM COM O PRINCÍPIO DO PRIMADO DA FAMÍLIA BIOLÓGICA E NATURAL EM DETRIMENTO DE UM SOLUÇÃO QUE PASSA PELA SEPARAÇÃO DOS IRMÃOS E A SUA ENTREGA A UMA OUTRA FAMÍLIA”.
Formulou as seguintes conclusões recursórias:
“i. A 3 de Agosto de 2022, foi proferida decisão que aplicou, a título cautelar, a medida de acolhimento residencial aos menores.
ii. A medida catelar de acolhimento residencial dos menores foi revista por despacho datado de 19/12/2022.
iii. Registe-se que a revisão devia ter sido feita até 03/11/2022, pelo que, a medida foi revista mais de um mês depois e não nos três meses previstos na lei.
iv. Acresce que, foi solicitado à EATTL, pelo Tribunal a quo, através dos ofícios n.º 418002274 de 04.08.2022, n.º 419384397 de 06.10.2022, n.º 419923510 de 24.10.2022, n.º 420464926 de 10.11.2022, e n.º 420604039 de 15.11.2022, remessa de Relatório de Acompanhamento de Execução da Medida.
v. Relatório esse que apenas foi elaborado em 18 de novembro de 2022, depois de várias insistências do Tribunal a quo.
vi. Não obstante, desde a aplicação da medida de acolhimento residencial, decorreram mais de 5 meses, durante os quais ocorreram mudanças na situação económica e habitacional da progenitora.
vii. Porém, as novas situações vivenciais da progenitora não foram de todo valoradas pelo Tribunal a quo.
viii. E por isso mesmo a progenitora não pode estar de acordo com a decisão recorrida.
ix. A realidade é que neste caso concreto e nesta fase em que nos encontramos, não há que proteger as crianças de qualquer risco físico ou psíquico eminente ou atualizado no seu contexto de origem, que determine o encaminhamento das mesmas para uma família de acolhimento, ou, ainda, mais grave do que isso, a separação destes irmãos.
x. Até porque, a separação do agregado familiar de origem não é, como se sabe, isenta de danos.
xi. Para, além disso, note-se que em Outubro de 2020 a progenitora deixou de ser representada por mandatário, mas, ainda assim, não parou de acompanhar o processo, intervindo no mesmo pelos seus próprios meios, fazendo requerimentos sistemáticos e procurando de forma incessante obter informações sobre os filhos.
xii.  Requerimentos estes que, apesar de terem, necessariamente, relevo, não se mostra que tenham sido ponderados, isto não obstante o conteúdo dos mesmos revelar entre o mais, que tipo de mãe a Recorrente é.
xiii. Importa, ainda, perguntar se a melhor solução para esta família e, em especial, para estes irmãos, passa pela sua separação... Com o que naturalmente não se pode concordar,
xiv. No que concerne à manutenção da medida de acolhimento residencial relativamente à menor SM, importa realçar que a sua separação dos irmãos, atendendo à proximidade dos mesmos, poderá ter consequências nefastas no desenvolvimento da menor.
xv. Pelo mesmo motivo não pode a Recorrente concordar com a solução sugerida pela CA, isto é, com a eventual entrega da menor aos cuidados do pai, residente no Brasil.
xvi. Aliás, contrariamente ao que consta do relatório da EATTL elaborado em 28 de novembro de 2022, a progenitora jamais concordaria com tal solução!
xvii. Ora, choca, até, que atendendo à inexistência de relação entre pai e filha que a CA tenha sequer equacionado a possibilidade de a SM ir para o Brasil.
xviii. E agora quer a CA entregar a menor ao pai... pai este que nunca a desejou e com o qual nunca conviveu em ambiente familiar e sobre o qual pouco ou nada se sabe!
xix. Acresce que, a progenitora não quer assumir um papel de desresponsabilização pela educação das crianças, antes quer permanecer ativa e presente no quatidiano dos menores.
xx. Relembre-se que desde o início da intervenção judicial a progenitora realizou mudanças dignas de registo, como sejam, a separação de Osvaldo, sendo que o relacionamento que mantinha com o mesmo era apontado como o principal perigo que justificava a institucionalização dos menores.
xxi. Também no que concerne à questão da residência, a progenitora esforçou-se no sentido de tentar obter uma habitação que reunisse condições bastantes para albergar os seus cinco filhos, tendo, inclusive, conseguido que lhe fosse atribuído um alojamento camarário.
xxii. Porém, não obstante a progenitora ter delineado um projeto de vida que lhe permitesse habitar numa casa maior e com um valor de renda ajustado ao seu vencimento mensal, tal oportunidade esbateu-se, porquanto, não tendo os menores consigo, a progenitora perdeu o direito ao arrendamento que lhe foi inicialmente atribuído.
xxiii. Ainda assim, a progenitora não cruzou os braços e foi à procura de outra habitação, encontrando-se atualmente a residir na Rua do Impasse, n.º 26, 1.º Dto, Pontinha, a qual consiste num T2+1.
xxiv. A sala da casa onde a progenitora reside atualmente é bastante grande, pelo que, a progenitora pretende já no próximo mês iniciar obras no imóvel, para transformar a mesma num T3, através da divisão da sala.
xxv. Quanto à sua situação laboral, cumpre mencionar que a progenitora trabalha numa mercearia, tendo um horário de trabalho compreendido entre as 09:00h e as 17:00h, de segunda a sexta-feira, auferindo a retribuição mínima mensal.
xxvi. Nos seus tempos-livres a progenitora dedica-se, ainda, à venda de salgados e bebidas, sendo que, com este extra, a progenitora consegue ainda angariar mensalmente a quantia aproximada de €1000,00.
xxvii. Para além do exposto, diga-se ainda, que o despacho recorrido padece de vícios, porquanto:
xxviii. A decisão judicial de revisão deveria ser fundamentada com a valoração dos factos constantes dos autos e exposição das razões que justificaram a aplicação da nova medida, o que nos presentes autos manifestamente não aconteceu.
xxix. Os cinco primeiros parágrafos da decisão recorrida sob a epígrafe “Relatório” são a simples descrição de ocorrências processuais (são a notícia de que foi aplicada uma medida e dos pareceres da EATTL, da CA e do MP sobre o sentido que devia ter a revisão).
xxx. Os restantes parágrafos, referentes à “Fundamentação” não são mais do que transcrições de normas legais e formulações abstractas dos pressupostos legais da medida e da sua pressuposta verificação no caso.
xxxi. Logo, a não fundamentação da decisão recorrida implica a sua nulidade, por violação do disposto no artigo 62/4 da LPCJP.
xxxii. E, portanto, a decisão de que se recorre deveria ter sido ser precedida de um diagnóstico e de uma avaliação cuidada e, deveria, ainda, a Sr.ª Dr.ª Juiz a quo ter demonstrado a impossibilidade da intervenção por recurso a uma medida menos intrusiva nos direitos da mãe na sua relação com os filhos e que disponibilizasse às crianças a possibilidade de vinculação à família de origem, o que não fez.
xxxiii. E não foi por acaso que não o fez!
xxxiv. Mas sim porque atualmente inexistem factos que demonstrem que a mãe, por omissão ou ação, tenha posto em grave perigo a formação moral ou a educação dos menores em termos que, pela sua gravidade, comprometam os vínculos próprios dessa relação.
xxxv. Mais se diga que, mesmo que a progenitora quisesse requerer a alteração de concretos pontos de facto, com vista a indicar a decisão alternativa que, em seu entender, deveria ser proferida sobre tais factos, nos termos e com os requisitos exigidos pelo artigo 640.º do Cód. de Processo Civil normativo que aqui é aplicável (artigos 123.º e 126.º da LPCJP), não o poderia fazer, pois a fundamentação de facto da decisão recorrido é simplesmente inexistente.
xxxvi. Mas a falta de fundamentação da decisão não é o único problema do despacho recorrido.
xxxvii. Entre o mais, constata-se uma situação de omissão de pronúncia, uma vez que, nos requerimentos de 01.11.2022 e 05.12.2022, a mãe requereu que a decisão sobre a revisão da medida de promoção e proteção aplicada fosse precedida da audição dos menores, pedido este sobre o qual o Tribunal a quo não se pronunciou.
xxxviii. A progenitora já havia igualmente requerido a audição dos menores no recurso interposto em 22.08.2022, mas a verdade é que o Acórdão proferido nessa sequência também omitiu decisão sobre essa questão.
xxxix. Aliás, atento o teor do requerimento da progenitora de 05.12.2022, onde esta, entre o mais, pede o afastamento dos técnicos responsáveis pelo processo dos menores, era conveniente que a relação da mãe com a equipa da EATTL e bem assim com a CA de acolhimento fosse devidamente analisada antes de a medida de a medida de promoção e proteção fosse revista.
xl. Pois só assim seria possível alcançar uma solução justa.
xli. Uma vez que a posição da EATTL e da CA é objetivamente de sistemático boicote ao relacionamento entre mãe e filhos.
xlii. Isto porque, ao longo dos anos a mãe tem lutado desesperadamente para que os filhos regressassem para junto de si, estando, por isso, bastante agastada com toda esta situação, o que, por vezes, poderá não ser bem interpretado pelos membros da EATTL e da CA, fazendo, com que estes, reajam negativamente à sua falta de simpatia, o que expressam através de relatórios nos quais se fixam em pormenores negativos, sem dar a devida atenção ao esforço desenvolvimento pela progenitora em prol dos seus filhos.
xliii. Conclui-se, portanto, que se verifica a nulidade da decisão recorrida, na parte em que não se pronunciou sobre as questões suscitadas no requerimento de 01.11.2022 e 05.12.2022, nulidade processual esta que se projeta na decisão recorrida e a inquina enquanto tal.
xliv. Uma vez que a lei impõe, em regra, a audição/participação das crianças e jovens - artigos 4.º, al. j), 58.º, n.º 1, alíneas d) e h), 84.º e 85.º da LPCJP, e artigos 4.º e 5.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, aprovado pela Lei n.º 141/2015, de 8 de setembro), o que se traduz, por conseguinte, numa violação do artigo 67.º da Constituição da República Portuguesa, inconstitucionalidade que desde já se invoca, para os devidos e legais efeitos, nomeadamente os previstos na al. b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro.
xlv. Os vícios do despacho recorrido não se ficam por aqui, uma vez que, há, ainda, outras violações das seguintes normas da LPCJP, várias delas, como decorre do seu teor, de carácter imperativo, nomeadamente:
xlvi. Não observância do princípio da atualidade (art.º 4.º, e), da LPCJP.
xlvii. Como já aqui se deixou dito, os fundamentos que fundamentaram inicialmente a institucionalização dos menores, desapareceram e, portanto, atualmente não se verifica qualquer situação de perigo para os mesmos, muito menos uma situação que justifique o afastamento dos mesmos da sua família biológica.
xlviii. Acresce que, conforme já foi dito, os menores nunca foram ouvidos no processo.
xlix. O art.º 84.º dispõe que “as crianças e os jovens são ouvidos pela comissão de protecção ou pelo juiz sobre as situações que deram origem à intervenção e relativamente à aplicação, revisão ou cessação de medidas de promoção e proteção...) ”.
l. Como se não bastasse, a medida aplicada não foi precedida de debate judicial.
li. O art.º 114.º, n.º 5, al. b) dispõe: Para efeitos do disposto no artigo 62.º não há debate judicial, excepto se estiver em causa: “A substituição da medida de promoção e proteção aplicada“ (como sucede com a substituição da medida de acolhimento residencial pela medida de acolhimento familiar) e a “prorrogação da execução de medida de colocação” (a de prorrogação do acolhimento residencial, conforme decidido a favor da jovem SM, é uma medida de colocação e havia oposição, pelo menos, da mãe.
lii. A falta de debate judicial implica uma série de outras nulidades decorrentes da violação do disposto nos art.ºs 115 a 122.”.
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6. Em 31-01-2023, pelo Tribunal recorrido, foi proferido despacho onde se lê, nomeadamente, o seguinte:
“(…) Requerimento de interposição de recurso/ alegações da progenitora de 09.01.2023
Resposta do Ministério Público de 26.01.2023
Em cumprimento do disposto nos artigos 613.º, n.º 3, 615.º, n.º 4 e 617.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil (aplicável por força do disposto nos artigos 124.º e 126.º, da LPCJP), entende-se que a decisão de revisão da medida cautelar e provisória, proferida em 19.12.2022, não padece de qualquer nulidade, nomeadamente as invocadas pela Requerente/ Recorrente.
Pelo que, se mantém a decisão recorrida nos seus precisos termos.
No requerimento de interposição do recurso apresentado em 09.01.2023, a progenitora, ora Recorrente, veio requerer que seja atribuído efeito suspensivo ao recurso, sob pena de este perder o seu efeito útil.
A Digna Magistrada do Ministério Público não se pronunciou sobre o efeito a atribuir ao recurso.
Apreciando e decidindo.
De acordo com o disposto no artigo 124.º, n.º 2, da LPCJP, com excepção do recurso da decisão que aplique a medida de confiança com vista a adopção, prevista na alínea f) do n.º 1, do artigo 35.º, e do recurso da decisão que haja autorizado contactos entre irmãos, nos casos previstos no n.º 7 do artigo 62.º- A, os quais têm efeito suspensivo, cabe ao tribunal recorrido fixar o efeito do recurso.
Na situação dos autos, a progenitora veio interpor recurso do despacho proferido em 19.12.2022, em sede de revisão de medida cautelar, no qual se decidiu:
a) Prorrogar por 3 meses a medida cautelar de acolhimento residencial, aplicada em benefício da menor SM, a executar na Casa de Acolhimento Novo Rumo;
b) Determinar a substituição da medida cautelar de acolhimento residencial, pela medida cautelar de acolhimento familiar, por 3 meses, ficando as crianças MF, GF, GOF e LF, confiadas à guarda e cuidados de uma família de acolhimento;
c) Nomear a EATTL como entidade responsável pelo acompanhamento da execução da medida, a qual deverá enviar relatório de acompanhamento no prazo de 2 (dois) meses, se nada antes o justificar, concretizando sobre as alternativas de promoção e protecção, a título definitivo.
Pelo que, a decisão recorrida não se integra em nenhuma das situações expressamente previstas pelo legislador, cujo recurso tem efeito suspensivo (vide artigos 647.º, n.ºs 3 e 4, do Código de Processo Civil e 124.º, n.º 2, da LPCJP).
Por outro lado, conforme consta dos fundamentos melhor expendidos na decisão de revisão da medida cautelar, que aqui se dão por integralmente reproduzidos, não se alteraram os pressupostos em que se baseou a decisão de aplicação de medida cautelar, proferida em 03.08.2022, na qual se determinou a urgência em retirar as crianças do contexto familiar, sendo que a medida cautelar e provisória revela-se necessária enquanto se procede à definição do encaminhamento subsequente, inexistindo, por ora, alternativas no meio natural de vida, uma vez que os progenitores não reúnem condições para cuidar dos filhos menores, e não são conhecidos outros elementos da família alargada (materna ou paterna), que se possam constituir como alternativa protectora e securizante.
A decisão de revisão da medida cautelar, ora objecto de recurso por parte da progenitora, mereceu a concordância da Digna Magistrada do Ministério Público, e de todas as Equipas Técnicas que têm acompanhado a situação dos menores.
Conclui-se, assim, que inexiste fundamento legal para atribuir efeito suspensivo ao recurso interposto pela progenitora.
(…)
Face ao exposto e, ao abrigo das normas conjugadas dos artigos 627.º, 629.º, n.º 1, 631.º, 637.º, 639.º, 641.º, n.º 1 e n.º 5, 644.º, n.º 2, alíneas h) i), 645.º, n.º 2 e 647.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil aplicável ex vi dos artigos 123.º e 124.º, ambos da LPCJP, por legalmente admissível, tempestivo e interposto por quem para tal tem legitimidade, admito o recurso interposto pela progenitora, o qual é de apelação, a subir em separado e com efeito devolutivo.
(…)”.
*
7. Em 03-02-2023 foi proferido despacho, neste Tribunal de recurso, no qual “prefigurando-se a existência de causa que obsta ao conhecimento do recurso, por extemporaneidade da respetiva dedução”, se determinou a notificação das partes para, querendo e em conformidade com o disposto no artigo 655.º, n.º 1, do CPC, se pronunciarem em 10 (dez) dias sobre tal questão.
*
8. Na sequência, a recorrente pronunciou-se, por requerimento apresentado em juízo em 15-02-2023, concluindo que o recurso não é extemporâneo, dizendo que:
“1. A decisão recorrida tem que ser notificada à parte e ao mandatário;
2. Nem outra solução seria minimamente compatível com o que está em causa – retirar filhos aos pais para entregar a terceiros;
3. Sendo certo que noutros casos em que também se impõe a notificação à parte e ao mandatário o prazo a ter em conta será o que acabar em último (nem poderia ser de outra forma), certamente que a mesma regra se aplica quando se trata de tirar filhos aos pais, pais aos filhos, e separar irmãos, como é o caso da decisão recorrida;
4. Esse mui Douto Tribunal certamente que estará a equacionar a intempestividade do recurso pela notificação dirigida à ora signatária,
5. Uma vez que só por esta se poderia colocar tal hipótese,
6. Acontece que a Recorrente não foi notificada, quando o deveria e era suposto ter sido;
7. O pai não foi notificado, quando o deveria e era suposto ter sido (aliás surpreendentemente o pai nunca foi nem notificado nem ouvido, talvez o Estado se tenha esquecido que os Menores dos autos, assim como qualquer pessoa, têm pai…);
8. Pelo que, em rigor ainda nem se iniciou o prazo para os pais recorrerem uma vez que até à data não foram notificados da decisão recorrida que prorroga por mais três meses a privação do convívio com a filha bem como a privação do convívio desta com os pais;
9. E agora de novo separa os irmãos,
10. Ora a não ser que o Estado confundisse crianças com coisas, certamente que não entende que os pais não devam ser pessoalmente notificados de decisões que lhes retiram os filhos e separam os irmãos entre si e cujos traumas ficam para a vida, quer dos pais quer dos filhos;
11.A Recorrente entende que poderá ser mais cómodo para o Estado que se mantenha uma decisão que NÃO CONCRETIZA UM ÚNICO FACTO, do que se julgue o recurso e se declare a mesma nula, nem sequer se conseguindo reproduzir uma outra precisamente, pelo Tribunal de recurso, POR ELA NÃO CONTER UM ÚNICO FACTO PARA ALÉM DO NASCIMENTO DOS MENORES;
12. Mas perante uma grosseira violação da Lei, da Constituição, dos Tratados Internacionais aos quais o Estado se obrigou, por vezes mais valerá arrepiar caminho o quanto antes do que manter um erro, grosseiro, diga-se.
13. O prazo para a Recorrente MÃE DOS CINCO FILHOS QUE O ESTADO LHE ARRANCOU recorrer só se iniciará quando o Estado entender notificá-la.
14. Ora a Recorrente lançou mão do recurso antes mesmo de ter sido pessoal e directamente notificada.”.
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9. Por decisão do relator de 23-02-2023 foi decidido, atenta a sua extemporaneidade, pelo indeferimento do recurso interposto.
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10. Na sequência, a recorrente requer seja proferido acórdão sobre a matéria do despacho que indeferiu o recurso, em conformidade com o disposto no artigo 652.º, n.º 3, do CPC.
*
11. Foram colhidos os vistos legais.
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2. Questões a decidir:
As questões a decidir, no âmbito da presente impugnação, são as seguintes:
A) Se ocorre nulidade por falta de fundamentação na decisão reclamada?
B) Se, à luz da impugnação apresentada para esta conferência, o recurso interposto pela recorrente deve ser admitido ou se, ao invés, deverá ser mantida a decisão de não admissão de tal recurso, por extemporaneidade?
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3. Fundamentação de facto:
São elementos processuais relevantes para a apreciação da questão, os elencados no relatório, de acordo com os elementos documentais constantes dos autos.
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4. Fundamentação de direito:
*
A) Se ocorre nulidade por falta de fundamentação na decisão reclamada?
O artigo 641.º, n.º 6, do CPC determina que o meio processual próprio para colocar em crise a decisão do tribunal recorrido de não admissão de um recurso é a reclamação prevista no artigo 643.º do CPC.
Esta reclamação é decidida, conforme resulta do n.º 2, pelo relator, singularmente, muito embora, a decisão que assim seja proferida seja “suscetível de impugnação, nos termos previstos no n.º 3 do artigo 652.º”.
E do n.º 3 do artigo 652.º do CPC resulta que, em face de decisão do relator, no tribunal superior, quando a parte se considere prejudicada por qualquer decisão do relator, que não seja de mero expediente, pode requerer que sobre a matéria do despacho recaia acórdão.
Conforme bem nota Abrantes Geraldes (Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, p. 143):
“A nova redacção do n.º 4 do art.º 543.º e do n.º 3 do art.º 652.º afasta qualquer dúvida quanto à admissibilidade de reclamação para a conferência da decisão do relator sobre a reclamação advinda do tribunal inferior.
Tal como outras decisões singulares (com exceção da que não admite ou da que retém a subida de recurso interposto de acórdão proferido no respectivo tribunal), a decisão do relator que aprecia a reclamação pode ser impugnada perante a conferência. Assim acontece naturalmente com a decisão confirmativa do despacho reclamado, mas também com aquela que defira a reclamação”.
Assim, do despacho de 1.ª instância que não admita o recurso ou ilegitimamente o retenha, pode o interessado reclamar para o tribunal superior, nos termos do artigo 643.º do CPC e, decidida esta reclamação, pelo Tribunal superior, pode o interessado, impugnar a referida decisão em conformidade com o disposto no n.º 3 do artigo 652.º do CPC, sendo certo que, deste conhecimento em conferência, não caberá revista (cfr., neste sentido, entre outros, os Acórdãos do STJ de 10-11-2020, Pº 2657/15.9T8LSB-S.L1-A.S1 e de 28-04-2021, Pº 206/14.5T8OLH-W.E1.S1, rel. RICARDO COSTA).
Ou seja: “A ressalva feita ao disposto no artigo 641.º, n.º 6, do Código de Processo Civil, no início do n.º 3, do artigo 652.º, do mesmo diploma, não visa as decisões de não admissão do recurso proferidas pelo relator no tribunal de recurso, mas sim as decisões de rejeição do recurso proferidas no tribunal recorrido, conforme resulta do referido n.º 6 se encontrar incluído num artigo que tem apenas por objeto o despacho proferido no tribunal recorrido sobre a admissibilidade do recurso” (assim, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30-11-2021, Pº 1584/20.2T8CSC-J.L1.A.S1, rel. JOÃO CURA MARIANO).
No caso, estando em questão a decisão de não admissão do recurso proferida por este tribunal de recurso, a impugnação da mesma é admissível, em conformidade com o disposto no n.º 3 do artigo 652.º do CPC, pretensão que a recorrente visa exercer.
No requerimento em apreço, a reclamante invoca, desde logo, que o “Tribunal da Relação de Lisboa rejeitou o recurso sem fundamentar devidamente a sua decisão” (reportando-se à decisão proferida pelo relator em 23-02-2023), concluindo que “a falta de fundamentação que se verifica na decisão de rejeição do recurso, acarreta a nulidade da referida decisão por falta de fundamentação da mesma (…)” (cfr. artigos 28.º e 29.º e “conclusões” XVIII e XIX).
Vejamos:
Estabelece o artigo 205.º, n.º 1, da Constituição que “as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei”.
Conforme referem Jorge Miranda e Rui Medeiros (Constituição Portuguesa Anotada, Vol. III, 2.ª ed., Universidade Católica Portuguesa, 2020, pp. 61-62) “a fundamentação das decisões judiciais deve ser expressa, clara e coerente e suficiente.
a) Antes de mais, a fundamentação há de ser expressa. Apesar de, em confronto com o artigo 268.º, n.º 3, que trata da fundamentação dos atos administrativos, nada se dizer no artigo 205.º quanto ao carácter expresso da fundamentação, uma opção que deixe ao destinatário a descoberta das razões da decisão não cumpre a exigência constitucional de fundamentação, justamente porque “fundamentar é pôr em comunicação” e “O próprio ato de pôr em comunicação não pode deixar de ser comunicado” (ANTÓNIO CORTÊS, A fundamentação, pág. 301).
b) A fundamentação deve, além disso, ser clara e coerente. Os motivos apresentados pelo órgão decisor não podem ser obscuros ou de difícil compreensão, nem padecer de vícios lógicos, que tornam o raciocínio que lhe está subjacente em algo imprestável para a inteligibilidade da decisão. Como refere VIEIRA DE ANDRADE [O Dever de Fundamentação Expressa de Actos Administrativos, Coimbra, 2003 (reimp.), pág. 234], uma declaração incongruente “não é uma fundamentação, porque não pode ser um discurso justificativo, faltando-lhe a racionalidade que é uma condição necessária de toda a decisão pública de autoridade num Estado de Direito”.
c) Por fim, a fundamentação há de ser suficiente. Naturalmente, como foi sublinhado nos trabalhos preparatórios da revisão constitucional de 1997 pelo deputado Miguel Macedo, a Constituição não pretende impor “fundamentações densas, particularmente de origem doutrinária”, mas antes uma “fundamentação adequada, obviamente, à importância e circunstância da decisão judicial em causa” (Diário da Assembleia da República, de 26.7.1997, pág. 17 (…)). Mas, para que a fundamentação seja suficiente, dela devem constar os motivos, de facto e de direito, que justificam o sentido da decisão, de modo a que o destinatário a possa compreender e, sobretudo, apreciá-la criticamente. Na medida em que toda a questão jurídica é simultaneamente uma questão de facto e uma questão de direito, a fundamentação da decisão há de refletir essa bidimensionalidade (…)”.
Mas, a fundamentação deverá também ser adequada à importância e circunstância da decisão. Quer isto dizer que as decisões judiciais, ainda que tenham que ser sempre fundamentadas, podem sê-lo de forma mais ou menos exigente (de acordo com critérios de razoabilidade) consoante a função dessa mesma decisão.
A lei processual concretiza, no artigo 154.º do CPC, o comando constitucional.
Prescreve o n.º 1 do artigo 154.º do CPC que, “as decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas”.
O dever de fundamentação apenas é dispensado no caso das decisões de mero expediente.
“Deste modo, ainda que o pedido não seja controvertido ou que a questão não suscite qualquer dúvida, a respetiva decisão deverá ser fundamentada nos termos que forem ajustados ao caso. Naturalmente que tal dependerá da complexidade das questões ou da maior ou menor discussão que exista na jurisprudência ou na doutrina acerca das mesmas. Noutros casos a simplicidade da fundamentação é expressamente anunciada por preceitos legais (art.º 385.º, n.º 3, a respeito dos alimentos provisórios, ou o art.º 664.º, n.º 5, a respeito de certos recursos de apelação). (…).
Não pode medir-se a fundamentação pelo seu “volume” ou “extensão”, antes pelo seu conteúdo substancial.” (assim, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa; Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, 2018, p. 188).
Por sua vez e na linha da previsão constitucional, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea b) do CPC, será nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.
Sobre a nulidade por falta de fundamentação, “o que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade” (assim, Alberto dos Reis; Código de Processo Civil Anotado, vol. V, reimpressão, Coimbra Editora, Coimbra, 1981, p. 140).
Na verdade, só a falta absoluta de fundamentação, entendida como a total ausência de fundamentos de facto e de direito, gera a nulidade prevista na al. b) do nº 1 do citado art.º 615º do CPC.
A fundamentação deficiente, medíocre, incompleta ou errada afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade (neste sentido, entre outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 08-04-1975, in BMJ 246.º, p. 131; de 08-10-2020, Pº 5243/18.8T8LSB.L1.S1, rel. NUNO PINTO OLIVEIRA; e de 21-09-2021, Pº 1480/18.3T8LSB-A.L1.S1, rel. FERNANDO SAMÕES; Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 10-03-1980, in BMJ 300.º, p. 438 e de 08-03-2018, Pº 908/17.4T8FNC-B.L1-8, relatora TERESA PRAZERES PAIS; Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 08-07-1982, in BMJ 319.º, p. 343 e de 14-03-2016, Processo 171/15.1T8AVR.P1, relatora PAULA MARIA ROBERTO; Acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra de 06-11-2012, P.º 983/11.5TBPBL.C1, rel. JOSÉ AVELINO GONÇALVES e de 26-10-2018, Pº 121/07.0T8FIG.C1, rel. FELIZARDO PAIVA; Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 20-12-2012, P.º 5313/11.3YYLSB-A.E1, rel. PAULO AMARAL; e Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 19-11-2020, Pº 1307/20.6T8VNF-A.G1, rel. JORGE TEIXEIRA).
Concretizando a diferença entre falta de fundamentação – geradora da nulidade do artigo 615.º, n.º 1, al. b) do CPC – e insuficiente fundamentação, referiu-se – considerações que se subscrevem – no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 24-09-2020 (Pº 35708/19.8YIPRT.L1-2, rel. INÊS MOURA) que: “A falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão e que devem constar da sentença, como expressamente previsto no art.º 607.º n.º 3 do CPC é cominada com a nulidade da sentença no art.º 615.º n.º 1 al. b) do CPC.
Questão diferente da falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito na sentença, prevista no n.º 3 do art.º 607.º do CPC, é a falta de fundamentação ou de motivação da decisão de facto, prevista no n.º 4 do mesmo artigo.
Quando está em causa uma deficiente ou insuficiente fundamentação da decisão de facto, na explicação dada pelo tribunal para a formação da sua convicção na decisão que proferiu ao considerar provados e não provados os factos controvertidos em razão dos meios de prova produzidos, tal não determina a nulidade da sentença nos termos do art.º 615.º n.º 1 al. b), apenas podendo haver lugar à remessa do processo ao tribunal de 1ª instância, para que fundamente algum facto essencial para o julgamento que não esteja devidamente fundamentado, conforme prevê expressamente o art.º 662.º n.º 2 al. d) do CPC ao dar a possibilidade à Relação de, mesmo oficiosamente, “determinar que, não estando devidamente fundamentada a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa, o tribunal de 1ª instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados.””.
Em idênticos termos, expressou-se no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 14-05-2015 (Pº 414/13.6TBVVD.G1, rel. MANUEL BARGADO) que, “a nulidade prevista na alínea b) do nº 1 do artigo 615º do CPC, tal como é pacificamente admitido, exige a ausência total de fundamentação de facto ou de direito e não se basta com uma fundamentação meramente incompleta ou deficiente”.
Ora, no caso, conforme resulta da decisão de 23-02-2023 nela se divisa clara e patente a razão da decisão de indeferimento do recurso, a qual se encontra devidamente especificada e detalhada.
Basta atentar no seguinte excerto de tal decisão:
“(…) No caso, a recorrente imputa diversos vícios à decisão recorrida, mas não impugna matéria de facto, pelo que, não beneficia do prazo alargado, a que se reporta o artigo 638.º, n.º 7, do CPC (ex vi, do artigo 126.º da LPCJP – sobre a aplicação do referido n.º 7 no âmbito dos processos de promoção e proteção, vd., o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, Pº 386/12.4TBPTG-J.E1, rel. ALBERTINA PEDROSO).
Assim, na decorrência do exposto, o prazo a considerar para a interposição do presente recurso era, singelamente, o prazo de 10 dias, a que se reporta o n.º 1 do artigo 124.º da LPCJP, por estar em causa decisão tomada no âmbito de processo de promoção e proteção de crianças e jovens em perigo, sem que tenha sido impugnada a matéria de facto.
O prazo para interposição do recurso conta-se a partir da notificação da decisão.
Entende a recorrente – no requerimento ultimamente apresentado – que a decisão tem de ser notificada à parte e ao mandatário, pelo que, não tendo ocorrido a notificação à parte (dizendo que não foi notificada a progenitora, nem o pai, quando o deveriam ter sido), o prazo para recorrer “só se iniciará quando o Estado entender notificá-la”.
Não obstante a laboriosa construção da recorrente, certo é que, a mesma não tem sustentáculo legal que a confirme.
Com efeito, no âmbito do processo de promoção e proteção – pelo menos, antes da fase de debate judicial (cfr. artigos 103.º, n.º 4 e 114.º da LPCJP) – a intervenção de advogado não é obrigatória.
Todavia, conforme resulta do requerimento apresentado pela recorrente em 22-08-2022, a progenitora entendeu por bem conferir mandato forense à Ilustre Advogada que a representa.
Trata-se de faculdade geral, mas que, a LPCJP reitera no n.º 1 do artigo 103.º: “Os pais (…) podem, em qualquer fase do processo, constituir advogado ou requerer a nomeação de patrono que o represente, a si ou à criança ou ao jovem”.
Em razão de tal representação, o regime de notificações sofre as modificações inerentes, por força do prescrito nos artigos 247.º e 248.º do CPC, preceitos aplicáveis no presente processo.
E, dispondo a progenitora de advogado, que nessa qualidade a representa e não se destinando a notificação do despacho de revisão de medida de proteção e promoção a chamá-la a praticar um acto pessoal, a mesma notificação da progenitora tem lugar na pessoa da sua mandatária, em conformidade com os aludidos preceitos legais (aplicando tal princípio, relativamente à notificação que aplica medida de proteção e promoção, em geral, o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 193/2016, Pº 919/15, 2.ª secção, rel. PEDRO MACHETE e, à notificação de decisão de alteração de medida aplicada em sede do processo de promoção e proteção, embora no âmbito da precedente legislação, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 08-03-2006, Pº 4213/05, rel. SOUSA PINTO).
Não se verifica, pois, alguma omissão no que se refere à notificação da progenitora, face à decisão recorrida, que tenha determinado alguma “paralisação” do curso do prazo para interposição de recurso pela recorrente.
Tal não sucedeu, igualmente, em face dos progenitores das crianças dos autos.
É que, ao invés do invocado pela recorrente, não se afigura ter existido algum “esquecimento” relativamente aos mencionados progenitores das crianças.
Conforme resulta dos autos, os progenitores foram efetivamente notificados da decisão recorrida, apenas sucedendo que, por não terem constituído advogado, a correspondente notificação foi-lhes pessoalmente dirigida e efetuada (cfr. actos com as ref.ªs. n.ºs. 421620169 e 421620170, expedidas em 20-12-2022), em conformidade com o prescrito no artigo 249.º do CPC.
No caso, a decisão proferida em 19-12-2022, de que foi interposto recurso, foi notificada à recorrente, através da sua mandatária, por notificação expedida em 20-12-2022 (cfr. acto com a ref.ª 421620166).
A notificação referida no parágrafo precedente tem-se por efetuada em 23-12-2022 - artigos 132.º, n.º 2, 138.º, 139.º, 247.º e 248.º do Código de Processo Civil.
Tendo em conta o disposto no mencionado artigo 124.º, n.º 1, da LPCJP e considerando que o aludido prazo corre em férias, a recorrente poderia interpor recurso da referida decisão, até 02-01-2023, ou, nos termos do artigo 139.º do Código de Processo Civil, até 05-01-2023, o que não ocorreu, vindo, como se viu, o recurso a ser apresentado apenas em 09-01-2023.
O requerimento de interposição de recurso é, pois, manifestamente extemporâneo, o que prejudica o conhecimento do recurso – cfr. artigo 652.º, n.º 1, al. b) do CPC.”.
Enunciou-se o prazo aplicável para interposição de recurso, a forma de contagem de tal prazo, a verificação do seu decurso à data da interposição do requerimento recursório, segmentos decisórios que a recorrente e ora reclamante compreendeu perfeitamente, conforme resulta do confronto com o requerimento em apreço.
Vê-se, pois, que a decisão não se mostra desprovida de fundamentos de facto ou de direito, nos quais se estrutura, encontrando-se presente a razão de ser da decisão proferida.
E, como tal, resta concluir pela improcedência da arguição de nulidade da decisão recorrida, fundada no art.º 615º, nº 1, al. b), do CPC.
Já questão diversa é a discordância com os fundamentos enunciados, mas aí a divergência não se resolve no plano da nulidade da decisão, antes, no do eventual erro de julgamento inscrito na decisão recorrida, o que coloca a questão no plano da sua eventual revogação por ilegalidade.
Improcede, pois, a nulidade arguida, atinente à invocada falta de fundamentação.
*
B) Se, à luz da impugnação apresentada para esta conferência, o recurso interposto pela recorrente deve ser admitido ou se, ao invés, deverá ser mantida a decisão de não admissão de tal recurso, por extemporaneidade?
Nos termos da decisão singular proferida em 23-02-2023 concluiu-se pelo indeferimento do requerimento recursório por extemporaneidade.
Notificada de tal decisão, a recorrente, irresignada, reclama para a conferência.
Invoca a impugnante, para além da falta de fundamentação já apreciada, em suma, que:
- A recorrente impugnou matéria de facto no recurso apresentado, o que, em seu entender, resulta do ponto 1 ao ponto 96 do recurso e das conclusões xxviii a xxxv;
- A recorrente não tem que dizer se pretende impugnar ou não a matéria de facto, cabendo ao tribunal admitir essa possibilidade se tal for possível em face das conclusões de recurso;
- Os progenitores dos menores não foram notificados da decisão recorrida; e
- Não poderia o relator decidir como decidiu, sem fazer constar do texto da decisão singular a data em que os mesmos se consideram notificados.
Vejamos cada um destes pontos.
Conforme resulta dos factos pertinentes para a apreciação da questão em apreço, a progenitora, por requerimento e alegações apresentadas em juízo em 09-01-2023, executado, veio interpor recurso da decisão tomada em 19-12-2022.
Esta decisão foi notificada por ofício de 20-12-2022.
Sobre o regime recursório em sede do processo de promoção e proteção, regulado na Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo (abreviadamente, LPCJP, aprovada pela Lei n.º 147/99, de 1 de setembro), a que respeitam estes autos, dispõe o artigo 124.º, n.º 1, da LPCJP que, “os recursos são processados e julgados como em matéria cível, sendo o prazo de alegações e de resposta de 10 dias”.
De harmonia com o disposto no n.º 1 do artigo 102.º da LPCJP, o processo judicial de promoção e proteção é de natureza urgente, correndo em férias judiciais.
No caso, conforme se escreveu na decisão singular “a recorrente imputa diversos vícios à decisão recorrida, mas não impugna matéria de facto, pelo que, não beneficia do prazo alargado, a que se reporta o artigo 638.º, n.º 7, do CPC (ex vi, do artigo 126.º da LPCJP – sobre a aplicação do referido n.º 7 no âmbito dos processos de promoção e proteção, vd., o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, Pº 386/12.4TBPTG-J.E1, rel. ALBERTINA PEDROSO)”.
Sustenta a recorrente que não tem que dizer se pretende impugnar ou não a matéria de facto, cabendo ao tribunal admitir essa possibilidade se tal for possível em face das conclusões de recurso.
Não lhe assiste razão.
Conforme bem salienta Rui Pinto (Manual do Recurso Civil – Vol. I, AAFDL, 2020, pp. 292 a 296), a interposição de recurso guia-se pelos princípios do dispositivo e da concentração de actos processuais, devendo o requerimento recursório conter a respetiva fundamentação e pedido, devendo o recorrente cumprir os ónus estruturais de alegação e de formulação de conclusões, concluindo com um pedido de revogação, total ou parcial, de uma decisão judicial, sendo que, “o recorrente deverá, ainda, delimitar subjetiva e objetivamente o recurso, nos termos do artigo 635.º, cumprir os ónus de especificação dos fundamentos em matéria de direito ou em matéria de facto, consoante o objeto do recurso – cf. artigos 639º n.º 2, 640º, 690º n.º 1 e 698.º n.º 1 - , de indicação da espécie, efeito e modo de subida do recurso (cf. artigo 637º nº 1) e de instrução documental do recurso, nos termos dos artigos 637º n.º 2 segunda parte, 646º nº 1, 690º n.º 2 e 698º nº 2”.
Nesta linha, em face dos princípios dispositivo e da concentração de atos processuais, que modelam o regime recursório, para o recorrente poder beneficiar do prazo acrescido a que se reporta o n.º 7 do artigo 638º do CPC, deverá, em face do objeto da apelação, delimitado pelas conclusões, manifestar a pretensão de impugnar a matéria de facto.
Conforme se expressou no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24-10-2019 (Pº 3150/13.0TBPTM.E1.S1, rel. PAULO FERREIRA DA CUNHA), para “saber se o prazo suplementar de 10 dias conferido pelo art.º 638, n.º 7 é suscetível de se aplicar, apenas depende do objeto da Apelação (delimitado pelas respetivas conclusões). E, em concreto, se ele versa sobre a reapreciação da prova gravada. Ainda que tal determinação do objeto possa não ser modelarmente recortada”.
Entende, todavia, a recorrente que impugnou matéria de facto.
Conforme se referiu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14-09-2021 (Pº 18853/17.1T8PRT.P1.S1, rel. TIBÉRIO NUNES DA SILVA), “há que distinguir entre a questão de saber se está configurado o recurso de modo a que se conclua que do seu objecto faz parte a reapreciação da prova gravada – o que leva ao acréscimo do prazo de 10 dias – e a de apurar se estão preenchidos os requisitos da impugnação da decisão da matéria de facto previstos no art.º 640º do CPC, problema que se coloca em momento subsequente ao da admissão do recurso e que pode motivar a rejeição da impugnação, com o consequente não conhecimento, nesse aspecto, do objecto do mesmo recurso.
Abrantes Geraldes explica, na sua obra Recursos em Processo Civil, 6ª edição, Almedina, Coimbra, 2020, p. 172, que «o recorrente apenas poderá beneficiar daquele prazo alargado se integrar no recurso conclusões que envolvam efectivamente a impugnação da decisão da matéria de facto, tendo por base depoimentos gravados, nos termos do art.º 640º, nº2, al. a), independentemente da verificação dos demais requisitos legais da impugnação ou sequer da apreciação do respectivo mérito».
No Ac. do STJ de 28-04-2016, Proc. 1006/12.2TBPRD.P1.S1, relatado também por Abrantes Geraldes, publicado em www.dgsi.pt, considerou-se que:
«Para os casos em que o recurso de apelação tenha por objecto a decisão da matéria de facto, implicando a reapreciação de meios de prova oralmente produzidos e que tenham sido gravados a lei concede ao recorrente um prazo adicional de 10 dias, nos termos do art.º 638º, nº 7, do CPC.
Constitui uma medida de fácil compreensão e que tem como justificação as maiores dificuldades inerentes ao cumprimento do ónus de apresentação de alegações, o que implica necessariamente com o conteúdo de gravações que foram realizadas e a que a parte terá de aceder.
Resulta claro do preceito que a aplicabilidade da extensão temporal não se basta com o facto de terem sido produzidos oralmente meios de prova na audiência de julgamento, sendo imprescindível que a impugnação da decisão da matéria de facto (relativamente a todos ou alguns dos pontos impugnados) implique, de algum modo, a valoração desses meios de prova. Aliás, não é suficiente que os depoimentos gravados tenham interferido potencialmente na formação da convicção, sendo necessário que o recorrente efectivamente se sirva do teor de depoimentos ou declarações prestadas e gravados para sustentar, perante a Relação, a modificação da decisão da matéria de facto (…)”.
Ora, no caso, tal impugnação seria deduzível, na perspetiva da recorrente, da alegação produzida nos pontos 1 a 96 e conclusões xxviii a xxxv das alegações de recurso. Aí foi expendido o seguinte:
“(…) 1. A 3 de Agosto de 2022, foi proferida decisão que aplicou, a título cautelar, a medida de acolhimento residencial aos menores.
2. No dia 12 de Agosto de 2022, os menores foram acolhidos na CA Novo Rumo;
3. A medida cautelar de acolhimento residencial dos menores foi revista por despacho datado de 19/12/2022.
4. Registe-se que a revisão devia ter sido feita até 03/11/2022, pelo que, a medida foi revista mais de um mês depois e não nos três meses previstos na lei.
5. Acresce que, foi solicitado à EATTL, pelo Tribunal a quo, através dos ofícios n.º 418002274 de 04.08.2022, n.º 419384397 de 06.10.2022, n.º 419923510 de 24.10.2022, n.º 420464926 de 10.11.2022, e n.º 420604039 de 15.11.2022, remessa de Relatório de Acompanhamento de Execução da Medida.
6. Relatório esse que apenas foi elaborado em 18 de novembro de 2022, depois de várias insistências do Tribunal a quo.
7. Não obstante, desde a aplicação da medida de acolhimento residencial, decorreram mais de 5 meses, durante os quais ocorreram mudanças na situação económica e habitacional da progenitora.
8. Porém, as novas situações vivenciais da progenitora não foram de todo valoradas pelo Tribunal a quo.
9. De facto, ao fim de 5 meses de institucionalização, decidiu o Tribunal a quo que os menores deveriam ser separados da mãe e entre si, ficando a irmã mais velha aos cuidados da CA e os restantes encaminhados para uma família de acolhimento.
10. Isto, mesmo considerando a relação de proximidade entre os irmãos, relatada quer pela EATTL, quer pela CA.
11. Veja-se, a título de exemplo, o relatório sobre a situação vivencial das crianças elaborado pela EATTL em 24.05.2019, o qual, acerca da relação destes irmãos, relata que:
“Em contexto da CA, SM manifestou preocupação com os mesmos, procurando dar informações aos cuidadores no que diz respeito aos seus gostos e preferências, mantendo uma relação próxima com estes (...). É protectora em relação aos irmãos, principalmente com o MF, defendendo-o quando se geram conflitos com outras crianças (...).”
12. Ligação essa que o Tribunal a quo descurou, não tomando, ainda, em devida consideração o sofrimento que a decisão que se recorre irá trazer aos menores, certamente superior ao que advinha do facto de permanecerem todos na CA.
13. E por isso mesmo a progenitora não pode estar de acordo com a decisão recorrida.
14. Pois a verdade é que a progenitora tem vindo a mover mundos e fundos de forma a poder ter os seus filhos novamente ao pé de si, motivo pelo qual se insugre contra a decisão agora tomada e que lesa muito esta família.
15. Porquanto, neste caso conreto e nesta fase em que nos encontramos, não há que proteger as crianças de qualquer risco físico ou psíquico eminente ou atualizado no seu contexto de origem, que determine o encaminhamento das mesmas para uma família de acolhimento, ou, ainda, mais grave do que isso, a separação destes irmãos.
16. Até porque, a separação do agregado familiar de origem não é, como se sabe, isenta de danos. Se não vejamos:
17. Para ser possível depreender corretamente qual a posição da progenitora e bem assim os motivos da sua discordância face à decisão aqui recorrida, importa olhar para trás e fazer uma análise completa do percurso dos menores até ao presente.
18. Assim sendo,
19. O presente processo de promoção e proteção teve início quando a progenitora decidiu defender-se do pai dos menores, que a agredia física e psicológicamente.
20. Na sequência das agressões de que era vítima, a progenitora fez várias denúncias contra Osvaldo, de forma a travar os episódios de violência a que era sujeita.
21. Reconhece a progenitora que enquanto Osvaldo permaneceu em casa, tanto ela como os menores estavam em perigo.
22. Nesse seguimento, foi então aplicada aos menores a medida cautelar de promoção e proteção de apoio junto dos pais, na pessoa da mãe, o que teve lugar no dia 28.09.2017.
23. Com o escalar da situação de violência doméstica, em 22.02.2019 foi decretada medida de acolhimento residencial.
24. Consequentemente, a progenitora terminou defitivamente o seu relacionamento com Osvaldo, tendo o mesmo saído da casa que ambos partilhavam o que significa que as crianças deixaram de estar expostas a uma situação de violência doméstica.
25. Não obstante, note-se que em 17.06.2019, Osvaldo, quando notificado para se pronunciar sobre o relatório que antecede, veio apresentar requerimento, no qual defendeu que a progenitora sempre prestou os cuidados necessários aos menores, o que aquele fez, apesar da sua relação de litígio com a mãe das crianças.
26. Pois que, até Osvaldo, sabe reconhecer que a progenitora sempre atuou como mãe, zelando pela saúde e segurança dos menores, ainda que ao longo de todo o processo venha a mesma a ser acusada do contrário.
27. Já da avaliação psicológica feita à progenitora, não resulta daqui a incapacidade da progenitora para o exercício das responsabilidades parentais, pelo contrário, as considerações feitas a respeito desta são até bastante positivas.
28. Na realidade, no relatório da associação para o planeamento familiar, elaborado em 24.02.2020, diz-se, a respeito da pessoa da progenitora que:
“(...) após a exploração dos seus comportamentos e das suas atitudes, a Sr.ª DN vai mostrando alguma capacidade de reflexão sobre as suas fragilidades.”
“(...) tem sido bastante diligente quanto ao cumprimento das cláusulas propostas pelo Tribunal.”
 “No que respeita ao apoio psicológico, e apesar de referir que não sentia necessidade de acompanhamento, assumiu que seria uma ação a realizar, mesmo contra o que considera
necessário, em prol dos seus filhos.”
“Fez uma procura ativa de estabelecimentos educativos para os filhos e filhas, procurou apoio junto de vários serviços e inscreveu as crianças (...)”.
“Tem também diligenciado pela procura de alternativa habitacional (...)”.
“Ao discutir o acompanhamento mantido por si nas questões escolares e de saúde, a Sr.ª DN mostra conhecimentos sobre os seus filhos e preocupação com os mesmos, nas
referidas áreas”.
“Tem sido colaborante com os serviços, na medida em que cumpre com os atendimentos (faltou a dois atendimentos que foram ambos remarcados), envolveu-se nos mesmos e assume uma postura crítica face à situação em causa.”
“A Sr.ª DN revela preocupação pela instabilidade económica que enfrenta, fazendo movimentos proativos de procura de emprego (...)”.
“Tem também pedido apoio logístico ao CAFAP para envio de currículos (...)”.
29. Esforços estes feitos pela progenitora e que se verificam ainda na atualidade, mas que parecem ser completamente ignorados pelo Tribunal a quo e pelos relatórios que vão chegando ao processo, sendo que o teor do último nem sequer é do conhecimento da progenitora, uma vez que lhe foi atribuído carácter confidencial.
30. Para, além disso, note-se que em Outubro de 2020 a progenitora deixou de ser representada por mandatário, mas, ainda assim, não parou de acompanhar o processo, intervindo no mesmo pelos seus próprios meios, fazendo requerimentos sistemáticos e procurando de forma incessante obter informações sobre os filhos.
31. Requerimentos estes que, apesar de terem, necessariamente, relevo, não se mostra que tenham sido ponderados, isto não obstante o conteúdo dos mesmos revelar entre o mais, que tipo de mãe a Recorrente é.
Vejamos:
32. Do requerimento de fls, resulta que era a progenitora quem cortava o cabelo aos seus filhos e entrelaçava o cabelo das meninas.
33. A progenitora também sempre esteve presente na rotina dos jantares dos menores e, quando lhe era permitido, auxiliava as técnicas com a colocação dos pijamas e até com os banhos das crianças.
34. Relata ainda a progenitora que no mês de Junho e Julho de 2020 investiu € 280,00 em roupa para os menores, uma vez que, os mesmos chegaram a aparecer nas visitas com roupa rota e sapatos desgastados.
35. Isto mesmo é confirmado no relatório junto aos autos de 25.03.2021, no qual se diz que: ”(...) relativamente à roupa, grande parte da roupa destas crianças é trazida pela mãe (...)".
36. É a mãe que pergunta como sempre fez até então, pela saúde dos filhos, consultas e percurso escolar dos mesmos, não ficando à espera que tais informações lhe sejam transmitidas pela CA.
37. Ou seja, não obstante estarem institucionalizados, a progenitora sempre procurou intervir ativamente na vida dos seus filhos.
38. A progenitora explica, ainda, no requerimento de fls, que a sua filha SM a vê como uma melhor amiga, ou seja, como alguém em quem pode confiar, relatando, a título de exemplo, uma conversa que tivera com a SM na instituição e durante a qual esta partilhou que uma amiga já beijava na boca e que não pretendia fazer o mesmo porque ainda era uma criança.
39. A SM afirmou, ainda, nessa altura, perante a progenitora, que quando tivesse um namorado, gostaria de apresentá-lo à mãe, mas só após os 16 anos.
40. Ora, são estas conversas que demonstram, desde logo, a cumplicidade que existe entre mãe e filha.
41. E que demonstram, igualmente, que a SM se sente confortável e faz questão em partilhar o seu dia-a-dia com a progenitora, pois sabe que a mãe sempre terá um conselho para lhe dar e estará sempre disponível para ouvi-la.
42. Relação esta que tem um valor acrescido na fase em que a SM se encontra, isto é, na adolescência.
43. É, por isso, importante, a SM manter esta relação de proximidade com a progenitora.
44. Daqui se evidencia que a progenitora sempre foi uma mãe presente.
45. E para corroborá-lo, importa igualmente atendermos no percurso escolar dos menores ainda mesmo antes da intervenção judicial que deu origem aos presentes autos.
46. Assim, veja-se que da informação pedagógica transmitida aos autos pelo estabelecimento de ensino que os menores frequentavam à época, a Voz do Operário (fls. 417), resultam considerações bastante positivas, a respeito dos menores e da mãe.
47. De facto, a escola referiu nunca ter tido qualquer indicação, por parte das crianças, de situações potencialmente desadequadas.
48. Isto porque a progenitora sempre soube gerir a vida escolar dos menores.
49. E, portanto, o bom desempenho escolar dos menores não advém da sua permanência numa instituição, porque na realidade sempre assim foi.
50. No referido relatório é, ainda, evidenciada a relação entre os irmãos, como sendo algo de enorme afetuosidade e proximidade, o que se mantém até aos dias de hoje.
Aplicação de medidas distintas aos menores:
51. Importa, agora, perguntar se a melhor solução para esta família e, em especial, para estes irmãos, passa pela sua separação... Com o que naturalmente não se pode concordar,
52. Porquanto:
53. No que concerne à manutenção da medida de acolhimento residencial relativamente à menor SM, importa realçar que a sua separação dos irmãos, atendendo à sua proximidade com os mesmos, poderá ter consequências nefastas no desenvolvimento da menor.
54. Pelo mesmo motivo não pode a Recorrente concordar com a solução sugerida pela CA, isto é, com a eventual entrega da menor aos cuidados do pai, residente no Brasil.
55. Aliás, contrariamente ao que consta do relatório da EATTL elaborado em 28 de novembro de 2022, a progenitora jamais concordaria com tal solução!
56. Pois o pai da SM nunca a reconheceu como filha;
57. Nunca prestou qualquer apoio nos cuidados da menor;
58. Nunca sentiu sequer necessidade de visitar a filha em Portugal;
59. Nunca quis participar ativamente na vida da menor;
60. Ora, choca, até, que atendendo à inexistência de relação entre pai e filha que a CA tenha sequer equacionado a possibilidade de a SM ir para o Brasil.
61. O que ademais se iria traduzir no corte de laços com os seus irmãos e com a sua mãe.
62. Diga-se, ainda, que quando o pai da menor teve conhecimento da gravidez da progenitora, pediu a esta que abortasse!
63. E agora quer a CA entregar a menor ao pai… pai este que nunca a desejou e com o qual nunca conviveu em ambiente familiar e sobre o qual pouco ou nada se sabe!
64. Mas, para, além disso, a operar-se a separação destes irmãos, como pretendido pela CA e a EATTL, o que será feito do sentimento de união que caracteriza a relação destes irmãos e que tão bem tem sido descrito ao longo do processo?
65. O mesmo se diga do sentimento que todos os menores nutrem pela mãe e esta pelas crianças?
66. Ora, a progenitora até pode ter algumas fragilidades - como de resto qualquer pai tem -, mas não pode conceder que essas fragilidades sejam tantas e tão graves ao ponto de ficar sem os filhos!
67. Importa, por isso, apurar melhor os contornos do relacionamento entre a mãe e as crianças, em face dos relatos díspares que mãe e CA vêm fazendo:
68. Ora, temos aqui uma mãe que ao longo de TODO o processo, SEMPRE lutou, quer acompanhada por advogado, quer sozinha, pelos seus filhos.
69. Que se empenhou em recuperar os mesmos,
70. Que não perdeu uma visita,
71. Nem um telefonema,
72. De facto, a progenitora todos os dias procurou estabelecer contacto com os filhos, procurou saber como correu o dia destes, o que fizeram, quer na escola, quer na CA.
73. Sempre demonstrou interesse em estar a par da situação de saúde e escolar dos menores.
74. Que pediu ajuda para melhorar as suas competências parentais.
75. E procurou, ainda, se instruir nesse sentido, tendo para isso frequentado e concluído diversos cursos online.
76. A progenitora não fuma, não consome produtos estupefacientes e não ingere bebidas alcoólicas, não representa nenhum perigo para os menores.
77. Os menores nunca foram vítimas de exploração,
78. De abuso,
79. De maus-tratos,
80. Isso mesmo é demonstrado pelos sentimentos que nutrem pela progenitora, bem visível quando esta os visita na CA.
LOGO,
81. O facto de estes menores serem oriundos de uma família de fracos recursos económicos, de o pai pouco ou nada se importar com eles, contando só com a sua mãe, e de terem os condicionalismos próprios de tais circunstâncias, não é motivo para que sejam retiradas à sua família biológica!
82. Diga-se, ainda, que a medida de promoção e proteção, que tenha como consequência a separação dos irmãos e bem assim a separação das crianças da mãe e do respetivo meio social mostrar-se-á, a prazo, lesiva do direito dos menores.
83. De facto, a colocação das crianças sob a guarda de terceira pessoa não é neutra e as suas repercussões serão inevitáveis.
84. Ainda para mais na situação dos autos, uma vez que, é inegável o carinho e amor que os elementos desta família nutrem uns pelos outros.
85. Logo, o contexto destas crianças será, nitidamente, a curto prazo, de parentalidades cruzadas.
86. As mesmas ficarão sujeitas à tensão decorrente da dupla parentalidade paradoxal: de um lado a parentalidade leal; de outro a parentalidade funcional.
87. Acresce que, a progenitora não quer assumir um papel de desresponsabilização pela educação das crianças, antes quer permanecer ativa e presente no quotidiano dos menores, por quem nutre um grande amor.
88. Relembre-se que desde o início da intervenção judicial a progenitora realizou mudanças dignas de registo, como sejam, a separação de Osvaldo, sendo que o relacionamento que mantinha com o mesmo era apontado como o principal perigo que justificava a institucionalização dos menores.
89. Também no que concerne à questão da residência, a progenitora esforçou-se no sentido de tentar obter uma habitação que reunisse condições bastantes para albergar os seus cinco filhos, tendo, inclusive, conseguido que lhe fosse atribuído um alojamento camarário.
90. Porém, não obstante a progenitora ter delineado um projeto de vida que lhe permitisse habitar numa casa maior e com um valor de renda ajustado ao seu vencimento mensal, tal oportunidade esbateu-se, porquanto, não tendo os menores consigo, a progenitora perdeu o direito ao arrendamento que lhe foi inicialmente atribuído pela Câmara.
91. Ainda assim, a progenitora não cruzou os braços e foi à procura de outra habitação, encontrando-se atualmente a residir na Rua do Impasse, n.º 26, 1.º Dto, Pontinha, a qual consiste num T2+1.
92. A progenitora paga uma renda mensal de €390,00, quantia esta a que acrescem as despesas domésticas.
93. A sala da casa onde a progenitora reside atualmente é bastante grande, pelo que, a progenitora pretende já no próximo mês iniciar obras no imóvel, para transformar o mesmo num T3, através da divisão da sala.
94. Quanto à sua situação laboral, cumpre mencionar que a progenitora trabalha numa mercearia, tendo um horário de trabalho compreendido entre as 09:00h e as 17:00h, de segunda a sexta-feira, auferindo a retribuição mínima mensal.
95. Nos seus tempos-livres a progenitora dedica-se, ainda, à venda de salgados e bebidas, sendo que, com este extra, a progenitora consegue ainda angariar uma quantia mensal que pode atingir os € 1000,00.
96. Note-se que daqui tem necessariamente de se reconhecer um esforço válido e sério à progenitora para alterar a sua situação económica, habitacional e relacional, de molde a criar condições para o regresso dos filhos à família biológica (…)
xxviii. A decisão judicial de revisão deveria ser fundamentada com a valoração dos factos constantes dos autos e exposição das razões que justificaram a aplicação da nova medida, o que nos presentes autos manifestamente não aconteceu.
xxix. Os cinco primeiros parágrafos da decisão recorrida sob a epígrafe “Relatório” são a simples descrição de ocorrências processuais (são a notícia de que foi aplicada uma medida e dos pareceres da EATTL, da CA e do MP sobre o sentido que devia ter a revisão).
xxx. Os restantes parágrafos, referentes à “Fundamentação” não são mais do que transcrições de normas legais e formulações abstractas dos pressupostos legais da medida e da sua pressuposta verificação no caso.
xxxi. Logo, a não fundamentação da decisão recorrida implica a sua nulidade, por violação do disposto no artigo 62/4 da LPCJP.
xxxii. E, portanto, a decisão de que se recorre deveria ter sido ser precedida de um diagnóstico e de uma avaliação cuidada e, deveria, ainda, a Sr.ª Dr.ª Juiz a quo ter demonstrado a impossibilidade da intervenção por recurso a uma medida menos intrusiva nos direitos da mãe na sua relação com os filhos e que disponibilizasse às crianças a possibilidade de vinculação à família de origem, o que não fez.
E não foi por acaso que não o fez!
Mas sim porque atualmente inexistem factos que demonstrem que a mãe, por omissão ou ação, tenha posto em grave perigo a formação moral ou a educação dos menores em termos que, pela sua gravidade, comprometam os vínculos próprios dessa relação.
Mais se diga que, mesmo que a progenitora quisesse requerer a alteração de concretos pontos de facto, com vista a indicar a decisão alternativa que, em seu entender, deveria ser proferida sobre tais factos, nos termos e com os requisitos exigidos pelo artigo 640.º do Cód. de Processo Civil normativo que aqui é aplicável (artigos 123.º e 126.º da LPCJP), não o poderia fazer, pois a fundamentação de facto da decisão recorrido é simplesmente inexistente.(…).”
Conforme refere Abrantes Geraldes (Recursos em Processo Civil, 6ª edição actualizada, 2020, pp. 196-197):
“a) Em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões.
b) Deve ainda especificar, na motivação, os meios de prova, constantes do processo ou que nele tenham sido registados, que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos.
c) Relativamente a pontos de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em prova gravada, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar, com exactidão, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos.
(…)
e) O recorrente deixará expressa, na motivação, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou incongruente”.
Afirma o autor (ob. cit., pp. 199-200) a “rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto”, designadamente quando se verifique a “falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto”, a “falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados”, a “falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou neles registados”, a “falta de indicação exacta, na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda”, bem como quando se verifique a “falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação”, concluindo que a observância dos requisitos acima elencados visa impedir “que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo”.
Assim, conforme referem António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 2018, pág. 770) “cumpre ao recorrente indicar os pontos de facto que impugna, pretensão esta que, delimitando o objecto do recurso, deve ser inserida também nas conclusões (art.º 635º)”.
Ora, analisados cada um desses pontos da alegação, neles não se divisa alguma concreta impugnação factual, mas sim, a invocação de diversas circunstâncias, quanto às quais a recorrente manifesta a sua posição, sem se arredar – para além da invocação da nulidade da decisão recorrida - de um inconsequente inconformismo.
Tal ausência de impugnação de facto não faz a recorrente beneficiar do prazo acrescido a que se refere o n.º 7 do artigo 638.º do CPC, aspeto que foi evidenciado na decisão reclamada, sem que tal juízo mereça alguma censura.
Invoca, todavia, a reclamante que o relator da decisão reclamada não poderia decidir como decidiu, sem fazer constar do texto da decisão singular a data em que os progenitores das crianças se consideram notificados da decisão de que foi interposto recurso, afirmando que tal notificação não ocorreu.
O prazo para interposição do recurso conta-se a partir da notificação da decisão.
Ora, conforme se afirmou na decisão reclamada:
“Não se verifica (…) alguma omissão no que se refere à notificação da progenitora, face à decisão recorrida, que tenha determinado alguma “paralisação” do curso do prazo para interposição de recurso pela recorrente.
Tal não sucedeu, igualmente, em face dos progenitores das crianças dos autos.
É que, ao invés do invocado pela recorrente, não se afigura ter existido algum “esquecimento” relativamente aos mencionados progenitores das crianças.
Conforme resulta dos autos, os progenitores foram efetivamente notificados da decisão recorrida, apenas sucedendo que, por não terem constituído advogado, a correspondente notificação foi-lhes pessoalmente dirigida e efetuada (cfr. actos com as ref.ªs. n.ºs. 421620169 e 421620170, expedidas em 20-12-2022), em conformidade com o prescrito no artigo 249.º do CPC (…)”
Conforme resulta desta decisão, foram expressamente referidas as circunstâncias – por referência aos atos processuais realizados e à legislação correspondentemente aplicável – em que teve lugar a notificação da decisão recorrida aos aludidos progenitores, elementos que se afiguram suficientes para viabilizar uma adequada, correta e congruente interpretação dos termos em que teve lugar a efetivação da mencionada notificação.
Não se afigura que fosse exigível a indicação de alguma outra circunstância referente à realização de tal acto de notificação, sendo que, para a concretização ou perfeição de uma notificação não é imposto por lei, na decisão a que se faça referência a tal acto, que seja expressamente indicada a data de efetivação da notificação.
A forma de realização das notificações de decisões às partes que não constituam mandatário tem lugar nos termos consignados no artigo 249.º do CPC, não se exigindo que ocorra “recibo” (cfr. artigo 18 do requerimento em apreço) ou a comprovação de efetivo recebimento, para a produção dos efeitos respetivos.
É que a lei basta-se com uma presunção de que tal recebimento ocorreu.
Conforme se lê no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19-06-2019 (Pº 19449/08.4YYLSB-B.L1.S1, rel. OLINDO GERALDES), “a presunção da notificação postal, prevista no art.º 249.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, é uma presunção juris tantum, que pode ser ilidida mediante prova em contrário. Face a essa presunção, compete ao interessado, intervindo no processo, alegar e provar a situação de exclusão da presunção que lhe possibilita a prática válida do ato. A alegação tem de ser concretizada logo que o interessado intervém no processo, para o juiz poder ajuizar, desde logo, da tempestividade da pretensão jurídica”.
Nenhum elemento foi aportado pela recorrente no sentido de se poder colocar em crise a presunção de notificação resultante da prática dos atos processuais acima identificados e atinentes à expedição de notificação para os progenitores.
Assim, soçobra tal questão.
Em face do exposto, sendo o prazo de recurso a considerar o de 10 dias, a que se reporta o n.º 1 do artigo 124.º da LPCJP (por estar em causa decisão tomada no âmbito de processo de promoção e proteção de crianças e jovens em perigo), sem que tenha sido impugnada a matéria de facto (e tendo a decisão recorrida sido proferida em 19-12-2022), tendo sido notificada aos progenitores e à recorrente (esta, através da sua mandatária, por notificação expedida em 20-12-2022 - cfr. acto com a ref.ª 421620166), tendo-se por efetuada em 23-12-2022 - artigos 132.º, n.º 2, 138.º, 139.º, 247.º e 248.º do Código de Processo Civil – e considerando que o aludido prazo corre em férias, a recorrente poderia interpor recurso da referida decisão, até 02-01-2023, ou, nos termos do artigo 139.º do Código de Processo Civil, até 05-01-2023, o que não ocorreu, vindo, como se viu, o recurso a ser apresentado apenas em 09-01-2023.
O requerimento de interposição de recurso é, pois, manifestamente extemporâneo, o que prejudica o conhecimento do recurso – cfr. artigo 652.º, n.º 1, al. b) do CPC.
*
A impugnação deduzida deverá, em consequência, ser julgada improcedente e, consequentemente, deve manter-se o despacho proferido e que deu origem à reclamação.
*
A responsabilidade tributária atinente incidirá sobre a impugnante, que decaiu integralmente na mesma - cfr. artigo 527.º, n.º 1, do CPC – sem prejuízo do apoio judiciário de que, a mesma, presentemente, beneficia.
*
5. Decisão:
Pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes que compõem o tribunal coletivo desta 2.ª Secção Cível em julgar improcedente a impugnação deduzida, mantendo-se, na íntegra, o despacho impugnado, que indeferiu, por extemporâneo, o recurso interposto.
Custas pela impugnante/recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário de que, a mesma, presentemente, beneficia.
Notifique e registe.
*
Lisboa, 30 de março de 2023.
Carlos Castelo Branco
Orlando dos Santos Nascimento
João Miguel Mourão Vaz Gomes