Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | PIMENTEL MARCOS | ||
Descritores: | ARRESTO EMBARGOS CONVERSÃO DO ARRESTO EM PENHORA | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 11/15/2011 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | AGRAVO | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
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Sumário: | I - O arresto consiste numa apreensão judicial de bens capaz de antecipar os efeitos derivados da sentença de condenação a proferir; a penhora é uma providência de afectação através da qual se sujeitam os bens do devedor aos fins da execução, ou seja, à satisfação do direito do credor. II - Em ambos os casos existe uma apreensão de bens com a finalidade de, posteriormente, através da venda, vir a ser satisfeito o direito do credor, podendo o arresto ser uma penhora antecipada, ficando os bens arrestados à disposição do tribunal para mais tarde (após a conversão em penhora) poderem ser vendidos. III - Mas há uma diferença fundamental entre eles: com o arresto pretende-se acautelar um prejuízo que se receia (pois existe um justificado receio de perda da garantia patrimonial do crédito do arrestante); com a penhora, através dos bens penhorados, procura-se a realização efectiva dum direito já declarado. IV - O artigo 356.º do CPC, sob a epígrafe “efeitos do recebimento dos embargos”, corresponde, no essencial, à doutrina constante do n.º 2 do artigo 1041.º, o qual, por sua vez, correspondia à 1.ª parte do artigo 1038.º do CPC de 1939, implicando o recebimento dos embargos de terceiro a suspensão dos termos do processo em que eles se inserem e do qual são dependência, paralisando os efeitos subsequentes à agressão patrimonial sofrida pelo embargante. V - Porém, a suspensão limita-se aos termos do processo em que os embargos se inserem e aos bens a que os mesmos respeitam, pelo que não impede a realização doutras diligências relativas a outros bens. VI - Se os embargos forem julgados procedentes, a diligência contra a qual haviam sido deduzidos fica sem efeito; se forem julgados improcedentes manter-se-á essa diligência e cessa a suspensão que o recebimento produziu, prosseguindo o arresto seus termos. VII - Por isso, a conversão do arresto em penhora, depois de recebidos os embargos, mas antes de nestes ter sido proferida decisão final, viola o disposto no artigo 356º do Código de Processo Civil, pois, após o recebimento dos embargos, ficam suspensos os termos do arresto. VIII - Como resulta do artigo 410.º do CPC, o arresto fica sem efeito, nomeadamente quando, obtida na acção de cumprimento sentença com trânsito em julgado, o credor insatisfeito não promover execução dentro dos dois meses subsequentes. IX - Visa esta norma punir a inércia ou a negligência do credor, pois não se justificaria que, decretado o arresto e transitado em julgado a acção de que ele é dependente, o credor não tivesse que promover a execução da sentença num prazo de tempo razoável (no caso dois meses). X - Mas o credor não tem o ónus de instaurar a execução da sentença proferida numa acção pauliana quando tiverem sido deduzidos embargos ao arresto e estes tiverem sido recebidos, mas, relativamente aos quais ainda não tiver sido proferida decisão final. XI - Consequentemente, o artigo 410.º não tem aplicação quando tiverem sido recebidos embargos de terceiro e até que neste apenso seja proferida decisão final, com trânsito em julgado. (Sumário do Relator) | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa. Vem o presente recurso interposto do despacho proferido nos autos de arresto, pelo qual foi indeferido o requerimento formulado pela embargante, A… Ldª”, no sentido de ser declarada «a extinção do arresto» dum alvará, oportunamente decretado, com fundamento na sua caducidade, nos termos do artigo 410º do Código de Processo Civil. Transcreve-se a parte final do despacho recorrido: «Sendo certo que do disposto nos artigos 389.º e 410.º do CPC resulta um duplo prazo de caducidade (…) entendemos que o disposto no artigo 410.º do CPC é inaplicável ao caso em apreço. Com efeito, “a ratio” deste último preceito é punir a inércia ou negligência do credor e, no caso em apreço, tal não se verifica, pois, face à instauração dos embargos de terceiro em 15/05/06 (antes do trânsito da decisão principal), embargos esses na dependência dos autos de arresto e que determinaram a suspensão destes autos, e o facto de naqueles ainda não haver sentença transitada em julgado, AS…, SA não pode avançar para a acção executiva já que aí não pode requerer a conversão do arresto do alvará da farmácia em penhora. Pelo exposto, e sem necessidade de mais considerações, indefiro o requerido e mantenho o arresto decretado nestes autos» Deste despacho recorreu a embargante, formulando as seguintes conclusões: 1) A sentença dos autos principais constitui inequivocamente um título executivo, por conter uma condenação e por, para além do mais, se encontrar já transitada em julgado desde 7/11/2007. 2) Os efeitos do arresto, decretado em 1997, não ficaram suspensos após o recebimento dos embargos em 30/5/2006; 3) Também os autos principais, incluindo a sentença neles decretada e transitada em julgado, não ficaram suspensos com o recebimento dos embargos; 4) Era possível à credora AS… SA converter o arresto em penhora, e bem assim promover a execução da sentença dos autos principais, após o trânsito em julgado desta, não obstando a isso o recebimento dos embargos e a sua pendência; 5) A AS… SA não promoveu a execução dessa sentença nos dois meses subsequentes ao respectivo trânsito em julgado, consequentemente, não observou o prazo de caducidade previsto no artigo 410º do CPC; 6) Encontrando-se extinto esse prazo caducou o arresto, pelo que deverá este recurso ser julgado procedente e, consequentemente, ser revogado o despacho ora recorrido e substituído por outro que declare extinto o arresto decretado nestes autos (Apenso A) por verificação da sua caducidade e ordene o respectivo levantamento, bem como a comunicação ao INFARMED da extinção e levantamento do arresto do alvará de farmácia nº 1089, do estabelecimento denominado FI…. Em contra-alegações concluiu a recorrida, em síntese: 1. A norma do artigo 410º do Código de Processo Civil é uma norma geral que visa punir a inércia ou a negligência do credor. 2. A norma do artigo 356º do Código de Processo Civil é relativa aos embargos de terceiro, mais concretamente, aos efeitos do recebimento dos embargos de terceiro, estatuindo a suspensão do processo em que se inserem (no caso dos autos, o arresto), quanto aos bens a que diga respeito. 3. Por aplicação do artigo 356º do Código de Processo Civil, a suspensão impede o prosseguimento das diligências executivas relativas ao bem arrestado (penhora, venda, pagamento). 4. Por aplicação do artigo 356º do Código de Processo Civil, deduzidos embargos de terceiro e recebidos os mesmos, quaisquer actos praticados em relação ao bem objecto do arresto contra o qual foram deduzidos embargos, posteriormente a estes terem sido recebidos, são anuláveis. 5. No caso dos autos, o recebimento dos embargos de terceiro impede a instauração de acção executiva, baseada na sentença proferida nos autos de impugnação pauliana, transitada em julgado em 2007, em data posterior ao recebimento dos embargos (2006). 6. O artigo 410º do Código de Processo Civil é inaplicável ao caso dos autos, por terem sido deduzidos embargos de terceiro. 7. A conversão em penhora do arresto violaria o disposto no artigo 356º do Código de Processo Civil, na medida em que, após o recebimento dos embargos de terceiro, ficam suspensos os termos do arresto quanto ao alvará, uma vez que é esse o bem cujo arresto foi embargado pela Recorrente. 8. Operando a suspensão por aplicação do disposto no artigo 356º do Código de Processo Civil, a Recorrida não tinha prazo de dois meses para intentar acção executiva, na medida em que, ao interpor a acção executiva, o objecto da mesma seria a conversão do arresto em penhora e a venda do bem antes arrestado, objecto este impossível em face da suspensão dos termos do arresto relativamente ao bem em causa. 9. Se o arresto pudesse ser convertido em penhora, daí decorreria que os embargos de terceiro deduzidos pela Recorrente ficariam esvaziados de objecto, tendo esta que ir deduzir oposição à penhora, sendo que, nos termos do artigo 814º do Código de Processo Civil, a Recorrente não teria fundamento para se opor. 10. Se a conversão do arresto em penhora fosse possível, poder-se-ia então concluir que o recebimento dos embargos, em bom rigor, nada suspenderia quanto ao arresto, só suspenderia, então, e em rigor, os efeitos da penhora. Nada na lei permite tal conclusão. Foi sustentado o despacho recorrido. Colhidos os vistos legais cumpre apreciar e decidir. São os seguintes os factos a ter em consideração: 1) O arresto do alvará da farmácia foi decretado em 1996; 2) Os embargos ao arresto (Apenso C) foram deduzidos pela A… Ldª em 15/05/2006 e admitidos em 30/5/2006, mas ainda se encontram pendentes; 3) A sentença da acção principal (impugnação pauliana) (de que o arresto é dependência) transitou em julgado no dia 7/11/2007, transcrevendo-se aqui a parte decisória: «a) condenam-se a FI… (a devedora) e “F e M Ldª!. (a adquirente dos bens impugnados) a reconhecer o direito de crédito da Autora (a AS…SA) no montante de 648.437,27 € acrescido de juros de mora à taxa legal supletiva para os créditos de que são titulares sociedades comerciais, contados desde 30 de Junho de 2004. b) condenam-se a FI, Lda. e a F e M, Lda. a aceitar que a Autora se possa restituir do mencionado crédito através dos referidos bens que é o estabelecimento de farmácia trespassado com todos os seus pertences e direitos, como seja o alvará e o direito ao trespasse e arrendamento do referido estabelecimento da farmácia, nomeadamente, através da sua execução judicial.» 4) A AS… SA (ora recorrida) não promoveu a execução dessa sentença nos dois meses subsequentes à data o trânsito em julgado, nem consta que o tenha feito posteriormente (o que não vem posto em causa). O Direito. 1. Os requisitos do arresto preventivo vêm elencados no art. 619º, nº 1, do C. Civil, segundo o qual, o credor que tenha justo receio de perder a garantia patrimonial do seu crédito pode requerer o arresto de bens do devedor, nos termos da lei do processo, ou seja, dos artigos 406.º e seguintes do Código de Processo Civil. Com efeito, o n.º 1 deste artigo reproduz aquela mesma doutrina: «o credor que tenha justificado receio de perder a garantia patrimonial do seu crédito pode requerer o arresto de bens do devedor». O arresto depende, pois, da verificação cumulativa de dois requisitos, como resulta dos artigos 406.º e 407.º do C.P.C.: - Probabilidade da existência do crédito do requerente; - Receio justificado da perda de garantia patrimonial. E, como resulta do n.º 2 do artigo 406.º, «o arresto consiste numa apreensão judicial de bens, à qual são aplicáveis as disposições relativas à penhora, em tudo quanto não contrariar o preceituado nesta subsecção». Sendo, como é, um procedimento cautelar, visa o arresto combater o periculum in mora (o prejuízo da demora inevitável do processo), a fim de que a sentença que vier a ser decretada favoravelmente não perca o seu efeito útil, isto é, impedir que, durante a pendência da acção, a situação de facto se altere de tal modo que a sentença nela proferida perca a sua eficácia. «O arresto de bens do devedor constitui “a garantia patrimonial” assegurando que os bens apreendidos se irão manter na esfera jurídica do devedor até que no processo executivo seja realizada a penhora, antecedente do pagamento do crédito»[1]. É um meio de conservação da garantia patrimonial do credor. O arresto consiste, pois, numa apreensão judicial de bens capaz de antecipar os efeitos derivados da sentença de condenação a proferir. A penhora, por sua vez, é uma providência de afectação através da qual se sujeitam os bens do devedor aos fins da execução, ou seja, à satisfação do direito do credor. É uma providência de afectação porque, em consequência dela, os bens sobre que recai ficam afectados ao fim da execução. Ou, dito doutro modo: os bens penhorados ficam à disposição do tribunal para que, através da sua venda, possa satisfazer o crédito do exequente. Consiste, no fundo, numa apreensão de bens para os afectar à finalidade da execução Em ambos os casos existe uma apreensão de bens com a finalidade de, posteriormente, através da venda, vir a ser satisfeito o direito do credor. O arresto pode ser mesmo uma penhora antecipada, ficando os bens arrestados à disposição do tribunal para mais tarde poderem ser vendidos (naturalmente após conversão em penhora) Como estatui o nº 1 do artigo 822º do C.C., «salvo nos casos especialmente previstos na lei, o exequente adquire pela penhora o direito de ser pago com preferência a qualquer outro credor que não tenha garantia real anterior». «Tal como a penhora, oferece ao credor que o requeira e obtenha o direito de ser pago com preferência a qualquer outro credor que não tenha garantia real anterior à data em que é efectuado (artigo 822-2 CC) ou, incidindo sobre bem sujeito a registo, à data em que é registado (artigos 622-2CC e 838-4), o que constitui, tal como a penhora, uma garantia real, embora por natureza provisória (ver o n.º 2 da anotação ao artigo 410º)[2]. Mas há uma diferença fundamental entre eles: com o arresto pretende-se acautelar um prejuízo que se receia (é que existe um justificado receio de perda da garantia patrimonial do crédito do arrestante); com a penhora, através dos bens penhorados procura-se a realização efectiva dum direito já declarado. 2. Ao arresto em causa foram deduzidos embargos de terceiro nos termos dos artigos 351.º e seguintes do C.P.C. Determina o n.º 1 deste artigo (sob a epígrafe “fundamento dos embargos de terceiro): «se qualquer acto, judicialmente ordenado de apreensão ou entrega de bens ofender a posse ou qualquer direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência, de que seja titular quem não é parte na causa, pode o lesado fazê-lo valer, deduzindo embargos de terceiro». «Inclui-se no âmbito do incidente de oposição o procedimento de embargos de terceiro, perspectivados como verdadeira sub-espécie da oposição espontânea, caracterizada por se inserir num processo que comporta diligências de natureza executiva (penhora ou qualquer acto de apreensão de bens judicialmente ordenado), opondo o terceiro embargante um direito próprio, incompatível com a subsistência dos efeitos típicos de tais diligências»[3]. O terceiro embargante invoca um direito próprio, incompatível com a subsistência dos efeitos típicos dos actos judicialmente ordenados de apreensão ou entrega de bens. O embargante pode, assim, defender, além da posse, qualquer outro direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência judicial que se traduza num acto de agressão patrimonial. Neste caso, o acto judicialmente ordenado é o arresto. A pretensão do embargante pode assim ser efectivada num processo já pendente entre outros sujeitos processuais e visa a concretização de um direito incompatível com a subsistência dos efeitos de um acto de agressão patrimonial, judicialmente ordenado no interesse de uma das partes da causa, e que terá atingido ilegitimamente o direito invocado pelo embargante. «O problema da admissibilidade dos embargos de terceiro, aparece, deste modo, ligado, não apenas à qualificação do embargante como “possuidor”, mas também à averiguação da titularidade de um direito que, ponderada a sua natureza e regime juridico-material, não possa ser legitimamente atingido pelo acto de apreensão judicial de bens em causa, por ser oponível aos interessados que promoveram ou a quem aproveita a diligência judicialmente ordenada»[4]. Por isso, os embargos são processados por apenso à causa em que haja sido ordenado o acto ofensivo do direito do embargante (artigo 353.º do CPC), no caso, o arresto. 3. A questão que se coloca é a de saber se, perante estes factos a “AS".” podia e devia ter promovido a execução da sentença proferida na acção principal (impugnação pauliana) nos dois meses subsequentes ao trânsito em julgado, isto é, dentro do prazo de caducidade previsto no artigo 410º do CPC. Ou, dito doutro modo, se é aplicável este artigo quando forem deduzidos e recebidos embargos de terceiro, sem que nestes tenha sido proferida decisão final com transitado em julgado. Esta disposição normativa estabelece o seguinte: «o arresto fica sem efeito, não só nas situações previstas no artigo 389.º, mas também no caso de, obtida na acção de cumprimento sentença com trânsito em julgado, o credor insatisfeito não promover execução dentro dos dois meses subsequentes, ou se, promovida a execução, o processo ficar sem andamento durante mais de 30 dias, por negligência do exequente». Aqui apenas está em causa a instauração da execução no prazo de dois meses após o trânsito em julgado da sentença. E a sentença proferida na acção de impugnação pauliana transitou em julgado há mais de dois meses, e no despacho recorrido considerou-se ser esta a acção principal de que o arresto é dependência. Porém, nos termos do artigo 356.º do CPC, sob a epígrafe “efeitos do recebimento dos embargos”, «o despacho que receba os embargos determina a suspensão dos termos do processo em que se inserem, quanto aos bens a que dizem respeito (…)». Corresponde, no essencial, à doutrina constante do n.º 2 do artigo 1041.º, o qual, por sua vez, correspondia à 1.ª parte do artigo 1038.º do CPC de 1939, implicando o recebimento dos embargos de terceiro a suspensão dos termos do processo em que eles se inserem e do qual são dependência, paralisando os efeitos subsequentes à agressão patrimonial sofrida pelo embargante. Alega a recorrente a este propósito: «a suspensão imposta pelo citado preceito opera para o futuro, determinando a anulação de todos os actos praticados após o recebimento dos embargos, mas não afecta os actos do processo já concluídos. Assim, se o arresto foi decretado em 1996, mas os embargos só foram admitidos em 2006, o arresto não foi atingido pela suspensão decorrente do recebimento dos embargos por ser anterior ao início da produção dos efeitos desta. E note-se, por outro lado, que o processo alvo da dita suspensão é apenas o processo onde se inserem os embargos, que é o correspondente a estes autos, apenso A, onde foi decretado o arresto (porque o alvo dos embargos é apenas o arresto do alvará, não mais do que esse)». E assim é, na verdade, tal como é certo o alegado pela mesma apelante quando afirma que o “processo principal” não é afectado pelos embargos. Com efeito, a suspensão limita-se aos termos do processo em que os embargos se inserem (no caso o arresto) e aos bens a que os mesmos respeitam, pelo que não impede a realização doutras diligências relativas a outros bens. Se tiverem sido arrestados vários bens e os embargos apenas respeitarem a um deles, o processo poderá prosseguir normalmente, mas apenas em relação aos restantes. «A suspensão, limitando-se aos termos do processo relativos aos bens a que os embargos respeitam, não impede o prosseguimento das diligências, maxime executivas (penhora, venda, pagamento) relativas a outros bens. Se os embargos forem deduzidos contra a penhora, o exequente terá, alias, o direito de nomear outros bens do executado (art. 836.º-2-c)»[5]. Assim, “a contrario sensu”, a suspensão mantém-se em relação aos bens a que os embargos respeitam. E, no caso em apreço, o único bem arrestado é o alvará da referida farmácia. Por isso, com o recebimento dos embargos ficaram suspensos os termos dos autos de arresto. 4. No acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 12/4/1999 (CJ Ano 1999, Tomo II, págs. 191 a 193) foi decidido: Garantido o crédito do exequente por arresto, será este convertido em penhora, por despacho, nos termos do artigo 846.º do Código de Processo Civil, não obstando a essa conversão o facto de terem sido deduzidos - e estarem pendentes sem decisão final - embargos ao arresto. Portanto, segundo a doutrina deste acórdão, o arresto poderá ser convertido em penhora, ainda que tenham sido deduzidos e recebidos embargos, sem que nestes tenha sido proferida decisão final. Remetendo para a doutrina deste acórdão também Lebre de Freitas[6] defende que o artigo 846.º do CPC é aplicável mesmo que o arresto tenha sido impugnado e não haja ainda decisão definitiva, uma vez que os seus efeitos se mantém até que, em recurso, ou oposição, uma nova decisão o revogue. Parece não haver qualquer dúvida de que o arresto se mantém. Uma vez decretado apenas deixará de produzir os seus efeitos se os embargos forem julgados procedentes. Se estes forem julgados improcedentes, os autos de arresto prosseguirão seus termos. De qualquer forma é necessário aguardar pelo trânsito em julgado da sentença a proferir nos embargos. A questão de fundo a decidir neste recurso e no processo que deu origem àquele acórdão do TRP não é exactamente a mesma, pois aqui está em causa saber se o credor (arrestante) tem que promover a execução da sentença proferida no processo principal, sob pena de, não o fazendo, caducar o arresto nos termos do artigo 410.º citado. Ao passo que no processo onde foi proferido aquele acórdão corria termos uma execução, tendo sido arrestados alguns bens e depois deduzidos e recebidos embargos de terceiro, mas sem decisão final e, apesar disso, o arresto foi convertido em penhora. De qualquer forma, a questão a decidir naquele recurso era a de saber se o arresto a que foram opostos embargos podia ser convertido em penhora antes de ser proferida decisão final neste incidente. Depois de algumas considerações feitas sobre as semelhanças e diferenças entre o arresto e a penhora, foi referido, nomeadamente, naquele acórdão: - Atentos os pressupostos do arresto e da penhora, que são diversos, e tendo em conta a razão de ser da norma do artigo 835.º do CPC, não se vê em que medida a dedução de embargos ao arresto poderia obstar à penhora, efectuada mediante despacho de conversão, dos bens arrestados; - A conversão do arresto em penhora pressupõe exclusivamente que os bens a penhorar estejam arrestados; - A lógica da recorrente conduziria a uma situação curiosa, paralisante da execução: por um lado não poderiam ser nomeados outros bens à penhora, porque a lei a tanto se opõe (artigo 835.º do CPC); por outro, não poderia o arresto ser convertido em penhora porque os embargos ao arresto a tanto obstariam; - O eventual afastamento dos fundamentos do arresto não se estende aos da penhora, tal como a verificação dos requisitos de uma qualquer providência cautelar não influi na sorte da acção principal; - O arresto autonomiza-se da execução de que é dependência e, consequentemente, da penhora, prosseguindo cada um deles os seus próprios fins, pelo que as incidências pelas quais o arresto venha a passar nenhuma influência têm sobre a penhora, que terá de ser realizada de acordo com as regras próprias desta fase processual; - Não há, pois, qualquer motivo para que os bens arrestados deixem de ser penhorados, através de despacho de conversão, ainda que tenham sido deduzidos embargos de arresto. A questão que deu origem ao presente recurso não tem que ver directamente com esta, pois o que aqui está em causa é saber se o credor tem o ónus de instaurar a execução. Mas, pelo despacho recorrido, foi indeferido o pedido do embargante (declarar-se extinto o arresto) precisamente com o fundamento de que a “AS… S.A.”, na acção executiva a propor, não poderia requerer a conversão do arresto em penhora. 5. É claro que nada impediria que o credor (ora recorrido) instaurasse a execução da sentença proferida nos autos de impugnação pauliana (partindo-se, naturalmente, do pressuposto de que a sentença era exequível – questão que não abordaremos aqui por desnecessária. Nessa execução poderiam ser nomeados bens à penhora, nos termos gerais. Porém, em virtude de terem sido deduzidos embargos ao arresto e de os mesmos terem sido recebidos, mas ainda não decididos, põe-se a questão de saber se, mesmo assim, o credor tinha que instaurar execução, sob pena de caducidade do arresto. Nos termos do artigo 846.º do CPC, «quando os bens estejam arrestados, converte-se o arresto em penhora e faz-se no registo predial o respectivo averbamento, aplicando-se o disposto no artigo 838º». Trata-se de uma situação semelhante à prevista no n.º 1 do artigo 835.º para os bens onerados com garantia real. Em ambos os casos os bens a penhorar estão pré-determinados, só podendo ser nomeados outros nos casos previstos na lei. Como vimos, o despacho que receba os embargos determina a suspensão dos termos do processo em que se inserem, quanto aos bens a que dizem respeito. Esse processo é o arresto e o bem arrestado é o alvará, o que significa que os autos de arresto se encontram suspensos até decisão final dos embargos. Se o processo se encontra suspenso não podem ser praticados quaisquer actos incompatíveis com essa situação. Se os embargos forem julgados procedentes, a diligência contra a qual haviam sido deduzidos (no caso o arresto) fica sem efeito. Se forem julgados improcedentes manter-se-á essa diligência, e finda a suspensão que o recebimento produziu, pelo que os autos de arresto prosseguirão seus termos. Parece-nos, assim, que a conversão do arresto em penhora violaria o disposto no artigo 356º do Código de Processo Civil, na medida em que, após o recebimento dos embargos, ficam suspensos os termos do arresto. É que o procedimento do arresto encontra-se suspenso, ex vi legis. Se fosse possível a conversão do arresto em penhora, depois de recebidos os embargos, teríamos que concluir que os autos de execução poderiam prosseguir até final. E podia mesmo chegar-se à fase da venda. Aliás, não se justificaria que, estando pendentes embargos de terceiro, o processo de execução prosseguisse. Os embargos de terceiro destinam-se precisamente a dar possibilidade a quem não é parte na acção poder fazer valer o seu alegado direito em relação a um ou mais bens. Com efeito, a pessoa cujo direito seja ofendido pelo arresto, se quiser reagir contra essa ofensa, poderá deduzir embargos de terceiro. Se os autos de arresto se encontram suspensos, como justificar o prosseguimento dos autos de execução com penhora do bem arrestado? Como vimos, os bens penhorados ficam à disposição do tribunal para que este, através da venda, possa satisfazer o crédito do exequente. Como se compaginar esta situação com a suspensão dos termos do arresto? 6. Mas, mesmo que assim não fosse, ou seja, que se entendesse que a execução podia ser instaurada e depois prosseguir com a conversão do arresto em penhora, parece-nos que, no caso sub Judice o credor não tinha o ónus de instaurar a execução de sentença enquanto não houvesse uma decisão final nos embargos. Uma coisa é a possibilidade legal da conversão do arresto em penhora e outra, bem diferente, o credor ter o ónus de instaurar a execução. O terceiro embargante invoca um direito próprio, incompatível com a subsistência dos efeitos típicos dos actos judicialmente ordenados de apreensão ou entrega de bens. No caso incompatível com o arresto. Nos termos do artigo 358.º do CPC, a sentença de mérito proferida nos embargos constitui, nos termos gerais, caso julgado quanto à existência e titularidade do direito invocado pelo embargante ou por algum dos embargados, nos termos do n.º 2 do artigo 357.º. Isto significa que, se fosse instaurada execução e depois o arresto convertido em penhora, e finalmente os embargos julgados procedentes, o arresto não poderia subsistir. A eventual procedência dos embargos significa que o alvará não pertencia ao executado. E se, por exemplo, este não tivesse outros bens, a execução nem poderia prosseguir. A norma do artigo 410.º visa punir a inércia ou a negligência do credor. E bem se compreende que assim seja, pois não se justificaria que, decretado o arresto e transitado em julgado a acção de que ele é dependente, o credor não tivesse que promover a execução da sentença num prazo de tempo razoável (no caso dois meses). Ora, face ao que vem sendo dito, não se vê qualquer razão para se afirmar que o credor, ora recorrente, foi negligente. Toda a prudência aconselha que se aguarde pela decisão final a proferir nos embargos. Aliás, deve notar-se que foi a ora apelante que deduziu os embargos e só por isso se encontram suspensos os temos do arresto. Exigir que o credor instaurasse a execução nestas condições equivaleria a um benefício injustificado do embargante. Por isso, entende-se que o credor não tem o ónus de instaurar a execução da sentença proferida numa acção pauliana quando tiverem sido deduzidos embargos ao arresto e estes tiverem sido recebidos, mas, relativamente aos quais ainda não tiver sido proferida decisão final. Consequentemente, face às razões aduzidas, o artigo 410.º do CPC não pode ser aplicado quando, como in casu, tiverem sido recebidos embargos de terceiro e até que neste apenso seja proferida decisão final, com trânsito em julgado. Em conclusão: 1. O arresto consiste numa apreensão judicial de bens capaz de antecipar os efeitos derivados da sentença de condenação a proferir; a penhora é uma providência de afectação através da qual se sujeitam os bens do devedor aos fins da execução, ou seja, à satisfação do direito do credor. 2. Em ambos os casos existe uma apreensão de bens com a finalidade de, posteriormente, através da venda, vir a ser satisfeito o direito do credor, podendo o arresto ser uma penhora antecipada, ficando os bens arrestados à disposição do tribunal para mais tarde (após a conversão em penhora) poderem ser vendidos. 3. Mas há uma diferença fundamental entre eles: com o arresto pretende-se acautelar um prejuízo que se receia (pois existe um justificado receio de perda da garantia patrimonial do crédito do arrestante); com a penhora, através dos bens penhorados, procura-se a realização efectiva dum direito já declarado. 4. O artigo 356.º do CPC, sob a epígrafe “efeitos do recebimento dos embargos”, corresponde, no essencial, à doutrina constante do n.º 2 do artigo 1041.º, o qual, por sua vez, correspondia à 1.ª parte do artigo 1038.º do CPC de 1939, implicando o recebimento dos embargos de terceiro a suspensão dos termos do processo em que eles se inserem e do qual são dependência, paralisando os efeitos subsequentes à agressão patrimonial sofrida pelo embargante. 5. Porém, a suspensão limita-se aos termos do processo em que os embargos se inserem e aos bens a que os mesmos respeitam, pelo que não impede a realização doutras diligências relativas a outros bens. 6. Se os embargos forem julgados procedentes, a diligência contra a qual haviam sido deduzidos fica sem efeito; se forem julgados improcedentes manter-se-á essa diligência e cessa a suspensão que o recebimento produziu, prosseguindo o arresto seus termos. 7. Por isso, a conversão do arresto em penhora, depois de recebidos os embargos, mas antes de nestes ter sido proferida decisão final, viola o disposto no artigo 356º do Código de Processo Civil, pois, após o recebimento dos embargos, ficam suspensos os termos do arresto. 8. Como resulta do artigo 410.º do CPC, o arresto fica sem efeito, nomeadamente quando, obtida na acção de cumprimento sentença com trânsito em julgado, o credor insatisfeito não promover execução dentro dos dois meses subsequentes. 9. Visa esta norma punir a inércia ou a negligência do credor, pois não se justificaria que, decretado o arresto e transitado em julgado a acção de que ele é dependente, o credor não tivesse que promover a execução da sentença num prazo de tempo razoável (no caso dois meses). 10. Mas o credor não tem o ónus de instaurar a execução da sentença proferida numa acção pauliana quando tiverem sido deduzidos embargos ao arresto e estes tiverem sido recebidos, mas, relativamente aos quais ainda não tiver sido proferida decisão final. 11. Consequentemente, o artigo 410.º não tem aplicação quando tiverem sido recebidos embargos de terceiro e até que neste apenso seja proferida decisão final, com trânsito em julgado. ** Por todo o exposto acorda-se em julgar improcedente o recurso interposto, confirmando-se o despacho recorrido. Lisboa, 15 de Novembro de 2011. José David Pimentel Marcos. António Abrantes Geraldes. Tomé Gomes. ---------------------------------------------------------------------------------------- [1] António Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, Almedina, IV Volume, Janeiro de 2003, pág. 170. [2] José Lebre de Freitas, Código de Processo Civil anotado, Coimbra Editora, 2001, vol. II, págs. 118/119. [3] Carlos Lopes do Rego, Comentário ao Código de Processo Civil, Almedina, Junho de 2004, Vol. I, pág. 324. [4] Carlos Lopes do Rego, ob. cit. pág. 325. [5] JOSÉ LEBRE DE FREITAS, Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, vol. 1.º, 1999, pág. 625. [6] Ob. cit. vol. 3.º, Coimbra Editora, 2003, pág. 323 |