Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | CARLOS OLIVEIRA | ||
Descritores: | REVISÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA COMPETÊNCIA DA RELAÇÃO OBRIGAÇÃO DE ALIMENTOS CONVENÇÃO DE HAIA DE 23 DE NOVEMBRO DE 2007 | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 03/25/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | REVISÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA | ||
Decisão: | PROCEDENTE | ||
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Sumário: | (art.º 663º nº 7 do CPC) – Da responsabilidade exclusiva do relator) 1. O Tribunal da Relação não pode decidir sobre pedidos de “reconhecimento e execução”, tal como regulados no procedimento previsto no Art.º 23.º da Convenção de Haia de 23 de novembro de 2007 sobre a Cobrança Internacional de Alimentos em benefício dos Filhos e de outros Membros da Família, porque, por um lado, não tem competência executória legal para esse efeito (cfr. Art.s 72.º a 74.º da Lei da Organização do Sistema Judiciário (LOSJ) aprovada pela Lei n.º 62/2013 de 26 de agosto) e, por outro, porque o procedimento célere previsto na Convenção, que permite uma compressão do processo numa única autoridade para decisão sobre o reconhecimento e consequente execução da sentença estrangeira de alimentos devidos a menores, ou maiores com idade até aos 21 anos, ficaria comprometido, em violação dos princípios que estão subjacentes à própria Convenção de Haia em apreço. 2. Sem prejuízo, o Tribunal da Relação pode decidir, por ter competência legal para o efeito, o reconhecimento e confirmação duma sentença estrangeira que tenha por objeto uma decisão sobre obrigações de alimentos (cfr. Art.º 73.º al. e) da LOSJ e Art.º 979.º do C.P.C.). | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: I- RELATÓRIO JM, MM e PM, todos já maiores de idade e de nacionalidade brasileira, beneficiários de apoio judiciário nas modalidades de dispensa total de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo e ainda de nomeação de patrono, vieram ao abrigo da Convenção de Nova Iorque, de 20 de Junho de 1956, sobre Cobrança de Alimentos no Estrangeiro, aprovada por Portugal pelo Dec.Lei n.º 45942 de 28 de setembro de 1964, e da Convenção de Haia de 23 de novembro de 2007, instaurar contra JAM, de nacionalidade portuguesa e residente em Portugal, a presente ação de revisão de sentença estrangeira, em processo especial previsto no Art.º 978.º e ss. do C.P.C., pedindo que a sentença proferida pela 11ª Vara da Família e Sucessões, Foro Central Cível da Comarca de São Paulo, do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, no âmbito da ação de alimentos n.º 0000060-47.2012.8.26.0100, que fixou a obrigação de prestação de alimentos a cargo do Requerido a favor dos seus filhos, os aqui Requerentes, seja reconhecida para que a mesma produza os seus efeitos em Portugal. Regularmente citado, o Requerido não contestou a ação. Ordenado o cumprimento do Art.º 982.º do C.P.C., os Requerentes alegaram no sentido de que nada obstaria à confirmação da sentença revidenda. A Exma. Sra. Procuradora-Geral Adjunta veio dar parecer sustentando que estando em causa um pedido de reconhecimento e execução de decisão estrangeira de alimentos, tem aplicação a Convenção de Haia de 1973 sobre a Lei Aplicável às Obrigações Alimentares, que vigora em Portugal e no Brasil desde 1 de agosto de 1976, sendo que essa Convenção prevê um regime de reconhecimento simplificado, sem recurso a um processo específico, podendo ser recusada unicamente pelo motivo previsto no Art.º 22.º, al. a), conforme Art.º 23.º, n.º 4 da referida convenção. Por outro lado, estabelece-se aí ainda que a autoridade é competente para declarar imediatamente a decisão executória, não sendo aplicáveis formalidades adicionais para ser possível executar a decisão em matéria de alimentos nos termos da legislação nacional do Estado requerido, sendo o único motivo de recusa para o reconhecimento e declaração de executoriedade da decisão é o de que possam ser manifestamente contrários à ordem pública. Ora, Portugal declarou que os tribunais de primeira instância são os tribunais competentes para declarar a decisão executória, nomeadamente os Tribunais de Família e Menores. Consequentemente, não tem aplicação ao caso o regime de revisão e confirmação previsto nos Art.s 978.º e ss. do C.P.C. e o Tribunal da Relação é materialmente incompetente para conhecer da presente ação. * Nos termos do Art.º 978.º n.º 2 do C.P.C., o julgamento destas ações faz-se segundo as regras próprias da apelação, sendo que em função da complexidade das questões suscitadas, como o Relator já deixou consignado nos autos, afigura-se, no caso, ser necessária a decisão por acórdão em tribunal coletivo. * II- QUESTÃO A DECIDIR São questões a decidir as seguintes: a) A competência absoluta do Tribunal da Relação para apreciar a presente ação; e b) Se se verificam os requisitos legais de que depende a revisão e confirmação da sentença estrangeira. Corridos que se mostram os vistos, cumpre decidir. * III- FACTUALIDADE PROVADA Encontra-se documentalmente provado nos autos que: 1) Os Requerentes, JM, MM, PM e CM, e ainda sua mãe, CM, intentaram contra JAM, uma ação de alimentos n.º 0000060-47.2012.8.26.0100 – Lei Especial n.º 5.478/68, tendo na audiência de conciliação, instrução e julgamento datada de 28 de maio de 2013, sido proferida sentença homologatória do seguinte acordo: «1. O Requerido, no período compreendido entre junho de 2013 e dezembro de 2013, arcará diretamente com a mensalidade escolar dos três filhos menores. A partir de janeiro de 2014 até julho de 2014, o requerido pagará, a título de alimentos, a quantia mensal e fixa de R$2.000 (dois mil reais). A partir de agosto de 2014, o requerido pagará, a título de alimentos, a quantia mensal de R$2.500,00 (dois mil e quinhentos reais), com ajuste anual (incidindo a partir de agosto de 2015) pelo índice INPC. 2. A quantia referente aos alimentos deverá ser paga pelo requerido no dia 07 de cada mês, mediante depósito em conta bancária da representante legal dos menores junto ao Banco Bradesco, agência n.º …, com corrente n.º ….-5, servindo os comprovantes de depósito bancário como prova de quitação; 3. Os Alimentos deverão ser pagos até que os alimentados atinja a maioridade ou, se estiverem estudando, até que concluam o curso superior ou atinjam 24 anos de idade, o que ocorrer primeiro, 4. Na constância do matrimónio, pautado sob o regime da comunhão parcial de bens o requerido e a genitora dos menores amealharam os seguintes bens, objeto de partilha nesta sede: a ) um apartamento tipo n.º 141, localizado no 14.º andar do “Edifício Itacolomy”, situado à Avenida …. n. 360, em Indianópolis – 24.º Distrito (…); b) Vaga de estacionamento tripla T14 (constituída pelos boxes 29, 42 e 49), da garagem localizado no 2.º subsolo do edifício Itacolomy (…) c) Adega n.º A 14, localizada no 2.º subsolo do Edifício Itacolomy (…); bens móveis e alfaias que guarnecem a residência do item A; e) Veículo Marca Kia, modelo Carnival, placas …; 5. Em razão do débito alimentar exigido nos autos da ação de execução de alimentos, em trâmites perante esta Vara, bem como a título de pagamento de alimentos futuros, o requerido transfere aos filhos, em dação em pagamento, os imóveis supra descritos, garantindo o usufruto vitalício à genitora dos menores. Transfere ainda à genitora dos menores os carros e as alfaiais, também acima descritas; (…) 12. A representante legal dos menores dá por quitada a execução de alimentos, referente ao processo em trâmite nesta Vara (processo n.º 0021373-64.2012), comprometendo-se as patronas das partes, no prazo de cinco dias, a desistir dos recursos pendentes. Com relação às ações envolvendo a partilha de bens do requerido e da representante legal dos menores as patronas das partes também comprometem-se a desistir das demandas de arrolamento de bens e separação de corpos, no prazo de cinco dias, além dos recursos pendentes (…)» Essa sentença homologatória, proferida pela 11.ª Vara de Família e Sucessões, Foro Central Cível do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, Comarca de São Paulo, transitou em julgado em 28 de maio de 2013 (Tudo conforme certidão de processo eletrónico retirada do site disponível em http:… - com chave de acesso…. * IV- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO Como decorre dos autos, a presente ação visa a confirmação de sentença estrangeira proferida por tribunal brasileiro, nos termos da qual se fixou a obrigação de alimentos a cargo do Requerido a favor dos seus filhos, então menores, que são os aqui Requerentes. Nos termos do Art.º 978.º n.º 1 do C.P.C.: «Sem prejuízo do que se ache estabelecido em tratados, convenções, regulamentos da União Europeia e leis especiais, nenhuma decisão sobre direitos privados, proferida por tribunal estrangeiro, tem eficácia em Portugal, seja qualquer for a nacionalidade das partes, sem estar revista e confirmada». Invocam os Requerentes a aplicação ao caso da Convenção de Nova Iorque, de 20 de Junho de 1956, sobre Cobrança de Alimentos no Estrangeiro, aprovada por Portugal pelo Dec.Lei n.º 45942 de 28 de setembro de 1964, e ainda da Convenção de Haia de 23 de novembro de 2007. No entanto, é evidente que, sendo a Convenção de Haia mencionada posterior à Convenção de Nova Iorque, e esgotante sobre a regulamentação das questões em causa, é aquela que tem aplicação direta ao caso. Quer o Brasil, quer Portugal, são membros da HCCH, como se pode constatar do respetivo site (https://www.hcch.net/pt/states/hcch-members ). Nos termos do Art.º 1.º dessa Convenção de Haia, a mesma tem por objeto assegurar uma efetiva cobrança internacional de alimentos em benefício dos filhos e de outros membros da família, nomeadamente: «a) Estabelecendo um sistema completo de cooperação entre as autoridades dos Estados Contratantes; «b) Permitindo a apresentação de pedidos para a obtenção de decisões em matéria de alimentos; «c) Garantindo o reconhecimento e a execução de decisões em matéria de alimentos; e «d) Exigindo medidas eficazes para a execução rápida de decisões em matéria de alimentos». Nos termos do Art.º 2.º n.º 1 al. a) dessa mesma Convenção ela aplica-se: «a) Às obrigações alimentares decorrentes de uma relação de filiação relativamente a pessoas com menos de 21 anos». O Art.º 19.º n.º 1 esclarece que o seu âmbito de aplicação, no que se refere ao reconhecimento e execução, se reporta a «decisões em matéria de alimentos proferidas por uma autoridade judiciária ou administrativa», aí se incluindo «transações ou os acordos concluídos perante essa autoridade ou por ela homologados». Nos termos do Art.º 10.º da Convenção definem-se os pedidos disponíveis, estabelecendo-se que: «1. O credor que pretenda cobrar alimentos por força da presente Convenção pode apresentar as seguintes categorias de pedidos no Estado requerente: a) Reconhecimento, ou reconhecimento e execução, de uma decisão; b) Execução de uma decisão proferida ou reconhecida no Estado requerido; (…)». Daqui decorre que o credor pode optar, pelo mero reconhecimento da decisão estrangeira, ou pelo reconhecimento e execução dessa decisão. Para os efeitos dessa convenção, cada Estado Membro tem o poder de designar a “autoridade central” encarregue de cumprir as obrigações decorrentes da Convenção (cfr. Art.º 4.º n.º 1). Constando do Art.º 13.º que os pedidos devem ser apresentados através das autoridades centrais dos Estados Contratantes. Ora, Portugal designou autoridades diversas para o cumprimento desses pedidos (cfr. https://www.hcch.net/pt/states/authorities/details3/?aid=476), ficando explicitado que: «L'autorité compétente en matière d'obligations alimentaires est le juge des enfants dans le ressort duquel le mineur a son domicilie» e «L'autorité qui reconnaît et exécute les décisions étrangères est le Tribunal de la Relation du district judiciaire du domicile de la personne contre laquelle la décision doit être exécutée» Diremos, assim, em português corrente, que para as matérias de “obrigações de alimentos” é competente o Juiz de Menores, mas para o “reconhecimento de decisões estrangeiras” é competente o Tribunal da Relação. Mais do que isto, não é possível dizer, porque o Tribunal da Relação não tem efetivamente competência executória própria, como decorre claramente dos Art.s 72.º a 74.º da Lei da Organização do Sistema Judiciário, aprovada pela Lei n.º 62/2013 de 26 de agosto. Embora tenha competência para julgar processos de revisão e confirmação de sentença estrangeira (cfr. Art.º 73.º al. e) da LOSJ e Art.º 979.º do C.P.C.), que são processos que integram ações de natureza meramente declarativa. Dito isto, em matéria de “reconhecimento e execução” de sentenças sobre alimentos, o capítulo V da Convenção de Haia prevê dois mecanismos distintos. Por um lado, temos os pedidos de reconhecimento e execução regulados no Art.º 23.º da Convenção; e, por outro, o procedimento alternativo de reconhecimento e execução previsto no Art.º 24.º. Assim, estabelece o Art.º 23.º que: «1. Sob reserva das disposições da presente Convenção, os procedimentos de reconhecimento e execução são regidos pela lei do Estado requerido. «2. Quando um pedido de reconhecimento e execução de uma decisão foi apresentado através das autoridades centrais em conformidade com o capítulo III, a autoridade central requerida deve sem demora: «a) Transmitir o pedido à autoridade competente, que declara imediatamente a decisão executória ou a regista para efeitos de execução; ou «b) Tomar tais medidas, se for a autoridade competente. «3. Quando o pedido é apresentado diretamente à autoridade competente do Estado requerido em conformidade com o artigo 19.º, n.º 5, essa autoridade deve declarar imediatamente a decisão executória ou registá-la para efeitos de execução. «4. A declaração ou o registo só podem ser recusados pelos motivos previstos no artigo 22.º, alínea a). Nessa fase, nem o requerente nem o requerido podem apresentar observações. «5. A declaração ou o registo nos termos dos n.ºs 2 e 3, ou a sua recusa nos termos do n.º 4, são imediatamente notificados ao requerente e ao requerido, que podem contestar ou apresentar recurso, de facto ou de direito. «6. A contestação ou o recurso devem ser interpostos no prazo de 30 dias a contar da notificação nos termos do n.º 5. Se a parte que apresenta a contestação ou o recurso não residir no Estado Contratante onde a declaração ou o registo foi efetuado ou recusado, a contestação ou o recurso devem ser interpostos no prazo de 60 dias a contar da notificação. «7. A contestação ou o recurso podem ter unicamente por fundamento o seguinte: «a) Os motivos de recusa do reconhecimento e execução previstos no artigo 22.º; «b) As bases do reconhecimento e execução nos termos do artigo 20.º; «c) A autenticidade ou a integridade dos documentos transmitidos em conformidade com o artigo 25.º, n.º 1, alíneas a), b) ou d), ou n.º 3, alínea b). «8. A contestação ou o recurso do requerido podem ter igualmente por fundamento o cumprimento da dívida, na medida em que o reconhecimento e execução digam respeito a pagamentos devidos no passado. «9. A decisão sobre a contestação ou sobre o recurso é imediatamente notificada ao requerente e ao requerido. «10. Um novo recurso, se permitido pela lei do Estado requerido, não tem por efeito suspender a execução da decisão, salvo circunstâncias excecionais. «11. A autoridade competente deve decidir rapidamente sobre o reconhecimento e execução, incluindo sobre um eventual recurso. Estamos assim perante um mecanismos célere que permite, simultaneamente, perante a mesma autoridade, obter-se o reconhecimento da decisão estrangeira sobre alimentos e a imediata execução dessa decisão, regulada, nos seus princípios, nos Art.s 32.º e ss.. O Art.º 24.º da Convenção permite o recurso a um procedimento alternativo relativo a um pedido de reconhecimento e execução, aí se prevendo que: «1. Não obstante o disposto no artigo 23.º, n.ºs 2 a 11, um Estado pode declarar, em conformidade com o artigo 63.º, que aplicará o procedimento de reconhecimento e execução previsto no presente artigo. «2. Quando um pedido de reconhecimento e execução de uma decisão foi apresentado através das autoridades centrais em conformidade com o capítulo III, a autoridade central requerida deve sem demora: «a) Transmitir o pedido à autoridade competente que decide sobre o pedido de reconhecimento e execução; ou «b) Tomar tal decisão, se for a autoridade competente. «3. A decisão sobre o reconhecimento e execução é proferida pela autoridade competente depois de o requerido ter sido devida e rapidamente notificado do procedimento e de ambas as partes terem tido oportunidade de serem ouvidas. «4. A autoridade competente pode reapreciar por sua própria iniciativa os motivos de recusa do reconhecimento e execução previstos no artigo 22.º, alíneas a), c) e d). Pode reapreciar qualquer um dos motivos referidos nos artigos 20.º e 22.º e no artigo 23.º, n.º 7, alínea c), a pedido do requerido ou se do exame dos documentos apresentados em conformidade com o artigo 25.º resultarem dúvidas sobre tais motivos. «5. A recusa do reconhecimento e execução pode ter igualmente por fundamento o cumprimento da dívida, na medida em que o reconhecimento e execução digam respeito a pagamentos devidos no passado. «6. Um recurso, se permitido pela lei do Estado requerido, não tem por efeito suspender a execução da decisão, salvo circunstâncias excecionais. «7. A autoridade competente deve decidir rapidamente sobre o reconhecimento e execução, incluindo sobre um eventual recurso». Seja como for, o Tribunal da Relação de Lisboa não tem competência própria para promover a execução de decisões de alimentos. Já os Juízos de Família e Menores, em matéria relativa a menores ou filhos maiores, tem competência própria para preparar e julgar execuções por alimentos devidos a menores e aos filhos maiores ou emancipados por referência ao disposto no Art.º 1880.º do C.C. (cfr. Art.º 123.º n.º 1 al. e) da LOSJ). Significa isto que o Tribunal da Relação não pode decidir sobre pedidos de “reconhecimento e execução”, tal como regulados no Art.º 23.º da Convenção de Haia, porque, por um lado, não tem competência legal para esse efeito e, por outro, porque o procedimento célere previsto na Convenção, que permite uma compressão do processo numa única autoridade para a decisão sobre o reconhecimento e consequente execução da sentença estrangeira de alimentos devidos a menores, ou maiores com idade até aos 21 anos, ficaria comprometido, em violação dos princípios que estão subjacentes à própria Convenção de Haia aqui em apreço. Nesta parte concordamos com a posição do M.º P.º. O que o Tribunal da Relação pode decidir, por ter competência legal para o efeito, é o reconhecimento e confirmação duma sentença estrangeira que contenha uma decisão sobre obrigações de alimentos (cfr. Art.º 73.º al. e) da LOSJ e Art.º 979.º do C.P.C.). Ocorre que, nas alegações dos Requerentes, estes esclarecem que pretendem o reconhecimento e confirmação da sentença revidenda, defendendo que não existem fundamentos para recusa dessa confirmação nos termos do Art.º 982.º do C.P.C.. Ora, para essa concreta pretensão, que se julga perfeitamente compreendida no pedido concretamente formulado na petição inicial, apesar das menções feitas no introito às Convenções de Haia e Nova Iorque, o Tribunal da Relação de Lisboa é competente. Poderia colocar-se a questão da falta de interesse em agir, considerando que existe um expediente processual mais célere, previsto na Convenção de Haia, que permitiria integrar num único processo o reconhecimento e a execução da decisão. Mas, nada nos permite concluir, sem mais, que não existam outros interesses válidos e atendíveis na obtenção da mera confirmação da sentença estrangeira. Não iremos, portanto, por esse caminho. Por isso, limitar-nos-emos a reconhecer que o Tribunal da Relação de Lisboa é competente em razão da matéria e da hierarquia para conhecer do pedido de confirmação de sentença estrangeira que decida em matéria de fixação da obrigação de alimentos devidos a menores. Posto isto, o sistema português de revisão de sentenças estrangeiras inspira-se no chamado sistema de delibação, isto é, de revisão meramente formal, o que significa que o tribunal, em princípio, se limita a verificar se a sentença estrangeira satisfaz certos requisitos de forma, não conhecendo do fundo ou mérito da causa (vide: Ac. do S.T.J. de 12/7/2011 - relator: Paulo Sá, Proc. n.º 987/10, disponível em www.dgsi.pt). Trata-se de um processo especial de simples apreciação, como já mencionámos atrás. Nos termos do Art.º 980.º do C.P.C., para que a sentença seja confirmada é necessário: a) Que não haja dúvidas sobre a autenticidade do documento de que conste a sentença nem sobre a inteligência da decisão; b) Que tenha transitado em julgado segundo a lei do país em que foi proferida; c) Que provenha de tribunal estrangeiro cuja competência não tenha sido provocada em fraude à lei e não verse sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais portugueses; d) Que não possa invocar-se a exceção de litispendência ou de caso julgado com fundamento em causa afeta a tribunal português, exceto se foi o tribunal estrangeiro que preveniu a jurisdição; e) Que o réu tenha sido regularmente citado para ação nos termos da lei do país do tribunal de origem e que no processo hajam sido observados os princípios do contraditório e da igualdade das partes; f) Que não contenha decisão cujo reconhecimento conduza a um resultado manifestamente incompatível com os princípios da ordem pública internacional do Estado português.» Dispõe o Art.º 983.º n.º 1 do C.P.C. que: «O pedido só poder ser impugnado com fundamento na falta de qualquer dos requisitos mencionados no artigo 980º, ou por se verificar algum dos casos de revisão especificados nas alíneas a), c) e g), do artigo 696º.» Por sua vez, o Art.º 984.º determina que «O tribunal verifica oficiosamente se concorrem as condições indicadas nas alíneas a) e f) do artigo 980º; e também nega oficiosamente a confirmação quando, pelo exame do processo ou por conhecimento derivado do exercício das suas funções, apure que falta algum dos requisitos exigidos nas alíneas b), c), d) e e) do mesmo preceito.» Consoante se refere no Ac. do S.T.J. de 21/2/2006 (relator: Oliveira Barros, Proc. n.º 05B4168), o requerente está dispensado de fazer prova direta e positiva dos requisitos das alíneas b) a e) do Artigo 980º. Se, pelo exame do processo, ou por conhecimento derivado do exercício das suas funções, o tribunal não apurar a falta dos mesmos, presume-se que existem, não podendo o tribunal negar a confirmação quando, por falta de elementos, lhe seja impossível concluir se os requisitos dessas alíneas se verificam ou não. A prova de que não se verificam os requisitos das alíneas b) a e) do artigo 980º compete ao requerido, se o houver, devendo, em caso de dúvida, considerar-se preenchidos (Ac. do S.T.J. de 12/7/2005 – relator: Moitinho de Almeida, 051880). No que respeita ao requisito da alínea a), o Tribunal português tem de adquirir, documentalmente, a certeza do ato jurídico postulado na decisão revidenda, mesmo que não plasmada em sentença na aceção pátria do conceito, devendo aceitar a prova documental estrangeira que suporte a decisão revidenda, ainda que formalmente não seja um decalque daquilo que na lei interna nacional preenche o conceito de sentença (Ac. do S.T.J. de 29/3/2011 – relator: Fonseca Ramos, Proc. n.º 214/09). No que tange ao requisito da alínea f) (ordem pública internacional do Estado Português), os princípios da ordem pública internacional do Estado Português são princípios enformadores e orientadores, fundantes da própria ordem jurídica portuguesa, que de tão decisivos que são, jamais podem ceder. Por outro lado, tem-se em vista o resultado concreto da decisão, ou seja, o dispositivo da sentença e não os seus fundamentos (Ac.s da R.L. de 14.11.2006 - Proc. n.º 3329/2006, de 13.7.2010 – Proc. n.º 999/09). A ordem pública internacional do Estado Português não se confunde com a sua ordem pública interna: enquanto esta se reporta ao conjunto de normas imperativas do nosso sistema jurídico, constituindo um limite à autonomia privada e à liberdade contratual, a ordem pública internacional restringe-se aos valores essenciais do Estado português. Só quando os nossos interesses superiores são postos em causa pelo reconhecimento duma sentença estrangeira, considerando o seu resultado, é que não é possível tolerar a declaração do direito efetuada por um sistema jurídico estrangeiro. De modo que só quando o resultado dessa sentença choque flagrantemente os interesses de primeira linha protegidos pelo nosso sistema jurídico é que não se deverá reconhecer a sentença estrangeira (Ac. da R.C. de 18/11/2008 (relatora: Sílvia Pires, Proc. n.º 03/08, www.colectaneadejurisprudencia.com – e sobre a ordem pública internacional cfr. Ac.s do S.T.J. de 21.2.2006 - relator: Oliveira Barros, Proc. n.º 05B4168; de 26/6/2009 Relator: Paulo Sá, Proc. n.º 43/09, www.colectaneadejurisprudencia.com e de 23.10.2014, relator: Granja da Fonseca – Proc. n.º 1036/12). Conforme se refere no Ac. da R.C. de 3/3/2009, Arcanjo Rodrigues, Proc. n.º 237/07: «A lei (…) não define o conceito de "ordem pública internacional", tratando-se de um conceito indeterminado, carecido de preenchimento valorativo na análise casuística. O que releva, para o efeito, não são os princípios consagrados na lei estrangeira que servem de base à decisão, mas o resultado da aplicação da lei estrangeira ao caso concreto, ou seja, a reserva de ordem pública internacional visa impedir que a aplicação de uma norma estrangeira, pela via indireta da execução de sentença estrangeira, implique, na situação concreta, um resultado intolerável. Por conseguinte, o juízo de compatibilidade com a ordem pública internacional do Estado Português terá que ser necessariamente aferido, não pelo conteúdo da decisão e o direito nela aplicado, mas pelo resultado do reconhecimento, o que implica um "exame global". Não basta, por isso, que a solução dada ao caso pelo direito estrangeiro seja divergente da do direito interno português, exigindo-se que o resultado seja "manifestamente incompatível" com os princípios da ordem pública internacional do Estado Português (cfr. Lima Pinheiro in “Direito Internacional Privado”, vol., p. 584 e ss., vol. III, p.368 e ss.), Marques dos Santos in “Aspetos do Novo Código de Processo Civil - Revisão e confirmação de sentenças estrangeiras”, p. 140).» In casu verificam-se todos os requisitos consagrados no Art.º 980.º do C.P.C., pois o exame da certidão da sentença a rever não deixa dúvidas sobre a autenticidade do respetivo documento, nem sobre a inteligibilidade da decisão, mostrando-se certificado o respetivo trânsito em julgado, já que esse facto está certificado. O tribunal brasileiro que proferiu a decisão revidenda era competente para proferir a decisão, não se podendo invocar ofensa de caso julgado ou litispendência, uma vez que não há notícia de que o caso tenha sido submetido a jurisdição diferente. Mostram-se observados os princípios do contraditório e igualdade das partes e a sentença não ofende os princípios de ordem pública internacional do Estado Português. Por outro lado, também não existem razões adicionais, emergentes das Convenções internacionais, nomeadamente da Convenção de Haia supra mencionada, que obstem à confirmação da sentença revidenda. Aliás, bem pelo contrário, as exigências para o reconhecimento deste tipo de sentenças, à luz desta convenção, resumem-se à averiguação sobre se a decisão revidenda possa ser contrária à ordem pública internacional. O que, como já dissemos, não se verifica no caso. * V- DECISÃO Pelo exposto, acordam os juízes desta 7.ª secção em julgar improcedente a exceção de incompetência do Tribunal da Relação para julgar a presente ação de revisão e reconhecimento de sentença estrangeira, julgando o pedido procedente, por provado, confirmando-se a sentença homologatória, datada de 28 de maio de 2013 e transitada em julgado no mesmo dia, proferida na ação de alimentos n.º 0000060-47.2012.8.26.0100 – Lei Especial n.º 5.478/68, pela 11.ª Vara da Família e Sucessões do Foro Central Cível do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, Comarca de São Paulo, nos termos da qual se homologou o acordo que fixou a obrigação de alimentos a cargo de JAM a favor dos Requerentes JM, MM, PM e CM, nos precisos termos constantes do respetivo termo da audiência de conciliação, instrução e julgamento (cfr. “sentença” 28-01-2025 – Ref.ª n.º 734577 - p.e.). - As custas pelos Requerentes (Art.º 527.º n.º 1 “in fine” do C.P.C.), sem prejuízo da isenção que decorra do benefício de apoio judiciário que lhes foi concedido. Lisboa, 25 de março de 2025 Carlos Oliveira Edgar Taborda Lopes Micaela Sousa |