Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
10936/18.7T8LSB-A.L1-7
Relator: LUÍS FILIPE PIRES DE SOUSA
Descritores: RECURSO DE REVISÃO
OBJECTO
CAUSA DE PEDIR
FACTOS SUPERVENIENTES
DOCUMENTOS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/24/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I- Nos termos da al. c) do Artigo 696º do Código de Processo Civil, o documento que fundamenta o recurso de revisão servirá para provar factos oportunamente alegados na primeira ação (cuja prova sucumbiu), mas já não para reconfigurar a causa de pedir da primeira ação com adução de novos factos posteriores à decisão. O recurso de revisão não é instrumento para alterar a causa de pedir, fora casos legalmente permitidos (cf. Artigo 265º, nº1, do Código de Processo Civil).
II- Visando o recurso extraordinário de revisão corrigir errores in procedendoou errores in iudicando, o mesmo tem por parâmetro temporal a data em que foi proferida a primeira decisão, extravasando o âmbito do recurso de revisão a adução de novos e supervenientes factos inexistentes à data em que foi proferida a primeira decisão e que, em abstrato, seriam idóneos a reverter o sentido da decisão.
III- Visando os documentos que o requerente junta a prova de factos novos e objetivamente supervenientes e não a prova factos oportunamente alegados na petição da ação anterior, cuja prova se malogrou, deve o recurso de revisão ser liminarmente indeferido.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam em conferência os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de (...):

RELATÓRIO
AB intentou,  em 9 de Maio de 2018,  providência cautelar de arresto contra o Fundo De Investimento Imobiliário Fechado CD, representado pela sua sociedade gestora, EF, S.A., GH, SA, IJ-ADMINISTRAÇÃO DE PATRIMÓNIOS, SGPS, SA., FM, LMS, FGC, MAB E MEC, requerendo o arresto da Fração designada pela letra "A", do prédio urbano sito na Rua (...), números 60 a 68, descrito na Conservatória do Registo Predial de (...) sob o nº (...) da freguesia de (...), inscrito na matriz predial urbana da freguesia da (...) sob o artigo (...).
Alegou, para tanto,  que era titular de um crédito no montante de €31.520.000,00, correspondente ao valor indemnizatório que lhe é devido nos termos de um Protocolo celebrado com os 3º a 8º Requeridos, na sequência da venda de determinado imóvel sem lhe ter sido dado a oportunidade de exercer o direito de preferência. O imóvel cujo arresto requereu era o único que se mantém no património do 1º Requerido e que podia garantir o pagamento daquela indemnização.
A providência foi julgada improcedente.
O requerente interpôs recurso de apelação para a Relação de (...), sendo proferido acórdão de 20.12.2018 que julgou improcedente a apelação.
Na fundamentação do acórdão, foram considerados provados os seguintes factos:
1. Entre o Requerente, PAL e APR, na qualidade de "Segundos Signatários", e FM, MEC, LMP, FGC, MAB e ST, SGPS, S.A., na qualidade de "primeiros Signatários", foi celebrado um "Protocolo" no dia 15 de Setembro de 2006, cuja cópia se mostra junta a fls. 152 a 156 dos autos e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
2. Nos termos da "CLÁUSULA PRIMEIRA" os Signatários acordaram trabalhar em conjunto para a realização de uma operação imobiliária prevista nos "Considerandos".
3. Nos termos da "CLÁUSULA QUARTA", os "Primeiros Signatários" poderiam realizar a referida operação imobiliária quer através da sociedade (...) - IMOBILIÁRIA, Lda. quer através de qualquer outra entidade jurídica, obrigando-se a que o Protocolo seja celebrado pela entidade jurídica que vier a desenvolver e realizar a identificada operação imobiliária.
4. Nos termos da "CLÁUSULA DÉCIMA PRIMEIRA", "Os Primeiros Signatários conferem pelo presente protocolo aos Segundos Signatários, o direito de preferência na venda da sociedade (...) - IMOBILIÁRIA, LDA. ou de qualquer uma das frações autónomas ou prédios que vierem a ser adquiridos no âmbito da operação imobiliária ou das unidades de participação que detenham num ou vários fundos Imobiliários ou qualquer outra participação que esteja direta ou indiretamente ligada com a operação imobiliária descrita nos Considerandos (...)".
5. A sociedade "(...) - Imobiliária, Lda.", adquiriu as frações autónomas designadas pelas letras D, E, F, G, I e L. do prédio urbano sito na Rua (...), nº 8, em (...), em regime de propriedade horizontal, descrito na Conservatória do Registo Predial de (...) sob o nº 142 da freguesia de (...), e inscrito na matriz predial urbana da dita freguesia sob o artigo (...).
6. A mesma sociedade "(...)" adquiriu outras frações autónomas - B, C, M, P, H, J - do prédio urbano sito na Rua (...), nº 8, em (...).
7. Em 2008, a Requerida PORTUGALIA adquiriu o prédio sito na Rua (...), nº 60 a 68, descrito na Conservatória do Registo Predial de (...) sob o nº (...) da freguesia de (...).
8. Após a constituição do FIIF CD, todas as frações do prédio urbano sito na Rua (...), nº 8, entretanto adquiridas pelas sociedades "(...)" e "IJ" foram compradas pelo Fundo.
9. O FIIF CD, continuou a aquisição das restantes frações do prédio urbano sito na Rua (...), nº 8.
10. Mostra-se inscrita, por apresentação nº 4707 de 14/01/2014, a aquisição da propriedade, por compra à sociedade IJ, a favor do FIIF CD, do prédio sito nas (...), nº 60 a 68, descrito na Conservatória do Registo Predial de (...) sob o nº (...) da freguesia de (...).
11. O FIIF CD adquiriu também um prédio sito na Rua (...), nº 51 a 53, descrito na Conservatória do Registo Predial de (...) sob o nº 772 da freguesia de (...).
12. O FIIF CD adquiriu igualmente um prédio sito na Rua (...), nº 61, descrito na Conservatória do Registo Predial de (...) sob o nº 560 da freguesia de (...).
13. Todos estes imóveis adquiridos pelo FIIF CD destinavam-se a integrar uma parcela única, onde se pretendia projetar e construir um condomínio habitacional "único", pela sua excecional localização: interior do quarteirão (...), com acessos a partir da Rua (...), da Rua (...) e da Rua (...).
14. Na sequência da aprovação pela CML do Plano de Pormenor da Madragoa, que inclui a Unidade de Execução do Convento (...), onde se insere esta parcela, foi efetuada uma reestruturação fundiária, e daí resultou o prédio/fração que contempla todo o projeto imobiliário que passou a ser denominado "CDL": Fração autónoma designada pela letra "A", do prédio urbano sito na Rua (...), números 60 a 68, descrito na Conservatória do Registo Predial de (...) sob o nº (...) da freguesia de (...), inscrito na matriz predial urbana da freguesia da (...) sob o artigo (...).
15. A referida fração autónoma é património do FIIF CD, cujas Unidades de Participação são totalmente detidas pela sociedade (...), o qual, no dia 6 de Abril de 2018, prometeu vender à sociedade "HP, UNIPESSOAL, LDA.", que lhe prometeu comprar, o referido prédio urbano.
16. Após a outorga da escritura pública de compra e venda o FIIF CD fica sem qualquer património.
17. Até à data da interposição do presente procedimento, não foi dado direito de preferência ao Requerente na compra daquela fração autónoma.
18. O Requerente quantifica em 31.520.000,00 a indemnização prevista nas cláusulas 3a e 11a do "Protocolo", assim calculada: - Área do terreno: 6.599,49 m2
- Área de construção de caves para estacionamento (203 lugares)
- Arrecadações e outros apoios: 8.640 m2
- Área de construção de habitação: 11.050 m2
- Área de logradouros/circulações/exteriores: 2.000 m2
- Valor de compra constante do CPCV: 27.352.000,00€
- Custos de construção: 21.000.000,00€
- Valores de venda: 93.400.000€
- Lucro bruto: 45.048.000,00€
- Lucro depois de impostos: 31.520.000,00€
19. O 1º Requerido, atualmente gerido pela Sociedade "(...) - Sociedade Gestora de Fundos de Investimento Imobiliário, S.A.", requereu a notificação judicial avulsa do ora Requerente para o exercício do direito de preferência na aquisição da referida fração.
20. O ora Requerente solicitou, junto dos Serviços da Segurança Social, o benefício do apoio judiciário, na modalidade de dispensa do pagamento de taxa de justiça e demais encargos do processo, declarando "não dispor de meios para taxa de justiça".
*
A fundamentação jurídica ao acórdão radicou, essencialmente, nas seguintes considerações que se extratam:
«O 1º Requerido é totalmente detido por um único participante, a aqui 2a Requerida, a (...) - IMOBILIÁRIA S.A..
Conforme 15., no dia 6 de Abril de 2018, o 1º Requerido prometeu vender à sociedade "HP, UNIPESSOAL, LDA.", que lhe prometeu comprar, o referido prédio urbano.
O contrato promessa faz fls. 125 e ss.
O 1º Requerido até à interposição do presente procedimento não terá dado ao ora Requerente a oportunidade de exercer o direito de preferência na alienação da referida fração, embora haja requerido notificação judicial para esse fim - factos 17. e 19..
O Requerente baseia o seu direito de preferência no “protocolo” de 1. onde outorgou como segundo signatário - cf. fls. 152 e ss. Tal documento não foi outorgado nem pelo Io Requerido, nem pela 2ª Requerida.
Verifica-se probabilidade séria da existência do direito invocado pelo Requerente a tutelar?
(…)
No caso sub judice, o direito invocado pela requerente é uma preferência de fonte convencional e sem eficácia real.
Estando em causa direitos de preferência na celebração de contratos - compra e venda de bens imóveis - para os quais a lei exige uma forma especial - escritura pública (art.º 875.º do Código Civil, na redação originária), a validade formal do respetivo pacto de preferência depende da existência de documento escrito, assinado, pelo menos, pelo obrigado à preferência (artigos 415.º e 410.º, n.º 2 do Código Civil).
Retiramos portanto que a preferência invocada pelo Requerente carece de ser provada por documento escrito.
O Requerente baseia o seu direito de preferência no “protocolo” de 1. onde outorgou como segundo signatário - cf. fls. 152 e ss. Mas como tal documento não foi outorgado nem pelo Io Requerido, nem pela 2ª Requerida, o mesmo não pode ser fonte convencional do direito de preferência invocado.
Mas suponhamos que efetivamente o 1º Requerido havia celebrado o pacto de preferência com o Requerente.
Teríamos:
O pacto de preferência só constitui um direito real de aquisição quando lhe for conferida eficácia real; caso contrário, esse pacto tem natureza meramente obrigacional, havendo apenas direito a indemnização por perdas e danos em caso de inobservância do mesmo. Cf. Ac. TRP de 24-1-1990 prolatado no processo nº 078342, Relator Alcides de Almeida, acessível no mesmo site.
(…)
Então no caso estaríamos com uma preferência de eficácia meramente obrigacional.
Fundamentalmente é o alegado direito de perdas e danos que o Requerente invoca.
Porém, nesta situação sempre se diria que o invocado direito de crédito do Requerente inexistia. E que o direito do beneficiário da preferência vir a ser indemnizado pelo dador da preferência só nasce quando este incumpre o pacto de preferência.
A celebração de um contrato promessa de compra e venda, desprovido de eficácia real, com vista à alienação do bem a terceiro sem dar a possibilidade do preferente exercer o seu direito, não verifica o incumprimento do pacto de preferência. Só a celebração do contrato definitivo, nessas condições, verifica esse incumprimento.»
*
Em 2023, vem o requerente instaurar recurso de revisão do Acórdão de 20.12.2018 com base, essencialmente, na seguinte argumentação:
«Em 18 de Agosto de 2023, através de email enviado pela Conservatória do Registo Predial de (...) (doc1), o aqui recorrente recebeu as chaves de acesso às certidões dos prédios 560 e (...) A (doc2), GP-2760-(...)78-110637-000560 e GP-2760-(...)86-110637-00(...);
2
Na posse destes códigos, e após consulta no site predial online (docs3 e 4 ) o recorrente verificou que os referidos imóveis 560 e (...) A tinham sido transmitidos e dados em garantia/hipoteca, e pode obter os códigos de acesso ás certidões das respetivas escrituras notariais, no site notários.pt , verdadeiros contratos definitivos: compra e venda e doação CN-99BFF2A2-AC41-4671-A746-CC3AD9DD2CAD e hipoteca e mandato CN-7CA508A3-A2A6-4865-AB70-6B5FC38147C2 (docs. 5 e 6) ;
(…)
O recorrente junta carta notificação que o Fundo requerido neste Processo enviou em 28 de Maio de 2018 a APR, em virtude do Protocolo referido no Acórdão, e por este recebida em 30 de Maio de 2018 (doc7);
6
O recorrente junta carta notificação que o Fundo requerido neste Processo enviou em 28 de Maio de 2018 a PAL, em virtude do Protocolo referido no Acórdão, e por este recebida em 04 de Junho de 2018 (doc8);
7
O recorrente junta notificação judicial avulsa com o Processo nº 12967/18 (doc9), certidão negativa (doc10) e requerimento do requerido Fundo entregue em Tribunal em 13 de Julho de 2018 (doc11);
8
Documentos referidos em 5), 6) e 7) que foram enviados ao Tribunal, pelo requerido Fundo, em 1 de Junho de 2018, no âmbito do Processo aqui em apreço, conforme referido no já referido Acórdão, e foram igualmente enviados ao Tribunal, pelo requerido Fundo, em 13 de Maio de 2019, no âmbito do Pº 564/19.5T8LSB;
9
Notificações de 6) e 7), recebidas pelo seus destinatários, que consolidam a validade formal do pacto de preferência, nos termos da jurisprudência referida no Acórdão de que aqui se recorre, página 12: “A exigência legal de documento escrito, como requisito de validade formal do pacto de preferência relativo à venda de imóveis, fica satisfeita com uma troca de cartas assinadas pelos respetivos interessados”, conforme Acórdão do Pº 6723/09.1TVLSB.L1.S1, cuja relatora foi MARIA CLARA SOTTOMAYOR, de 2 de Novembro de 2014;
10
Também da consulta ao site da CMVM se verifica que, em assembleia geral de participantes, foi já deliberada a liquidação do Fundo (doc12);
11
Fundo que no seu relatório e contas de 2018, acessível no site da CMVM, de que juntamos uma página (doc.13), confirmava que a requerida (...), sua única participante, tinha outorgado o referido Protocolo;
12
Razão pela qual, a requerida (...) transmitiu ao requerido Fundo que notificasse o aqui recorrente;
13
O que, no quadro legal em que operam os Fundos e as sociedade gestoras – o RJOIC – obriga a que o Fundo e a sua sociedade gestora, estejam obrigados por Lei a cumprir o Artº 15º, que se transcreve : “Artigo 15.º - Independência e exclusivo interesse dos participantes : A entidade responsável pela gestão, o depositário e as entidades comercializadoras de um organismo de investimento coletivo agem de modo independente e no exclusivo interesse dos participantes”;
14
Releva no quadro aqui descrito que, para todos os efeitos legais, consta do documento complementar à referida escritura de 6 de Junho de 2023 – considerandos Z, AA e clausula 7 aa) que a sociedade compradora tem conhecimento do direito de preferência do aqui recorrente;
15
O que justifica a revisão do processo, tem a ver com o invocado direito de crédito que foi assumido pelo 1º Requerido, e pelo nascimento do direito do beneficiário da preferência, aqui recorrente, vir a ser indemnizado pelo dador da preferência pois este direito nasce quando o 1º requerido incumpre o pacto, pois o 1º requerido alienou o bem a terceiro; (…)»
*
Por decisão singular de 21.9.2023, o relator proferiu despacho de indeferimento liminar deste recurso de revisão.
Notificado dessa decisão, veio o recorrente reclamar nos termos do Artigo 643º do Código de Processo Civil, tendo a reclamação sido convolada em reclamação para a conferência.
Na sua reclamação, conclui o recorrente nos seguintes termos:
«A – Vem o Requerente reclamar, por não aceitar, nem concordar com o despacho de indeferimento, pelas razões e fundamentos seguintes:
B – O senhor Desembargador, indeferiu liminarmente o recurso de revisão, baseado em três pressupostos, que, no seu entender, não ocorreram para haver fundamento para o recurso de revisão, invocado pelo requerente:
C – 1. que o recurso extraordinário, tem o “ mesmo por parâmetro temporal a data em que foi proferida a primeira decisão, extravasando o âmbito do recurso de revisão a adução de novos e superveninetes factos inexistentes à data em que foi proferida a primeira decisão e que, em abstracto seria idóneos a reverter a decisão.”
D – 2. O novo documento” não pode implicar uma nova causa de pedir ... , nem referir – se a factos não alegados na anterior acção”, questão que está interligada com a seguinte, que refere;
E – 3. “ No acórdão de 2018, julgou – se improcedente a apelação com um duplo fundamento: o aí 1º e 2º requeridos não foram parte no pacto de preferência e além do mais, só há incumprimento do pacto de preferência com a efectiva venda do imóvel e não apenas a realização do contrato promessa de compra e venda.”
F - Quanto ao primeiro argumento, referido em C – 1. O art.º 696º, al. c) do CPC, refere que a decisão transitada em julgado só pode ser objecto de revisão, quando se apresente documento de que a parte não tivesse conhecimento ou de não tivesse podido fazer uso, no processo em que foi proferida a decisão a rever e que só por si seja suficiente para modificar a decisão em sentido mais favorável à parte vencida.
G – E quanto ao regime deste recurso, refere a Lei que “ o recurso não pode ser interposto mais de cinco anos sobre o trânsito em julgado da decisão e o prazo para a interposição é de 60 dias contados ... desde que o recorrente obteve o documento ou teve conhecimento do facto que serve de base á revisão”. Vide art.º 697º, nº 2 e al. d) do CPC.
H – Na lei em parte alguma refere que o parâmetro temporal é a data em que foi proferida a primeira decisão.
I – A própria Lei, a Doutrina e a Jurisprudência, também na aplicação deste recurso, em caso algum vêm balizar, como o Exmo. Senhor Desembargador o fez , que “ tem por parâmetro temporal a data em que foi proferida a primeira decisão.”
J – Acresce que a lei no art.º 662º nº 1 do CPC, refere que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tido como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
L – Veja – se entre outros o Acórdão do STJ de 20/03/2010, proferido no processo nº 2139/06.0t1313RG – G-G1. S1 (20), para além de vasta jurisprudência e doutrina citada, que referimos nas alegações e que damos por inteiramente reproduzidos.
M – O presente recurso de revisão foi apresentado após o Recorrente ter conhecimento do dito documento que invocou , uma escritura pública, porque só neste momento foi realizada.
N – No nosso modesto entender o senhor Juiz Desembargador não aplicou a Lei, pois nesta em parte alguma se refere ao parâmetro temporal da data em que foi proferida a primeira decisão e, interpretando desse modo, está a violar a mesma.
O – Quanto ao segundo argumento do senhor Juiz Desembargador de indeferir liminarmente, “ o novo documento não pode implicar uma nova causa de pedir, nem referir – se a factos não alegados na anterior acção”.
P - O senhor Juiz Desembargador refere “ que o requerente pretende é reabrir um processo findo em que decaiu com base em factos objectivamente supervenientes, a saber a celebração de contratos de compra e venda e de hipoteca, em Junho de 6.6.2023. Os documentos que junta destinam – se a provar factos novos e objectivamente supervenientes e não a provar factos oportunamente alegados na petição da acção anterior, cuja prova se malogrou”.
Q – O senhor Juiz Desembargador, vem designar como factos novos e objectivamente supervenientes, quando tal não aconteceu.
R – Foi por não haver ainda escritura pública que os anteriores senhores Juízes Desembargadores referem e se encontra transcrito a fls. 14 do Acórdão : “A celebração de um contrato promessa de compra e venda, desprovido de eficácia real, com vista à alienação do bem a terceiro, sem dar a possibilidade do preferente exercer o seu direito, não verifica o incumprimento do pacto de preferência. Só a celebração do contrato definitivo, nessas condições verifica esse incumprimento.”
S - Quanto a este assunto, damos por reproduzido a jurisprudência citada nestas alegações do Ac. STJ de 11/02/2014, proferido no processo nº 6723/09.1TVLSB.L1.S.1.
T – Na decisão da primeira instância dos presentes autos, dos factos indiciariamente provados, consta o facto com o número 19, que transcrevemos “ O 1º requerido, actualmente gerido pela Sociedade”(...) – Sociedade Gestora de Fundos de Investimento Imobiliário, S.A.”, requereu notificação judicial avulsa do ora Requerente para o exercício do direito de preferência na aquisição da referida fracção”.
U – Estando também no Ac. de 21 de Dezembro de 2018, dos presentes autos, a constar a fls. 8 que o aqui referido Fundo veio ao processo juntar documentos. “ Desses documentos, a 1ª instância relevou a notificação avulsa, ainda não cumprida, por ser acto judicial, como explica a fls.339. No mais a decisão recorrida olvidou os documentos, como não podia deixar de ser”.
V – Notificação avulsa que contanto dos factos indiciariamente provados ( facto 19) mencionada igualmente na decisão desse Tribunal da Relação de Dezembro de 2018 a fls. 8 consta : “ (...) conforme solicitação do participante único do Fundo, servimo – nos da presente para notificar V. Exa. para que possa, querendo, exercer o direito de preferência no negócio celebrado por este Fundo, de acordo com o previsto no identificado “ Protocolo” (...)
X – As notificações já tinham sido juntas em 2018 pelo 1º requerido, e veio o ora requerente no presente recurso extraordinário juntar de novo os mesmos documentos que já tinham sido juntos na primeira instância, não são por isso documentos novos, nem factos novos.
Z – O Fundo , 1º requerido, estava obrigado ao cumprimento, perante o recorrente, de lhe comunicar o direito de preferência na venda, para o seu eventual exercício.
AA- Questão que não é nova, e foi por ela que o requerente intentou a providência cautelar de arresto, tal como refere o art.º 391º do CPC.
BB – Por essa razão e por esse motivo é que o requerente veio demonstrar documentalmente que “ já ocorreu a venda em 6.6.2023”.
CC – A existência da posterior venda não “é um facto totalmente novo”. Tal facto sempre foi considerado como possível e presumível, acontece que são agora é que veio a acontecer, mas sempre foi equacionado, sendo a razão do procedimento cautelar, para acautelar os interesses do requerente, respeitante ao seu crédito.
DD – Juntando este facto à obrigação do primeiro requerido em dar preferência ao aqui recorrente, o recurso de revisão é o jurídico e legalmente correcto neste contexto, conforme resulta da Lei, vide art.º 696º do CPC.
EE – Quanto á questão levantada pelo senhor Juiz Desembargador que o requerente peticionava o arresto da fracção “A”, perante a venda à “ SM – Unipessoal, Lda”, o arresto de um bem de terceiro a qual só seria admissível nos termos do art.º 619º nº 2 do C.C.,
FF – Não estamos face a apreensão de um bem de terceiro, porque os bens só são pertença de terceiro quando estiverem definitivamente registados a seu favor, o que não é o caso em questão , como se pode verificar pela certidão já junta aos autos.
GG – Ainda não está definitivamente registado a seu favor , tal como a doação. Para além de que aquela escritura de 6.6.2023, vai ser objecto de impugnação por parte do ora reclamante, pois a dita escritura é inválida pelas razões alancadas nas alegações art.º 33º e seguintes, que damos por inteiramente reproduzidas para os devidos efeitos legais.
HH – Está também em causa, no âmbito deste recurso extraordinário de revisão o cumprimento da Constituição da Republica Portuguesa, em concreto os arts. 20º e 81º a este propósito é reproduzida jurisprudência.
Termos em que deve ser admitida a presente Reclamação, deferida e em consequência deve o recurso ser admitido e provido, com as legais consequências
Assim se fazendo a costumeira Justiça.»
Contra-alegou propugnando pela improcedência da apelação.
QUESTÕES A DECIDIR
Nos termos dos Artigos 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo um função semelhante à do pedido na petição inicial.[1] Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. Artigo 5º, nº 3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso, v.g., abuso de direito.[2]
Nestes termos, a questão a decidir consiste em aferir se deve manter-se o despacho de indeferimento liminar do recurso de revisão ou se, pelo contrário, deve este prosseguir.
Corridos que se mostram os vistos, cumpre decidir.
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A matéria de facto relevante para a decisão de mérito é a que consta do relatório, cujo teor se dá por reproduzido.
FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Nos termos do Artigo 696º, al. c), do Código de Processo Civil, a decisão transitada em julgado só pode ser objeto de revisão quando se apresente documento de que a parte não tivesse conhecimento, ou de que não tivesse podido fazer uso, no processo em que foi proferida a decisão a rever e que, por si só, seja suficiente para modificar a decisão em sentido mais favorável à parte vencida.
Conforme se refere em Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Sousa, Código de Processo Civil Anotado, I Vol., 2022, 3ª ed., Almedina, p. 896:
«O acesso ao recurso de revisão ao abrigo da al. c) apenas pode ser permitido nos casos em que não tenha sido objetiva ou subjetivamente possível à parte apresentar o documento a tempo de interferir no resultado declarado na decisão revidenda (cf. STJ 19-12-18, 179/14). Não basta que o documento legitimador da revisão tenha a virtualidade de abalar a matéria de facto fixada na decisão recorrida, devendo ser de tal modo antagónico com aquela, no seu alcance probatório, que justifique, sem qualquer relação com a prova produzida no processo, a decisão em sentido contrário (requisito da suficiência) (STJ 14-1-21, 84/07, STJ 11-11-20, 8250/15, STJ 19-10-17, 181/09, STJ 13-7-10, 480/03, STJ 17-9-09, 09S0318, RG 10-10-19, 465/15, RL 6-7-17, 2178/04). Uma sentença judicial não pode servir de fundamento a recurso extraordinário de revisão por não poder ser qualificada como um documento (RL 10-4-18, 2020/12).»
Todavia, o novo documento não pode implicar uma nova causa de pedir (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9.3.1973, BMJ nº 194, pp. 170-172) nem referir-se a factos não alegados na anterior ação (cf. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 3.3.1972, Revista dos Tribunais, Ano 90º, nº 1869, pp. 129-132 e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17.2.2000, Sousa Inês, 00B033, afirmando-se aqui que “A obtenção superveniente de um documento não supre a falta de alegação oportuna do facto a provar pelo documento”).
Ou seja, visando o recurso extraordinário de revisão corrigir errores in procedendo ou errores in iudicando, o mesmo tem por parâmetro temporal a data  em que foi proferida a primeira decisão, extravasando o âmbito do recurso de revisão  a adução de novos e supervenientes factos inexistentes à data em que foi proferida a primeira decisão e que, em abstrato, seriam idóneos a reverter o sentido da decisão. Dito de outra forma e com referência à al. c) do Artigo 696º, o novo documento servirá para provar factos oportunamente alegados na primeira ação (cuja prova sucumbiu), mas já não para reconfigurar a causa de pedir da primeira ação com adução de novos factos posteriores à decisão. O recurso de revisão não é instrumento para alterar a causa de pedir, fora casos legalmente permitidos (cf. Artigo 265º, nº 1, do Código de Processo Civil).
No caso em apreço, o que o requerente pretende é reabrir um processo findo, em que decaiu, com base em factos objetivamente supervenientes, a saber a celebração de contratos de compra e venda e de hipoteca, em 6.6.2023. Os documentos que junta destinam-se a provar factos novos e objetivamente supervenientes e não a provar factos oportunamente alegados na petição da ação anterior, cuja prova se malogrou.
O requerente faz uma leitura do âmbito do recurso de revisão que não corresponde ao regime deste.
No acórdão de 2018, julgou-se improcedente a apelação com um duplo fundamento: o aí 1º e 2º requeridos não foram parte no pacto de preferência e, além do mais, só há incumprimento do pacto de preferência com a efetiva venda do imóvel e não apenas com a realização do contrato-promessa de compra e venda.
Agora, a parte vem demonstrar documentalmente que já ocorreu a venda (em 6.6.2023) e pretende demonstrar a existência do pacto de preferência. A existência da posterior venda é um facto totalmente novo, que não foi (nem poderia) ter sido alegado no processo anterior. Assim, não estamos no âmbito de um recurso de revisão, cabendo ao requerente aquilatar se ocorrem novos factos que determinem a propositura de nova ação com fundamento em violação de pacto de preferência. O que não pode o requerente é reabrir a discussão nestes autos com um âmbito (causa de pedir) que nunca teve e cuja transmutação está legalmente vedada. O recurso de revisão não é pertinente neste contexto.
Mesmo que assim não fosse, e a título de obter dictum, sempre se dirá que acresce que o processo findo é um procedimento cautelar de arresto em que o requerente peticionava o arresto da fração “A”. Perante a venda da mesma a “SM – Unipessoal, Lda.”, em 6.6.2023, o (hipotético) arresto da fração corresponderia à apreensão de um bem de terceiro, a qual só seria admissível nos termos estritos dos Artigos 619º, nº 2, do Código Civil e 392º, nº2 do Código de Processo Civil , cabendo ao requerente a alegação e demonstração da provável procedência da impugnação do ato transmissivo (cf. Ana Carolina dos Santos Sequeira, Do Arresto como Meio de Conservação da Garantia Patrimonial, Almedina, 2020, pp. 330-331).
Ora, nos 39º artigos da sua petição inicial de 2018, o requerente nada alegou no sentido da existência de um fundamento de impugnação do ato transmissivo (que nem tinha ocorrido ainda), estando também preterido fazê-lo agora pelas limitações de alteração da causa de pedir.
De todo o exposto se conclui que não ocorre o fundamento de recurso de revisão invocado pelo requerente.
A fundamentação autónoma da condenação em custas só se tornará necessária se existir controvérsia no processo a esse propósito (cf. art.º 154º, nº1, do Código de Processo Civil; Acórdãos do Tribunal Constitucional nºs. 303/2010, de 14.7.2010, Vítor Gomes, e 708/2013, de 15.10.2013, Maria João Antunes).
DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se em manter o indeferimento liminar deste recurso de revisão por não ter fundamento legal bastante.
Custas pelo requerente.

Lisboa, 24.10.2023
Luís Filipe Pires de Sousa
Paulo Ramos de Faria
Diogo Ravara
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[1] Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 7ª ed., 2022, p. 186.
[2] Abrantes Geraldes, Op. Cit., pp. 139-140.
Neste sentido, cf. os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 9.4.2015, Silva Miguel, 353/13, de 10.12.2015, Melo Lima, 677/12, de 7.7.2016, Gonçalves Rocha, 156/12, de 17.11.2016, Ana Luísa Geraldes, 861/13, de 22.2.2017, Ribeiro Cardoso, 1519/15, de 25.10.2018, Helder Almeida, 3788/14, de 18.3.2021, Oliveira Abreu, 214/18, de 15.12.2022, Graça Trigo, 125/20, de 11.5.2023, Oliveira Abreu, 26881/15, de 25.5.2023, Sousa Pinto, 1864/21, de 11.7.2023, Jorge  Leal, 331/21. O tribunal de recurso não pode conhecer de questões novas sob pena de violação do contraditório e do direito de defesa da parte contrária (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17.12.2014, Fonseca Ramos, 971/12).