Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
7993/2007-7
Relator: ABRANTES GERALDES
Descritores: SUBLOCAÇÃO
ACÇÃO DECLARATIVA
ACÇÃO DE DESPEJO
FORMA DE PROCESSO
PRIVAÇÃO DE USO
INDEMNIZAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/30/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: I- O sublocatário que demanda o réu , que ocupa o local subarrendado, pedindo a sua condenação na entrega da coisa subarrendada, livre de pessoas e bens, deve intentar acção declarativa comum e não acção de despejo pois não existe entre as partes nenhum vínculo arrendatício.
II- Tão pouco se justifica acção possessória, designadamente com fundamento no artigo 1037.º/2 do Código Civil, visto que o autor  nunca entrou na efectiva detenção da coisa subarrendada e este preceito pressupõe  uma efectiva detenção que foi objecto de privação ou de perturbação.
III- No entanto, já o n.º 1 do artigo 1037.º do Código Civil não pressupõe uma situação de efectiva detenção da coisa sublocada, bastando o confronto do sublocatário, em termos idênticos aos do locatário, com uma situação de oposição de facto ou de direito à sua pretensão de passar a fruir o bem subarrendado.
IV- Então, assim sendo, o sublocatário (tal como o locatário) pode agir directamente contra o terceiro que praticou os actos  que obstem à possibilidade de fruição da coisa (locada ou sublocada (artigo 1037.º/1 do Código Civil)-
V- Ao sublocador, privado do uso da coisa, é-lhe reconhecido direito de indemnização.

(SC)
Decisão Texto Integral: I - P. […]Ldª,
propôs a presente acção declarativa de condenação, com processo sumário, contra

ANTÓNIO […]

pedindo a condenação do R. a entregar-lhe imediatamente, livre de pessoas e coisas, a divisão B da fracção autónoma letra O, correspondente ao 3º andar Esq. do prédio urbano sito […] em Lisboa, e a pagar-lhe a quantia de PTE 540.000$00 como indemnização vencida pelos prejuízos causados pela sua ilícita ocupação desde 1-12-90 até 1-9-91, bem como a vincenda à razão de PTE 60.000$00 mensais, apurada até à data da efectiva entrega pelo R.

Para tanto, alegou, que por escritura de 6-11-90, tomou de subarrendamento quatro divisões ("B", "C", "D" e "E") da referida fracção autónoma e que quando, no dia 1-12-90, pretendeu tomar posse da divisão B viu-se impedida de o fazer pelo R., o qual, até hoje, ocupa e utiliza o local como escritório de advocacia, sem que tenha qualquer contrato em vigor ou outro negócio.

Mais alega que pela acção do R., desde 1-12-90, está privada do uso de um espaço que vale, pelo menos, PTE 60.000$00 por mês.

O R. deduziu as excepções de ilegitimidade, por não ter sido demandado o sublocador que à A. deveria proporcionar o gozo da coisa. Invocou ainda o erro na forma de processo, entendendo que a acção a propor deveria ser a acção de despejo e não uma “acção de reivindicação”.

Apresentou ainda defesa por impugnação.

No despacho saneador as excepções foram julgadas improcedentes.

Agravou o R. (fls. 467) e concluiu (Agravo nº 8061-07) que:

a) A presente acção é uma acção possessória, ainda que seja utilizada a figura da reivindicação, e outras.
b) Uma acção possessória pressupõe a prevenção, manutenção e restituição da posse (art. 1276º e segs. do CC).
c) O A. em tal acção tem de ter tido, ao menos, uma qualquer posse, intitulada ou outra. Não pode pedir a restituição ou manutenção de posse se nunca actuou por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real (art. 1251º do CC)
d) O pedido na presente acção não tem por isso fundamento.
e) O contrato de sublocação, porque não é um contrato real, apenas estabelece uma relação jurídica meramente obrigacional.

Houve contra-alegações.

Efectuado o julgamento, foi proferida sentença que condenou o R. a entregar à A. a referida divisão e pagar ainda a quantia mensal de € 100,00 desde a citação até Junho de 2005 e € 150,00 desde Julho de 2005 até efectiva entrega.

Apelou o R. e concluiu (Apelação nº 7993-07) que:

A. Não tem legitimidade para intentar uma acção possessória de restituição de um prédio ou local quem nunca dele tomou posse.
B. O arrendatário (subarrendatário) pode usar os meios possessórios contra terceiro e até mesmo contra o próprio locador se já esteve no uso e fruição do locado e sofrer turbação no exercício do seu direito.
C. Tendo sido celebrado um contrato de arrendamento com o local ocupado, o locatário pode agir contra o locador por vício ou inexecução do contrato e nunca contra o terceiro fruidor desse espaço.
D. A aqui recorrida nunca acedeu ao local em causa e nunca através da gerência manifestou tal vontade.
E. A recorrida que nunca manifestou ao R. o propósito de fruição do locado, não podia ter ficado, entretanto, a beneficiar com a sua passividade de uma prebenda acumulada de mais de € 20.000,00.
F. O apelante, pelo facto de ter sido citado para esta acção, não tinha obrigação de, sem mais, aceder ao respectivo pedido e sem direito a aguardar a definição judicial dos seus direitos.
G. A suspensão dos presentes autos, por pendência de acções prejudiciais, foi por determinação judicial
H. Essa suspensão, por legítimo exercício de direitos, não pode penalizar o recorrente, o que redundaria em interpretação inconstitucional dessa determinação e seus efeitos, contra arts. 2°, 16°, 18° e 20°, n° 1, todos da CRP.
I. Pelo reexame da prova gravada, confronto entre as respostas aos quesitos 1° e 2° e pela fundamentação da resposta ao art. 1°, deve ser alterada a resposta ao art. 1° dando-o como não provado.
J. Mesmo que fosse homologada a sentença, não se podia, com base na resposta ao art. 3°, atribuir indemnização por um valor mensal sobre que não recaiu a realizada peritagem, que restringiu o seu objecto ao ano de 2005, e sem que tenham sido sequer apresentados, em tempo, quesitos complementares para avaliação do valor de ocupação nos 13 anos anteriores.
K. Apurando o chamado valor de ocupação para o ano de 2005, ficaram indeterminados os valores para os anos anteriores à prolação da sentença,
L. Não se pode, para colmatar a lacuna, atribuir o valor para dezenas de anos transactos por recurso ao discutível valor da sub-renda intencionalmente inflacionado, ou pelo uso de um critério de equidade ou outro,
M. Apurar o valor de ocupação de um local só é relevante se se provar que a privação do mesmo representou um prejuízo real desse montante.
N. A recorrida nunca alegou sequer, além do mais, que tivesse estado a pagar a sub-renda de PTE 40.000$00 ou que foi obrigada a instalar-se entretanto e outro local em que tivesse de suportar um diferencial de custos correspondentes ao referido valor da ocupação.
O. Não sendo o recorrente o responsável pela situação, não havendo nexo causal, não tendo sido invocado um prejuízo concreto nem um prejuízo abstracto, como é declarado na douta sentença, violou esta o que dispõem os arts. 562 a 564° do CC.
P. Aplicando o próprio cálculo de indemnização desde a data da citação nem sequer desde a prolação da sentença violou-se o art. 805° do CC.
Q. A sentença, considerando que a recorrida era parte legítima para intentar a presente acção de restituição, violou o que dispõem os arts. 1278º, 1284° e o n° 2 do art. 1037º do CC.
R. Atribuindo uma indemnização à recorrida pela chamada privação do gozo do local, embora não da posse do mesmo, usou uma distinção que não tem suporte na ordem legislativa, doutrinária ou jurisprudencial.
S. Introduzindo questão nova de que não podia tomar conhecimento, a do estatuto do aqui apelante no local, violou-se, na douta sentença o que dispõem os arts. 660, n° 2, 661º, 664º, 668º al. d), 2ª parte e n° 3, do CPC.
T. A sentença deve ser revogada por não aplicar ao caso, como cabia, o que dispõem os arts. 1031°, al. b), e 1032° e 227º do CC.
U. Finalmente, como decorre dos documentos apresentados, a recorrida nunca desenvolveu qualquer actividade desde que foi constituída e nunca, nestes 17 anos, apresentou ou prestou contas mantendo o capital social em escudos e muito aquém do próprio valor legal mínimo em euros.
V. A recorrida tem sido uma sociedade apenas nome, sem actividade e sem funcionalidade conhecida.
W. A autoridade tributária declarou a cessação da actividade da Predial Espanha no ano passado tanto em sede de IVA como de IRC.
X. Apenas se conhece, como actividade da apelada, a presente acção e a que moveu contra o outro advogado, também instalado no escritório, acção que improcedeu logo no saneador, sentença que veio a ser confirmada pela Relação.

Houve contra-alegações.

II – Decidindo o agravo:

1. Coloca o agravante duas questões que emergem do que foi decidido no despacho saneador:

a) Por um lado, considera que deveria ser declarada a ilegitimidade passiva, porquanto deveria ter sido demandado o sublocador, uma vez que a A. invoca a indisponibilidade do espaço que lhe foi subarrendado;
b) Por outro lado, considera que a presente acção é de natureza possessória, sendo que a A. nunca deteve o espaço sublocado, não podendo, por isso, aceder à tutela da posse.
Nenhuma das questões pode proceder.

2. Quanto à questão da legitimidade:

Ainda que o agravante formule expressamente a pretensão de que se considere a excepção de ilegitimidade passiva deduzida na contestação, em bom rigor não confronta o tribunal ad quem com qualquer questão com a mesma relacionada, o que, por si, poderia servir para considerar restringido o âmbito do recurso. Ainda assim, reapreciando a decisão que incidiu sobre tal excepção, a mesma improcede.

Invocando a A. a qualidade de subarrendatária de parte de uma fracção autónoma cuja sala B se encontra ocupada pelo R. e pretendendo com a presente acção a condenação deste na sua entrega, não há razões para questionar a legitimidade passiva.

Na verdade, tendo em conta a relação material controvertida tal como emerge da petição, é o R. quem detém legitimidade, nos termos do art. 26º do CPC. Independentemente de outras pretensões que porventura possam ser deduzidas contra o sublocador, relativamente à concreta pretensão que integra o objecto desta acção, é o R. quem pode sair prejudicado pela decisão, conferindo-lhe, assim, exclusiva legitimidade para ser demandado.

3. Quanto ao erro na forma de processo:

Na contestação o R. invocou que a acção apropriada seria a acção de despejo e não uma pretensa “acção de reivindicação”. Já nas alegações do agravo, por certo influenciado por uma outra decisão judicial proferida em processo semelhante, que considerou apropriada a acção possessória (para, a final, julgar improcedente a referida acção por falta dos requisitos próprios da tutela possessória), o agravante considera que deveria ter sido adoptada a forma processual correspondente a uma acção possessória.

Torna-se evidente, também relativamente a esta questão, a falta de fundamento da alegada nulidade processual.

A A., invocando a sua qualidade de sublocatária, pretende tão só que se reconheça essa qualidade e que, considerando a falta de título para a referida ocupação de uma sala por parte do R., este seja condenado a entregar-lha.

Neste contexto, não se verifica qualquer erro na forma de processo.

Não existe motivo para considerar ajustada a acção de despejo, como o R. defendera na contestação, porquanto, de acordo com a versão dos factos apresentada pela A., inexiste qualquer vínculo arrendatício entre ambos.

Por outro lado, não se justificaria a tramitação que, ao abrigo da lei vigente à data da instauração da acção (1991), decorria da forma de processo especial prevista para as acções possessórias, pois que, como a A. o admite, nunca entrou na efectiva detenção da sala ocupada pelo R., nos termos e para efeitos do art. 1037º, nº 2, do CC.

Por tais motivos, a A. não enveredou, nem poderia ter enveredado por esta forma de tutela, tendo integrado a sua pretensão numa forma de processo comum.

Tendo formulado o pedido de condenação do R. na entrega da sala e de condenação no pagamento de prejuízos causados pela indisponibilidade da mesma depois de ter sido celebrado o contrato de subarrendamento, é, pois, apropriada a forma de processo.

4. Por estes motivos, deve negar-se provimento ao agravo.

III – Decidindo a apelação:

A - Factos provados:

1. Em 30-3-72, J.[…] e M.[…], nas qualidades, respectivamente, de primeira e segundo outorgantes, assinaram escritura pública intitulada de cessão ao direito ao arrendamento, na qual declararam o seguinte:

"Pela primeira outorgante foi dito:
Que por escritura de três de Março de 1972, (...) tomou de arrendamento a D. Maria Efigénia […], o 3º andar esq. do prédio urbano situado em Lisboa […]
Que o arrendamento foi feito pelo prazo de 18 meses e teve início em 1-2-71, renovável por períodos de um ano e pela renda mensal de 9.000$00, destinando-se o local arrendado ao exercício de profissão liberal de advocacia, ficando o arrendatário autorizado a sublocar mas só a advogados ou solicitadores.
Que faz esta cessão pelo preço de 1.000$00, que já recebeu do cessionário e de que lhe confere a correspondente quitação.

Pelo segundo outorgante foi dito:
Que acedia à presente cessão do direito ao arrendamento nos termos exarados" (doc. de fls. 619 a 622 e resp. ao quesito 4°).

2. Em 24-4-73, Manuel […] e o R., nas qualidades, respectivamente, de primeiro e segundo outorgantes, assinaram documento particular no qual declararam o seguinte:

"Estabelecem entre si o seguinte contrato:
1°-O primeiro outorgante, como locatário do 3° andar Esq. […] compromete-se a pagar todos os encargos resultantes do fornecimento de água, luz e aquecimento necessário ao segundo outorgante como sublocatário que é desse andar.
(…)
7° Como contribuição para estes encargos o segundo outorgante pagará mensalmente ao primeiro outorgante a quantia de quinhentos escudos.
8° Este contrato começa a vigorar a 24-5-73 e só pode ser revogado por acordo entre ambas as partes" (al. D) aditada a fls. 610);

3. Em 14-4-89, Manuel […] e António […], nas qualidades, respectivamente de primeiro e segundo outorgantes, assinaram escritura pública intitulada de cessão da posição de arrendatário, na qual declararam o seguinte:

"Disse o primeiro outorgante:
Que é o único e legitimo dono do escritório instalado na parte principal, cerca de três quintos, do terceiro andar esquerdo, do prédio […]

Dois. Que é também o único e legitimo arrendatário do referido andar, (com a renda actual de 15.138$00).
Onde:
A - Duas divisões estão verbalmente subarrendadas ao colega advogado J. […] pela renda mensal de 6.055$00 (equivalente a 2/5 da renda actual), que contribui com 2/6 para as despesas comuns do escritório (limpeza, água e luz).
B - Uma divisão está verbalmente subarrendada ao colega advogado, A.[…], pela renda mensal de 3.027$00 (equivalente a 1/5 da renda total), que contribui com 1/6 para as despesas comuns do escritório (limpeza, água e luz).
C - A sala de espera, a secretaria, e as WC, são utilizadas conjuntamente pelo primeiro contraente e pelos referidos arrendatários.
D - O primeiro utiliza, em exclusivo, as restantes divisões, inclusive, o espaço destinado ao estacionamento de um automóvel na garagem do prédio.
Três. Que o arrendamento está regulado por três escrituras, celebradas no Décimo Sétimo Cartório Notarial de Lisboa, respectivamente, em três de mil novecentos e setenta e dois, (...) e em trinta de Março de mil novecentos e setenta e dois, (...).
Quatro. Que pela presente escritura cede gratuitamente ao segundo a identificada posição de arrendatário, nas seguintes condições:
F - Igualmente será mantido o contrato de prestação de serviços com a actual empregada de limpeza (...) e ganha 9.000$00 por mês, pela limpeza de todas as zonas próprias e comuns do escritório, e cujos honorárias são suportados pelo primeiro contraente e pelos colegas subarrendatários na proporção referida no art. dois.
Que atribui o valor de 100.000$00 ao objecto da presente cessão gratuita do direito cedido.
Declarou o segundo outorgante:
Um. Que aceita a presente cessão nos termos exarados" (doc. de fls. 623 a 627 e 4° da BI).

4. Em 17-5-90, Maria Efigénia […] e Domingos […], em representação da Sociedade Imobiliária […] e António […], nas qualidades, respectivamente de primeiros e segundo outorgantes, assinaram escritura pública intitulada de transacção extrajudicial, na qual declararam o seguinte:
“(…)
1º Entre as partes existe um litígio relacionado com o contrato de arrendamento constante da escritura outorgada em 3-3-72 (...) e que consiste, essencialmente no facto de o segundo outorgante, actual arrendatário, tal como o arrendatário seu antecessor, ter praticado diversos factos que constituem fundamento de resolução daquele contrato, nomeadamente:
(…)
b) Inexistência de comunicação à então senhoria de notificação de diversas sublocações parciais do arrendado a favor, designadamente, de A.[…], I[…], I.[…], V.[…], M.[…], A.[…], Maria […] e outros;(…)
2º A fim de pôr termo ao referido litigio, vêm as partes celebrar a presente transacção preventiva extrajudicial, nos termos do art. 1250º do Código Civil, o que fazem pela seguinte forma:
3º O segundo outorgante expressamente confessa a existência dos factos referidos nas alíneas a), b) e c) da anterior clausula primeira;
4º Tendo em visita evitar os efeitos do despejo que seria decretado com aqueles fundamentos, o segundo outorgante, por este acordo se despede para o fim do ano contratual em curso, que termina no dia 31-7-1990 (...)” (doc. do fls. 33 a 36, bem como de fls. 91 a 97);

5. Em 17-5-90, Maria Efigénia […] e Domingos […], em representação da sociedade anónima Sociedade Imobiliária […], e M.[…], nas qualidades, respectivamente de primeiros e segundo outorgantes, assinaram escritura pública intitulada de arrendamento, na qual declararam o seguinte:

"Disseram os primeiros outorgantes, na qualidade que intervém
Que a sua representada Sociedade Imobiliária […]. é dona e legítima possuidora da fracção “O”, 3º andar esq., (...).

Que pela presente escritura dão de arrendamento ao segundo outorgante a referida fracção autónoma.

Que este arrendamento tem a natureza de contrato para pessoa a nomear, ficando o segundo outorgante com o direito de no prazo de um ano a contar do início deste arrendamento, nomear como definitiva arrendatária uma Sociedade de Advogados a constituir, de que ele fará parte com um outro colega (ou mais), ou, em alternativa, será feita nova escritura de arrendamento para o que avisará a senhoria com a antecedência de quinze dias, e com as respectivas despesas por conta do inquilino.

Que este arrendamento se regerá nos termos das cláusulas seguintes:

1º O prazo é de seis meses, com início em 1 de Agosto do ano corrente.
2º A renda mensal é de 50.000$00, pagável na sede da sociedade senhoria, no primeiro dia útil do mês anterior ao que disser respeito.
3º O local arrendado destina-se ao exercício da profissão liberal de advocacia e/ou à actividade de mediação, construção, administração ou revenda de imóveis adquiridos para esse fim.
4º Para o exercício de qualquer das referidas actividades, incluindo a solicitadoria, fica o arrendatário autorizado a emprestar ou sublocar o locar arrendado sem, limite de sub-renda.
Disse o segundo outorgante:
Que aceita o arrendamento nos termos exarados. (...)" (resp. ao quesito 4° aditado a fls. 611 e doc. fls. 99 a 103).

6. Em 8-11-90, Miguel […] e mulher, Graça […], e a A., nas qualidades, respectivamente de primeiro e segunda outorgantes, assinaram escritura pública intitulada de subarrendamento, na qual declararam o seguinte:

"Disseram os primeiros outorgantes:

Que o outorgante varão é arrendatário da fracção "O", 3º andar Esq. […] (...), conforme (...) escritura de arrendamento lavrada no […] Cartório Notarial de Lisboa […]

Que, pela presente escritura no uso da autorização constante do art. 4º do citado contrato de arrendamento, subloca à representada do segundo outorgante as quatro divisões da citada fracção que vão assinaladas na planta que constitui documento anexo ao presente contrato (com as letras "B", "C", "D" e "E" , nos termos dos artigos seguintes:

1º - O prazo é de seis meses com início em 1-12-1990.
2º - A renda mensal é de 40.000$00, com vencimento no primeiro dia útil do mês anterior àquele a que disser respeito a pagar na residência dos primeiros outorgantes.
3º - O local arrendado destina-se exclusivamente a revenda de imóveis adquiridos para esse fim.

Disse o segundo outorgante:
Que para a sua representada aceita este contrato nos termos exarados. Assim outorgaram" (A) e doc. fls. 11 a 14).

7. O R. ocupa a divisão B utilizando-a como escritório de advocacia (B)).

8. A A. tem sido impedida pelo R. de ocupar e utilizar a divisão identificada pela letra B (1°).

9. O local em causa tem cerca de 15 m2 (al. C)).

10. Em Julho de 2005, o valor do uso do espaço ocupado pelo R. era de € 10,00/m2 (3°).

B – Impugna o apelante a resposta dada ao quesito 1º, entendendo que deveria ser “não provado”.

Perguntava-se no referido quesito se “em 1-2-90 e daí em diante a A. foi impedida pelo R. de ocupar e utilizar a divisão identificada pela letra B?”.

A resposta foi a seguinte: provado que “a A. tem sido impedida pelo R. de ocupar e utilizar a divisão identificada pela letra B”.

Na motivação de tal resposta a Mª Juíza a quo referiu expressamente que a única testemunha que sobre a matéria foi ouvida não soube especificar ou descrever qualquer actuação do R. que impedisse a A. de ocupar e utilizar a divisão. Contudo, sempre se adiantou que o R. vem propondo diversas acções cujo objecto é a referida divisão, sabendo que sobre a mesma a A. invoca a titularidade de direitos que o R. impugna.

Considera, no entanto, o R. que, tendo sido dada resposta negativa ao quesito 2º, onde se inquiria se o R. fora instado pela A. por diversas vezes a desocupar o local, a mesma resposta negativa deveria ter o quesito 1º, tanto mais que pelo facto de existirem diversas acções relacionadas com a referida divisão, a A. não ficou dispensada de manifestar perante o R. a intenção de ocupar a sala que este detém.

Vejamos:

Em primeiro lugar, em sede de reapreciação da decisão da matéria de facto é inoportuna a invocação de matéria de direito relacionada com as consequências de uma determinada resposta ou com os requisitos de uma determinada pretensão. Importa apenas reponderar se, em face dos meios de prova apresentados, é ou não de confirmar a resposta dada a um ponto da matéria de facto controvertida.

Nestas circunstâncias sendo de confirmar a ausência de prova testemunhal que confirme a resposta que foi dada ao quesito 1º, deve notar-se que a formação da convicção não se faz exclusivamente a partir de meios de prova subjectivos, sendo de relevar também os documentos apresentados, valorados de acordo com o seu teor e com recurso ainda a presunções judiciais que neles se possam fundamentar.

Ora, não há dúvida nenhuma que a situação em que se encontra a divisão B da fracção subarrendada à A. se encontra sob um forte litígio judicial que tem como sujeitos a A. e o R. A presente acção deu entrada em 1991 e esteve sujeita a uma prolongada suspensão da instância motivada pela pendência de outras acções que envolvem as mesmas partes ou outros sujeitos. Importa ainda valorar devidamente aquilo que o próprio R. alegou na contestação da presente acção quando foi confrontado com a solene pretensão da A. de que lhe fosse entregue a divisão que ocupa e que a A. reivindica.

Ora, a A. alegou logo no art. 6º da petição que quando no dia 1-12-90 pretendeu tomar posse da divisão ocupada pelo R. viu-se impedida de o fazer, mantendo este permanentemente ocupada a referida divisão com pessoas e coisas.

Na sua contestação o R., embora negue que a A. se lhe tenha dirigido anteriormente para exigir a entrega da divisão, afirma no art. 37º expressamente que “tem de negar o direito que a mesma se arroga”. Por outro lado, numa acção que ele mesmo instaurou contra o sublocador da A., Miguel […] e contra outros, cuja pendência justificou a suspensão da instância e que veio a ser julgada improcedente por decisão final do Supremo, pretendeu que fosse declarada a nulidade do contrato de arrendamento celebrado com o referido Miguel […] e que está na génese da posição que a A. invoca nesta acção, pretendendo ainda que se reconhecesse que o subarrendamento de que alegadamente era titular ainda vigorava (fls. 74 a 86).

Nestas circunstâncias, revalorando devidamente estes elementos que os autos demonstram, sem dúvida alguma pode concluir-se, como, aliás, o tribunal a quo, que a A. tem sido impedida pelo R. de ocupar a divisão identificada pela letra B, só assim encontrando justificação a forte litigiosidade que a envolve.

Por conseguinte, mantém-se a referida resposta.

C – Quanto à matéria de direito:

1. Suscita o apelante as seguintes questões:

a) Saber se a A., em vez do R. apelante, deveria ter demandado o sublocador por vício ou inexecução do contrato de subarrendamento.

b) Saber se a A. pode exigir do R. qualquer indemnização, uma vez que nunca lhe manifestou o propósito de fruição da fracção, sendo que o facto de o apelante ter sido citado nesta acção não o coloca perante a obrigação de efectuar tal pagamento sem que exista uma definição judicial dos seus direitos.

c) Saber se pode ser reconhecido à A. o direito a obter do R. o valor da ocupação em abstracto, uma vez que nem sequer alegou que tivesse pago a sub-renda ou que tivesse sido obrigada a instalar-se noutro local durante o período de ocupação da divisão B.

d) Ainda que se reconheça o direito de indemnização, verificar se o seu valor pode ser integralmente apurado a partir do valor locativo calculado para o ano 2005.


2. Quanto à primeira questão:

2.1. O apelante insiste em que a A. não poderia fazer uso de acção possessória, uma vez que jamais entrou na detenção efectiva da divisão B da fracção de que é subarrendatária.

Já em sede de decisão do agravo se fez notar que a qualificação da acção como possessória é da exclusiva responsabilidade do apelante, não encontrando eco nem no modo como a A. envolveu em termos substanciais ou em termos processuais a sua pretensão, nem sequer nos preceitos jurídicos a que se submete o contrato de subarrendamento.

O que a A. pretende tão só é que o R., ocupante, sem título, de uma divisão abarcada pelo contrato de subarrendamento de que é parte, abra mão dessa divisão, entregando-lha para que sobre a mesma possa exercer os poderes que decorrem da sua posição de subarrendatária.

2.2. Tendo em conta a matéria de facto apurada, a fracção O, na qual se integra a divisão B ocupada pelo apelante, depois de ter sido dada em arrendamento a Miguel Coelho, foi por este subarrendada à ora A. Tal aconteceu depois de anteriormente ter sido extinta uma outra relação de arrendamento que incidia sobre a mesma fracção a qual suportaria a ocupação que o R. fazia.

Como bem o revelam as diversas peças processuais que em seu redor têm sido produzidas em múltiplas acções judiciais, a fracção subarrendada à A. passou por diversas vicissitudes. Circunscritos necessariamente à matéria de facto alegada e provada nesta acção e confrontados com uma pretensão que visa tão só definir a situação de ocupação da divisão B, em face dos títulos existentes, não importa tecer considerações sobre tais vicissitudes. Aliás, instância nesta acção ficou suspensa por largos anos à espera da decisão definitiva a proferir numa outra acção instaurada pelo R., acção que, depois de percorrer os vários degraus da estrutura judiciária, acabou por ser julgada improcedente.

Enfim, para o que agora cumpre decidir, importa apenas realçar que não existe qualquer razão para questionar a validade do contrato de arrendamento efectuado pela senhoria com o arrendatário da fracção, nem sequer a validade do contrato de subarrendamento outorgado pelo arrendatário com a ora A. e que serve de justificação para a presente acção.

2.3. Sendo a A. subarrendatária, são-lhe conferidos, no que concerne a terceiros, os mesmos direitos atribuídos ao arrendatário. Aí se insere o direito de recorrer à tutela possessória quando, por actos de terceiros ou do sublocador, for privado da coisa ou perturbado no exercício dos seus direitos, nos termos do nº 2 do art. 1037º do CC.

Em discordância com o fundamento jurídico que foi expresso na sentença recorrida para sustentar a condenação do R. na entrega, esta faculdade está circunscrita aos casos em que o sublocador já entrou na detenção efectiva da coisa. Tratando-se de estender a tutela possessória a titulares de direitos pessoais de gozo, nenhuma razão justificativa se encontraria para uma menor exigência em comparação com a situação do verdadeiro possuidor cuja tutela a lei faz depender da verificação de uma verdadeira posse, integrando o elemento subjectivo (animus) e o elemento objectivo (corpus).

Como decorre da doutrina e da jurisprudência unânimes, a exigência para o locatário (ou sublocatário) de uma efectiva detenção acaba por traduzir o elemento material ou objectivo que se mostra necessário para recorrer a alguma das acções previstas nos arts. 1276º e segs. do CC.

2.4. Porém, como já se disse, não foi em tais preceitos que a A. arrimou a sua pretensão.

Numa altura em que a lei processual ainda regulava, como processo especial, a acção possessória (maxime a acção de de restituição da posse), a A. optou por recorrer a uma acção declarativa com processo comum, fundando-se no preceituado no nº 1 do art. 1037º.

Apesar de, nos termos do art. 1031º, als. a) e b), do CC, constituir obrigação do sublocador entregar ao sublocatário a coisa sublocada e assegurar-lhe o gozo desta para os fins a que se destina, a A. confrontou-se, como se confronta agora o tribunal, com o preceituado no art. 1037º, nº 1, do CC, segundo o qual não recai sobre o locador a obrigação de assegurar ao sublocatário o gozo da coisa contra actos de terceiros.

Ora, sendo direito do sublocatário ocupar a divisão sublocada e não lhe reconhecendo a lei o direito de demandar o sublocador para efeitos de fazer cessar a situação de ocupação que se verifica, a tutela dos interesses daquele determina que se lhe reconheça o direito de reclamar a coisa sublocada directamente do terceiro que impede o acesso.

Ou seja, ao invés do que dissemos a respeito do nº 2 do art. 1037º do CC, o preceituado no seu nº 1 não pressupõe uma situação de efectiva detenção da coisa sublocada, sendo suficiente o confronto do sublocatário com uma situação de oposição de facto ou de direito à sua pretensão de, ao abrigo do contrato que lhe confere legitimidade, passar a fruir a divisão subarrendada.

Insista-se: uma vez que o sublocador não tem a obrigação de assegurar o gozo contra actos de terceiro, negar ao sublocatário o recurso a uma acção directamente dirigida contra aquele que, sem título, se opõe ao exercício do poder de fruição atribuído pelo contrato de subarrendamento equivaleria a eliminar o direito de fruição que lhe foi concedido.

Não vale, para o caso, o argumento formal de que, recaindo sobre o sublocador a obrigação de proporcionar o gozo da coisa, nos termos do art. 1031º do CC, é ao mesmo que pode ser dirigida uma pretensão do subarrendatário no sentido de ver cumprida tal obrigação. Não encontramos no texto legal uma tal directriz, sendo que, por outro lado, os interesses do subarrendatário serão mais facilmente tutelados se lhe for conferida a possibilidade de demandar directamente o causador do impedimento em vez de lhe impor, como via mediata e indirecta, a demanda do sublocador.

2.5. Em suma, para além de, em abstracto, esta nos parecer a posição que melhor se adequa ao preceituado no nº 1 do art. 1037º, também é a resposta que, em concreto, resulta mais ajustada ao conflito de interesses.

Repare-se ainda que o R., porventura influenciado pelo resultado que foi declarado numa outra acção intentada contra um outro sujeito em situação semelhante à sua, estruturou a sua defesa num diverso plano em que agora coloca as alegações. Analisando a sua contestação, verifica-se que a pretensa necessidade de demanda do locador (ilegitimidade passiva) surge na sequência da alegação genérica de ilegitimidade da A. (ilegitimidade activa), terminando por defender que, afinal, mais apropriada à pretensão da A. seria uma acção de despejo, atenta a sua qualidade de subarrendatário.

Acresce que, acedendo a um requerimento que formulou no âmbito desta acção (instaurada em Setembro de 1991), a instância processual foi suspensa por despacho de Julho de 1993 (fls. 134, vº), considerando-se a relação de prejudicialidade que se verificava relativamente à acção pendente no 11º Juízo Cível, por si intentada também contra o arrendatário Miguel […] e outros, a qual foi julgada improcedente (certidão de fls. 369 e segs.).

Estas circunstâncias permitem reforçar a ideia que anteriormente expressámos de que também em concreto seria injustificado um resultado que se traduzisse, como o apelante pretende, na improcedência do pedido de entrega, sob o pretexto de que, afinal, a entrega deveria ter sido judicialmente pedida (em 1991!) ao sublocador.

2.6. Em conclusão:

Atenta a matéria de facto provada, não se evidencia da parte do R. qualquer base de sustentação para a ocupação que vem mantendo, depois de extinta a relação contratual que suportava a sua posição jurídica.

Por isso, não há qualquer obstáculo que impeça a procedência da referida pretensão.

3. Quanto à segunda questão em redor do direito de indemnização:

Resulta provado que o R. se tem oposto à ocupação pretendida pela A., em violação do direito que já anteriormente a este foi reconhecido.

Considerando a ausência de qualquer título capaz de justificar a referida ocupação, não há dúvida que esta se deve ter por ilícita, ao menos a partir da citação para a presente acção, momento a partir do qual deixou de poder alegar desconhecimento da existência de uma pretensão deduzida por quem relativamente à fruição da sala apresentava um título.

Ao invés do que defende o apelante, não existe qualquer fundamento legal para fazer depender o direito de indemnização da A. da decisão a proferir nesta acção quanto à situação de ocupação. A ilicitude, que, afinal, acaba por ser reconhecida, verifica-se independentemente do facto de o R. se ter oposto ao pedido ou do anterior reconhecimento. Aliás, menos razões haveria ainda para aceitar esta argumentação, quando se verifica que a instância esteve suspensa por largos anos à espera de uma decisão noutro processo que foi desfavorável ao R.

Muito menos se pode encontrar nesta solução qualquer inconstitucionalidade, questão que, surgindo nas conclusões, não vem acompanhada de qualquer argumento na motivação.

4. Quanto à terceira questão:

4.1. Argumenta o apelante que não estando sequer provado que a A. tenha suportado o pagamento de qualquer sub-renda, não é correcto quantificar-se a indemnização nos termos que ficaram definidos na sentença recorrida.

Também improcede esta questão, servindo-nos, para o caso, da argumentação que aduzimos no Ac. desta Relação, com o mesmo relator, de 11-3-03 (www.dgsi.pt/jtrl) e de que na sentença se faz extensa transcrição (fls. 667 e 668), sem, contudo, indicação da respectiva fonte.

Efectivamente, referimos em tal acórdão, relativamente a uma situação em que a privação do uso respeitava ao direito de propriedade, mas que bem pode adaptar-se à posição do subarrendatário, o seguinte:

“4. Contra a admissibilidade da indemnização do dano da privação do uso invoca-se frequentemente a sua natureza abstracta, contraposta ao facto de a responsabilidade civil exigir a produção de um dano concreto cuja medida serve para quantificar a indemnização.

É um facto que só os danos concretos merecem ser ressarcidos. Todavia, isso não significa que o chamado "dano da privação do uso" deva incluir-se na categoria do dano abstracto, sob pena de se afrontarem juízos assentes em padrões de normalidade.

Esta integração é contrariada pela simples verificação de que a impossibilidade de fruição de um bem próprio, em consequência de uma actuação ilícita de outrem, determina um corte temporal no legítimo direito de fruição. Reportando-se a privação a um determinado período e sendo o direito de propriedade também integrado pelo direito de fruição, aquela traduz-se, em termos práticos, num corte temporalmente definido e naturalmente irrecuperável nesse poder de fruição.

Quanto às dificuldades suscitadas pela adopção da teoria da diferença, como critério determinativo da indemnização, podem ser superadas se se evidenciar que o plano da quantificação não deve confundir-se com o da ressarcibilidade em que, por ora, nos situamos. No percurso metodológico da aplicação da lei este situa-se a montante, sendo reflexo da mera perda, ainda que temporária, dos poderes de fruição; já a quantificação comporta uma mera operação material, situada a jusante, destinada a avaliar, em termos pecuniários, o desequilíbrio patrimonial causado pela privação.

5. A simples invocação das regras da experiência quando se estabelece a comparação entre a situação do proprietário que manteve intacto o seu poder de fruição e a de um outro que dele seja privado temporariamente permite concluir que não existe entre ambas uma equivalência substancial. Verificando-se uma lacuna de natureza patrimonial, correspondente à fatia de poderes de que o proprietário ficou privado, é com naturalidade que deve ser encarada a atribuição de uma compensação monetária, face à constatação de que o simples reconhecimento da ilegitimidade da privação e a condenação na restituição do bem são insuficientes para repor a situação do lesado no estado em que se encontraria caso não tivesse existido tal privação.

Uma vez que o sistema atribui ao lesado o direito à reconstituição natural da situação, a recomposição da situação danosa reclama que, pela única via então possível, ou seja, pela atribuição de um equivalente pecuniário, o lesado consiga ser reintegrado. Dito de outro modo, se a privação do uso do bem durante um determinado período origina a perda das utilidades que o mesmo era susceptível de proporcionar e se tal perda não pode ser reparada mediante a forma natural de reconstituição, impõe-se que o responsável compense o lesado na medida equivalente.

A prova da ocorrência de danos concreta e directamente imputáveis à privação é solução que se justifica quando o lesado pretenda obter o ressarcimento dos lucros cessantes, pelos “benefícios que deixou de obter”, nos termos do art. 564º, nº 1, do CC. Porém, não se esgotam aí as possibilidades de ressarcimento que abarca também, com o danos emergentes, no segmento normativo referente ao “prejuízo causado“, a privação do uso.
Considerando que o direito de propriedade integra, como um dos seus elementos fundamentais, o poder de exclusiva fruição, e que isso envolve até o direito de não usar, a privação do uso reflecte o corte definitivo e irrecuperável de uma “fatia” desses, justificando-se, assim, o ressarcimento que supra a modificação negativa que a privação do uso determina na relação entre o lesado e o seu património” (fim de citação).

4.2. No caso concreto, não existe qualquer dúvida de que a A., pela ilícita oposição do R. à ocupação pretendida, ficou impossibilitada de fazer da divisão subarrendada o uso que lhe era permitido pelo contrato de subarrendamento, uso esse que, reportando-se a um largo período transcorrido, jamais pode ser recuperado a não ser por via de uma indemnização por equivalente.

Se a A. esteve impedida de fazer uso da sala, é justo que se lhe reconheça o direito de haver do R. o respectivo valor de uso de que ficou privada e que pode ser reduzido a um determinado valor monetário.

De outro modo, o R. locupletar-se-ia à sua custa, obtendo e mantendo, sem qualquer contrapartida, o uso de uma divisão sobre a qual deixou de ter qualquer título que legitimasse a sua fruição.

A prova de que a A. teve de usar outro espaço ou de que suportou efectivamente a renda que foi convencionada no subarrendamento poderia ser importante para elevar o montante da indemnização, mas não para o reconhecimento do direito.

É, aliás, este o sentido da jurisprudência maioritária nas Relações e ao nível do Supremo e aquele que também encontra suporte na generalidade da doutrina.

5. Quanto à quantificação da indemnização:

5.1. Na sentença, depois de se ter considerado provado que, em 2005, o valor de uso de cada m2 da sala, com 15 m2, era de € 10,00, a indemnização foi calculada à razão de € 100,00 por cada mês de ocupação desde a citação e à razão de € 150,00 a partir de Julho de 2005.

Considera o apelante que não existe fundamento para reportar a anos anteriores valores que foram apenas determinados para o ano 2005.

5.2. A indemnização visa satisfazer o princípio da diferença entre a situação patrimonial que decorre da situação ilícita e a que existiria se acaso a mesma não tivesse ocorrido.

Como sucede em muitas outras situações da vida, não se mostra fácil determinar o valor do ressarcimento, fundamentalmente em casos, como o presente, em que o litígio perdura há vários anos e em que a demora acaba por ser imputada ao facto de o próprio R. ter instaurado uma outra acção que acabou por ser julgada improcedente.

Na operação de cálculo do valor da indemnização não tem o tribunal de se alarmar com a ausência de todos os elementos para uma exacta quantificação, sendo para isso que a lei faculta o recurso a juízos de equidade, partindo da realidade que puder ser observada. Não sendo a equidade confundível com a arbitrariedade, essencial é que para a quantificação da indemnização se proceda a uma integração racional dos factos, com recurso aos meios disponíveis.

Avulta para o caso a evolução de índices de preços no consumidor que, de acordo com os elementos publicitados pelo INE, permite verificar que, entre 1991 e 2005, a soma das taxas anuais equivale a cerca de 70%.

No caso concreto pode e deve ser ainda ponderado o facto notório de a sala objecto desta acção estar situada numa das mais centrais e caras zonas da cidade de Lisboa.

Obviamente que nenhum interesse tem para o caso a situação tributária em que a A. alegadamente se encontra, questão essa que, aliás, apenas surge nas alegações.

Neste quadro, parece-nos ajustada a redução feita na sentença relativamente à média do período de ocupação entre 1991 e 2005.

Em termos de experiência comum, não parece excessivo o valor médio de € 100,00 fixado na sentença recorrida até Julho de 2005, e o valor de € 150,00 a partir de então, este reflectindo directamente a resposta dada ao facto controvertido.

IV – Em conclusão:

Acorda-se no seguinte:
a) Negar provimento ao agravo, mantendo a decisão recorrida;
b) Julgar improcedente a apelação, mantendo a sentença recorrida.

Custas da acção e da apelação a cargo do apelante.
Custas do agravo a cargo do agravante.
Notifique.
Lisboa, 30-10-07


(António Santos Abrantes Geraldes)

(Maria do Rosário Morgado)

(Rosa Maria Ribeiro Coelho)