Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
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| Relator: | PEDRO MARTINS | ||
| Descritores: | OBRIGAÇÃO INEXISTENCIA INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 01/11/2024 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Texto Parcial: | N | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | REVOGADA | ||
| Sumário: | I - Um contrato de abertura de crédito em conta corrente a favor de uma sociedade, garantido por uma hipoteca de um imóvel de que os executados, pessoas singulares, não eram proprietários, não incorpora nenhuma obrigação exequenda de que os executados sejam devedores. II – Tal contrato ao estar também garantido por um pré-aval numa livrança em branco, que não foi invocada como título executivo (nem sequer se disse que foi preenchida), também não incorpora nenhuma obrigação exequenda de que os executados sejam devedores. III – Nos embargos deduzidos contra uma execução requerida com base em tal contrato – para mais tendo o imóvel já sido vendido noutra execução anterior -, execução em que os executados eram referidos simplesmente como ‘garantes’, não tem sentido tratar-se da questão da prescrição da obrigação exequenda, devendo, sim, declarar-se a inexistência de obrigação. IV – A prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito (art.º 323/1 do CC), não com uma reclamação de créditos dirigida contra terceiros, ou com sentenças proferidas no âmbito desta reclamação (isto quanto aos outros dois contratos invocados na execução). | ||
| Decisão Texto Parcial: | |||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo identificados: A 10/01/2023, a X [sociedade] requereu uma execução para pagamento de quantia certa contra E1 e E2 e E3 e E4 [todos pessoas singulares], com base em três contratos que juntou com o requerimento executivo, sendo os executados deles garantes segundo diz. Alega para tanto que: Os créditos exequendos lhe foram cedidos pela mutuante, CGD, num contrato celebrado por escritura pública de 07/10/2019 notificado aos devedores nos termos do artigo 583/1 do Código Civil. Os contratos em causa são: i\ - 53.992: um contrato de abertura de abertura de crédito em conta corrente de 08/10/2007; o contrato foi alterado, por documento particular reduzindo-se o limite de crédito para 50.000€; a exequente diz que a sociedade mutuária não pagou na data dos respectivos vencimentos nem posteriormente, as prestações a que se obrigou para reembolso do capital, despesas e juros, e os executados, como garantes, também não as pagaram; incumprimento este que determinou o vencimento antecipado de todas as prestações acordadas, razão por que se mostra exigível a totalidade do empréstimo, nos termos do art.º 781 do CC; a mutuária foi declarada insolvente em 25/11/2013; são devidos juros de mora desde 31/10/2010; ii\ - 61.591: um contrato de mútuo com fiança, incumprido, com juros de mora desde 25/09/2010; iii\ - 99.191: um contrato de mútuo com fiança e hipoteca, incumprido, com juros de mora desde 05/12/2010; A exequente acrescenta que na execução 1965/12.5TBPDL o imóvel hipotecado foi vendido e o produto da venda entregue à exequente e foi imputada na quantia em dívida, primeiramente nos juros e despesas e somente após no capital, pelo que permanece em dívida a quantia pedida; os executados E1 e E2 foram declarados insolventes num outro processo, encerrado em 02/06/2017, no qual não foi concedida a exoneração do passivo restante. [do título do 1.º contrato, que foi elaborado numa escritura pública, constava ainda: “com hipoteca, aval e mandato”; com o requerimento executivo não foi junta nenhuma livrança, nem sequer a exequente falou nela, nem foi junto nenhum documento com o saldo da conta-corrente, ou qualquer extracto bancário; a livrança era uma livrança em branco; os executados outorgaram por si e o executado marido ainda como únicos sócios e gerentes da mutuária; dois dos 2.º outorgantes, T1 e T2, constituíram a favor da CGD uma hipoteca sobre um imóvel (= descrito na conservatória do registo predial sob o número 111 e com o artigo matricial 222), para garantia da responsabilidades asseguradas; dizia-se que o capital seria reembolsado no termo do prazo do contrato; em lado algum se fala, como é lógico, de quaisquer prestações de amortização do capital, nem do fraccionamento de qualquer empréstimo; a exequente não fala na data da alteração do contrato, mas nele consta que a data considerada para perfeição da alteração é 30/09/2009; na parte da liquidação, o requerimento executivo diz que “as operações ora executadas eram garantidas, conforme contratos ora dados à execução, por hipoteca sobre o prédio urbano [..] descrito na CRP sob o número 111, pertença de terceiro]; no 2.º contrato diz-se que o empréstimo será reembolsado em 84 prestações mensais, e menciona-se que o empréstimo está garantido também por uma hipoteca genérica; no 3.º contrato também consta que o empréstimo será reembolsado em 84 prestações mensais e do título dele consta que é um mútuo com fiança e hipoteca genérica.] Os executados E1 e E2 apresentaram embargos, invocando, no que ainda importa, a prescrição dos créditos exequendos: todas as operações bancárias tinham como contrapartida, por parte dos executados, dizem eles, a obrigação do pagamento em prestações, compreendendo estas a amortização do capital mutuado e os juros convencionados entre as partes; a falta do pagamento das prestações implicou o vencimento das dívidas em, conforme resulta da escritura de cessão de créditos, 25/09/2010, 31/12/2010 e 05/12/2010, respectivamente; os créditos reclamados encontram-se sujeitos ao prazo de prescrição previsto no art.º 310/-e Código Civil, isto é, prescrição de cinco anos, desde o seu vencimento antecipado, conforme Acórdão Uniformizador de Jurisprudência, tirado por unanimidade em julgamento ampliado de revista, do STJ de 30/06/2022 (proc. 1736/19.8T8ADG-B.P1.S1); não existiu, nem existe, nem muito menos foi alegado pela exequente, qualquer causa de suspensão ou interrupção da prescrição. A exequente contestou, defendendo que “tiveram lugar eventos que objectivamente interromperam a prescrição”: no âmbito da execução 1965/12.5TBPDL que correu termos contra a mutuária e, também, diz a exequente, contra os embargantes, na qualidade de executados, a CGD reclamou os créditos em causa nestes autos, por ter sido notificada nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 788 do CPC, por, naquele processo, ter sido penhorado o prédio referido acima como hipotecado; os créditos reclamados pela CGD foram reconhecidos por sentença, datada de 29/10/2013, transitada em julgado em Dezembro de 2013 – cf. doc.2 que ora se junta; a ora exequente habilitou-se, naqueles autos, no lugar da CGD, por força da cessão de créditos havida, a qual ficou plasmada na sentença de habilitação de cessionário, datada de 18/06/2020 – cf. doc. 3; a reclamação de créditos na insolvência é um evento que, nos termos do disposto no artigo 323 do CC, fez interromper a prescrição, efeito esse que actua sobre a natureza do crédito e, portanto, aproveita e afecta os embargantes; a prescrição não voltou a contabilizar-se para efeitos de passagem do prazo, permanecendo interrompida nos termos do disposto no artigo 326/1 do CC - a interrupção inutiliza para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do acto interruptivo, sem prejuízo do disposto nos n.ºs 1 e 3 do artigo seguinte - e do art.º 327/1 do CC: Se a interrupção resultar de citação, notificação ou acto equiparado, ou de compromisso arbitral, o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo.”; ora, a execução 1965/12.5TBPDL ainda se encontra em curso; mais: o facto de as mesmas operações aqui sindicadas terem sido reconhecidas por sentença confere, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 311 do CC, o prazo prescricional ordinário, de 20 anos; tendo tal sentença sido proferida em 2013 e a execução dado entrada em 2023 o prazo prescricional não decorreu; ainda: o prazo prescricional aplicável ao contrato sub judice, contrato de abertura de crédito em conta corrente, é de 20 anos (prescrição ordinária), nos termos do artigo 309 do CC; o prazo prescricional de 5 anos seria aplicável se a operação financeira em causa não tivesse sido objecto de resolução; o que não foi, nitidamente, o caso dos autos, já que a resolução operou, respectivamente, em 31/10/2010, 25/09/2010 e 05/12/2010. [o doc.2 junto pela exequente é a petição da reclamação de créditos: termina o pedido assim: Verificar e reconhecer o crédito da reclamante sobre T1 e T2; no formulário da petição de reclamação são identificados apenas os ditos T1 e T2; os embargantes não estão identificados, nem com nomes nem como moradas; a petição data de 29/01/2013; no doc. 3, que é a sentença de reclamação de créditos, consta: C-SA, instaurou acção executiva contra a [mutuária] e [outros executados; entre eles não são referidos os embargantes] A 25/09/2023, foi proferido o seguinte despacho; Ponderados os argumentos aduzidos por ambas as partes, os documentos que se apresentam nos autos e as normas legais que se mostram aplicáveis, consideramos que os mesmos se mostram já munidos de todos os elementos factuais e documentais que permitem a prolação de decisão de mérito, em conformidade com o disposto pelo artigo 595/1-b do CPC. Em face do assim referido, e por forma a evitar a prolação de decisões surpresa, notifiquem-se as partes para que, em 10 dias, esclareçam se se opõem à dispensa de realização de audiência prévia. (artigos 6 e 547 do CPC). Notifique-as, igualmente, de que no mesmo período temporal, lhes é concedida a possibilidade de alegarem o que tiverem por conveniente quanto ao ora referido. Na eventualidade de, em dez dias, nada ter sido requerido, entender-se-á que as partes não se opõem à dispensa de audiência prévia e proceder-se-á à prolação de decisão por escrito. A 10/10/2023, os embargantes vieram dizer: “que nada têm a opor quanto à dispensa de realização de audiência prévia, remetendo para tudo quanto foi alegado em sede de p.i, mantendo o mesmo teor e posição, sem prejuízo de realçar que a instauração de processo prévio e respectiva reclamação de créditos efectuados pela credora originária (CGD) foi apenas em relação à sociedade mutuária e não contra os ora embargantes.” No despacho saneador os embargos foram julgados improcedentes. Os executados recorrem deste saneador-sentença terminando as suas alegações com as seguintes conclusões que se transcrevem na parte útil: j) A fl. 23 da execução 1965/12 consta que a 27/09/2012 a agente de execução nomeada informou os autos que “os executados E1 e E2 não se consideram citados, tendo os a/r’s sido devolvidos com a indicação “não atendeu”, pelo que o AE irá realizar as citações dos executados via pessoal”. k) Do auto de penhora constante a fl. 27 da mesma execução, datado de 21/12/2012, consta como penhorado um único bem, [o prédio hipotecado], não tendo sido os embargantes citados ou notificados de tal facto. l) A 15/01/2013 (fl. 44), e sem que tivessem sido citados para a execução, lavrou-se nos autos comunicação de insolvência dos executados E1 e E2 […]. m) A 16/01/2013 (fl. 45), foi proferido despacho através do qual se suspendeu a execução, nos termos do artigo 88/1 do CIRE, “mas apenas quanto a tais executados.” n) A 13/02/2013 (fl. 50), foi proferido despacho a declarar extinta a instância executiva por impossibilidade superveniente da lide, nos termos do disposto nos artigos 88/1 do CIRE e 287/-e (actual 277/-e do CPC), relativamente a esses executados, prosseguindo apenas quanto aos demais executados. o) Na execução 1965/12 não há nenhuma evidência e (ou) comprovativo de citação destes, na qualidade de executados e (ou) reclamados, o que se bem compreende face aos actos identificados supra. p) A falta de citação dos embargantes igualmente se verifica nos respectivos apensos A (reclamação de créditos) e B (habilitação do adquirente ou cessionário). q) Conclui-se, assim, que não houve qualquer causa suspensiva ou interruptiva para a invocada prescrição de créditos, efectuada ao abrigo do disposto no artigo 310/-e CC. r) Igualmente se concluiu que à data da celebração da escritura pública, realizada em 07/10/2019, através da qual a CGD cedeu tais créditos à exequente, encontravam-se estes prescritos em relação aos embargantes. s) Conclui-se, assim que o tribunal a quo fez errada interpretação e aplicação dos artigos 323/1, 326/1 e 327 do CC, pois a correcta interpretação destes artigos e a subsunção dos factos ao direito aplicável, deveria conduzir ao deferimento de invocada prescrição. t) Dispondo o tribunal ad quo de informação proveniente de outro processo que corre termos no seu juízo (execução 1965/12.5TBPDL) e invocando esses mesmos autos na sentença recorrida, deveria ter sido dado cumprimento ao disposto no art.º 412/2 do CPC, o que manifestamente não aconteceu. A exequente respondeu ao recurso, defendendo a improcedência do mesmo, com base nas mesmas razões já adiantadas na contestação aos embargos. * Questão que importa decidir: se os créditos da exequente estão, ao contrário do que foi decidido, prescritos. * Factos provados que interessam à decisão desta questão: A\ Por requerimento executivo de 10/01/2023, a X intentou uma execução contra, entre outros, os embargantes para pagamento de 442.679,82€. B\ Os títulos executivos são três contratos de mútuo (53.992, 61.591 e 99.191) celebrados entre a CGD, S-Lda, e os executados, na qualidade de fiadores, a 08/10/2007, 25/09/2007 e 05/11/2009, respectivamente. [ou melhor, o 1.º contrato, como decorre da escritura notarial respectiva, tomada em consideração por este TRL ao abrigo dos artigos 663/2 e 607/4, ambos do CPC, consta do seguinte: i\ - 53.992: um contrato de abertura de abertura de crédito em conta corrente, com hipoteca, aval e mandato; dois dos 2.ºs outorgantes, T1 e T2, constituíram a favor da CGD uma hipoteca sobre um imóvel (= descrito na conservatória do registo predial sob o número 111 e com o artigo matricial 222), para garantia da responsabilidades asseguradas; dizia-se que o capital seria reembolsado no termo do prazo do contrato; em lado algo se fala de quaisquer prestações de amortização do capital, nem do fraccionamento de qualquer empréstimo] C\ Os contratos encontram-se vencidos desde 25/09/2010, 31/12/2010 e 05/12/2010, respectivamente. D\ Por escritura pública, realizada em 07/10/2019, a CGD cedeu tais créditos à exequente. [sem interesse] F\ Correu termos no Juízo Central Cível de Ponta Delgada, Juiz 1 [será juiz 5 e não juiz 1 nem juiz 3 - TRL], execução 1965/12.5TBPDL contra a sociedade mutuária e, também, contra os embargantes, ali na qualidade de executados. G\H\ Em sede dessa execução, a CGD reclamou os seus créditos (no valor de 216.014,41€), por ter sido notificada nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 788 do CPC, por, nesse processo, ter sido penhorado o prédio urbano […] sobre o qual detinha hipoteca registada na sua titularidade que garantia aqueles créditos. [a reclamação de créditos termina o pedido assim: Verificar e reconhecer o crédito da reclamante sobre Luís e Susana; no formulário da petição de reclamação são identificados apenas os ditos T1 e T2; os embargantes não estão identificados, nem com nomes nem como moradas – este acrescento é feito por este TRL ao abrigo dos artigos 663/2 e 607/4 do CPC, tendo por base o doc.2 junto pelo exequente e não impugnado pelos embargantes]. I\ Os créditos reclamados pela CGD foram reconhecidos por sentença, datada de 29/10/2013, transitada em julgado em 04/12/2013. J\ As operações reclamadas pela CGD na execução 1965/12 são as mesmas que são executadas na execução a correr termos nos autos principais. * A fundamentação da decisão recorrida é, na parte que importa, a seguinte: […] No caso em apreço, a exequente oferece à execução três contratos de mútuos, nos quais os embargos se constituíram como fiadores. […] Invocam os embargos a prescrição da quantia exequenda. […] No que respeita ao prazo prescricional, além do prazo ordinário de 20 anos (artigo 309 do CC), o legislador prevê também prazos mais curtos, excepcionais, de cinco anos (artigo 310 do CC), de seis meses (artigo 316 do CC) ou de dois anos (artigo 317 do CC). […] Tem vindo a entender a doutrina que na situação prevista no artigo 310/-e do CC não estará em causa uma única obrigação pecuniária emergente de um contrato de financiamento, ainda que com pagamento diferido no tempo, a que caberia aplicar o prazo ordinário de prescrição, de 20 anos, mas sim, diversamente, uma hipótese distinta, resultante do acordo entre credor e devedor e cristalizada num plano de amortização do capital e dos juros correspondentes, que, sendo composto por diversas prestações periódicas, impõe a aplicação de um prazo especial de prescrição, de curta duração. […] No mesmo entendimento já se pronunciou o STJ, acórdão de 10/09/2020, proc. 805/18.6T8OVR-A.P1.S1. Assim, e concluindo que o prazo de prescrição em apreciação é de cinco anos, cumpre verificar se, conforme alega a exequente, ocorreu alguma causa de interrupção da prescrição. Dispõe o artigo 323/1 do CC que a prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente. O crédito exequendo foi reclamado no âmbito da execução 1965/12, sobre o qual recaiu a sentença de 29/10/2013, pelo que, efectivamente, houve interrupção do prazo prescricional, pelo que ficou inutilizado para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente (artigo 326/1 do CC) e, ainda não se encontrando finda tal execução, o novo prazo de prescrição não começa a correr (artigo 327/1 do CC. Improcede, assim, a invocada prescrição por parte dos embargantes. * Apreciação: Quanto ao 1.º contrato / 1.º título executivo: ele diz respeito a uma abertura de crédito em conta-corrente de 2007; dele poderia ter decorrido um empréstimo se realmente viesse a ser utilizada, pela sociedade outorgante, a possibilidade da utilização de crédito inerente a tal tipo de contrato; se o tivesse sido, tal resultaria demonstrado por uma conta-corrente respectiva com saldo devedor da sociedade mutuária, sendo que não há qualquer prova de que esse eventual saldo - que não há prova de que existisse -, por alguma razão vencido, tivesse sido dividido para ser amortizado em prestações mensais. Ou seja, o crédito seria um crédito global, com prazo de prescrição normal, de 20 anos (art.º 309 do CC), não se aplicando ao caso o prazo de prescrição de 5 anos (art.º 310/-e do CC) e o AUJ invocado pelos executados (AUJ 6/2022, publicado no DR-184/2022, 1.ª série de 22/09/2022). Sobre isto tudo, veja-se, por exemplo, o ac. deste TRL de 23/11/2023, proc. 1466/20.8T8ALM-D.L1. Assim sendo, não se pode dizer que em relação a ele tenha ocorrido qualquer prescrição. Mas a descrição da situação levanta de imediato outras questões: 1.ª - Como se vê, a concessão efectiva de crédito teria de ser provada por um extracto bancário da conta-corrente em causa do qual decorresse um saldo. Pelo que só o conjunto do contrato mais extracto da conta é que seria um título executivo. Ora, nos autos só existe o contrato, não existe extracto da conta com qualquer saldo devedor (comprovativo da utilização do crédito / concretização de um empréstimo), pelo que não há título executivo suficiente. 2.ª – O contrato era garantido por uma hipoteca e por aval (numa livrança em branco). Quer isto dizer que os executados embargantes não eram fiadores no contrato em causa, ao contrário do que se diz no facto provado B, contra o que resulta do documento invocado, nem eram garantes ao contrário do que diz a exequente. Por outro lado, a livrança não foi junta nem invocada, pelo que não está em causa uma execução cambiária, baseada num aval aposto numa livrança (que não se demonstra ter sequer existido; o que existiu foi uma assinatura no verso de uma livrança em branco, ou seja, um pré-aval). E o imóvel hipotecado foi vendido em 2013, pelo que não pode estar em causa uma execução hipotecária (requerida em 2023…). Com uma hipoteca, dá-se um imóvel em garantia, não se constitui uma dívida do proprietário do imóvel; uma hipoteca é uma garantia real dada por um imóvel, não uma garantia dada pelo património de uma pessoa (art.º 686/1 do CC: A hipoteca confere ao credor o direito de ser pago pelo valor de certas coisas imóveis, ou equiparadas, pertencentes ao devedor ou a terceiro, com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo). Com a hipoteca de um imóvel de terceiro, o terceiro não se torna devedor (sobre a hipoteca, veja-se, por exemplo, Luís Miguel Pestana de Vasconcelos, Direito das Garantias, Almedina, 2011, páginas 187 a 229). De resto, os executados embargantes não eram sequer proprietários do imóvel hipotecado (que era de T1 e T2). Assim sendo, os executados não são devedores do crédito a que respeita o 1.º contrato. Pelo que não há obrigação exequenda relativamente ao primeiro contrato e aos executados, que não são mutuários, fiadores ou avalistas. Não havendo obrigação exequenda, ela não pode ser objecto de um juízo de prescrição ou não prescrição, tendo, sim, que ser declarado que ela não existe. * Quanto aos 2.º e 3.º contratos respeitantes a empréstimos que tinham de ser pagos em prestações, aqui sim, aplica-se o prazo de prescrição do art.º 310/-e desde o vencimento antecipado delas [no caso desde 31/12/2010 e 05/12/2010, respectivamente: facto C], conforme esclarecido pelo AUJ invocado pelos executados embargantes. A sentença recorrida diz que “o crédito exequendo foi reclamado no âmbito da execução 1965/12, sobre o qual recaiu a sentença de 29/10/2013, pelo que, efectivamente, houve interrupção do prazo prescricional.” Mas a lei (art.º 323/1 do CC), o que dispõe é que “a prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente”. Ora, a sentença recorrida não invoca a citação, invoca, sim, a existência de uma reclamação de créditos e de uma sentença. Mas quer a reclamação quer a sentença não produzem a interrupção. O que produz a interrupção é a citação. Citação que não foi alegada nem pela exequente nem pelo tribunal recorrido, nem sob a forma de citação efectiva, do art.º 323/1 do CC, ou sob a forma de citação presumida, do art.º 323/2 do CC, com a indicação dos dados necessários para o efeito. E não se diga que a reclamação de créditos pela CGD e a sentença proferida na reclamação, ou a sentença de habilitação da exequente no lugar da CGD pressupõem que os executados foram citados. Os factos provados não permitem a conclusão de que os executados foram citados para a reclamação de créditos, nem tal foi alegado pela exequente. Ela dizia que os embargantes eram executados naquela execução, não que eles foram citados para a reclamação de créditos, sendo que a execução e a reclamação são dois processos diferentes. E dizer que alguém é parte numa execução não é a mesma coisa que dizer que alguém foi citado para a reclamação. E se a exequente não o disse foi por alguma razão, por exemplo, ou por não saber se tal ocorreu, ou por saber que tal não ocorreu, sendo mais provável esta hipótese, visto que os embargantes alegaram que nunca chegaram a ser citados para a execução e nem para a reclamação. De resto, a reclamação de créditos não é dirigida contra os embargantes, mas sim contra os titulares do imóvel hipotecário, pelo que os executados embargantes não eram partes na reclamação de créditos, nem, por isso, foi requerida implicitamente a citação deles para essa reclamação de créditos (pelo que nunca poderia ser invocado o art.º 323/2 do CC, citação presumida como facto interruptivo da prescrição). De qualquer maneira, quem tinha que alegar o facto da citação era a exequente e a citação tinha que estar provada para que a sentença recorrida a pudesse tomar em consideração. É um facto que tem de constar positivamente nos factos discriminados como provados e, não constando, os embargantes não têm que impugnar a decisão da matéria de facto (porque não têm de eliminar dos factos um facto que não foi dado como provado, nem têm de aditar um facto que os desfavorece). Era a exequente que o tinha que fazer, ao abrigo do art.º 636/2 do CPC e isso se tivesse alegado o facto a aditar o que, repete-se, não o fez. Provando-se que a reclamação de créditos não foi requerida contra os executados e que, por isso, não se pode ter verificado a citação deles, é inútil tudo o mais que era alegado pela exequente e que esta continua a invocar na resposta às alegações do recurso: a sua habilitação no lugar da reclamante de créditos, a sentença de habilitação e a sentença da reclamação de créditos, por si, tudo num processo em que os executados embargantes não eram parte, não provocam nenhum efeito interruptivo da prescrição. * Não existindo a obrigação exequenda que se diz baseada no 1.º contrato, e estando prescritas as prestações decorrentes dos outros dois contratos, a execução não pode prosseguir, tendo que ser julgada extinta quanto aos dois embargantes. * Pelo exposto, julga-se o recurso procedente quanto ao 1.º contrato, por não haver nenhuma obrigação exequenda da responsabilidade dos embargantes e quanto aos 2.º e 3.º contratos porque não se provou qualquer facto interruptivo, e em consequência julga-se extinta a execução quanto aos dois embargantes. Custas da execução (na parte relativa aos embargantes), dos embargos e do recurso pela exequente. Lisboa, 11/01/2024 Pedro Martins Susana Mesquita Gonçalves Orlando Nascimento |