Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
25645/18.9T8LSB.L1-6
Relator: GABRIELA DE FÁTIMA MARQUES
Descritores: SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA
CAUSA PREJUDICIAL
RECONVENÇÃO
COMPENSAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/24/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I.– Subjacente à suspensão prevista no art. 272º do CPC, já não é a incompetência do tribunal para apreciar uma questão de natureza criminal ou administrativa prevista no artº 92º do mesmo diploma, mas sim a mera circunstância de estar já pendente uma outra acção onde se discute uma determinada questão ( independentemente da sua natureza e independentemente de ela se integrar ou não no âmbito de competência do tribunal da causa) da qual depende o julgamento que neta ação importa efectuar.

II.– Entende-se por causa prejudicial aquela onde se discute e pretende apurar um facto ou situação que é elemento ou pressuposto da pretensão formulada na causa dependente, de tal forma que a resolução da questão que está a ser apreciada e discutida na causa prejudicial irá interferir e influenciar a causa dependente, destruindo ou modificando os fundamentos em que esta se baseia.

III.– O juízo de prejudicialidade exigido não se verifica quando o pedido reconvencional, que tem inserta a compensação, se reporta à relação negocial ocorrida entre as partes a partir de 6 de dezembro de 2016, e o valor indemnizatório peticionado pela ré assenta no incumprimento ou cumprimento defeituoso desse contrato pela Autora, e não na alegada ilicitude das condições do sistema remuneratório, porque violadoras de regras imperativas de defesa da concorrência, que a ré propugna e pretende fazer valer numa outra acção.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa.



I.–Relatório:


A [ …..TV…, S.A ] . propôs a presente acção declarativa sob a forma de processo comum contra B [ ….Communications, S.A] . pedindo a condenação da ré a pagar à Autora a quantia de 4.163.095,69 €, acrescida dos juros vincendos até integral pagamento da mesma e Subsidiariamente, ser a R. condenada a pagar à A. a quantia de 3.804.005,67 €, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até efetivo e integral pagamento.

Em abono da sua pretensão alegar, em síntese, que em 6 de Dezembro de 2016, A. e R. celebraram um contrato designado “Contrato de Distribuição de Canais de Televisão, no qual a A. se obrigou a produzir, emitir e disponibilizar à R. os Canais SPORT TV (que correspondem aos Canais Premium SPORT TV e ao Canal SPORT TV +) e os Serviços SPORT TV (que correspondem aos serviços prestados pela A., de Alta Definição, Multi-Screen, Multi-Room e Video-On- Demand). No âmbito negocial como contrapartida pela disponibilização dos Canais e Serviços SPORT TV a R. se obrigou a pagar-lhe uma remuneração global calculada nos termos do Anexo 10. Alega ainda que no período de vigência do contrato lhe disponibilizou os Canais e os Serviços SPORT TV e que a R. os recebeu e distribuiu aos seus subscritores, não tendo a Ré efetuado o pagamento de € 518 283, 31 referentes às facturas desses serviços n.ºs FAC-STV0118/000208, FAC-STV0118/000207, FAC-STV0118/000232, e FACSTV0118/ 000233, vencidas e não pagas. Mais refere que o contrato terminou em 31 de Julho de 2018, e no seguimento de negociações havidas entre a A. e as operadoras de distribuição, incluindo a R., em 26 de Julho de 2018 a A. remeteu à R. um e-mail, acompanhado de um anexo, que continha uma proposta de contrato de distribuição para os períodos económicos de 2018/2019 e 2019/2020, e em 1 de Agosto de 2018, tendo em conta que o contrato havia terminado, remeteu à R. um e-mail em que referiu que “face aos constrangimentos que o período de férias que atravessamos pode causar, a A não se opõe a que a B continue a distribuir os seus canais de televisão, segundo o novo modelo comercial proposto, até à assinatura do novo contrato de distribuição, o que deverá acontecer, o mais tardar, até ao próximo dia 14 de Agosto de 2018 (…)” (doc. 9, a fls. 106 verso). Ora, no seguimento deste e-mail, e desde 1 de Agosto de 2018, disponibilizou os Canais e os Serviços SPORT TV à R. e que a R. os distribuiu aos seus subscritores e recebeu destes as respectivas mensalidades, o que sucedeu até 8 de Novembro de 2018. Logo, durante o referido período, referentes à disponibilização dos vários Canais e Serviços SPORT TV, a A. emitiu e remeteu à R. várias facturas nos valores indicados nos autos, sendo que a R. distribuiu os Canais e Serviços SPORT TV aos seus subscritores e destes recebeu os correspondentes valores de subscrição, mas que nada pagou.

A A. veio entretanto ampliar o pedido, o que foi admitido, dizendo que emitiu ainda as facturas n.ºs FAC-STV0118/000326, FAC-STV0118/000327, FACSTV0118/000338 e FAC-STV0118/000339, correspondentes à disponibilização dos Canais e Serviços SPORT TV nos meses de Outubro e Novembro de 2018, que ainda não se encontrariam vencidas à data da propositura da acção principal, mas que, entretanto, se venceram.

A ré contestou e reconviu deduzindo a exceção de extinção da obrigação por compensação.

Requereu ainda a suspensão da instância.

Para fundamentar o requerido alega, em suma, que em 16 de Junho de 2015 propôs contra a A acção declarativa de condenação para pagamento de indemnização em resultado da violação, por esta última, de regras legais protetoras da concorrência, correndo tal acção no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo Central Cível de Lisboa – Juiz 3, sob o número 16725/15.3T8LSB, sendo que o objecto principal da referida ação é o ressarcimento dos danos sofridos pela B em consequência da referida atuação da A, que consubstanciou práticas lesivas da concorrência que afetam o normal e desejável funcionamento do mercado dos canais de acesso condicionado com conteúdos desportivos premium, em Portugal. Pedindo a ré naquela ação a condenação da A a pagar-lhe uma indemnização no valor de € 16.448.721,00 a título de danos sofridos, acrescida de juros de mora, todos os montantes que esta ainda tenha que pagar à A por força do contrato de distribuição de canais de televisão que, à data, estava em vigor entre as partes, em consequência da imposição de condições remuneratórias ilegais e uma indemnização por lucros cessantes a liquidar ulteriormente. Além disso, a título subsidiário pede que as cláusulas de fixação dos preços dos contratos de distribuição de canais de televisão celebrados com a A sejam declaradas nulas e que a A seja condenada a pagar-lhe € 4.969.961,00, referente ao montante de sobrepreço pago pela B à A e a quantia de € 11.478.760,00 referente ao montante pago a mais pela NOWO por aplicação de escalões de descontos discriminatórios, ambas acrescidas de juros de mora, e que seja alterado o conteúdo da cláusulas integrantes do contrato de distribuição de canais de televisão em vigor à data entre a A e a B, em particular das cláusulas relativas às condições remuneratórias, de modo a excluir a ilicitude de tais cláusulas.

Mais alegou que o processo n.º 16725/15.3T8LSB está suspenso e a aguardar pronúncia em sede de reenvio prejudicial.

A Autora replicou, pugnando pela inadmissibilidade da reconvenção, concluindo pela inexistência de causa prejudicial que determine a suspensão, pois o contrato alegado pela ré na outra acção é o que vigorou entre as partes a partir do ano de 2013, não sendo este o alegado como fundamento pelos valores reclamados pela Autora à ré.

Designada data para audiência prévia, decidiu-se pela suspensão da instância, nos seguintes termos:«(…) A R. deduz reconvenção ao abrigo do preceituado no art.º 266.º/1/2/c do C.P.C.. Nos termos do disposto no art.º 847.º/1 do Código Civil, quando duas pessoas sejam reciprocamente credor e devedor, qualquer delas pode livrar-se da sua obrigação por meio de compensação com a obrigação do seu credor, verificados os seguintes requisitos:
a-) Ser o seu crédito exigível judicialmente e não proceder contra ele excepção, peremptória ou dilatória, de direito material;
b)- Terem as duas obrigações por objecto coisas fungíveis da mesma espécie e qualidade.
Preceitua o n.º 2 que se as duas dívidas não forem de igual montante, pode dar-se a compensação na parte correspondente.
Nada obsta, pois, à compensação dos eventuais créditos de A. e R.. Ambos são judicialmente exigíveis e são de natureza pecuniária. A alegação da A. de que a reconvenção formulada pela R. é inadmissível não encontra, por conseguinte, arrimo legal.

Uma causa é prejudicial em relação a outra quando o julgamento ou decisão da questão a apreciar na primeira pode influir ou afectar o julgamento ou decisão da segunda, nomeadamente modificando ou inutilizando os seus efeitos ou mesmo tirando razão de ser à mesma (cf. Alberto dos Reis in Comentário ao Código de Processo Civil, vol. 3º, pp. 267 e ss.). Em anotação a este artigo, no Código de Processo Civil Anotado de Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto, vol. 1º, 2ª ed., Coimbra Editora, 2008, p. 544, considera-se que causa prejudicial é aquela que tenha por objecto pretensão que constitui pressuposto da formulada. Dá-se como exemplo o da acção de nulidade de um contrato que será prejudicial em relação a outra em que se exija o cumprimento das obrigações dele emergentes. Segundo a jurisprudência do STJ, uma causa é prejudicial em relação a outra quando aí se esteja a apreciar uma questão cuja resolução possa modificar uma situação jurídica que tem de ser considerada para a decisão do outro pleito ou quando a decisão ali proferida possa destruir o fundamento ou a razão de ser da segunda, sendo que o poder do Tribunal no sentido de ordenar a suspensão da instância por prejudicialidade não é um poder discricionário, mas um poder legal limitado (cf. ac. de 26/05/1994, CJ/STJ, 1994, tomo II, p. 116). Entende-se que há aqui que aquilatar da diferença entre a excepção do caso julgado e a autoridade do caso julgado.

Como se refere no ac. do Tribunal da Relação de Guimarães de 19-2-2009: A delimitação entre as duas figuras (autoridade do caso julgado e excepção de caso julgado respectivamente), pode estabelecer-se, grosso modo, da seguinte forma:
Se no processo subsequente, nada de novo há a decidir relativamente ao decidido no processo precedente (os objectos de ambos os processos coincidem integralmente, nenhuma franja tendo deixado de ser jurisdicionalmente valorada), verifica-se a excepção de caso julgado;
Se pelo contrário o objecto do processo precedente não abarca esgotantemente o objecto do processo subsequente, e neste existe extensão não abrangida no objecto do processo precedente (e por isso não jurisdicionalmente valorada e, logo, não decidida), ocorrendo porém uma relação de dependência ou prejudicialidade entre os dois distintos objectos, verifica-se a autoridade do caso julgado.

Também no Acórdão da Relação de Coimbra de 16-11-2010, se delimitam os dois conceitos:
A excepção do caso julgado pressupõe uma tríplice identidade de sujeitos, pedido e causa de pedir (arts. 497.º e 498.º do C.P.C.) e distingue-se da autoridade de caso julgado, onde este se manifesta no seu aspecto positivo.
Definindo o âmbito de aplicação de cada um dos conceitos, refere Teixeira de Sousa, a excepção do caso julgado visa evitar que o órgão jurisdicional, duplicando as decisões sobre idêntico objecto processual, contraria na decisão posterior o sentido da decisão anterior ou repita na decisão posterior o conteúdo da decisão anterior: a excepção do caso julgado garante não apenas a impossibilidade de o Tribunal decidir sobre o mesmo objecto duas vezes de maneira diferente (...), mas também a inviabilidade do Tribunal decidir sobre o mesmo objecto duas vezes de maneira idêntica (...).Quando vigora como autoridade de caso julgado, o caso julgado material manifesta-se no seu aspecto positivo de proibição de contradição da decisão transitada: a autoridade de caso julgado é o comando de acção ou a proibição de omissão respeitante à vinculação subjectiva a repetição no processo subsequente do conteúdo da decisão anterior e à não contradição no processo posterior do conteúdo da decisão antecedente (" O objecto da sentença e o caso julgado material", BMJ 325, pp. 171 e ss.).  A jurisprudência tem acolhido esta distinção (cf., por ex., o Ac do STJ de 26/1/94, BMJ 433, p.515, Ac RC de 21/1/97, C.J. ano XXII, tomo I, p. 24), sendo que para a autoridade de caso julgado não se exige a coexistência da tríplice identidade, designadamente a identidade de sujeitos (ac. R.P. de 2/4/98 e ac. R.C. de 27/9/05, in www dgsi.pt ).
Neste contexto, pode distinguir-se ambos os institutos da seguinte forma:
A excepção de caso julgado destina-se a evitar uma nova decisão inútil (razões de economia processual), o que implica uma não decisão sobre a nova acção, pressupondo uma total identidade entre ambas as causas;
A autoridade de caso julgado importa a aceitação de uma decisão proferida em acção anterior, que se insere, quanto ao seu objecto, no objecto da segunda, visando obstar a que a relação ou situação jurídica material definida por uma sentença possa ser validamente definida de modo diverso por outra sentença (razão de certeza ou segurança jurídica).
A propósito dos limites subjectivos do caso julgado, muito embora a regra seja a vinculação entre as partes (eficácia relativa), há casos em que a sentença se projecta na esfera jurídica de terceiros, vinculando-os. Daí que tanto a doutrina, como a jurisprudência, tenham vindo a acolher a distinção entre "eficácia directa" e "eficácia reflexa" do caso julgado.
Há mesmo quem entenda que a lei (art.º 674.º C.P.C.) ao admitir a eficácia erga omnes nas acções de estado, traduz um afloramento de um princípio geral aplicável aos chamados direitos absolutos e direitos reais (neste sentido, comentando o art.º 674.º do C.P.C./1939, cf. MANUEL RODRIGUES ("Simulação processual e caso julgado", Jornal do Foro, ano 16, p. 73) e já no domínio do preceito actual, por ex., Ac STJ de 9/12/88, BMJ 382, p. 471 ). Noutra perspectiva, segundo Teixeira de Sousa (Estudos Sobre o Novo Processo Civil, pp. 588 e ss.), a eficácia reflexa vincula qualquer sujeito a aceitar aquilo que foi decidido entre todos os sujeitos com legitimidade processual, isto é, "quando a acção decorreu entre todos os interessados directos (quer activos, quer passivos) e, portanto, esgotou os sujeitos com legitimidade para discutir a tutela judicial de uma situação jurídica, pelo que aquilo que ficou definido entre os legítimos contraditores (na expressão do art. 2503 § único, CC/1867) deve ser aceite por qualquer terceiro.
No caso vertente, o direito que a aqui R. pretende exercer por via de reconvenção está a ser exercido na acção que corre termos no juiz 3 da instância central cível. A prossecução dos presentes autos sem que a questão do processo n.º 16725/15.3T8LSB seja aclarada é contrária à segurança jurídica. Em súmula, a decisão a proferir no proc. n.º 16725/15.3T8LSB é susceptível de, consoante o respectivo desenlace, vir a estender a sua autoridade de caso julgado a esta acção comum. A discussão dos mesmos factos pode redundar em contradição com a decisão a proferir naqueloutra acção. Pelo exposto, ao abrigo do preceituado no art.º 272.º/1 do C.P.C., suspende-se a instância até ao trânsito em julgado da decisão a proferir no proc. n.º 16725/15.3T8LSB.».

Inconformado com tal decisão veio a Autora recorrer pugnando pela revogação da decisão de suspensão, e a sua substituição por outra que ordene o prosseguimento dos autos, formulando para tanto as seguintes conclusões:
«A.– Vem o presente recurso do despacho que decidiu suspender a presente instância “até ao trânsito em julgado da decisão a proferir no processo nº 16725/15.3T8LSB”.
B.– Tal decisão fundamentou-se no artº 272º, nº 1 do Código de Processo Civil, por se considerar que a decisão dessa causa está dependente do julgamento de outra já proposta, ou seja, por se entender que existe causa prejudicial.
C.– Afirma-se na decisão que, e citamos, “[n]o caso vertente, o direito que a aqui Ré pretende exercer por via de reconvenção está a ser exercido na ação que corre termos no juiz 3 da instância central cível”.
D.– Ao contrário do que se afirma no referido despacho, o direito que a aqui Ré pretende exercer por via de reconvenção NÃO está a ser exercido na ação que corre termos no juiz 3 da instância central cível.
E.– Não está, e nem podia estar, pela própria natureza das coisas.
F.– O direito que a [Recorrida] pretende exercer por via de reconvenção assenta na alegada responsabilidade da A (ora Recorrente), resultante do impedimento de acesso ao sinal dos Canais SPORT TV ocorrido em 9 de novembro de 2018 (cfr. artº 133º da contestação-reconvenção).
G.– Este alegado direito que a B pretende exercer por via de reconvenção nos presentes autos [rectius o alegado direito de indemnização pelo impedimento de acesso ao sinal ocorrido em 2018 e o direito a ver extinta a sua obrigação de pagamento das faturas peticionadas nestes mesmos autos – relativas ao período de junho a outubro de 2018 - por via da compensação, com os alegados danos provocados pelo corte de sinal ocorrido em 2018), não tem rigorosamente nada a ver com o direito que está a ser exercido na ação que corre termos no juiz 3 da instância central cível.
H.– O direito que está a ser exercido na ação que corre termos no juiz 3 da instância central cível (o processo nº 16725/15.3T8LSB) diz respeito (conforme se reconhece no despacho recorrido) às “condições do sistema remuneratório alegadamente impostas pela A no âmbito de contratos de distribuição dos canais de televisão celebrados com a ‘Cabovisão- Televisão por Cabo’/’B’ entre 1998 e 2013.
I.– Ou seja, diz respeito a factos e fundamentos diferentes, a contratos diversos e a períodos temporais distintos.
J.– Enquanto na primeira ação se discutem as condições do sistema remuneratório alegadamente impostas pela A entre 1998 e 2013, na reconvenção dos presentes autos discute-se a licitude ou ilicitude do corte de sinal efetuado em 2018, pela A, e a eventual indemnização pelos alegados prejuízos daí decorrentes.
K.– O que é perfeitamente compatível.
L.– Razão pela qual, sem que houvesse necessidade de maiores desenvolvimentos, o despacho recorrido deve ser revogado, porque, todo ele, assenta, salvo o devido respeito, num manifesto equívoco.
Sem prescindir,
M.– Contrariamente ao que se refere no despacho recorrido, a decisão a proferir no proc. nº 16725/15.3T8LSB não é suscetível, ainda que minimamente, de vir a estender a sua autoridade de caso julgado à presente ação.
N.– Porque, contrariamente ao que se afirma no despacho, não se trata de discutir os mesmos factos.
O.– Nada impediria que (i) a A viesse a ser condenada no processo 16725/15.3T8LSB (embora tal, só a benefício de raciocino se admita) por se considerar que entre os anos de 1998 e 2013 “impôs determinadas condições remuneratórias” e, simultaneamente, (ii) viesse a obter ganho de causa nos presentes autos, onde se pede o pagamento das faturas por serviços prestados (pela disponibilização do sinal dos canais A) entre junho e outubro de 2018, que nada tem que ver com as alegadas práticas nos períodos de 1998 e 2013, nem com as cláusulas remuneratórias então vigentes.
P.– Como também nada impedira, nestas circunstâncias, que o pedido reconvencional feito pela B nestes autos viesse a proceder ou a improceder, independentemente do desfecho do processo nº 16725/15.3T8LSB.
Q.– A sentença a proferir no processo nº 16725/15.3T8LSB não terá (porque não pode ter) qualquer influência nos presentes autos, uma vez que o objeto da primeira não se insere no objeto da segunda.
R.–A decisão sobre uma eventual indemnização por práticas alegadamente levadas a cabo pela A entre 1998 e 2013 em nada pode condicionar ou influenciar a apreciação dos factos que estão em causa nos presentes autos, e que dizem respeito a serviços prestados relativos à disponibilização dos seus canais, pela A, entre junho e outubro de 2018, ao abrigo de um contrato celebrado em 2016, e que, pura e simplesmente, não foram pagos pela B.
S.–Verdadeira causa prejudicial é aquela cuja decisão pode destruir o fundamento ou a razão de ser da causa dependente, e cuja resolução constitui pressuposto indispensável ao conhecimento do objeto (total ou parcial) dessa ação.
T.–In casu, estamos muito distantes da verificação destes pressupostos já que a decisão que vier a ser tomada no Proc. 16725/15.3T8LSB nenhuma influência pode ter na decisão da causa suspensa, porque diz respeito a factos, contrato pedidos e fundamentos diferentes e ainda a períodos temporais que distam pelo menos 5 (cinco) anos!!!».

Os RR. contra alegaram pugnando pela improcedência total do recurso.

Admitido o recurso e obtidos os vistos legais, cumpre apreciar.
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Questões a decidir:

O objeto e o âmbito do recurso são delimitados pelas conclusões das alegações, nos termos do disposto no artigo 635º nº 4 do Código de Processo Civil. Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. Artigo 5º, nº 3, do Código de Processo Civil). Similarmente, não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas (Abrantes Geraldes, Recursos no N.C.P.C., 2017, Almedina, pág. 109).
Tendo em conta as conclusões de recurso formuladas que delimitam o respectivo âmbito de cognição, a questão que importa apreciar é a seguinte:
1ª Saber se se verificam os pressupostos da suspensão da instância por causa prejudicial ou outro motivo justificativo.     
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II.–Fundamentação:

A matéria que o tribunal a quo considerou com interesse para a decisão sobre a prejudicialidade relativamente ao proc. n.º 16725/15.3T8LSB, em que é AUTORA a aqui R. “B” e R. a aqui A. “A”, ou factos que determinem que existe outro motivo justificado para a suspensão, são os seguintes:
–Na presente acção a “A” alega que é credora relativamente à “B” de quantias referentes a montantes apostos em facturas vencidos no contexto de contrato que celebrou por escrito com a requerida.
–Essas facturas têm a identificação FAC-STV0118/000208, FAC-STV0118/000207, FAC-STV0118/000232, e FACSTV0118/ 000233 e correspondem ao montante de € 518 283, 31.
–No que se refere aos quantitativos apostos nas demais facturas considera a “A” que, pese embora o facto de não ter sido assinado qualquer contrato para o período que se seguiu a 31 de Julho de 2018, disponibilizou os Canais e Serviços SPORT TV e a “B” procedeu à sua distribuição. Ainda de acordo com a “A”, foi a própria “B” que lhe remeteu os elementos necessários à emissão das facturas atinentes a remuneração variável.
–Conclui que estas condutas consubstanciam uma declaração de aceitação tácita das condições constantes da proposta de 26 de Julho de 2018.
–A acção que a R. afirma ser prejudicial relativamente à presente radica no alegado comportamento da “A” no mercado dos canais de acesso condicionado com conteúdos desportivos denominados premium, em Portugal, entre Setembro de 1998 e a propositura da acção, em 2015.
–Estão em causa as condições do sistema remuneratório alegadamente impostas pela “A” no âmbito dos contratos de distribuição dos canais de televisão SPORT TV celebrados com a “Cabovisão – Televisão por Cabo”/”B” entre 1998 e 2013.
–A “B” defende que as condições do sistema remuneratório são ilícitas porque violadoras de regras imperativas de defesa da concorrência.
–A “A” teria aplicado escalões de descontos de quantidade e um sistema de mínimos de penetração, o que acarretou prejuízos a título de danos emergentes e de lucros cessantes.
–A “B” deduz pedido reconvencional de condenação da “A” a pagar-lhe € 3 471 364, 42 acrescidos de juros de mora e de montante a liquidar proveniente de prejuízos adicionais.
–Para a eventualidade de a acção vir a ser julgada total ou parcialmente procedente, invoca a excepção de compensação com o crédito aludido.
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Além do elenco referido feito por súmula importa ter presente os factos alegados que alicerçam o pedido reconvencional, bem como o pedido de suspensão:
–A ré sob o tema “I. Da suspensão da presente instância”, alega que a relação contratual entre as partes se iniciou em 1998 e perdurou até à data em que foi interrompido o sinal, em novembro de 2018;
–Alega ainda a ré que «(…)  em função da imposição pela A de condições contratuais abusivas e, consequentemente, ilegais » foram apresentadas queixas na Autoridade da Concorrência, invocando o abuso de posição dominante pela A no quadro das condições contratuais que esta entidade impôs e na sequência da pronúncia da Autoridade da Concorrência, a B propôs, em 16 de junho de 2015, contra a A uma ação declarativa de condenação para pagamento de indemnização em resultado da violação, por esta última, de regras legais protetoras da concorrência;
–A ação proposta pela B contra a A corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo Central Cível de Lisboa – Juiz 3, sob o número de processo 16725/15.3T8LSB , e nesta pretende-se o ressarcimento dos danos sofridos pela B em consequência da referida atuação da A, que alegadamente consubstanciou práticas lesivas da concorrência;
–No Processo n.º 16725/15.3T8LSB, a B pede a condenação da A a pagar-lhe (i) uma indemnização no valor de € 16.448.721,00, a título de danos sofridos e acrescida de juros de mora, (ii) todos os montantes que esta ainda tenha que pagar à A por força do contrato de distribuição de canais de televisão que, à data, estava em vigor entre as partes, em consequência da imposição de condições remuneratórias ilegais, e, por fim, (iii) uma indemnização por lucros cessantes a liquidar ulteriormente.
–A título subsidiário, a B pede (i) que as cláusulas de fixação dos preços dos contratos de distribuição de canais de televisão celebrados com a A sejam declaradas nulas, (ii) que a A seja condenada a pagar à B a quantia de € 4.969.961,00 (quatro milhões novecentos e sessenta e nove mil novecentos e sessenta e um euros) referente ao montante de sobrepreço pago pela B à A e a quantia de € 11.478.760,00 (onze milhões quatrocentos e setenta e oito mil setecentos e sessenta mil euros) referente ao montante pago a mais pela B por aplicação de escalões de descontos discriminatórios, ambas acrescidas de juros de mora, e (iii) que seja alterado o conteúdo da cláusulas integrantes do contrato de distribuição de canais de televisão em vigor à data entre a A e a B, em particular das cláusulas relativas às condições remuneratórias, de modo a excluir a ilicitude de tais cláusulas.
–Conclui a ré nesta ação:«De facto, a procedência do Processo n.º 16725/15.3T8LSB (e do pedido de condenação no pagamento de uma indemnização superior a € 16.000.000,00 (dezasseis milhões de euros)) ou mesmo a sua procedência parcial reflete-se nos presentes autos e na decisão a proferir nesta instância, na medida em que, sem prejuízo dos demais argumentos aqui invocados, permite a extinção, por via de compensação – que expressamente se invoca nos presentes autos –, da obrigação de pagamento de uma qualquer importância que se mostre devida à A.».
–Mais dizendo: «Ou seja, nesta perspetiva, existe uma relação de “prejudicialidade” ou de “dependência” entre o Processo n.º 16725/15.3T8LSB e os presentes autos, por aquele ser essencial para a decisão da exceção perentória de compensação que se deduzirá infra.»;
–Quanto ao pedido reconvencional deduzido nesta ação a ré subdivide o mesmo em dois pontos o A. que identifica como “Da responsabilidade da A”, sendo que neste assaca responsabilidade à  Autora pelo facto de ter impedido o acesso pela B ao sinal a partir do dia 9 de novembro de 2018 (cfr. artigo 54.º da petição inicial), sendo nesta sede necessário aferir se aquela entidade podia ou não – ao abrigo da cláusula 22.ª do Contrato ( frise-se de 2016) – impedir o acesso ao sinal dos canais e serviços SPORT TV, como efetivamente veio a fazer. Concluindo que em virtude do corte do sinal e apenas na semana que se seguiu a tal corte, a B incorreu em custos no valor de cerca de € 6.364,42  ao nível do seu call center, além disso alega que 1.633 clientes denunciaram os contratos que tinham celebrado com a B por causa da falta de disponibilização daqueles canais, o que representa um prejuízo para a B de € 1.144.000,00, sem prejuízo da liquidação de dano adicional correspondente a outras situações de denúncia de contratos que venham ainda a verificar-se com este fundamento e/ou de um período de produção destes efeitos negativos mais alargado, a liquidar em execução de sentença. Nessa mesma vertente e a título reconvencional alega a ré que o corte repentino do sinal dos canais SPORT TV obrigou a B a incorrer em custos acrescidos com ações de marketing dirigidas aos clientes e que não suportaria se o corte de sinal da A não tivesse ocorrido despendeu, até à presente data, e irá ainda despender, a quantia adicional global de € 1.505.000,00 e estima ainda perder receitas no valor não inferior a € 816.000,00, também aqui sem prejuízo da liquidação de dano excedente, em sede de execução de sentença.
–No subtema relativo ao pedido reconvencional que identifica com o ponto B. refere que é “Da extinção de obrigação por compensação”, alegando que os factos supra descritos implicam a condenação da A no pagamento de uma indemnização correspondente aos danos causados pelo incumprimento do contrato em montante nunca inferior a € 3.471.364,42, concluindo que na eventualidade de a B ser condenada no pagamento de uma qualquer importância à A, os valores mencionados no artigo anterior constituem créditos exigíveis que permitem a extinção da respetiva obrigação por compensação;
–Em termos petitórios finda a ré:« Mais se requer a procedência do pedido reconvencional formulado contra a A e, em consequência, ser esta entidade condenada a pagar à B uma indemnização de importância não inferior a € 3.471.364,42 (três milhões quatrocentos e setenta e um mil trezentos e sessenta e quatro euros e quarenta e dois cêntimos), acrescida de juros de mora calculados desde a data de notificação do presente pedido reconvencional e até ao efetivo e integral pagamento e de todos os prejuízos adicionais que vierem a ter lugar e a liquidar em sede de execução de sentença, nos termos supra descritos.».
*

III.–O DIREITO:

Insurge-se o recorrente quanto à decisão que determinou a suspensão da instância dizendo que, ao contrário do que se afirma no referido despacho, o direito que a aqui Ré pretende exercer por via de reconvenção não está a ser exercido na ação que corre termos no juiz 3 da instância central cível. Discorrendo nas suas conclusões que o direito que a Ré pretende exercer por via de reconvenção assenta na alegada responsabilidade da A ( ora Recorrente), resultante do impedimento de acesso ao sinal dos Canais SPORT TV ocorrido em 9 de novembro de 2018, com a consequente extinção  da obrigação de pagamento das faturas peticionadas nestes mesmos autos – relativas ao período de junho a outubro de 2018 - por via da compensação, com os alegados danos provocados pelo corte de sinal ocorrido em 2018. Ora, nos termos alegados o direito que está a ser exercido na ação que corre termos no juiz 3 da instância central cível (o processo nº 16725/15.3T8LSB) diz respeito às “condições do sistema remuneratório alegadamente impostas pela A no âmbito de contratos de distribuição dos canais de televisão celebrados com a ‘Cabovisão- Televisão por Cabo’/’B’ entre 1998 e 2013, ou seja, conclui, diz respeito a factos e fundamentos diferentes, a contratos diversos e a períodos temporais distintos. Daqui arremata a apelante que a decisão a proferir no proc. nº 16725/15.3T8LSB não é suscetível de vir a estender a sua autoridade de caso julgado à presente ação, nem o desfecho de tal ação terá qualquer influência nos presentes autos, uma vez que o objeto da primeira não se insere no objeto da segunda.
Pois no entender da apelante a decisão sobre uma eventual indemnização por práticas alegadamente levadas a cabo pela A entre 1998 e 2013 em nada pode condicionar ou influenciar a apreciação dos factos que estão em causa nos presentes autos, e que dizem respeito a serviços prestados relativos à disponibilização dos seus canais, pela A, entre junho e outubro de 2018, ao abrigo de um contrato celebrado em 2016, e que, pura e simplesmente, não foram pagos pela B, assentando o pedido reconvencional num acto alegadamente praticado pela A. e lesivo para a ré, com a consequente obrigação de indemnizar a mesma. 
A decisão recorrida, em primeiro lugar, pronuncia-se a mesma sobre o pedido reconvencional, nos seguintes termos: «A R. deduz reconvenção ao abrigo do preceituado no art.º 266.º/1/2/c do C.P.C.. Nos termos do disposto no art.º 847.º/1 do Código Civil, quando duas pessoas sejam reciprocamente credor e devedor, qualquer delas pode livrar-se da sua obrigação por meio de compensação com a obrigação do seu credor, verificados os seguintes requisitos:
a)- Ser o seu crédito exigível judicialmente e não proceder contra ele excepção, peremptória ou dilatória, de direito material;
b)- Terem as duas obrigações por objecto coisas fungíveis da mesma espécie e qualidade.
Preceitua o n.º 2 que se as duas dívidas não forem de igual montante, pode dar-se a compensação na parte correspondente.
Nada obsta, pois, à compensação dos eventuais créditos de A. e R.. Ambos são judicialmente exigíveis e são de natureza pecuniária. A alegação da A. de que a reconvenção formulada pela R. é inadmissível não encontra, por conseguinte, arrimo legal.».

O art. 266º, nº 2, al. c) do actual Cód. do Proc. Civil estatui que a «a reconvenção é admissível (…) quando o réu pretende o reconhecimento de um crédito, seja para obter a compensação seja para obter o pagamento do valor em que o crédito invocado excede o do autor.».

Na lei anterior – art. 274º, nº 2, al. b) do Cód. do Proc. Civil de 1961 – admitia-se a reconvenção quando o réu se propõe obter a compensação. No entanto, a jurisprudência e grande parte da doutrina entendiam que a compensação poderia ser invocada por via de excepção peremptória, até ao valor do crédito invocado pelo autor. Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro (in “Primeiras Notas ao Novo Código do Processo Civil” – Vol. I, 2ª ed., 2014, pág. 259), confrontando os dois regimes processuais, escrevem: “Poder-se-ia dizer que a norma contida nesta alínea [o art. 266º, nº 2, al. c)] não encerra a questão. Por um lado, o artigo só dispõe sobre os casos em que a reconvenção é admissível. Não versa sobre a possibilidade, ou não, de utilização de diferente meio processual para obter idêntico efeito – no caso, meramente extintivo do crédito do autor (art. 576º, nº 3). Por outro lado, a letra da lei consente uma interpretação de acordo com a qual a reconvenção aqui prevista apenas visa o reconhecimento de crédito de valor superior ao invocado pelo autor. Reza a norma: “pagamento do valor em que o crédito invocado excede o do autor”; e não: pagamento do valor em que o crédito invocado exceda (!) o do autor. Nos créditos de valor igual ou inferior, continuaria aberta a possibilidade de invocação da compensação por via de exceção.” 

Neste sentido se pronuncia Lebre de Freitas (in “A Acção Declarativa Comum – À luz do Código de Processo Civil de 2013”, 3ª ed., págs. 130/132) que escreve: “Pessoalmente, estou em crer que, pese embora a intenção do legislador de 2013, a melhor interpretação a fazer do regime do CPC de 2013 é a de que com ele nada mudou, permanecendo a reconvenção fundada em compensação meramente facultativa.” Já Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro (ob. e loc. citado) sustentam posição oposta, afirmando o seguinte: “(…) devemos concluir que foi intenção do legislador estabelecer que a compensação terá sempre de ser operada por via de reconvenção, independentemente do valor dos créditos compensáveis, quando o direito do réu ainda não esteja reconhecido. Na falta de outra explicação para a intervenção legislativa, seria a querela acima referida a emprestar-lhe um contexto, o que obrigaria a concluir que o legislador pretendeu nela tomar posição, pondo fim a uma corrente jurisprudencial praticamente pacífica. Mas outra explicação existe, mais forte e mais imediata. A obtenção da compensação, quando pressuponha o reconhecimento de um crédito, tem, efectivamente, a natureza de uma demanda judicial, implicando a invocação de uma causa de pedir e de um pedido. Perante a sua invocação, a contraparte deve dispor de meios processuais idóneos a contestar o crédito, invocando as exceções de direito substantivo pertinentes (art. 847º, nº 1, do CC).

Ora, a atual estrutura da forma única de processo comum de declaração só admite a réplica nos casos de reconvenção (art. 584º) – bem como nas ações de simples apreciação negativa. Considerando que o momento previsto no art. 3º, nº 4, não é idóneo a proporcionar satisfatoriamente a defesa do autor a uma pretensão desta natureza, bem se compreende que se exija que o reconhecimento de um crédito, com vista à sua compensação, tenha de ser pedido em via de reconvenção, assim se abrindo as portas à resposta do reconvindo na réplica. Esta solução tem a vantagem de sujeitar a pretensão do réu à estrutura de uma causa – onerando-o com a clara alegação de uma causa de pedir e com a formulação de um pedido certo, ao qual o reconvindo oporá formalmente as exceções que entender -, permitindo um tratamento da questão mais esclarecido.”

Também no mesmo sentido se pronunciam Jorge Augusto Pais de Amaral in “Direito  Processual Civil”, 2015, 12ª ed., pág. 247, e Paulo Pimenta in “Processo Civil Declarativo”, 2015, págs. 186/7. É neste contexto, considerando-se aquela que foi a intenção do legislador com a redacção que conferiu ao art. 266º, nº 2, al. c) do actual Cód. do Proc. Civil, e em consonância com o entendimento doutrinariamente maioritário, que este preceito é interpretado no sentido de que a compensação terá sempre de ser operada por via de reconvenção, independentemente do valor dos créditos compensáveis, quando o direito do réu ainda não esteja reconhecido.

Logo, dúvidas não há que a meio processual adequado para operar uma compensação de créditos será através da dedução de um pedido reconvencional.

A questão que se coloca nos presentes autos é saber se tal pedido reconvencional, admitido para arguir a excepção que determina a extinção da obrigação por compensação, é o discutido no âmbito de uma outra ação intentada pela aqui ré contra a Autora, ou ao invés, constitui um pedido autónomo, pois a ser o mesmo sempre poderia estar em causa a exceção de litispendência. No despacho recorrido fundamenta-se a suspensão na existência de questão prejudicial tendo na sua génese tal pedido reconvencional, expondo-se da seguinte forma:«Uma causa é prejudicial em relação a outra quando o julgamento ou decisão da questão a apreciar na primeira pode influir ou afectar o julgamento ou decisão da segunda, nomeadamente modificando ou inutilizando os seus efeitos ou mesmo tirando razão de ser à mesma (cf. Alberto dos Reis in Comentário ao Código de Processo Civil, vol. 3º, pp. 267 e ss.). Em anotação a este artigo, no Código de Processo Civil Anotado de Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto, vol. 1º, 2ª ed., Coimbra Editora, 2008, p. 544, considera-se que causa prejudicial é aquela que tenha por objecto pretensão que constitui pressuposto da formulada. Dá-se como exemplo o da acção de nulidade de um contrato que será prejudicial em relação a outra em que se exija o cumprimento das obrigações dele emergentes. Segundo a jurisprudência do STJ, uma causa é prejudicial em relação a outra quando aí se esteja a apreciar uma questão cuja resolução possa modificar uma situação jurídica que tem de ser considerada para a decisão do outro pleito ou quando a decisão ali proferida possa destruir o fundamento ou a razão de ser da segunda, sendo que o poder do Tribunal no sentido de ordenar a suspensão da instância por prejudicialidade não é um poder discricionário, mas um poder legal limitado (cf. ac. de 26/05/1994, CJ/STJ, 1994, tomo II, p. 116). Entende-se que há aqui que aquilatar da diferença entre a excepção do caso julgado e a autoridade do caso julgado. (…) A excepção de caso julgado destina-se a evitar uma nova decisão inútil (razões de economia processual), o que implica uma não decisão sobre a nova acção, pressupondo uma total identidade entre ambas as causas;
A autoridade de caso julgado importa a aceitação de uma decisão proferida em acção anterior, que se insere, quanto ao seu objecto, no objecto da segunda, visando obstar a que a relação ou situação jurídica material definida por uma sentença possa ser validamente definida de modo diverso por outra sentença (razão de certeza ou segurança jurídica). A propósito dos limites subjectivos do caso julgado, muito embora a regra seja a vinculação entre as partes (eficácia relativa), há casos em que a sentença se projecta na esfera jurídica de terceiros, vinculando-os. Daí que tanto a doutrina, como a jurisprudência, tenham vindo a acolher a distinção entre "eficácia directa" e "eficácia reflexa" do caso julgado.
Há mesmo quem entenda que a lei (art.º 674.º C.P.C.) ao admitir a eficácia erga omnes nas acções de estado, traduz um afloramento de um princípio geral aplicável aos chamados direitos absolutos e direitos reais (neste sentido, comentando o art.º 674.º do C.P.C./1939, cf. MANUEL RODRIGUES ("Simulação processual e caso julgado", Jornal do Foro, ano 16, p. 73) e já no domínio do preceito actual, por ex., Ac STJ de 9/12/88, BMJ 382, p. 471 ). Noutra perspectiva, segundo Teixeira de Sousa (Estudos Sobre o Novo Processo Civil, pp. 588 e ss.), a eficácia reflexa vincula qualquer sujeito a aceitar aquilo que foi decidido entre todos os sujeitos com legitimidade processual, isto é, "quando a acção decorreu entre todos os interessados directos (quer activos, quer passivos) e, portanto, esgotou os sujeitos com legitimidade para discutir a tutela judicial de uma situação jurídica, pelo que aquilo que ficou definido entre os legítimos contraditores (na expressão do art. 2503 § único, CC/1867) deve ser aceite por qualquer terceiro.
No caso vertente, o direito que a aqui R. pretende exercer por via de reconvenção está a ser exercido na acção que corre termos no juiz 3 da instância central cível. A prossecução dos presentes autos sem que a questão do processo n.º 16725/15.3T8LSB seja aclarada é contrária à segurança jurídica. Em súmula, a decisão a proferir no proc. n.º 16725/15.3T8LSB é susceptível de, consoante o respectivo desenlace, vir a estender a sua autoridade de caso julgado a esta acção comum. A discussão dos mesmos factos pode redundar em contradição com a decisão a proferir naqueloutra acção. Pelo exposto, ao abrigo do preceituado no art.º 272.º/1 do C.P.C., suspende-se a instância até ao trânsito em julgado da decisão a proferir no proc. n.º 16725/15.3T8LSB.».

Analisemos pois a questão na perspectiva do disposto no art. 272º do CPC, tendo por base o pedido reconvencional deduzido nesta ação.

Dispõe o nº 1 da norma citada que: “O tribunal pode ordenar a suspensão quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer outro motivo justificado”.

Ao contrário do que acontece com a situação prevista no art. 92º, o que está aqui em causa já não é – pelo menos necessariamente – uma questão prejudicial que seja da competência de um tribunal administrativo ou criminal, mas sim uma questão que já se encontra autonomizada como objecto de uma outra causa que se encontra pendente. Ou seja, o que está subjacente à suspensão prevista no art. 92º é a circunstância de o tribunal da causa ser, em princípio, incompetente em razão da matéria (porque essa competência está legalmente atribuída aos tribunais criminais ou aos tribunais administrativos) para decidir uma questão cuja resolução é necessária para a decisão da causa, por isso se permitindo ao juiz da causa que determine a suspensão para que as partes promovam, junto do tribunal competente, a resolução dessa questão; o que está subjacente à suspensão prevista no art. 272º já não é a incompetência do tribunal para apreciar uma questão de natureza criminal ou administrativa, mas sim a mera circunstância de estar já pendente uma outra acção onde se discute uma determinada questão (independentemente da sua natureza e independentemente de ela se integrar ou não no âmbito de competência do tribunal da causa) da qual depende o julgamento que aqui importa efectuar. Em suma, e como refere o Prof. Alberto dos Reis ( in Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. 3º, pág. 268), na situação prevista no art. 92º, “…o juiz reconhece-se incompetente em razão da matéria para conhecer da questão prejudicial…”, ao passo que, na situação prevista no art. 272º, “…não é por uma razão de incompetência que o juiz suspende a instância, é por uma razão de conveniência. Uma vez que está pendente a causa prejudicial, julga-se conveniente aguardar que ela seja decidida. O juiz da causa subordinada pode ser normalmente competente para decidir a causa prejudicial; mas como esta está proposta e o julgamento dela pode destruir a razão de ser da outra causa, considera-se razoável a suspensão da instância subordinada”.

Para que a suspensão possa ser decretada, ao abrigo da primeira parte do art. 272º, é necessário, em primeiro lugar, que exista uma outra causa/acção pendente e é necessário, em segundo lugar, que exista entre ambas as acções uma relação de dependência ou prejudicialidade.

Nas palavras do Prof. José Alberto dos Reis, “uma causa é prejudicial em relação a outra quando a decisão da primeira pode destruir ou modificar o fundamento ou a razão da segunda…”( ob. Cit. pág. 268 e 269 ), referindo ainda que “sempre que numa acção se ataca um acto ou facto jurídico que é pressuposto necessário de outra acção, aquela é prejudicial em relação a esta”.

Em termos gerais, podemos afirmar a existência de prejudicialidade quando a decisão de uma causa possa afectar e prejudicar o julgamento de outra, retirando-lhe o fundamento ou a sua razão de ser, o que acontece, designadamente, quando “…na causa prejudicial esteja a apreciar-se uma questão cuja resolução possa modificar uma situação jurídica que tem que ser considerada para a decisão do outro pleito, quando a decisão de uma acção - a dependente - é atacada ou afectada pela decisão ou julgamento emitido noutra”( Cfr. Ac. do STJ de 29/09/93, processo nº 084216, em http://www.dgsi.pt. ) ou quando “…numa acção já instaurada se esteja a apreciar uma questão cuja resolução tenha que ser considerada para a decisão da causa em apreço”( Cfr. Ac. do STJ de 06/07/2005, processo nº 05B1522, em http://www.dgsi.pt.).

Entende-se, assim, por causa prejudicial aquela onde se discute e pretende apurar um facto ou situação que é elemento ou pressuposto da pretensão formulada na causa dependente, de tal forma que a resolução da questão que está a ser apreciada e discutida na causa prejudicial irá interferir e influenciar a causa dependente, destruindo ou modificando os fundamentos em que esta se baseia. Como referem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Sousa ( in CPC Anotado, vol I,pág. 314-315) “ o nexo de prejudicialidade define-se assim: estão pendentes duas acções e dá-se o caso de a decisão de uma poder afetar o julgamento a proferir noutra; a razão de ser da suspensão, por pendência de causa prejudicial é a economia e a coerência de julgamentos; uma causa é prejudicial à outra quando a decisão da primeira possa destruir o fundamento ou a razão de ser da segunda».

No caso dos autos a justificação da decisão assenta na compensação como facto extintivo do direito alegado pela autora contra a ré, logo, a invocação de um contra-crédito pela ré contra a Autora, alicerçando a decisão que este contra-crédito se pretende ver afirmado no âmbito de outra ação, pelo que a decisão a proferir nesta irá influir na ação que ora se discute.

Como vimos, a opção do legislador quanto à invocação de um contra-crédito por via judicial resolveu a dúvida criada quanto à invocação como exceção ou a título reconvencional, mas criou agora outra dificuldade, que é saber de que forma se pode alegar a extinção da obrigação por compensação quando esta já foi declarada, ou esta já se encontra alegada numa outra ação. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Sousa ( in ob. Cit. Pág. 303 ) tendo por base a declaração extrajudicial da compensação, ainda que optem pela imprescindibilidade da reconvenção, há quem defenda que caso a compensação já tenha sido declarada anteriormente pode ser deduzida por via de excepção, reservando para a via reconvencional os casos em que a compensação ainda não foi declarada, ou seja, quando a invocação da compensação, como forma de extinção da obrigação do autor, apenas ocorre no âmbito da acção.

Porém, no caso dos autos, a ré não invoca como fundamento da compensação o pedido indemnizatório formulado no Processo n.º 16725/15.

Na verdade, a autora na ação formula o pedido de pagamento pela ré do valor de facturas relativas e que titulam o pagamento devido pela ré, face a um contrato de distribuição de canais, celebrado entre A. e ré a 6 de dezembro de 2016. Mais assenta o petitório na circunstância de apesar da cessação do contrato, pelo decurso do prazo do mesmo, a actuação das partes a partir de 31 de julho manteve-se inalterada pelo que defende a Autora que é devido o montante correspondente, tendo a A. emitido as facturas cujo valor reivindica.

No que concerne ao pedido reconvencional, a ré para fundamentar o mesmo assaca responsabilidade à Autora pelo facto de ter impedido o acesso pela B ao sinal a partir do dia 9 de novembro de 2018 (cfr. artigo 54.º da petição inicial), sendo nesta sede necessário aferir se aquela entidade podia ou não – ao abrigo da cláusula 22.ª do Contrato (frise-se, de 2016) – impedir o acesso ao sinal dos canais e serviços A, como alegadamente veio a fazer. Concluindo, que em virtude do corte do sinal e apenas na semana que se seguiu a tal corte, a B incorreu em custos no valor de cerca de € 6.364,42 ao nível do seu call center, além disso alega que 1.633 clientes denunciaram os contratos que tinham celebrado com a B por causa da falta de disponibilização daqueles canais, o que representa um prejuízo para a B de € 1.144.000,00, sem prejuízo da liquidação de dano adicional correspondente a outras situações de denúncia de contratos que venham ainda a verificar-se com este fundamento e/ou de um período de produção destes efeitos negativos mais alargado, a liquidar em execução de sentença. Nessa mesma vertente e a título reconvencional alega a ré que o corte repentino do sinal dos canais A obrigou a B a incorrer em custos acrescidos com ações de marketing dirigidas aos clientes e que não suportaria se o corte de sinal da A não tivesse ocorrido, alegando que despendeu, até à presente data, e irá ainda despender, a quantia adicional global de € 1.505.000,00 e estima ainda perder receitas no valor não inferior a € 816.000,00, também aqui sem prejuízo da liquidação de dano excedente, em sede de execução de sentença.

Ora, na parte relativa à compensação alega que os factos supra descritos implicam a condenação da A no pagamento de uma indemnização correspondente aos danos causados pelo incumprimento do contrato em montante nunca inferior a € 3.471.364,42, concluindo que na eventualidade de a B ser condenada no pagamento de uma qualquer importância à A, os valores mencionados no artigo anterior constituem créditos exigíveis que permitem a extinção da  respetiva obrigação por compensação.

Tanto que em termos de pedido reconvencional a ré arremata da seguinte forma: «Mais se requer a procedência do pedido reconvencional formulado contra a A e, em consequência, ser esta entidade condenada a pagar à B uma indemnização de importância não inferior a € 3.471.364,42 (três milhões quatrocentos e setenta e um mil trezentos e sessenta e quatro euros e quarenta e dois cêntimos), acrescida de juros de mora calculados desde a data de notificação do presente pedido reconvencional e até ao efetivo e integral pagamento e de todos os prejuízos adicionais que vierem a ter lugar e a liquidar em sede de execução de sentença, nos termos supra descritos.»

Considerando o juízo de prejudicialidade que preside à verificação do pressuposto da suspensão, frise-se, a existência de prejudicialidade verifica-se quando a decisão de uma causa possa afectar e prejudicar o julgamento de outra, retirando-lhe o fundamento ou a sua razão de ser, entendemos que tal não se verifica no caso concreto.

O pedido reconvencional que tem inserta a compensação, reporta-se à relação negocial ocorrida entre as partes a partir de 6 de dezembro de 2016, e o valor indemnizatório peticionado pela ré assenta no incumprimento ou cumprimento defeituoso do contrato pela Autora e não se prende com a alegada ilicitude das condições do sistema remuneratório, porque violadoras de regras imperativas de defesa da concorrência, que a ré propugna e pretende fazer valer na acção nº 16725/15.3T8LSB.

A decisão que venha a ser proferida naquela ação em nada interfere ou bule com a ação em causa, pois nem o pedido da autora assenta na relação contratual que se discute naquela outra, nem o pedido reconvencional visa obter a indemnização por perdas e danos decorrentes da mesma actuação imputada à ora autora. Pois, na ação nº 16725/15.3T8LSB, o pedido de condenação da “A” radica no alegado comportamento da mesma no mercado dos canais de acesso condicionado com conteúdos desportivos denominados premium, em Portugal, entre Setembro de 1998 e a propositura da acção, em 2015. Sendo que nesta estão em causa as condições do sistema remuneratório alegadamente impostas pela “A” no âmbito dos contratos de distribuição dos canais de televisão A celebrados com a “Cabovisão – Televisão por Cabo”/”B” entre 1998 e 2013. 

Nesta acção está em causa o contrato de distribuição reportado a 6 de Dezembro de 2016 e a continuidade da relação contratual a partir de 31 de julho de 2018, reivindicando a Autora o pagamento de tal serviço facultado à ré. E a ré na reconvenção apresentada apenas alega vicissitudes corridas no âmbito contratual definido pela autora e não naquele outro que se alega na acção 16725/15.3T8LSB.

Logo, o juízo de prejudicialidade que subjaz à decisão proferida e objecto deste recurso não se verifica, inexistindo assim, justificação para a suspensão da instância.

Do exposto, o recurso será procedente ordenando-se em consequência o indeferimento da suspensão da instância e o prosseguimento dos autos.
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IV.–DECISÃO:

Por todo o exposto, acorda-se em julgar procedente o recurso de apelação interposto pela Ré e, consequentemente, decide-se revogar o despacho que determinou a suspensão da instância, ordenando-se o prosseguimento dos autos.
Custas pela apelada.
Registe e notifique.



Lisboa, 24 de Outubro de 2019



Gabriela Fátima Marques
Adeodato Brotas
Fátima Galante