Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2363/23.0YLPRT.L1-7
Relator: ALEXANDRA DE CASTRO ROCHA
Descritores: CONTRATO DE ARRENDAMENTO
PRAZO
NORMA SUPLETIVA
ESTIPULAÇÃO
RENOVAÇÃO
OPOSIÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/07/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: O art. 1096º nº1 do Código Civil, na sua redacção actual, é uma norma supletiva, pelo que é válida, nos termos do art. 405º nº1, do mesmo diploma, a estipulação constante do contrato de arrendamento celebrado, de acordo com a qual, após o decurso do prazo inicial de cinco anos, o arrendamento se renovará por iguais e sucessivos períodos de um ano.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

RELATÓRIO:
B…, apresentou, junto do BNA, requerimento de despejo, no âmbito de PED, contra D…, indicando, como fundamento do despejo, «cessação por oposição à renovação pelo senhorio». Juntou, além do mais, contrato intitulado de «arrendamento para habitação permanente com prazo certo e com opção de compra» (celebrado entre a anterior proprietária do imóvel e o requerido), datado de 1/11/2013, bem como cópia de carta datada de 23/1/2023, registada e com aviso de recepção, remetida pela requerente ao requerido, declarando opor-se à renovação daquele contrato com efeitos a 31 de Outubro de 2023.
O requerido apresentou oposição, invocando, em síntese, o seguinte:
a) O contrato de arrendamento celebrado tinha opção de compra e a anterior senhoria não apresentou qualquer proposta de venda, não lhe tendo dado preferência na venda que efectuou à requerente;
b) A carta junta com o requerimento de despejo é uma carta de repetição, que não foi enviada nos 30 a 60 dias sobre a data do envio da primeira carta, pelo que a oposição à renovação não operou.
Convidada a exercer o contraditório relativamente às excepções invocadas na oposição, veio a requerente pugnar pela respectiva improcedência, quer porque a obrigação de apresentação de proposta de venda não cabia a si, mas à anterior senhoria, e não é este o meio próprio para invocar uma eventual omissão, quer porque a requerente enviou a segunda carta de oposição à renovação dentro do prazo legal.
Tendo o tribunal entendido que era possível o conhecimento imediato do mérito da causa, uma vez que as questões essenciais suscitadas eram apenas jurídicas, foram as partes notificadas para, querendo, no prazo de 10 dias, apresentarem alegações escritas, pronunciando-se ainda acerca da questão do prazo de duração das renovações automáticas, nos termos do art. 1096º do Código Civil.
A requerente veio defender a procedência do pedido, enquanto o requerido pugnou pela respectiva improcedência.
De seguida, foi proferida sentença, que concluiu com o seguinte dispositivo:
«Nos termos e pelos fundamentos supra expostos, julga-se o procedimento especial de despejo totalmente improcedente e, em consequência, decide-se:
a) Indeferir a desocupação do locado peticionada pela Requerente B…;
b) Condenar a Requerente no pagamento das custas processuais».
Não se conformando esta decisão, dela apelou a requerente, formulando, no final das suas alegações, as seguintes conclusões:
«A. Celebraram as partes um contrato de arrendamento para habitação permanente, com prazo de duração inicial de 5 (cinco) anos, com início em 1 de Novembro de 2013, renovável por iguais e sucessivos prazos de 1 (um) ano, salvo denúncia das partes.
B. Sendo o arrendamento celebrado por prazo certo, automaticamente renovável pelos períodos contratualmente estabelecidos de um ano.
C. Em momento algum, mormente no ato de celebração do contrato, existiu qualquer oposição do requerido aos termos do contrato, tendo ficado estabelecidas todas as clausulas contratuais, nomeadamente o prazo de renovação.
D. Ficaram ainda estipulados contratualmente, de acordo com a lei, os prazos de denúncia, bem como de revogação do contrato.
E. O contrato esteve vigente dez anos, estando, portanto, ultrapassado o período mínimo de vigência dos contratos de arrendamento urbanos destinados à habitação passíveis de renovação, consagrado no n°3 do artigo 1097° do Código Civil, pelo que a correta interpretação do regime legal vigente impõe considerar que a oposição à renovação do contrato por mais um ano produziu efetivamente efeitos.
F. Nos termos da redação conferida pela Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto, o artigo 1096.º, n.º 1, do Código Civil estipulava que, salvo estipulação em contrário, o contrato de arrendamento habitacional celebrado com prazo certo renovava-se automaticamente no seu termo por períodos sucessivos de igual duração, salvo estipulação das partes em contrário.
G. A propósito desta norma, aplicável a contratos de arrendamento urbano para fins habitacionais com prazo certo, não existiam dúvidas de que, por um lado, às partes era permitido celebrar um contrato sem renovação automática, isto é que previsse a caducidade do mesmo com o decurso do prazo estipulado. Por outro lado, não tendo as partes excluído o regime da renovação automática, podiam as mesmas estabelecer livremente os prazos aplicáveis a tais renovações (sem prejuízo do limite máximo de 30 anos previsto no artigo 1025.º do Código Civil).
H. As partes admitem e aceitam, tal como já resultava da posição assumida nos articulados, que apesar de celebrado o contrato ao abrigo do regime jurídico previsto na Lei 31/2012 de 14 de agosto, tem imediata aplicação a lei nova, Lei n.º 13/2019 de 12 de fevereiro, nos termos do artigo 12.º, n.º 2, 2.ª parte, do Código Civil, por se tratar de questão que regula sobre o conteúdo da relação jurídica do arrendamento, aplicando-se, assim, às relações de arrendamento já constituídas e que se mantém, por se tratar de contratos de execução duradoura.
I. Interpretando, da forma que nos impõe o artigo 9° do Código Civil, o n°1 do artigo 1096° do mesmo diploma, ensina Jorge Pinto Furtado que "Parece, pois, de pensar de tudo isto que é perfeitamente legítimo estipularem-se renovações de períodos iguais entre si, ainda que diferentes da duração contratual inicial.
J. O que está em discussão é saber se o disposto no artigo 1096.º do Código Civil tem carácter imperativo ou supletivo e, em consequência, qual o prazo da Renovação em curso: é de 5 anos, de três anos ou de 1 ano.
K. Como se escreveu no acórdão da Relação de Lisboa de 24.05.2022, processo 7855/20.0T8LRS.L1-7, in www.dgsi.pt., a redação da norma não é, por si, suficiente para tomar posição nessa questão, «porquanto, na sua parte inicial, ressalva a estipulação em contrário, sem que possa afirmar-se que o faz apenas por referência ao primeiro segmento, ou seja, para estipular apenas a faculdade de as partes afastarem a renovação automática, ou se também abrange o segundo segmento da norma, possibilitando que estas convencionem períodos de renovação de duração inferior ao limite mínimo de três anos aí previsto.
L. Sobre esta matéria, ainda que a propósito dos contratos de arrendamento urbano para fins não habitacionais (embora a lei remeta para as normas o arrendamento para habitação com prazo certo), refere Jéssica Rodrigues Ferreira, in Análise das principais alterações introduzidas pela Lei n.º 13/2019, de 12 de fevereiro, aos regimes da denúncia e oposição à renovação dos contratos de arrendamento urbano para fins não habitacionais, pp. 82-95[ Revista Eletrónica de Direito, fevereiro 2020, página 82, in https://ciie.up.pt/client/files/0000000001/5-artigo- Jéssica-ferreira 1584.pdf]:
“Parece-nos que o legislador pretendeu que as partes fossem livres não apenas de afastar a renovação automática do contrato, mas também que fossem livres de, pretendendo que o contrato se renovasse automaticamente no seu termo, regular os termos em que essa mesma renovação ocorrerá, podendo estipular prazos diferentes – e menores - dos supletivamente fixados pela lei, e não, conforme poderia também interpretar-se da letra do preceito em análise – cuja redação pouco precisa gera estas dúvidas – um pacote de “pegar ou largar”, em que as partes estariam adstritas a optar entre contratos não renováveis ou, optando por um contrato automaticamente renovável no seu termo, com períodos sucessivos de renovação de duração obrigatoriamente igual à duração do contrato ou de cinco anos se esta for inferior, pois ainda que a ratio subjacente a esta alteração legislativa tenha sido reforçar a estabilidade dos contratos, se o legislador deixou ao critério das partes o mais – optar por renovar ou não o contrato – também se deve entender que lhes permite o menos – optando por renovar o contrato, regular os termos dessa renovação.
M. Também Edgar Alexandre Martins Valente (Arrendamento Urbano - Comentários às Alterações Legislativas introduzidas ao regime vigente - Almedina - 2019, página 31, em anotação ao artigo 1096. ° do Código Civil) entende que "...as partes, à semelhança do que já sucedia na redação anterior da norma, podem definir regras distintas, designadamente estabelecendo a não renovação do contrato, ou a sua renovação por períodos diferentes dos referidos, atenta a natureza supletiva da norma.
N. Na vigência da versão da norma em apreciação decorrente da Lei n° 31/2012, de 14 de Agosto, onde se previa que "Salvo estipulação em contrário, o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração...", também nada impedia que as partes previssem um período para a renovação diferente do período inicial do contrato, vincando a ideia de total supletividade da norma que lhe é dada pela expressão inicial, a qual não sofreu alteração, mantendo-se atualmente o mesmo regime, em que prevalece disposição contratual expressa sobre a matéria ali prevista.
O. Por outro lado, "Na fixação do sentido e alcance de uma norma, a par da apreensão literal do texto, intervêm elementos lógicos de ordem sistemática, histórica e teleológica." (Supremo Tribunal de Justiça, Acórdão de 04 de Maio de 2011, processo n° 4319/07.1TTLSB.L1.S1, disponível in www.dgsi.pt), sendo certo que nenhum destes elementos lógicos permitem que a correta interpretação da norma sub judice seja feita nos termos em que a faz o Tribunal a quo.
P. A interpretação feita pela decisão recorrida parece ter ignorado a dimensão literal da norma e os seus elementos histórico e sistemático, a pretexto de um alegado elemento teleológico que falece por vários motivos, entre os quais o facto de tal norma não constar sequer da proposta de lei, quando foi enunciada a respetiva exposição de motivos, não podendo, portanto, justificar-se a existência daquela com a sua essencialidade para o cumprimento destes.
Q. Este argumento é reforçado pela remissão operada no n.º 1 para o regime de oposição à renovação previsto para o arrendamento habitacional, regulado nos art. 1097.º e 1098.º, onde se continuam a prever prazos de oposição à renovação específicos para os casos de duração inicial do contrato ou das suas renovações inferiores a cinco anos (al.b) e c) do n.º 1 do art. 1097.º e al. b) e c) do n.º 1 do art. 1098.º).
R. No sentido de que o prazo da renovação admite estipulação em contrário, ISABEL ROCHA, PAULO ESTIMA, Novo Regime do Arrendamento Urbano – Notas práticas e Jurisprudência, 5.ª edição, Porto, Porto Editora, 2019, p. 286 e JORGE PINTO FURTADO, Comentário ao Regime do Arrendamento Urbano, Coimbra, Almedina, 2019, p. 579 (para o arrendamento habitacional), onde se lê, a jeito de conclusão, que se pode “validamente estabelecer, ao celebrar-se um contrato, que este terá, necessariamente, uma duração de três anos, prorrogando-se, no seu termo, por sucessivas renovações de dois, ou de um ano, quatro ou cinco, como enfim se pretender” e pp. 686- 687 (para o arrendamento não habitacional), onde se pode ler que o contrato se pode renovar por “períodos sucessivos e iguais, entre si, de um, dois, três, quatro ou, em suma, os mais anos que se pretendam”.”
S. Assim, ainda que reconhecendo que as normas imperativas previstas na Lei n.º 13/2019 se aplicam também aos contratos celebrados em data anterior à sua entrada em vigor, a autora afasta essa aplicação quanto às normas supletivas, onde integra a nova duração supletiva do prazo de renovação:
“Parece-nos que, regra geral, as normas imperativas previstas na Lei 13/2019 se aplicam não apenas aos contratos futuros, mas também aos contratos celebrados em data anterior à entrada em vigor da lei, nos termos da regra geral sobre aplicação da lei no tempo prevista no n.º 2 do art. 12.º, na medida em que tais normas contendem com o conteúdo de relações jurídicas abstraindo dos factos que lhes deram origem.
T. Não nos parece, porém, que as disposições supletivas da nova lei, como por exemplo a nova duração supletiva dos contratos de arrendamento para fins habitacionais e a renovação dos contratos por períodos sucessivos de igual duração ou de cinco anos se esta for inferior, se apliquem aos contratos celebrados antes de fevereiro de 2019, aos quais se continuarão a aplicar as normas supletivas vigentes aquando da sua celebração, solução esta que era, aliás, a consagrada no art. 59.º da Lei 6/2006 e a que decorre do próprio n.º 2 do art. 12.º, pois embora se trate da regulação do conteúdo da relação jurídica, estas normas não se abstraem dos factos que lhe deram origem.
U. Na verdade, ao celebrarem o contrato, as partes nortearam os seus interesses e arquitetaram o equilíbrio das suas relações com base na lei vigente, a qual se deve, por isso, considerar “como incorporada no contrato (lex transit in contractum) por ter sido como que tacitamente acolhida nas suas disposições pela vontade das partes”.
V. Pelo que se entende, que a comunicação de oposição de renovação do contrato por parte da Requerente/Autora, enquanto senhoria é válida, eficaz e tempestiva tendo produzido os seus efeitos, pelo que o contrato de arrendamento cessou em 30/10/2022.
W. Ainda que se entendesse que pela aplicação do artigo 1096º de forma imperativa, interpretação com a qual não se concorda, sempre se diria, no que respeita à aplicação da Lei no tempo que:
A compreensão desta matéria implica uma reflexão sobre a forma como se foi renovando o contrato em apreço, de acordo com o respetivo teor e com a legislação, entretanto, aplicável.
X. De acordo com o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17/01/2023, Processo n.º7135/20.1T8LSB.L1.S1 (Pedro Lima Gonçalves), a redação do art.º 1096.º, terá aplicação?
Sim, se essa for a primeira renovação.
Não, se a primeira renovação já tiver decorrido anteriormente à entrada em vigor da lei 13/2019.
Y. No caso concreto, o contrato iniciou-se em 01/11/2013, tendo tido a sua primeira renovação (por um ano) a 1/11/2018. Como tal, à data da entrada em vigor das alterações introduzidas pela Lei 13/2019, de 12-02, havia já operado a primeira renovação do contrato, que vigorou até 31/10/2019.,
Z. Tendo, então, sido renovado sucessivamente a 1 de Novembro dos anos subsequentes, por períodos de um ano, até que a senhoria, ora Recorrente, se opôs à renovação, nos termos legais.
AA. A limitação temporal mínima de três anos, do período de duração do contrato de arrendamento, após a sua renovação ( constante do artigo 1096º do Código Civil) na redação dada pela lei 13/2019 de 12 de fevereiro) não assume natureza imperativa, podendo por isso, ser reduzido esse período até um ano, por acordo das partes, estando tal acordo inserido no contrato.
BB. A decisão recorrida é ilegal, violando o artigo 9° e, consequentemente, os artigos 1080°, 1096° n°1 e 3, e 1097° n°3, todos do Código Civil.
CC. A Douta decisão recorrida não subsume corretamente os factos ao direito aplicável, devendo como tal ser substituída por outra que, julgando o contrato validamente resolvido por oposição à renovação operada pelo Senhorio, defira a ordem de despejo requerida.
Assim, com o Douto Suprimento do Tribunal ad quem, deve ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, ser revogada a decisão que julgou totalmente improcedente a ação, sendo a mesma substituída por outra que verifique a caducidade do contrato de arrendamento (por oposição à sua renovação pelo senhorio) e, consequentemente condene o R. nos pedidos formulados, fazendo-se assim, inteira e sã JUSTIÇA».
O requerido contra-alegou, defendendo a improcedência da apelação.
QUESTÕES A DECIDIR
Conforme resulta dos arts. 635º nº4 e 639º nº1 do Código de Processo Civil, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente, as quais desempenham um papel análogo ao da causa de pedir e do pedido na petição inicial. Ou seja, este Tribunal apenas poderá conhecer da pretensão e das questões formuladas pelo recorrente nas conclusões, sem prejuízo da livre qualificação jurídica dos factos ou da apreciação das questões de conhecimento oficioso (garantido que seja o contraditório e desde que o processo contenha os elementos a tanto necessários – arts. 3º nº3 e 5º nº3 do Código de Processo Civil). Note-se que “as questões que integram o objecto do recurso e que devem ser objecto de apreciação por parte do tribunal ad quem não se confundem com meras considerações, argumentos, motivos ou juízos de valor. Ao tribunal ad quem cumpre apreciar as questões suscitadas, sob pena de omissão de pronúncia, mas não tem o dever de responder, ponto por ponto a cada argumento que seja apresentado para sua sustentação. Argumentos não são questões e é a estes que essencialmente se deve dirigir a actividade judicativa”. Por outro lado, não pode o tribunal de recurso conhecer de questões novas que sejam suscitadas apenas nas alegações / conclusões do recurso – estas apenas podem incidir sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas, salvo os já referidos casos de questões de conhecimento oficioso [cfr. António Santos Abrantes Geraldes, “Recursos em Processo Civil”, Almedina, 2022 – 7ª ed., págs. 134 a 142].
Nessa conformidade, é a seguinte a questão que cumpre apreciar:
- Se operou, ou não, a cessação do contrato de arrendamento por oposição à renovação e, em consequência, se deve, ou não, ser determinado o despejo do recorrido.
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A sentença sob recurso considerou como provados os seguintes factos:
«1. No dia 01 de Novembro de 2013, o Fundo I…, representando pela L…, S.A. e o Requerido celebraram entre si, por escrito, um acordo que intitularam de “contrato de arrendamento para habitação permanente com prazo certo e com opção de compra”, contendo, designadamente, as seguintes cláusulas:

(…)
(…)”.
2. O imóvel locado foi vendido à Requerente, encontrando-se a aquisição inscrita no registo predial com data de 30 de Maio de 2022.
3. No dia 22 de Dezembro de 2022, a Requerente enviou ao Requerido uma carta registada com aviso de recepção, mencionando, designadamente, o seguinte:

”.
4. A carta referida em 3. foi devolvida com a menção “objecto não reclamado”.
5. No dia 23 de Janeiro de 2023, a Requerente enviou ao Requerido uma carta registada com aviso de recepção, referindo, nomeadamente, o seguinte:

”.
6. A missiva referida em 5. foi recebida pelo Requerido no dia 03 de Fevereiro de 2023».
MÉRITO DO RECURSO
Pelo PED pretendia a requerente, aqui recorrente, a entrega de imóvel que havia sido arrendado ao requerido, ora recorrido, fundando a sua pretensão na cessação, por oposição à renovação, do respectivo contrato de arrendamento para habitação.
Como resulta da matéria de facto assente, em 1/11/2013, através de contrato escrito, a anterior proprietária da fracção autónoma, agora propriedade da recorrente, declarou dar tal fracção de arrendamento ao recorrido, o qual declarou aceitá-lo,  destinando-se o local à habitação, mediante o pagamento de uma retribuição mensal de € 200,00.
Está, deste modo, configurada a celebração de um contrato de arrendamento, tal como este vem definido nos arts. 1022º  e 1023º do C.C., sendo certo, aliás, que as partes estão de acordo quanto a tal qualificação. E, tendo adquirido a propriedade do imóvel, por compra, a requerente sucedeu na posição da primitiva locadora - cfr. art. 1057º do Código Civil.
Pretende a recorrente que se opôs válida e eficazmente à renovação do contrato de arrendamento, mediante carta por si remetida ao recorrido.
Apreciando.
O contrato dos autos foi celebrado na vigência do NRAU (L 6/2006 de 27-2, na versão dada pela Lei 31/2023 de 14-8).
As partes estipularam, em tal contrato, que o mesmo vigoraria por 5 anos, com início em 1/11/2013 e termo em 31/10/2018, renovando-se automaticamente por iguais e sucessivos prazos de um ano, salvo se fosse denunciado por qualquer das partes.
De acordo com o art. 1096º do Código Civil, na versão em vigor à data da celebração do contrato e à data do termo do seu prazo inicial (31/10/2018):
«1 - Salvo estipulação em contrário, o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração, sem prejuízo do disposto no número seguinte.
2 - Salvo estipulação em contrário, não há lugar a renovação automática nos contratos celebrados por prazo não superior a 30 dias.
3 - Qualquer das partes pode opor-se à renovação, nos termos dos artigos seguintes».
A menção constante da parte inicial daquela norma («salvo estipulação em contrário») confere-lhe carácter supletivo, o que significa que as partes poderiam estipular quer que o contrato não se renovaria automaticamente, quer que os períodos de renovação teriam duração diversa da do prazo inicial. No caso dos autos, não tendo existido denúncia / oposição à renovação, e de acordo com o estipulado pelas partes (cfr. arts. 405º nº1 do Código Civil), o contrato renovou-se por um ano, ou seja, até 31/10/2019.
Ocorre que, entretanto, passou a vigorar uma nova redacção do art. 1096º do Código Civil, dada pela Lei 13/2019 de 12-2 [I.V. em 13/2/2019], tendo aquela norma passado a prever o seguinte:
«1 - Salvo estipulação em contrário, o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração ou de três anos se esta for inferior, sem prejuízo do disposto no número seguinte.
2 - Salvo estipulação em contrário, não há lugar a renovação automática nos contratos previstos n.º 3 do artigo anterior.
3 - Qualquer das partes pode opor-se à renovação, nos termos dos artigos seguintes».
Tratando-se de norma que dispõe directamente sobre o conteúdo da relação jurídica, abstraindo dos factos que lhe deram origem, a mesma aplica-se imediatamente aos contratos em vigor - cfr. art. 12º nº2 do Código Civil.
Conforme resulta do seu art. 1º, aquela Lei 13/2019 alterou o Código Civil com o objectivo de estabelecer «medidas destinadas a corrigir situações de desequilíbrio entre arrendatários e senhorios, a reforçar a segurança e a estabilidade do arrendamento urbano e a proteger arrendatários em situação de especial fragilidade».
Deste objectivo da lei retira alguma doutrina e jurisprudência que a expressão «salvo estipulação em contrário» se reporta exclusivamente ao segmento relativo à renovação automática. Nessa interpretação, é supletiva a regra da renovação automática, sendo possível estipular que a mesma não se verificará. Mas já é imperativa a regra de que, havendo renovação, a mesma terá de ocorrer por período idêntico ao inicial (se o mesmo for superior a três anos) ou, pelo menos, por um período de três anos[1].
No entanto, não podemos concordar com tal interpretação.
Desde logo, nada na letra da lei permite concluir que a expressão «salvo estipulação em contrário» diga respeito apenas à renovação e já não ao seu prazo, uma vez que não se faz ali qualquer distinção. Aliás, a redacção actual é semelhante à que vigorava na versão inicial da L 6/2006 [«o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos mínimos sucessivos de três anos, se outros não estiverem contratualmente previstos»], em face da qual não havia dúvidas sobre o carácter supletivo dos prazos estabelecidos.
Por outro lado, não é a circunstância de o objectivo da L 13/2019 ser o de reforçar a segurança e a estabilidade do arrendamento urbano que implica que se considere que é imperativo o estabelecimento de um período mínimo de três anos para as renovações automáticas, já que é a mesma lei que permite que não exista sequer renovação (o que significa que, pela estrita via do art. 1096º do Código Civil, terá cingido a protecção da estabilidade do arrendamento aos casos em que a vontade das partes não se manifesta expressamente noutro sentido).
Além disso, tendo em conta o elemento sistemático, parece-nos não fazer qualquer sentido que seja imperativo um prazo mínimo de renovação de três anos, quando o art. 1097º nº1 c) e d) do Código Civil prevê expressamente que a comunicação do senhorio de oposição à renovação se deverá realizar com uma antecedência mínima de 60 dias se o prazo da renovação do contrato for igual ou superior a seis meses e inferior a um ano, ou com uma antecedência mínima de um terço do prazo da renovação, se esse prazo for inferior a seis meses - o que significa que são  lícitos prazos de renovação inferiores a um ano e até inferiores a seis meses.
Finalmente, como se refere no Ac. RL de 10/1/2023[2], «estipulando as partes que o contrato será renovável, são livres de estabelecer prazos diferenciados de renovação, sendo o prazo de três anos (introduzido pela Lei nº 13/2019) um prazo supletivo a aplicar nos casos em que as partes não concretizem o prazo da renovação (silêncio do contrato), apesar de preverem a renovação do contrato. De facto, se a lei permite que as partes afastem, de todo, a renovação, então também permite que esta tenha uma vigência diferenciada em caso de renovação (argumento a maiori ad minus; cf. Teixeira de Sousa, Introdução ao Direito, Almedina, p. 443). A tutela da posição do inquilino e da estabilidade do arrendamento, erigida como um dos propósitos da Lei nº 13/2019 não decorre neste circunspecto, em primeira linha, da nova redação do nº1 do artigo 1096º, mas sim do aditado nº 3 ao Artigo 1097º, nos termos do qual: «3- A oposição à primeira renovação do contrato, por parte do senhorio, apenas produz efeitos decorridos três anos da celebração do mesmo, mantendo-se o contrato em vigor até essa data, sem prejuízo do disposto no número seguinte.» Ou seja, a tutela do inquilino e da estabilidade do arrendamento decorre diretamente desta norma e não propriamente do nº1 do Artigo 1096º do Código Civil. De facto, a tese (…) segundo a qual, a prever-se a renovação do contrato, esta ocorre imperativamente por um prazo mínimo de três anos sucumbe quando confrontada com o disposto no nº 3 do Artigo 1097º do Código Civil. Na verdade, na lógica dessa tese, desde que as partes prevejam a renovação do contrato de arrendamento, este terá, inapelavelmente, uma duração sempre de quatro anos (mínimo imperativo de um ano, acrescendo renovação imperativa por mais três anos). Ora, se assim fosse, o disposto no nº 3 do Artigo 1097º não faria qualquer sentido, tratando-se de uma norma inútil e espúria porquanto os contratos de arrendamento, desde que as partes não afastassem expressamente a sua renovabilidade, teriam sempre uma duração mínima de quatro anos. Porém, o que decorre do nº3 do Artigo 1097º é que, prevendo-se a renovação do contrato, o prazo mínimo garantido da vigência do contrato é de três anos a contar da data da celebração do mesmo! Ou seja, o direito de o senhorio opor-se à renovação do contrato, quando seja prevista a renovação do contrato, está apenas condicionado à vigência ininterrupta do contrato por um período de três anos, contado da data de celebração do contrato. A tutela da estabilidade do arrendamento está aqui e não propriamente no nº1 do Artigo 1096º. Assim, na discussão da questão em apreço, o elemento interpretativo da lei que mais releva não é propriamente o teleológico, mas sim o sistemático. (…) Conjugando o disposto no nº1 do Artigo 1096º com o disposto no nº3 do Artigo 1097º do Código Civil, e acompanhando aqui Jorge Pinto Furtado, Comentário ao Regime do Arrendamento Urbano, 2ª ed., Almedina, 2020, p. 661, temos que: «Ora, já se viu que o nº1 do presente artigo só dispõe para o silêncio contratual e, como no art.º 1097-3 também não se estabelece qualquer dimensão para o ulterior período de renovação, em si, daí se seguirá, se bem nos parece, que quando pretenda estabelecer-se renovação para um arrendamento habitacional de prazo certo terá de atribuir-se à própria duração desse contrato, pela aplicação conjugada dos dois preceitos, uma duração mínima de três anos.» Em síntese, e mais uma vez, a tutela da estabilidade do contrato está, interpretando-se conjugadamente os preceitos, no estabelecimento de uma duração mínima do contrato de três anos, desde que as partes prevejam a renovabilidade do contrato de arrendamento sem que, nesta eventualidade, haja que fazer aceção do período de renovação expressamente convencionado».
Conclui-se, assim, que sendo o art. 1096º nº1 do Código Civil, na sua redacção actual, uma norma supletiva, é válida, nos termos do art. 405º nº1, do mesmo diploma, a estipulação constante do contrato dos autos relativa à renovação automática do arrendamento, após o decurso do prazo inicial de cinco anos, por períodos sucessivos de um ano.
Deste modo, o contrato vigorou por cinco anos (até 31/10/2018) e depois passou a renovar-se automaticamente por sucessivos períodos de um ano, nos precisos termos estipulados.
A senhoria podia impedir a renovação automática de tal contrato, mediante comunicação ao arrendatário, nos termos do art. 1097º do Código Civil
Foi o que fez a requerente, remetendo cartas ao requerido nesse sentido, em 22/12/2022 (esta não recebida pelo requerido, tendo sido devolvida com a menção «objecto não reclamado») e em 23/1/2023 (esta, por ele recebida em 3/2/2023).
Assim, é forçoso considerar eficaz a comunicação de oposição à renovação do contrato, efectuada pela requerente, por carta registada, com aviso de recepção, remetida em 23/1/2023 e recebida pelo requerido no dia 3/2/2023, depois de ter sido devolvida a que havia previamente sido remetida em 22/12/2022, tendo sido plenamente respeitado o prazo previsto no art. 10º nº3 do NRAU.
Em conformidade, nos termos dos arts. 9º do NRAU e 1097º nº1 b) e nº2 do Código Civil, considera-se impedida a renovação automática do contrato de arrendamento dos autos, tendo o mesmo cessado a sua vigência em 31/10/2023, pelo que cabia ao requerido ter procedido à restituição do imóvel à requerente – arts. 1038º i) e 1081º, do mesmo diploma.
Não pode, pois, manter-se a decisão recorrida, a qual terá de ser substituída por outra que, julgando improcedente a oposição, determine o despejo do requerido, nessa medida procedendo o recurso.

DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se em julgar procedente a apelação, revogando-se a decisão recorrida, a qual se substitui por outra que, julgando improcedente a oposição deduzida, determina o despejo do requerido.
Custas pelo apelado – arts. 527º do Código de Processo Civil e 6º nº2, com referência à Tabela I-B, do Regulamento das Custas Processuais.

Lisboa, 07-05-2024
Alexandra de Castro Rocha
Edgar Taborda Lopes
Rute Alexandra da Silva Sabino Lopes
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[1] Cfr., entre outros, José António de França Pitão e Gustavo França Pitão, Arrendamento Urbano Anotado, 2ª edição, pág. 376; Maria Olinda Garcia, Alterações em matéria de Arrendamento Urbano introduzidas pela Lei n.º 12/2019 e pela Lei n.º 13/2019, in Julgar Online, Março de 2019, págs. 11-12, estudo disponível em https://julgar.pt/wp-content/uploads/2019/03/20190305-JULGAR-Altera%C3%A7%C3%B5es-em-mat%C3%A9ra-de-arrendamento-Leis-12_2019-e-13_2019-Maria-Olinda-Garcia.pdf; Ac. STJ de 20/9/2023, proc. 3966/21, disponível em http://www.dgsi.pt.
[2] Proc. 1278/22, disponível em http://www.dgsi.pt; no mesmo sentido e no mesmo sítio, podem ver-se os Ac. RL de 22/2/2024, proc. 1425/23, RL de 17/3/2022, proc. 8851/21, RL de 24/5/2022, proc. 7855/20, RP 14/9/2023, proc. 1394/22, STJ de 17/1/2023, proc. 7135/20.