Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
8837/2003-1
Relator: EURICO REIS
Descritores: REGISTO DE MARCA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/03/2004
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: REVOGADA.
Sumário:
Decisão Texto Integral: ACORDAM OS JUIZES DESTE TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:

1. “COREL CORPORATION” deduziu recurso contra o despacho proferido em 3 de Março de 1998 pelo Ex.mo Chefe de Divisão de Marcas Nacionais, por delegação do Presidente do INSTITUTO NACIONAL DE PROPRIEDADE INDUSTRIAL (recurso de marca) que concedeu o registo de marca nacional n.º 300.184 “Corel”, pedindo que tal despacho fosse julgado ilegal e, por consequência, revogado, mandando-se recusar o registo da referida marca.

Esse recurso foi distribuído e tramitado pela 2ª secção da actual 13ª Vara (antes 13º Juízo) Cível do Tribunal da comarca de Lisboa, sob o nº 764/98, e, cumprido que foi o disposto nos artºs 40º e 41º do Código da Propriedade Industrial, quer o INPI quer a beneficiária do registo (“DESIGN ARTE 94 – ATELIER DE DESIGN, PUBLICIDADE E PUBLICAÇÕES, LDA”) vieram pugnar pela manutenção do despacho recorrido.

Subsequentemente, foi proferida a seguinte sentença:

“... a sociedade recorrida apresenta razões convincentes de estar autorizada pela recorrente a usar a marca em questão.

Embora não haja um consentimento formal, tal autorização infere-se do próprio contexto da Revista.

...

Do referido é legítimo inferir-se que a sociedade ré está autorizada pela recorrente a usar a marca em questão.

Pelo exposto, nega-se provimento ao recurso.

Custas pela recorrente. ...” (sic – fls 180).

Inconformada com a sentença, a “COREL CORPORATION” apelou, pedindo a sua revogação e a recusa do registo da marca nacional n.º 300.184 “Corel – Magazine – fan Clube” e nas alegações de recurso formulou as seguintes conclusões:

“1 - A marca nacional n.º 300.184, “ Corel – Magazine – fan Clube” contém a expressão “ Corel” e de modo bem destacada do conjunto em que se insere, do qual sobressai;

2 - A expressão “Corel” constitui o elemento característico da denominação social “Corel Corporation” da apelante;

3 - A apelante não deu o seu consentimento formal à utilização do elemento nuclear da sua denominação social “Corel” –na composição do nome da apelada;

4 - Contrariamente ao que erradamente inferiu o Mmo. Juiz do alegado no “contexto da revista” da apelada, a apelante também não lhe concedeu o consentimento indirecto ou implícito ao registo da referida marca;

5 - Essa possibilidade nunca foi suscitada, nem sequer como hipótese;

6 - A apelante nem sequer tomou conhecimento prévio da intenção da apelada em registrar a marca em causa e apenas se apercebeu do registo da marca n.º 300.184 através da publicação do despacho de concessão do mesmo, no Boletim da Propriedade Industrial n.º 3/98,de 30.6;

7 - Mesmo que por mera hipótese, a apelante tivesse autorizado a apelada a usar a denominação social “COREL” na marca que esta pretende registrar (permissão, que , repete-se não foi dada, nem prometida), o pedido de registo da marca nessas condições teria de ser instruído com documento comprovativo dessa autorização –cfr. artigo 182ª nº 1 alínea d ) do C.P.I., que regula a «instrucção do pedido de registo de marca;

8 - A falta de apresentação com o pedido de registo de marca do referido documento constitui uma irregularidade grave de instrução e é sancionada com a recusa do registo, nos termos do disposto no artigo 25º n.º 1 alínea b) do C.P.I.;

9 - A certeza e segurança conferida pelo registo de marca – que é constitutivo de um direito privativo, justifica plenamente que a autorização ao registo de marca tenha de revestir a forma de documento escrito, comprovativo de uma vontade expressa e inequívoca e não se compadece com uma autorização “inferida”;

10 - O rigor do processo de registo da marca e até, o simples bom senso evidenciam que a autorização ao mesmo nunca poderá ser inferida de uma mera colaboração na elaboração de uma “revista de fans “, que é uma actividade que nada tem a ver com o registo de marca;

11 - O Mmo. Juiz a quo limitou-se a considerar que a autorização infere-se do próprio contexto da Revista, quando o que importava indagar seria se o pedido de registo da marca nacional n.º 300.184 fora ou não instruído com a autorização escrita da ora apelante à utilização da sua denominação nessa marca, prevista no artigo 182º n.º 1 alínea d ) do C.P.I.;

12 – Trata-se de um “ juízo dedutivo” de grande simplismo e erradamente formulado: pode dizer-se que a autorização da apelante ao registo da marca em apreço “infere-se” de actos da apelada ?

13 - Para que não subsistam nenhumas dúvidas, a apelante reafirma, de forma clara e expressa, que nunca concedeu autorização à apelada para registar qualquer marca contendo a expressão “Corel” da sua denominação social e nem sequer criou alguma expectativa de que alguma vez permitiria um tal registo;

14 - A marca n.º 300.184, “ Corel – Magazine – fan Clube”, contém a expressão « Corel », que caracteriza a denominação social da apelante, sem a sua autorização e contra a sua vontade. E por isso é susceptível de induzir o consumidor em erro ou confusão;

15 - Na composição da marca nacional n.º 300.184 também foi utilizado o característico desenho (ou logótipo) de uma letra “C”, composto por 7 quadrados, dispostos em círculo (incompleto), que foi criado pela apelante e é por ela utilizado desde data muito anterior à da apresentação do pedido de registo da marca n.º 300.184 (em 05.05.94);

16 - Comprovam esta factualidade o certificado de registo da marca Corel ( e desenho C ), que está registada nos Estados Unidos da América, sob o n.º 1.571.599, desde 19.12.89 (junto aos autos em 27.20.98) e o certificado de registo da marca Corel ( e desenho C ), que está registada na Alemanha, sob o n.º C 43631/9, desde 16.4.93 ( junto aos autos em 11.12.98);

17 - O referido desenho constitui uma obra protegida pelo direito de autor – cfr. Artigos 1º nº 1 e 2º n.º 1 alínea g) do C.D.A.;

18 - Não existe nenhum elemento de prova nos autos que indicie que a apelante, enquanto titular do direito de autor sobre aquela obra, deu o seu consentimento à utilização da mesma, pela apelada, para efeitos de registo da marca “ Corel- Magazine – fan Clube”;

19 - A verdade é que a apelante não deu o seu consentimento à apelada e opõe-se a essa utilização (registo de marca);

20 - Não obstante, a apelada reproduziu na marca n.º 300.184 a obra de desenho da apelante, sem a autorização desta, enquanto titular do respectivo direito de autor – cfr. arts. 11 e 12 do CDA;

21 - A sentença recorrida manteve a concessão do registo da marca que a apelada tenta registar, apesar de ela conter a obra de desenho da apelante, que é uma obra protegida pelo direito de autor:

22 - A sentença recorrida violou o disposto nos arts. 25º n.º 1 alínea b), 182º n.º 1 alínea d ) e 189ºn.º 1 alínea f ) do CPI; e ainda, nos artigos 1º n.º 1 e 2º n.º 1 alínea g) do C.D.A e no artigo 189º n.º 1 alínea h) do CPI.” (sic – fls 204 a 208).

Devidamente notificada, a recorrida não apresentou contra-alegações.

2. Considerando as conclusões das alegações da ora apelante (as quais são aquelas que delimitam o objecto do recurso - nº 3 do art.º 668º do CPC e artºs 671º a 673º, 677º, 678º e 684º, maxime nºs 3 e 4 deste último normativo, e 661º nº 1, todos do mesmo Código) a questão a decidir nesta instância de recurso é a seguinte:

- deve ou não ser concedido o registo à marca nacional n.º 300.184 “Corel – Magazine – fan Clube”?

E sendo esta a questão que compete dirimir, tal se fará de imediato, por nada obstar a esse conhecimento e por terem sido cumpridas as formalidades legalmente prescritas (artºs 700º a 720º do CPC), tendo já sido colhidos os Vistos dos Ex.mos Desembargadores Adjuntos.

3. Para a apreciação do mérito do recurso, relevam os seguintes factos considerados provados pelo Tribunal de 1ª instância:
“1 - A recorrida “DESIGN ARTE 94 – ATELIER DE DESIGN , PUBLICIDADE E PUBLICAÇÕES, LDA” apresentou ao I.N.P.I., em 5 de Maio de 1994, o pedido de registo da marca nº. 300.184, constituída pela expressão “COREL - Magazine fan Club”, destinada a assinalar os seguintes produtos: revista, da classe 16ª (fls 19);

2 - Por despacho de 3 de Março de 1998, o Chefe de Divisão de Marcas do I.N.P.I. concedeu o registo da marca nacional n.º 300.184;

3. No Boletim da Propriedade Industrial n.º 3 -1998, de 30 de Junho foi publicada a concessão do registo da marca nacional n.º 300.184 (fls 22);

4 - A recorrente “COREL CORPORATION” não reclamou, tendo em 1 de Outubro de 1998, interposto recurso do despacho referido em 2;

5 – A “COREL CORPORATION” adoptou esta denominação social, em 14 de Maio de 1992, conforme certificado emitido por Canadá Business Corporation e já anteriormente, em 29 de Maio de 1985, no Canadá, havia adoptado a denominação “Corel Systems Corporation” (fls 93 a 96 e 25);

6 - A recorrente é uma empresa fabricante de programas informáticos (designadamente os relativos às artes gráficas e à edição e publicação de revistas e outros suportes de informação - fls 26 a 39);

7 - Entre os referidos programas é bem conhecido em Portugal o programa “CorelDRAW” (fls 39);

8 - A recorrida “DESIGN ARTE 94 – ATELIER DE DESIGN , PUBLICIDADE E PUBLICAÇÕES, LDA” publica uma revista com a marca “Corel fan Clube Magazine”, cujo primeiro número saiu em Março /Abril de 1994;

9 - Desse número de revista consta: Editorial com referência à recorrente Corel Corporation; um artigo com a história da recorrente; uma entrevista com o presidente da Corel Corporation; vasta publicidade aos programas da recorrente; uma longa lista de livros informáticos e dos programas informáticos da Corel Corporation, onde se diz: “Para uma informação de outros livros ou produtos da Corel Corporation contacte “ Corel fan Clube Magazine” (fls 126 a 151);

10 - A citada revista apresenta-se como um órgão de publicidade e de comercialização dos produtos da recorrente, ainda que tenha autonomia.”.


4. Discussão jurídica da causa.
4.1. Deve ou não ser concedido o registo à marca nacional n.º 300.184 “Corel – Magazine – fan Clube” ?

4.1.1. Ao iniciar a discussão jurídica do pleito, cumpre, desde logo, referir que o que estava em questão no recurso apresentado junto do Tribunal de 1ª instância era apreciar se era de manter ou revogar o despacho de 3.3.98 do Chefe da Divisão de Marcas do INPI que concedeu a marca nacional nº 300.184 «Corel –Magazine fan Clube».

Ora, o Mmo. Juiz a quo não apreciou essa questão e entendeu, no essencial, que era legitimo inferir-se, a partir do texto da revista junta a fls. 126 a 151, que a apelada estava autorizada pela apelante a usar a marca «Corel» como marca da revista “Corel Magazine fan Clube”.

4.1.2. As marcas “Corel Corporation” da ora apelante e “Corel Magazine fan Clube”, da ora apelada são mistas pois compõem-se de elementos nominativos e figurativos, em que a parte nominativa é constituída pelos vocábulos atrás referidos, sendo que o vocábulo Corel é comum às duas, e a parte figurativa de ambas é constituída por um desenho ou logotipo de uma letra “C”, composto por sete (7) quadrados, com fundo negro, dispostos em círculo incompleto.

A marca Corel Corporation destina-se a assinalar produtos tais como programas informáticos, designadamente os relativos às artes gráficas e à edição e a marca da apelada destina-se a produtos da classe 16ª, revistas, sendo inegável que a marca internacional Corel Corporation é prioritária, porque anterior, à marca nacional n.º 300.184..

Pelo exposto, fácil se torna constatar que ambas as marcas têm em comum o mesmo elemento figurativo e no elemento nominativo a expressão “Corel”, sendo, nas duas marcas, o elemento figurativo e a expressão Corel idênticos sob o ponto de vista gráfico.

4.1.3. Mais, do exame do conjunto dos elementos que as constituem, é visível que o elemento nelas prevalecente e a que se dá maior relevo é a expressão “Corel”, que na marca da apelante aparece acompanhada da expressão “Corporation” e na marca da apelada surge acompanhada das expressões Magazine (em baixo ) e fan Clube (lateralmente e à direita), encontrando-se estas duas expressões impressas em caracteres com menor dimensão e relevo, com uma função acessória e relegados para segundo plano e, quanto à parte figurativa das marcas, embora idêntica, as formas geométricas (os quadrados) que a compõem são sinais fracos.

Portanto e em conclusão, o que se sublinha, nas duas marcas o que os consumidores irão reter com mais facilidade, sem margem para dúvidas, é a expressão “Corel”.

4.1.4. Retomando a alegação de recurso da apelante, recorda-se que a mesma, para sustentar que devia ter sido recusado o registo da marca 300.194, invoca os seguintes fundamentos:

1 – o registo da marca nacional n.º 300.184 deveria ter sido recusado por violar o disposto no art.º 189 n.º 1 alínea f) do CPI, pois contém a expressão “Corel” e de modo bem destacado do conjunto em que se insere, do qual sobressai, sendo que a mesma expressão “Corel” constitui o elemento característico da denominação social “Corel Corporation” da apelante;

2 - o Juiz a quo não diferenciou e confundiu o consentimento ou autorização ao uso da marca “Corel” com a legitimidade para a registar;

3 - não ter a apelante dado o seu consentimento formal, directo ou indirecto ou implícito, à utilização do elemento nuclear da sua denominação social (“Corel”) na composição da marca da apelada;

4 - o facto de o pedido de registo da marca nessas condições ter de ser instruído com documento escrito comprovativo da autorização – art. 182 nº 1 alínea d ) do CPI - e a falta de documento escrito ser sancionada com a recusa do registo – art. 25.º n.º 1 alínea b ) do CPI.

5 - os documentos juntos com a contestação (nºs 1 a 19), reportam-se a uma autorização dada pela apelante à utilização da expressão “Corel” para um fim especifico, a revista “Corel- Magazine fan Clube” e não para o registo de uma marca com essa expressão. E mesmo para esse fim muito específico a autorização foi concedida sob condição, como refere o art. 16º da contestação (“será preferível que escrevam que a vossa revista é independente da Corel Corporation”).

Afirma, finalmente, a apelante que usa este desenho desde data muito anterior à apresentação do pedido de registo da marca 300.184, conforme o comprovam o certificado de registo n.º 1.571.509, dos EUA (desde 19.12.1989) e da Alemanha n.º C /43631/9 ( desde 16.4.1993) juntos aos autos e que o referido desenho constitui uma obra protegida pelo direito de autor – artºs 1 n.º 1 e 2º n.º 1 alínea g) do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos .

4.1.5. Ora, considerando a factualidade supra exposta – da qual se conclui forçosamente que as duas marcas, pela sua semelhança figurativa e gráfica, permitem fácil confusão (porque entre as duas marcas existe semelhança gráfica e figurativa, além da expressão comum “Corel”, que é a que prevalece no conjunto dos elementos que as compõem e porque a utilização do desenho “C” (cujo direito de autor pertence à apelante), a par da expressão “Corel”, é susceptível de induzir em erro ou confusão o publico consumidor quanto à entidade responsável pela revista também marcada Corel) e uma vez que a Corel Corporation é conhecida internacionalmente, não podem, evidentemente, manter-se as duas registadas, sendo, portanto, procedente a argumentação sustentada pela recorrente.

E, realmente, a apelada tenta usurpar o desenho “C” que a apelante usa – ver arts. 11º e 12º do CDA e 189 n.º, 1 alínea h) do CPC.

E, realmente, a apelada tenta usurpar o desenho “C” que a apelante usa – ver arts. 11º e 12º do CDA e 189 n.º, 1 alínea h) do CPC.

4.2. Nesta conformidade, nada mais resta que não seja revogar, na íntegra, quer a sentença do Tribunal de 1ª instância ora recorrida quer o despacho proferido em 3 de Março de 1998 pelo Ex.mo Chefe de Divisão de Marcas Nacionais, por delegação do Presidente do INSTITUTO NACIONAL DE PROPRIEDADE INDUSTRIAL, que concedeu o registo de marca nacional n.º 300.184.

O que, sem necessidade de uma mais profunda argumentação justificativa, aqui se declara e decreta.


*


5. Pelo exposto e em conclusão, acorda-se em julgar procedente o recurso, revogando-se a decisão recorrida e bem assim o despacho de 3 de Março de 1998 do Chefe da Divisão da Direcção do Serviço de Marcas do INPI, que deferiu o registo em Portugal da marca nacional n.º 300.184 Corel- Magazine fan Clube, julgando-se improcedente a pretensão formulada por “DESIGN ARTE 94 – ATELIER DE DESIGN, PUBLICIDADE E PUBLICAÇÕES, LDA”.

Custas pela apelada “DESIGN ARTE 94 – ATELIER DE DESIGN, PUBLICIDADE E PUBLICAÇÕES, LDA” em ambas as instâncias.


Lisboa, 2004/02/03

(Eurico José Marques dos Reis)

(Pereira da Silva)

(Pais do Amaral)