Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
8/20.0GDMTJ.L1-9
Relator: FILIPA COSTA LOURENÇO
Descritores: RECURSOS
DEMONSTRAÇÃO DE VERDADEIRA DISCORDÂNCIA COM A DECISÃO RECORRIDA
DECISÃO FINAL
RECURSO INTERCALAR
INTERESSE EM AGIR
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/13/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: RECLAMAÇÃO INDEFERIDA
Sumário: I-Os recursos interpostos das sentenças ou acórdãos têm que demonstrar claramente uma  verdadeira discordância com a decisão recorrida, seja ela relativamente à pena, à matéria de facto, aos vícios do artº 410º nº 2 do CPP, ou da qualificação jurídica, entre muitos outros, que nos abstemos de enumerar face à vastidão de hipóteses;
II-Tal não acontece com o recurso interposto da sentença pelo arguido e ora recorrente, pois este não tem qualquer objecto, substância e materialidade, uma vez que, conformando-se expressamente com a decisão final, só almeja que sejam conhecidos a final e a seu favor os recursos intercalares que a seu tempo foi interpondo, ficando assim o arguido despojado de demonstrar o concreto, claro e legítimo interesse que mantém na subida dos recursos interlocutórios quando se conforma com a decisão final e, especialmente, quando tem a decisão final por justa, correta e bem fundamentada, porque, em rigor nenhuma patologia lhe assaca, pelo que o mesmo terá  de ser rejeitado.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 9ª secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa

No processo nº 8/20.0GDMTJ.L1, foi efectuado o exame preliminar neste Tribunal da Relação de Lisboa pela Juíza Desembargadora relatora tendo sido considerado existirem motivos atendíveis e legais, para a rejeição do recurso interposto pelo reclamante passando então a proferir decisão sumária, ao abrigo do disposto no artº 417º nº 6 al. b) e 420 nº1 al. a) e 417 nº 6 al b) do Código de Processo Penal revisto, a qual, consta dos presentes autos, tendo sido proferida em 24/10/2022, com a referência citius nº 20154065.
No prazo legal, veio o arguido e ora reclamante, devidamente identificado nos autos, apresentar reclamação para a conferência nos termos do artº 417º nº 7 e 8 do C.P.P., por não se conformar com a decisão sumária por ter interesse em obter uma decisão colegial, cujas conclusões se transcrevem:
A. Na sequência do recurso ordinário que teve por objeto a sentença condenatória, foi proferida, pelo Exmo. Juiz Relator, decisão sumária que rejeitou o recurso apresentado pelo Arguido.
B. Para o efeito, foi fundamentado, em suma, na decisão ora em crise que “O arguido não demonstrou assim o concreto, claro e legítimo interesse que mantém na subida do recurso, quando se conforma com a decisão final e, especialmente, quando tem a decisão final por justa, correcta e bem fundamentada, não lhe apontando, portanto, qualquer patologia”.
C. Sucede, porém, que não assiste qualquer razão ao Exmo. Senhor Juiz relator na medida em que, ao invés do fundamentado na decisão sumária, o Arguido manifestou, de forma inequívoca, a sua discordância com a decisão final proferida pelo tribunal a quo, a qual está inquinada com os recursos interpostos que apenas subiram com o recurso da decisão final.
D. Acresce ainda que, como é sabido, para efeitos de legitimidade e de interesse em agir, reza o disposto na al. b), do n.º 1, do art.º 401.º, do CPP, que “Têm legitimidade para recorrer o arguido e o assistente, de decisões contra eles proferidas”. Quer isto dizer que, basta apenas uma decisão desfavorável para que esteja preenchida a legitimidade e o interesse em agir do Recorrente, como sucede in casu.
E. Ademais, o Arguido demonstrou, nas suas alegações e conclusões, a total discordância com a decisão proferida pelo Tribunal “a quo”¸ na medida em que a mesma, no seu entender, se encontra inquinada com os fundamentos dos recursos “interlocutórios”. Manifestando, assim, o concreto, claro e legítimo interesse que mantém na subida da decisão final e, por conseguinte, dos recursos interlocutórios.
F. Com efeito, o recurso da decisão final é, como lhe denominou o Exmo. Juiz relator, “uma tábua de salvação” para o Arguido ver conhecida a sua pretensão nos recursos apresentados antes daquela, que, nos termos do n.º 3, do art.º 407.º, do CPP, “são instruídos e julgados conjuntamente com o recurso interposto da decisão que tiver posto termo à causa”. O que, mais uma vez, sucede nos presentes autos.
G. Ao ser recusado o recurso interposto da decisão final que colocou termo à causa, e, por sua vez, não apreciados os recursos interpostos antes desta, é manifesto que a decisão sumária incorre numa gritante e ostensiva violação do princípio da tutela jurisdicional efetiva, ínsito no art.º 20.º, da Constituição da República Portuguesa. Devendo, em consequência, ser proferido douto acórdão que declare a revogação da decisão sumária ora em crise e, por seu turno, aceite e decida sobre os recursos interpostos pelo Arguido.
Nestes termos, nos melhores de direito, e sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., a presente reclamação para a conferência deve ser considerada totalmente procedente e por provada e, em consequência, ser proferido douto acórdão que declare a revogação da decisão sumária e, por seu turno, aceite e decida sobre os recursos interpostos pelo Arguido.
Decidindo, dir-se-á:
Constata-se assim da leitura da reclamação apresentada pelo reclamante (até pelo pedido que formulou a final) que este, em rigor, limitou-se a repetir em suma, o que por si foi invocado e já decidido no objecto do recurso (ou seja o conhecimento dos recursos intercalares) que no pretérito apresentou, pouco ou nada mais acrescentando, pretendendo em suma, que seja decidido o recurso e a reclamação por decisão colegial revogando-se a decisão sumária proferida pelo Tribunal “a quo”.
No entanto, esta reclamação, limita-se a voltar a reincidir o âmago do objecto do recurso que, tempestivamente apresentou, e o qual foi rejeitado, nos precisos termos que atrás se deixaram exarados.
Efetivamente e que para mais claro fique, transcreve-se aqui a mesma:
(…) “
Decisão sumária ao abrigo do artigo 417.º n.º 6 alínea b) do Código de processo Penal
I.
Nos presentes autos de comum (Tribunal Singular), provenientes do Tribunal judicial da Comarca de Lisboa, Juízo Local Criminal do Montijo-Juiz 2, o arguido AA, melhor identificado nos autos, veio interpor recurso da sentença que nestes autos foi proferida, com a referência Citius 423056384, e através da qual o arguido foi condenado pelo Tribunal “a quo” pela pratica em autoria material e na forma consumada do seguinte crime:
(…)
A) Condenar AA pela prática, como autor material, de um crime de condução de condução de veiculo em estado de embriaguez, previsto e punido pelos artigos 292.º, n.º 1 e 69.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal, na pena de 39 (trinta e nove) dias de multa – já descontado 1 (um) dia em virtude da detenção sofrida nos autos (art. 80.º, n.º 2 do Código Penal), à taxa diária de € 5,00 (cinco euros), o que perfaz o montante de € 195,00 (cento e noventa e cinco euros), a que correspondem 26 (vinte e seis) dias de prisão subsidiária;
B) Condenar AA na pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor pelo período de 3 (três) meses (art. 69.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal); (…)
Através do recurso que apresentou vem o arguido apresentar as seguintes conclusões:
A. Por sentença condenatória proferida no âmbito dos presentes autos, o Recorrente foi
condenado:
“A) (…) pela prática, como autor material, de um crime de condução de condução de
veiculo em estado de embriaguez, previsto e punido pelos artigos 292.º, n.º 1 e 69.º, n.º 1,
alínea a) do Código Penal, na pena de 39 (trinta e nove) dias de multa – já descontado 1
(um) dia em virtude da detenção sofrida nos autos (art. 80.º, n.º 2 do Código Penal), à
taxa diária de € 5,00 (cinco euros), o que perfaz o montante de € 195,00 (cento e noventa
e cinco euros), a que correspondem 26 (vinte e seis) dias de prisão subsidiária;
B) (…) na pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor pelo período de 3 (três)
meses (art. 69.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal);” e
“C) (…) no pagamento das custas do processo, fixando em 3UC a taxa de justiça, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 513.º, n.ºs 1 e 2, 514.º, n.º 1, todos do Código de Processo Penal, e dos artigos 8.º, n.º 9, 16.º do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III, anexa àquele diploma legal, sem prejuízo do apoio judiciário concedido ao arguido na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos      com o processo;”
B. Em 22 de novembro de 2022, o douto Tribunal “a quo” proferiu o despacho com a ref.ª 420799607 que e indeferiu a arguição “da nulidade do valor probatório por violação das garantias de defesa do Arguido”, “da nulidade do valor probatório por falta de aprovação do Alcoolímetro”, bem como o pedido de realização de prova pericial sobre o Alcoolímetro, para prova de que o Alcoolímetro não está devidamente calibrado e em condições se ser utilizado pelas autoridades; deduzidos na contestação apresentada em 17-10-2022. Despacho esse que consubstancia uma manifesta violação ao disposto, designadamente, do n.º 10, do art.º 32.º, da Constituição da República Portuguesa (CRP);
do art.º 1.º e do art.º 14.º, ambos do Regulamento de Fiscalização da Condução sob Influência do Álcool ou de Substâncias Psicotrópicas (RFCIASP), aprovado pela Lei n.º 18/2007, de 17 de Maio, conjugado com a alínea f) do n.º 2 do art.º 2.º, e alínea b) do n.º
1 do art.º 4.º, ambos do Decreto Regulamentar n.º 28/2012, de 12 de março; do n.º 3, do art.º 6º, do RCMA, aprovado pela Portaria n.º 1556/2007, de 10 de dezembro; e do art.º   125.º, do Código de Processo Penal (adiante abreviadamente designado por “CPP”), e, por conseguinte, foi objeto de recurso ordinário que se encontra a aguardar pelo presente recurso da decisão final para poder ser apreciado pelo tribunal “ad quem”, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 3, do art.º 407.º, do CPP.
Outrossim,
C. Em 2 de fevereiro de 2023, o douto Tribunal “a quo” proferiu despacho, na primeira sessão da audiência de julgamento realizada nessa data, que indeferiu o requerimento para prestação de declarações de Arguido por meio adequado de comunicação à distância, o que consubstancia uma manifesta violação ao disposto, designadamente, do n.º 1, do n.º 5, do n.º 6 e do n.º 10, do art.º 32.º, da Constituição da República Portuguesa (CRP); e do art.º 332.º, do n.º 1, do art.º 333.º, e 343.º, todos do Código de Processo Penal (adiante abreviadamente designado por “CPP”). Despacho esse que também foi objeto de recurso ordinário que se encontra a aguardar pelo presente recurso da decisão final para poder ser apreciado pelo tribunal “ad quem”, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 3, do art.º 407.º, do CPP.
D. O Recorrente tendo pleno conhecimento de que, por um lado, lhe assiste razão nos mencionados recursos que se encontram a aguardar pelo recurso da decisão final, e por outro, com a procedência desses recursos devem ser declarados anulados todos os atos processuais subsequentes, nomeadamente, e sem exclusão de outros, a sentença ora em crise, não lhe restou outra alternativa ao Recorrente senão a apresentação do presente recurso ordinário, por ser a sua única opção para conseguir a procedência da sua pretensão e, por seu turno, lograr a revogação da sentença condenatória mediante a prolação de douta decisão de absolvição do Recorrente.
Nestes termos, nos melhores de direito, e sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., o presente recurso ordinário deve ser considerado totalmente procedente e por provado e, em consequência ser:
a) Ordenada a subida dos recursos que aguardam o recurso da decisão final, a fim de serem apreciados pelo douto Tribunal “ad quem”, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 3, do art.º 407.º, do CPP;
b) Declarada a revogação do despacho proferido pelo tribunal a quo com a ref.ª 420799607, que indeferiu a arguição “da nulidade do valor probatório por violação das garantias de defesa do Arguido”, “da nulidade do valor probatório por falta de aprovação do Alcoolímetro”, bem como o pedido de realização de prova pericial sobre o Alcoolímetro, por manifesta por manifesta violação ao disposto, designadamente, e sem exclusão de outros, do n.º 10, do art.º 32.º, CRP; do art.º 1.º e do art.º 14.º, ambos do RFCIASP, conjugado com a alínea f) do n.º 2 do art.º 2.º, e alínea b) do n.º 1 do art.º 4.º, ambos do Decreto Regulamentar n.º 28/2012, de 12 de março; do n.º 3, do art.º 6º, do RCMA, aprovado pela Portaria n.º 1556/2007, de 10 de dezembro; e do art.º 125.º, do CPP, e, em sua substituição, ser proferia douta decisão de absolvição do Recorrente;
Ou, casso assim não se entenda,
c) Declarado revogado o despacho proferido na primeira sessão da audiência de julgamento realizada em 02-02-2023, que indeferiu o requerimento para prestação de declarações de Arguido por meio adequado de comunicação à distância, e, por conseguinte, revogados todos os atos subsequentes ao mesmo, nomeadamente, e sem exclusão de outros, a sentença objeto de recurso, e, em sua substituição, ser proferia douta decisão que ordene a repetição da audiência de julgamento para prestação de declarações do Arguido.
Porque só assim se fará a devida, e a tão acostumada, JUSTIÇA.(…)
Este recurso apresentado pelo arguido foi admitido através de despacho judicial, bem como os anteriores ( intercalares) tendo havido até uma reclamação / relativamente a um dos recursos intercalares/ nos termos do artº 405º do CPP com o nº 8/20.0GDMTJ-B.L1. a qual foi indeferida ( com a referência citius nº 19649751) em 17/02/2023.
O Digno Magistrado do Ministério Público, junto da primeira instância respondeu concluindo pela improcedência total de todos os recursos interpostos, pelos motivos que fez exarar nas sua respostas.
O processo seguiu os seus termos legais.
Junto deste Tribunal o Digno Procurador Geral Adjunto proferiu douto parecer.
Foi cumprido o artº 417º nº 2 do CPP.
O processo seguiu os seus termos legais e devidos.
II.
Efectuado o exame preliminar foi considerado haver razões para a rejeição do recurso por manifesta improcedência (art.ºs 412.º, 414.º e e 420.º, n.º 1 do Código de Processo Penal) passando-se a proferir decisão sumária, ao abrigo do artigo 417.º n.º 6 alínea b) do Código de Processo Penal (Ac. TRE de 3-03-2015 : I. A manifesta improcedência do recurso (conceito que a lei não define) nada tem a ver com a extensão da matéria submetida a apreciação, nem com a sua intrínseca complexidade, nem com a prolixidade da motivação do recurso (na procura de deixar bem claras as razões de discordância com a decisão recorrida).II. O que releva é o bem-fundado, a solidez ou o apoio legal, doutrinário ou jurisprudencial, da argumentação usada para atacar a decisão de que se recorre. III. Existirá manifesta improcedência sempre que seja inequívoco que essa argumentação de modo nenhum pode conduzir ao efeito jurídico pretendido pelo recorrente, in www.dgsi.pt). Processo: 8/20.0GDMTJ.L1 Referência: 20154065 Lisboa - Tribunal da Relação 9ª Secção Rua do Arsenal - Letra G 1100-038 Lisboa Telef: 213222900 Fax: 213222992 Mail: lisboa.tr@tribunais.org.pt Recurso Penal
A lei adjectiva instituiu a possibilidade de rejeição dos recursos em duas vertentes diversas, admitida que está, no nosso processo penal a cindibilidade do recurso, princípio acolhido nos arts. 403.º nº 1, 410.º n.º 1 e 412.º n.º 2:
1) Rejeição formal que se prende com a insatisfação dos requisitos prescritos no art. 412.º n.º 2;
2) Rejeição substantiva que ocorre quando é manifesta a improcedência do recurso.
A manifesta improcedência verifica-se quando, atendendo à factualidade apurada, à letra da lei e à jurisprudência dos tribunais superiores é patente a sem razão do recorrente.
A figura da rejeição destina-se a potenciar a economia processual, numa óptica de celeridade e de eficiência.
A possibilidade de rejeição liminar, em caso de improcedência manifesta, tem em vista moralizar o uso do recurso(…) (Ac. STJ de 16 de Novembro de 2000, proc. n.º 2353-3; SASTJ, n.º 45, 61).
Em caso de rejeição do recurso, a decisão limita-se a identificar o tribunal recorrido, o processo e os seus sujeitos e a especificar sumariamente os fundamentos da decisão - art. 420.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, tanto mais que a questão submetida no presente recurso se reveste de contornos manifestamente simples.
Aliás, anote-se que mesmo no Tribunal Constitucional, As “decisões sumárias”, proferidas nos termos do artigo 78º-A da Lei do Tribunal Constitucional, Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, (na redacção da Lei nº 13-A/98, de 26 de Fevereiro), vêm gradualmente assumindo maior relevância na jurisprudência do Tribunal Constitucional, no que respeita quer aos pressupostos do recurso de constitucionalidade, quer a julgamentos de mérito quando é manifesta a falta de fundamento do recurso (http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/decsumarias/).
A “questão” suscitada e a apreciar no presente recurso reconduz-se à pretensão única do recorrente e contida nas CONCLUSÕES do seu recurso, ou seja:
- Como o arguido apresentou recursos intercalares e agora o recurso da sentença, em cujas conclusões (que acima se transcreveram na integra) o arguido fez questão de frisar que nada mais lhe restava do que interpor recurso da decisão final, para que, desta forma os recursos intercalares pudessem ser conhecidos.
Face a tal quadro, ou melhor a forma em que o recurso final foi gizado , perguntamos:
Quid juris?
Decidindo diremos, e tendo em mente as questões supra equacionadas:
Vejamos então se assiste razão ao recorrente.
Fazendo-se uma leitura global do recurso apresentado pelo arguido, dizemos desde já que o mesmo carece de razão, ou melhor de objecto, de substância e materialidade.
Os recursos interpostos das sentenças ou acórdãos têm que demonstrar claramente uma discordância com a decisão recorrida, seja ela relativamente à pena, à matéria de facto, aos vícios do artº 410º nº 2 do CPP, ou da qualificação jurídica, entre muitos outros, que nos abstemos de enumerar face à vastidão de hipóteses.
Ora tal não acontece de forma cristalina com o recurso interposto da sentença pelo arguido e ora recorrente.
Neste, não se vislumbra qualquer discordância com a sentença proferida pelo Tribunal “a quo”, sendo que, ao invés, nele o recorrente só manifesta a vontade de os recursos intercalares serem decididos a seu favor para assim poder ser absolvido, no entanto as patologias invocadas nos recursos intercalares que estão bem identificadas no recurso final não conduziriam, se procedentes logo à absolvição e não constituem, não nos esqueçamos, o pretenso objecto deste recurso, o qual em rigor inexiste.
Mas tal não colhe pois em rigor nem de um recurso propriamente dito se trata, mais parecendo um mero requerimento, para obter as decisões intercalares dos recursos que interpôs.
Por esta via o arguido não pode demonstrar o concreto, claro e legítimo interesse que mantém na subida dos recursos interlocutórios quando se conforma com a decisão final e, especialmente, quando tem a decisão final por justa, correta e bem fundamentada, porque, em rigor nenhuma patologia lhe assaca.
É certo que a jurisprudência e a doutrina em processo penal convergem na conclusão de que os recursos interlocutórios retidos pressupõem, para serem objeto de conhecimento, que seja interposto recurso da decisão final que os leve, por arrastamento, ao Tribunal superior.
Nestes autos claramente foi, entretanto, realizada audiência de julgamento e proferida a respectiva sentença depois deem analepse terem sido admitidos os recursos intercalares já acima mencionados.
Igualmente estipula o art.º 407º, n.º 3, do C.P.P., que: “Quando não deverem subir imediatamente, os recursos sobem e são instruídos e julgados conjuntamente com o recurso interposto da decisão que tiver posto termo à causa.”
Neste sentido, vide, entre inúmeros outros, o Ac. do TRC de 06.04.2011, proferido no Proc. n.º 719/05.5TAFIG.C1, disponível in www.dgsi.pt, onde se pode ler que “O recurso interlocutório retido só sobe e é julgado com o recurso interposto da decisão que tiver posto termo à causa se o sujeito - e só ele - que interpôs aquele recurso intercalar também recorrer da decisão final, devendo, para o efeito, especificar, nas conclusões do recurso da decisão final, se mantém interesse no dito recurso interlocutório por si interposto (art.º 412°, n.°5, do C.P.P.).
A este propósito escreve o Prof. Germano Marques da Silva, “O art. 407º dispõe sobre o momento de subida dos recursos e estes podem subir imediatamente ou apenas com o recurso interposto da decisão que tiver posto temos à causa. Esta distinção tem desde logo uma consequência muito importante e é que os recursos que não subam imediatamente caducarão se não for interposto recurso da decisão que puser termo à causa.” Vide Curso de Processo Penal III, 3ª edição Revista e actualizada, Editorial Verbo, Lisboa/São Paulo, 2009, p.339.
Também o Prof. P.. Pinto de Albuquerque se debruça sobre esta questão no seguinte sentido «O recurso interlocutório retido só sobe e é julgado com o recurso interposto da decisão que puser termo à causa se o sujeito que interpôs o recurso interlocutório recorrer também da decisão que puser termo à causa.» vide Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, UCE, em anotação ao artigo 407, nota 4, p.1071.
«Quando não deverem subir imediatamente, os recursos têm subida diferida, ou seja, mesmo que interpostos antes de proferida a decisão que põe termo à causa eles só sobem com o que desta eventualmente venha a ser interposto. Daí que, como consequência lógica, se tenha que aceitar que, em tais casos, estes recursos interlocutórios caducarão, isto é, não terão, qualquer seguimento, se aquela decisão final não vier a ser objecto de impugnação.» vide aqui Anotação do Sr. Conselheiro Pereira Madeira, Código de Processo Penal Comentado, 2014, António Henrique Gaspar e outros, p. 1332, nota 4.
Também no mesmo sentido se decidiu no Acórdão do STJ de 13.02.2002: «I- os recursos interlocutórios retidos pressupõem para serem objecto de conhecimento que seja interposto recurso da decisão final que os leve, por arrastamento, ao tribunal superior (art. 407º, nº 3 do CPP).» Cfr. Manuel Lopes Maia Gonçalves, Código de Processo Penal, 17ª edição, 2009, p.940. Perante este quadro doutrinal e jurisprudencial entendemos que os recursos interlocutórios interpostos pelo arguido não podem “in casu” ser conhecidos, porque não pode ser tecnicamente considerado como um recurso de uma sentença (o recurso interposto), mais parecendo um requerimento, género “tábua de salvação” para que os recursos intercalares sejam conhecidos, ao mesmo tempo que o arguido se conforma com a sentença pretensamente recorrida.
Ora não sendo idóneo (tendo de ser rejeitado) o recurso interposto da decisão final, nos termos atrás exarados, acabou o arguido por equivoco, por renunciar a tentar fazer valer as razões que o haviam levado a interpor os recursos interlocutórios.
Repete-se este recurso final tem forçosamente que ter alguma discordância com a sentença recorrida que possa assim legitimar a interposição do recurso, coisa que não acontece no caso “sub judice” pois não se vislumbra, repete-se um interesse autónomo claro e legítimo, na apresentação deste recurso.
Em rigor não tem qualquer objecto nem consequências jurídicas para julgar e certamente que não é meio idóneo para servir de ponte para o conhecimento dos recursos intercalares quando o arguido não discorda da sentença.
O arguido não demonstrou assim o concreto, claro e legítimo interesse que mantém na subida do recurso, quando se conforma com a decisão final e, especialmente, quando tem a decisão final por justa, correcta e bem fundamentada, não lhe apontando, portanto, qualquer patologia.
Nestes termos, sendo inócuo o recurso da decisão que pôs termo à causa, os demais recursos interpostos que devessem subir, ser instruídos e julgados, logo conhecidos, conjuntamente com aquele ficam naturalmente prejudicados e o recurso interposto terá de ser rejeitado, o que se declara.
( vide em caso indubitavelmente similar nas consequências em www.dgsi.pt , do TRP, Reclamação n.º 14189/18.9T9PRT-A.P1 de 24 de Março de 2021)
O recorrente nada mais submeteu ao conhecimento deste tribunal, pelo que, se rejeita “in totum” o recurso interposto pelo arguido e ora recorrente.
III.DISPOSITIVO
1. Pelo exposto rejeita-se o recurso interposto pelo arguido AA por ser manifestamente improcedente.
2. Custas, a cargo do recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 6 UC’s (3+3 pela rejeição) e demais encargos legais (artº 420º nº3 e 513º nº 1, ambos do C.P.P.) .
3.Notifique-se nos termos legais e diligências necessárias.
Lisboa, 20 de Junho de 2023 (integralmente revisto pela signatária nos termos do disposto no artº 94º nº 2 do C.P.P.)
(…)”
Ora compulsados os autos chegamos à conclusão que o reclamante não acrescentou qualquer argumento novo que possa ser validamente apreciado ou um motivo íntegro para a reclamação que apresentou, anotando-se que, nem pedido válido na sua verdadeira acepção e finalidade jurídico legal, formulou avocando patologias na decisão sumária, a não ser que têm de ser consideradas de forma despiciente as considerações ali feitas quanto à discordância da decisão sumária proferida, e as questões que equacionou em devido tempo no recurso que apresentou.
Mas o certo é que se conclui que verdadeiramente o reclamante não se conformou com a decisão sumária proferida nos temas submetidos à apreciação do Tribunal, pois sentiu-se prejudicado e o que pretende verdadeiramente é obter uma decisão colegial reiterando os argumentos pretéritos já invocados no recurso.
Ora, de acordo com  o Ac do TRC de 15/01/2020, in www.dgsi.pt(…)”I - Na configuração do sistema de recursos do CPP saída da reforma operada pela Lei n.º 48/2007, o tribunal de recurso passou a funcionar em três níveis distintos e autónomos de decisão: - decisões da competência do relator (art.º 417.º, n.º 6 com referência ao art.º 420.º); - em conferência (art.º 419.º); e - em audiência (art.º 423.º).
II - Pela própria natureza e definição, a figura jurídica de reclamação prevista no n.º 8 do art.º 417.º do CPP, como em qualquer ramo do direito, constitui uma prerrogativa legal, procedimental de controlo, de impugnação de algum dos actos decisórios enunciados nos n.ºs 6 e 7 do citado art.º 417.º, posta à disposição do destinatário da decisão que por ela se considere prejudicado, com vista à sua revogação, modificação ou substituição com base em violação da lei.
III - A reclamação para a conferência não constitui instrumento de manifestação da mera discordância do recorrente em relação à decisão reclamada. Ou até de mera renovação dos fundamentos do recurso. Exige uma motivação, autónoma, de rebatimento jurídico das razões ou dos fundamentos da decisão de que se reclama, no sentido de demonstrar a sua ilegalidade, obrigando assim o reclamante a demonstrar a ilegalidade que aponta à decisão reclamada, no caso, a decisão sumária do relator.
Efectivamente na configuração do sistema de recursos do C.P.P. saída da reforma operada pela Lei 48/2007, procedeu o legislador a uma repartição de competências com o objectivo de “racionalizar o funcionamento dos tribunais superiores, promovendo-se uma maior intervenção dos juízes que os compõem a título singular” – cfr. Exposição de Motivos da Proposta de Lei 109/X.
O tribunal de recurso passou a funcionar em três níveis distintos e autónomos de decisão – decisões da competência do relator (art. 417º, nº6 com referência ao art. 420º); - em conferência (art. 419º); e - em audiência (art. 423º).
Tratando-se de níveis distintos e autónomos de decisão, não existe uma hierarquia entre eles.
Certo é que as decisões de mérito agora da competência do relator estão sujeitas a reclamação para a conferência.
No entanto, como qualquer reclamação, a reclamação para a conferência – art.º 419º, nº 3, al. a), do CPP - não tem como finalidade obter uma nova decisão fundada num qualquer critério de maior força ou melhor autoridade do órgão colegial em relação ao órgão singular.
Pela própria natureza e definição, a figura jurídica de reclamação prevista no n.º 8 do art.º 417 do C.P.P., como em qualquer ramo do direito, constitui uma prerrogativa legal, procedimental de controlo, de impugnação de algum dos actos decisórios enunciados nos nºs 6 e 7 do citado art. 417º, posta à disposição do destinatário da decisão que por ela se considere prejudicado, com vista à sua revogação, modificação ou substituição com base em violação da lei.
A reclamação para a conferência não constitui instrumento de manifestação da mera discordância do recorrente em relação à decisão reclamada. Ou até de mera renovação dos fundamentos do recurso (caso dos autos). Exige uma motivação, autónoma, de rebatimento jurídico das razões ou dos fundamentos da decisão de que se reclama, no sentido de demonstrar a sua ilegalidade.
Obrigando assim a reclamante a demonstrar a ilegalidade que aponta à decisão reclamada, no caso, a decisão sumária do relator, o que não aconteceu “in casu” muito menos a violação do artº 20º da CRP, sendo que aqui nem sequer invoca a norma jurídica violada e logo cuja aplicação seria inconstitucional.
Então decidindo-se, aduz-se que o reclamante pese embora apontar desacerto na decisão sumária e, consequentemente desprezando-a enquanto decisão judicial fundamentada, fenece de razão nos argumentos utilizados, uma vez que estes não correspondem ao que, na verdade foi decidido, bastando para tal reler a decisão reclamada que infra se identificou, para que dúvidas não subsistissem, quanto ao seu teor e à decisão tomada, a qual abarcou todas as vertentes do recurso apresentado pela ora reclamante.
O que acontece é que este não se conforma com tal decisão.
No mais, refere-se que inexistem patologias, pois, como claramente se pode constatar o recurso foi julgado em tempo útil e rejeitado pelos motivos proficuamente exarados na decisão sumária, os quais são inultrapassáveis face ao modo em que o recurso foi gizado pelo recorrente, o que se declara mais uma vez.
Acontece, que nesta parte não tem sustentação legal esta forma de reclamar e, se assim não fosse, não faria qualquer sentido a figura da reclamação para a conferência uma vez que estava encontrada uma maneira simples de exaurir e de forma manifesta, o alcance do disposto no art.º 417º, n.º 6/8 do CPP, duplicando, por assim dizer o direito ao recurso.
O objecto legal da reclamação é a decisão reclamada e não a questão por ela julgada.
Ora não invocando a reclamante qualquer crítica válida e juridicamente atendível (ou argumentos que não correspondem à verdade do que ali se deixou exarado), à decisão sumária, mais não há do que mantê-la na sua essência.
Com efeito, ao dizer o art.º 417º, n.º 8 que “cabe reclamação para a conferência dos despachos proferidos pelo relator nos termos dos n.ºs 6 e 7”, dúvidas não restam de que o objecto legal da reclamação é a decisão reclamada e não a questão por ela julgada, ou seja, por discordar do teor da decisão sumária, nomeadamente da rejeição do recurso que apresentou, o reclamante reivindica que o mesmo seja apreciado pelo órgão colectivo competente para apreciar o recurso que apresentou, reiterando a sua pretensão inicial.
Então:
Ora, relendo a decisão sumária na sua totalidade, dúvidas não subsistem, de que não se perscruta qualquer fundamento atendível para a presente “reclamação”, pois esta, interposta pelo arguido, limita-se parcialmente a repetir de forma sucinta as pretensões vertidas no seu recurso, as quais, diga-se, no seu todo foram todas devidamente decididas na decisão sumária proferida nestes autos (que levou à rejeição do recurso), com toda a abrangência e rigor não havendo novos argumentos a esgrimir, pelo que nada mais haverá que acrescentar ou modificar no sentido novamente pretendido pela recorrente, ou seja  ser revogada a decisão sumária e  julgado provido o recurso que apresentou em devido tempo, que se resume ao conhecimento dos recursos intercalares interpostos e não tendo “ per si” um verdadeiro objecto ou discordância com a decisão final.
Concluímos não ter assim razão o reclamante, o que se declara.
No mais e quanto à substância da globalidade da decisão sumária ora reclamada, este tribunal colectivo, analisando-a, delibera confirmar a essencialidade da mesma, subscrevendo e reproduzindo aqui, para todos os efeitos legais, todos os seus fundamentos atrás aflorados naquela decisão, o que aqui se infirma, aderindo-se incondicionalmente a estes o que se declara, sendo este em suma o cerne da decisão reclamada.
                       
DISPOSITIVO:
Pelo exposto indefere-se, em substância a reclamação confirmando-se a decisão reclamada.
Custas a cargo do reclamante fixando-se a taxa de Justiça em 3 Ucs.
Notifique-se e demais diligências necessárias.

Lisboa, 13 de Julho de 2023,
Filipa Costa Lourenço
Cristina Santana
Maria José Cortes