Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
8636/16.1T8LRS-A.L1-7
Relator: ISABEL SALGADO
Descritores: MÚTUO BANCÁRIO
PRESTAÇÕES DEVIDAS
PRAZO DE PRESCRIÇÃO
REVOGAÇÃO DO CONTRATO
VENCIMENTO ANTECIPADO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/19/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1. No contrato de mútuo bancário liquidável em prestações sucessivas, assumindo estas a natureza de obrigações periódicas, distintas e autónomas, ficam sujeitas ao prazo de prescrição de 5 anos, estabelecido no artigo 310º, al) e) do Código Civil.
2.  Porém, em caso de incumprimento do mutuário que deixa de pagar as prestações, tendo o mutuante considerado vencidas todas as prestações e devido o pagamento do valor total remanescente, fica sem efeito o plano de pagamento acordado, e nessa medida o montante em dívida retoma a sua natureza original de capital (e juros), sujeito ao prazo de prescrição ordinário de 20 anos, previsto no artigo 309º, do Código Civil.   
3. Tal condição não se basta com a estipulação contratual do vencimento automático e exigibilidade do total da dívida por falta de pagamento das prestações, tratando-se de cláusula meramente proclamatória da faculdade do credor e prevista no artigo 781º, do Código Civil.   
 4. Relevando para o efeito, que o credor tenha emitido declaração revogatória do contrato pelo incumprimento e exigido do mutuário o pagamento da dívida total, passando a ser outra a obrigação devedora, em resultado da revogação do contrato por incumprimento das prestações e do vencimento da totalidade da obrigação.  
5.  Não tendo a embargada alegado em defesa da excepção da prescrição, que comunicou à embargante a revogação do contrato, a par da interpelação admonitória do pagamento total da dívida, mostra-se inútil o prosseguimento da instância.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

I. RELATÓRIO
1. Da Acção
 Em oposição à execução para pagamento de quantia certa, que a Caixa Geral de Depósitos instaurou contra, A…, P… e  C…, veio esta última deduzir embargos. 
 Alegou para tanto, que o contrato de mútuo celebrado com a primeira executada, tendo como fiadora a embargante (e seu marido), data de 3.11.2008, pelo que ocorreu a prescrição do crédito reclamado quanto ao capital e juros, conforme previsão do artigo 310, al. g), do Código Civil, devendo declarar-se a extinção da execução.
 Admitidos liminarmente os embargos, contestou a embargante.
 Sustentou que, não se verifica a excepção invocada, uma vez que ao contrato de mútuo bancário se aplica a prescrição geral de 20 anos, tendo a falta de pagamento das prestações determinado o vencimento antecipado de toda a dívida, conforme o convencionado; acresce que, a exequente efectuou diversos contactos com os devedores para obter o pagamento da quantia em dívida, conforme documento que protestou juntar.
Determinada em despacho a junção do documento em falta, juntou quatro documentos, impugnados pela embargante.
No decurso da audiência prévia, o tribunal transmitiu o propósito de conhecer do mérito da causa, atenta a invocada prescrição do crédito exequendo; as partes manifestaram a sua não oposição.
De seguida foi proferida sentença, que julgou procedente a excepção peremptória da prescrição do crédito e extinta a execução contra a embargante, alicerçando-se na seguinte fundamentação:
 «No artigo 310º acautelam-se direitos que têm por objeto prestações periódicas, sendo o prazo de prescrição de cinco anos para cada uma das prestações que se vai vencendo, e não para a obrigação no seu todo. É, por isso, irrelevante que o não pagamento de uma prestação vencida acarrete o vencimento dos posteriores (vincendas), não lhe sendo aplicável o prazo ordinário de prescrição (artigo 309º do Código Civil). Estão as partes de acordo em que ficou contratualmente estabelecida a obrigação do embargante pagar a quantia mutuada em 60 prestações mensais, constantes e sucessivas, de capital e juros. Entendemos, assim, assistir razão ao embargante, sendo de enquadrar a situação dos autos na situação prevista na alínea e) do artigo 310º do Código Civil. Está provado que o último pagamento efetuado foi em 06/08/2010. A execução foi instaurada em 2017, decorridos mais de cinco anos após a data de incumprimento (06/08/2010), sem que o exequente tenha alegado ou demonstrado qualquer interrupção ou suspensão do prazo de prescrição – quaisquer cartas que a embargada tivesse remetido aos executados, a dar conhecimento do incumprimento (vide alegação constante do artigo 8º da contestação), não têm a virtualidade de interromper o prazo em curso – prescreve a nossa lei, no artigo 323º do Código Civil, que a prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer ato que exprima, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o ato pertence e ainda que o tribunal seja incompetente. Acaso tivesse havido reconhecimento da dívida, também se estaria perante uma causa de interrupção (artigo 325º do Código Civil), facto nem sequer alegado pela embargada. Conclui-se, assim, estar o crédito exequendo (capital e juros) prescrito desde data anterior à instauração da ação executiva (requerimento executivo data de 15/07/2016).»
2. Do Recurso
Inconformada, a exequente e ora embargada interpôs recurso da sentença, o qual foi admitido como apelação e efeito devolutivo.
Finalizou as suas alegações com as conclusões que se transcrevem:
 «A.  A Recorrente celebrou com os Executados A…., na qualidade de mutuária, e P…. e C…, na qualidade de fiadores, um contrato de mútuo com fiança, em 03/11/2008, mediante o qual lhes concedeu, a título de empréstimo, a quantia de € 25.000,00 (vinte e cinco mil euros).
B. Nos termos dos contratos oferecidos à Execução, as partes acordaram o prazo global do contrato, as taxas de juros aplicáveis, forma de pagamento, garantias, obrigações das partes e a exigibilidade antecipada, em caso de incumprimento.
C. No que respeita ao incumprimento/exigibilidade antecipada, as partes estipularam que “a Caixa poderá considerar antecipadamente vencida toda a dívida e exigir o seu imediato pagamento no caso de incumprimento pela Cliente ou por qualquer dos restantes contratantes de qualquer obrigação decorrente deste contrato” - artigo 20, n.º 1, alínea a) do contrato junto com o Requerimento executivo como doc. 1.
D. Na douta sentença recorrida, na parte respeitante aos factos provados, refere o Tribunal a quo que “a partir de 06/08/2010, os devedores deixaram de cumprir com as obrigações assumidas perante a exequente no âmbito do clausulado do contrato celebrado entre ambos”.
E. Ou seja, não restaram dúvidas ao Tribunal a quo acerca da existência e verificação do incumprimento.
F. No que respeita aos factos não provados, refere o Tribunal a quo: “na carta
referida em F o Banco cedente comunicou ao embargante que considerava vencida a totalidade do crédito”.
G. Todavia, na douta sentença recorrida, não existe qualquer ponto F., já que os factos provados terminam no ponto E.
H. Ora, não constando dos autos todos os elementos necessários (entenda-se, factos) à descoberta da verdade material, não se entende o motivo por que Tribunal a quo proferiu sentença, dispensando a audiência de discussão e julgamento.
I. No que respeita à decisão propriamente dita, não restam dúvidas à ora Recorrente de que, aos juros, se aplica o prazo prescricional de 5 anos, nos termos e para os efeitos do artigo 310.º, alínea d) do Código Civil.
J. O mesmo não se entende quanto ao capital em dívida ao qual, ao contrário do disposto na sentença recorrida, não é aplicável o disposto na alínea e) do artigo 310.º do Código Civil, aplicando-se, antes, o disposto no artigo 309.º do mesmo diploma legal, que postula o prazo ordinário de prescrição de 20 anos.
K. Muito embora conste como facto não provado, a verdade é que a Recorrente, antes da instauração da presente ação, interpelou os Executados para procederem ao pagamento da dívida, e procedeu, ainda, à integração da mutuária no PERSI, conforme está legalmente obrigada.
L. Razão pela qual se entende que, verificando-se o incumprimento e a resolução expressa do contrato, deu-se o vencimento antecipado de todas as prestações, havendo, nesta altura, como que uma dissociação entre o capital e os juros, passando cada uma destas frações a reger-se por diferentes regras ao nível da prescrição.
M. Este é, também, o entendimento dos nossos tribunais superiores.
N. Entende a ora Recorrente que andou bem o Tribunal a quo quando aplicou o prazo prescricional de 5 anos aos juros peticionados.
O. Todavia, e com o devido respeito, não pode a ora Recorrente concordar com a aplicação desse mesmo prazo ao capital, considerando-se que a dívida, na sua globalidade, se encontra prescrita, absolvendo-se a Executada da instância!
P. Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se a decisão recorrida, substituindo-a por outra que ordene o prosseguimento dos presentes autos de execução contra os aqui Recorridos, com o agendamento de audiência de discussão e julgamento. Nestes termos e nos mais de Direito, deve o presente recurso ser julgado procedente, alterando-se assim a decisão recorrida, fazendo V. Exas., Senhores Desembargadores, o que é de inteira JUSTIÇA!»
*
A recorrida apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência da apelação e a subsistência do julgado de primeira instância.
*
Corridos os vistos, cumpre decidir.
3. Objecto do recurso- tema decisório
São as conclusões que delimitam a esfera de actuação do tribunal ad quem- artigos 635º, nº4 e 639º, nº1, do Código de Processo Civil - salvo em sede da qualificação jurídica dos factos, ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, não podendo ainda conhecer de questões novas;  o tribunal de recurso também não está adstrito à apreciação de todos os argumentos recursivos, debatendo  apenas aqueles que se mostrem relevantes para o conhecimento do recurso, e não resultem prejudicados pela solução preconizada - artigos 608.º, n.º 2, do CPC, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do mesmo diploma.
Posto o que, cotejadas as conclusões da apelante, demandam apreciação e decisão as seguintes questões:
- A matéria de facto dada como não provada; 
- A excepção da prescrição do crédito principal exequendo- restituição do capital objecto do contrato de mútuo, no qual a embargante prestou fiança;
- A resolução do contrato por incumprimento e o vencimento antecipado do valor da dívida.
- A prova da interpelação da embargante para o pagamento da totalidade da dívida e o estado da causa.     
II. FUNDAMENTAÇÃO 
OS FACTOS
Da sentença constam provados os seguintes factos:
A. A 03/11/2008 a exequente celebrou com A…., divorciada, na qualidade de mutuária, um contrato de mútuo com fiança, ao qual a exequente atribuiu o n.º PT 00352017003701291, no montante de € 25.000,00 (vinte e cinco mil euros), pelo prazo de 60 meses.
B. Em garantia do capital mutuado, juros e despesas, não foram dadas quaisquer garantias de bens móveis e/ou imóveis.
C. O empréstimo destinou-se a apoio ao investimento.
D. Em garantia do capital mutuado, juros e despesas, foi dada fiança de P… e cônjuge C… que declararam responsabilizar-se como fiadores e principais pagadores por tudo quanto viesse a ser devido à exequente em consequência do empréstimo, dando o seu acordo a eventuais modificações do prazo que viessem a ser convencionados entre ambas as partes.
E. A partir de 06/08/2010, os devedores deixaram de cumprir com as obrigações assumidas perante a exequente no âmbito do clausulado do contrato celebrado entre ambos.
Factos não provados:
1. Na carta referida em F o Banco cedente comunicou ao embargante que considerava vencida a totalidade do crédito.
Fundamentação de facto
Os factos provados mostram-se expressamente aceites pela embargante.»
O DIREITO  
1. Questão prévia
A apelante começa por revelar a sua surpresa quanto ao facto - Não Provado- constante da sentença, uma vez que do elenco dos factos provados não consta qualquer facto sob a letra F.  
Lê-se no texto decisório sob a epígrafe “Factos não provados” - “1. Na carta referida em F o Banco cedente comunicou ao embargante que considerava vencida a totalidade do crédito.”
Segue a fundamentação de facto – “Os factos provados mostram-se expressamente aceites pela embargante.”
Cremos que, da interpretação do sentido do texto e fundamentos da sentença, é possível concluir que a inclusão do referido “facto NP”, foi motivada por mero lapso de escrita, aquando do tratamento do texto Word base.
 Seguindo o critério do declaratário normal -  artigo 236º, nº1 do Código Civil- e, caso a interpretação recolha correspondência mínima com o texto escrito da sentença, ainda que imperfeitamente expresso -artigo 238, º do Código Civil- a mera contradição aparente deverá ser superada no contexto global da decisão, através da rectificação do o erro material, nos termos da previsão do artigo 613º, nº2, do Código de Processo Civil. 
Com efeito, o facto “1.NP “faz referência a “um Banco cedente”, sendo que nos autos a embargada CGD é a credora inicial, não tendo havido cedência do crédito; por outro lado, o facto NP não se encontra motivado, e como alerta a apelante, os factos provados estão descriminados até à alínea E, e nenhum deles alude a qualquer carta.
Posto o que, de harmonia com o preceituado no artigo 662º, n.º 1, e 2 alínea c), do CPC, procede-se à alteração oficiosa consequente, declarando eliminado o Ponto 1. Factos NP.     
2. Natureza jurídica da obrigação contratual do mútuo com prestações periódicas
Passemos agora à crucial divergência em equação e que passa in limine pela caracterização da obrigação do mutuário no reembolso do capital e juros remuneratórios, através de prestações periódicas e sucessivas.
 É oportuno relembrar que nos contratos, o prazo - tempo de realização da prestação constitui elemento essencial, e que por seu turno, na determinação do tempo de cumprimento da obrigação, há que distinguir a vertente do tempo da prestação, daquela outra, que diz respeito ao tempo da exigibilidade da prestação.[1]
Reconhecemos que o tema não suscita unanimidade.   
Em aproximação breve à controvérsia, identificam-se três soluções que vêm sendo preconizadas nos tribunais. 
A primeira, com expressão prevalecente na jurisprudência nos tribunais superiores,[2] compreende o mútuo bancário como uma obrigação de valor predeterminado - a restituição do capital e juros - mas, cujo cumprimento pelo mutuário, conforme o convencionado, liquidável em prestações mensais, traduz um plano de amortização fraccionada do valor dívida, com prazos de vencimento autónomo, e consequentemente, sujeitando a extinção da prestação global ao prazo de prescrição quinquenal estabelecida no artigo 310º, al) e) , do Código Civil.
Ilustrando esta solução, refere o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça datado de 27.3.2014[3], citando o estudo de Ana Filipa Morais Antunes [4]:       
«(…) …na situação prevista no artigo 310.º, alínea e), não estará em causa uma única obrigação pecuniária emergente de um contrato de financiamento, ainda que com pagamento diferido no tempo, a que caberia aplicar o prazo ordinário de prescrição, de vinte anos, mas sim, diversamente, uma hipótese distinta, resultante do acordo entre credor e devedor e cristalizada num plano de amortização do capital e dos juros correspondentes, que, sendo composto por diversas prestações periódicas, impõe a aplicação de um prazo especial de prescrição, de curta duração. O referido plano, reitera-se, obedece a um propósito de agilização do reembolso do crédito, facilitando a respectiva liquidação em prestações autónomas, de montante mais reduzido. Por outro lado, visa-se estimular a cobrança pontual dos montantes fraccionados pelo credor, evitando o diferimento do exercício do direito de crédito para o termo do contrato, tendo por objecto a totalidade do montante em dívida. Prosseguindo nesta análise, completa este estudo que constituirão, assim, indícios reveladores da existência de quotas de amortização do capital pagáveis com juros: em primeiro lugar, a circunstância de nos encontrarmos perante quotas integradas por duas fracções: uma de capital e outra de juros, a pagar conjuntamente; em segundo lugar, o facto de serem acordadas prestações periódicas, isto é, várias obrigações distintas, embora todas emergentes do mesmo vínculo fundamental, de que nascem sucessivamente, e que se vencerão uma após outra (…).»
Preconizando igual solução, concluiu-se no recente Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra datado de 08/05/2019 [5] :
« Julgamos ser hoje dominante na jurisprudência o entendimento de que prescrevem no prazo de 05 (cinco) anos (por aplicação da alínea e) conjugada, ou não, com a alínea d) do art.º 310.º CC) os créditos consubstanciados em prestações mensais e sucessivas, compostas por quotas/fracções de capital e juros remuneratórios, com as quais se amortiza e remunera um mútuo oneroso. (…) E tal prazo curto de prescrição não se altera mesmo que ocorra a perda do benefício do prazo e o vencimento antecipado das prestações vincendas, isto é, a exigibilidade imediata da restituição de (confrontar o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 7/2009, de 25-03-2009 (DRE, 1ª Série, de 05-05-2009)) todas as quotas/fracções da totalidade do capital mutuado incluídas nas prestações ainda vincendas na data em que ocorre a perda do benefício do prazo.»
Formulação que remete para a solução expendida no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18/10/2008,[6] apoiando-se na doutrina de Vaz Serra. 
«I. O legislador equiparou a amortização do capital, designadamente do mútuo, realizada de forma parcelar ou fracionada por numerosos anos, como o mútuo bancário destinado a habitação própria, ao regime dos juros, ficando sujeito ao mesmo prazo de prescrição, nomeadamente cinco anos – art. 310.º, alínea e), do Código Civil II. A circunstância de tal direito de crédito se vencer na sua totalidade, em resultado do incumprimento, não altera o seu enquadramento em termos de prescrição. (…) na verdade, desde há muito, que a prestação englobando quotas de amortização de capital e juros, numa proporção variável, tende a ser perspetivada de um modo unitário, com a aplicação do prazo comum de cinco anos para a verificação da prescrição. Esta prescrição destina-se a evitar a ruína do devedor, pela acumulação da dívida derivada designadamente de quotas de amortização de capital pagável com juros. Numa situação destas, a exigência de pagamento de uma só vez, decorridos demasiados anos, poderia provocar a insolvência do devedor a viver dos rendimentos, nomeadamente do trabalho, e que o legislador, conhecedor das opções possíveis, quis prudentemente prevenir, colocando no credor maior diligência temporal na recuperação do seu crédito (VAZ SERRA, BMJ nº 107, pág. 285).»
A sentença recorrida prosseguiu esse caminho, defendido igualmente pela embargante nas contra-alegações.  
Num campo de conceptualização oposto, com menor expressão actual na jurisprudência, compreende-se o contrato de mútuo a liquidar em prestações como um contrato de natureza duradoura e prestação única, distinto do contrato de prestações continuadas, no qual as prestações de amortização não assumem autonomia, sendo por tal de aplicar ao capital total em dívida o prazo de prescrição geral de 20 anos, previsto no artigo 309º, do Código Civil. [7]      
 Por último, desenha-se o entendimento, segundo o qual, acolhendo o funcionamento da prescrição quinquenal no que respeita à extinção de cada uma das prestações vencidas, argumentam, porém, que em caso de incumprimento, tendo o mutuante considerado vencidas todas as prestações, fica sem efeito o plano de pagamento acordado, e nessa medida, os valores em dívida retomam a sua natureza original de capital (e juros), ficando o capital global sujeito ao prazo ordinário de 20 anos, previsto no artigo 309º do Código Civil.   
Concepção também avançada por Menezes Cordeiro,[8] no tocante aos contratos de mútuo com convenção de pagamento do valor do capital e juros através de prestações, seguindo a aplicação da prescrição de cinco anos prevista no  artigo 310.º, al) e) do Código Civil, ressalvada a situação contratual do vencimento antecipado de todo o capital em dívida,  no que funcionará então o prazo geral  de vinte anos .[9]
Entendimento que justifica a nossa adesão e já sufragado nesta 7ª Secção, em debate da vexatio questio, conforme o recente Acórdão 13.10.2020[10], cujo sumário concluiu :
«I- No mútuo bancário, em que o reembolso da dívida foi objeto de um plano de amortização, fracionado em prestações mensais integrando capital e juros remuneratórios, cada uma delas a pagar periodicamente com prazos de vencimento autónomos, a prestação unitária e global fica sujeita ao prazo prescricional de cinco anos, previsto na al. e) do artigo 310 do C.C.; II-         Tendo o mutuante, todavia, comunicado oportunamente à mutuária a resolução do contrato por incumprimento desta, exigindo-lhe o pagamento do valor devido em consequência desse incumprimento, no uso da faculdade conferida pelo art. 781 do C.C., passou a existir então uma obrigação diversa e uma única prestação em mora, deixando, após aquela data, as prestações de vencer-se na data que fora estabelecida no contrato, ficando tal obrigação sujeita ao prazo ordinário de 20 anos, nos termos do art. 309 do C.C..»
3. O contrato de mútuo dos autos   
De acordo com a matéria de facto articulada e aceite pelas partes, a exequente CGD emprestou à executada A… a quantia de Euros 25.000,00, com garantia da fiança prestada pela ora embargante C…. (e o seu cônjuge), para ser reembolsada conjuntamente com os juros, em 60 prestações mensais e sucessivas, através do contrato celebrado em 3.11.2008, conforme documento anexo ao requerimento executivo.
Consta ainda do contrato - cláusula 20ª, nº1 a) a- “a Caixa poderá considerar antecipadamente vencida toda a dívida e exigir o seu imediato pagamento no caso de incumprimento pela Cliente ou por qualquer dos restantes contratantes de qualquer obrigação decorrente deste contrato”.
As prestações deixaram de ser satisfeitas a partir de 6.08.2010.  
A exequente e ora embargada instaurou a acção executiva em 2017, em ordem a obter o pagamento coercivo dos valores em dívida no contrato supra indicado, sendo a embargante demandada na qualidade de fiadora e garante do respectivo cumprimento.
Dentro de tais pressupostos factuais e não controvertidos, segundo o entendimento a que aderimos, no contrato de mútuo liquidável em prestações, a amortização fraccionada do capital em dívida, realizada em conjunto com o pagamento dos juros vencidos, assume a natureza de obrigação periódica, consubstanciando obrigações distintas e autónomas, sujeita à prescrição de 5 anos estabelecida no artigo 310º, al) e) do Código Civil.
Conquanto a posição que perfilhamos divirja nos fundamentos e âmbito de aplicação da tese subjacente à sentença recorrida, olhando em exclusivo à data do incumprimento e data de instauração da acção executiva, haverá de concluir que se mostra transposto o prazo de prescrição quinquenal quanto a cada uma das prestações remissas e reclamadas pelo exequente.
4. A cláusula do vencimento antecipado e a interpelação do devedor
Como se viu, a sentença recorrida considerou que à obrigação reclamada se aplica a prescrição quinquenal tipificada no artigo 310º, al) e), do Código Civil, sendo irrelevante a existência de convenção de vencimento antecipado da dívida em caso de incumprimento.      
Em adverso, a apelante argumenta que sobrevindo tal condição, a prescrição do crédito exequendo fica sujeito ao prazo legal de 20 anos do artigo 309º, do Código Civil.   
Acolhendo-se as considerações atrás expostas, entendemos que na sequência da revogação por incumprimento e vencimento antecipado, com a interpelação do devedor para o seu pagamento, a dívida total passa a assumir a natureza de obrigação única, sujeita ao prazo ordinário de prescrição estabelecido no artigo 309º, do Código Civil.
Radicando o fundamento último da prescrição na certeza e segurança das relações jurídicas, penalizando a negligência do credor que não exerce o seu direito num tempo razoável, mal se compreenderia que num contrato duradouro se imponha ao mutuante um curto prazo para o exercício do direito de obter a restituição do capital em dívida, desde que interpele o mutuário remisso para o pagamento.
De sublinhar, por seu turno, que não se basta a condição com a mera previsão no contrato de cláusula do vencimento automático e exigibilidade do total da dívida por falta de pagamento das prestações; estipulação contratual que se limita afinal a declarar a faculdade do credor de assim proceder e consagrada no artigo 781º, do Código Civil.   
Relevante para os efeitos que vimos de mencionar, torna-se necessário que o credor em concreto tenha exigido ao devedor o pagamento total da dívida, em resultado da revogação do contrato por incumprimento das prestações e do vencimento da totalidade da obrigação. [11]
Cabe por fim realçar neste domínio, que a remessa de simples carta informando o mutuante e demais obrigados acerca do valor do débito total  em dívida e do seu incumprimento não produz efeito interruptivo do prazo de prescrição da obrigação - curto ou longo – atento o disposto no artigo 323º, nº1 do Código Civil, a qual só se interrompe pela citação ou notificação judicial avulsa de acto que expresse a intenção de exercer o direito.[12]
Importa outrossim, apurar se o credor emitiu declaração revogatória do contrato pelo incumprimento e exigiu do devedor o pagamento da dívida total, passando a ser outra a obrigação devedora.  
5. A matéria de facto alegada e os documentos juntos 
Á luz desta solução plausível de direito há que indagar da verificação factual de tal condicionalismo no caso ajuizado.
No contrato de mútuo -  v. ponto 3. – As partes convencionaram que o mutuante detém a faculdade do mutuário vir a considerar vencida a totalidade da dívida em caso de falta de pagamento das prestações fixadas. 
Estipulação, como se disse, atenta a sua natureza facultativa não dispensa para produzir os efeitos indicados, rectius o exercício efectivo do direito do credor, através da comunicação de tal vontade aos devedores, interpelando-os para o pagamento do valor total em dívida.
Sucede que, na contestação - artigo 8º- [13] a embargada limitou-se a alegar que estabeleceu diversos contactos com os devedores no sentido de procederem ao pagamento da dívida, conforme documento que protestou juntar.
A insistência do tribunal a quo, veio juntar quatro documentos.
Analisado o seu conteúdo, que todas eles consubstanciam missivas dirigidas à executada A,  referentes a extractos da conta à ordem e do saldo em dívida de um contrato de cartão de crédito,[14] com comunicação de abertura do PERSI nos termos da legislação em vigor.[15]
 Ou seja, os documentos não reportam ao contrato de mútuo celebrado entre as partes, e de resto, não foram endereçados à executada e embargante C….
De ordinário, também a mera junção de documentos não supre a falta de alegação, pois os documentos são meios de prova que deverão acompanhar o articulado onde é feita a alegação dos factos.
Impende sobre as partes o ónus de alegar os factos que integram a sua causa de pedir ou que fundamentam as excepções – artigo 5º do Código de Processo Civil-  neles se fundará a decisão do julgador, sem prejuízo das excepções legais tipificadas [16] e que no caso não ocorrem, seguindo o princípio do dispositivo.
 No que concerne à especificidade da oposição à execução por embargos, o regime do ónus de afirmação (e prova) impõe ao embargante (executado) a exigência de afirmar o fundamento (causa de pedir) do seu pedido.  
Isto é, se os embargos de executado exercem a função de uma acção declarativa, aplicando os critérios gerais para a repartição do ónus da alegação (e prova), cumpre ao embargante-autor alegar os factos constitutivos correspondentes à situação de facto traçada na norma substantiva em que funda a sua pretensão, e ao embargado, a afirmação (e prova) dos factos impeditivos ou extintivos da pretensão da embargante.
Do que se extraiu para a situação sub judice, que não tendo a embargada alegado, em defesa da excepção da prescrição invocada pela embargante C…, que lhe comunicou a revogação do contrato e dela reclamou oportunamente a liquidação do montante total em dívida, mostra-se inútil a indagação probatória de tal factualidade em sede de julgamento, não sendo admissível qualquer prova, sem que haja no processo a base factual da mesma.
 O que se acaba de dizer vem a significar, que na situação em apreço, ponderadas as diversas soluções plausíveis de direito enunciadas, não acode razão ao embargado ao pugnar pelo prosseguimento da instância para julgamento, que se revelaria inconsequente; é que, uma coisa é o ónus de alegação, outra coisa é o ónus da prova, que apenas pode funcionar se a parte deu cumprimento oportuno ao ónus de alegação que lhe competia-artigo 342º, nº1, do Código Civil.
Do que decorre, que inexistindo a aludida condição da prévia interpelação admonitória da embargante para o pagamento do total da dívida remanescente, nos termos da previsão do artigo 805º, do Código Civil, não se opera a mudança da natureza da obrigação fraccionada para a dívida global, e por consequência fica afastado o funcionamento do prazo de prescrição geral invocado pelo apelante.           
 Em suma, assente que os devedores deixaram de cumprir o contrato de mútuo a partir de 6.8.2010, tendo a exequente interposto a execução em 2017, decorrido o prazo de quinquenal de prescrição previsto no artigo 310º, al) e) do Código Civil, verifica-se a extinção da dívida exequenda.
Soçobram as conclusões da apelante.
III. DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação, e com diversa fundamentação, mantêm o julgado de primeira instância.        
As custas do recurso ficam a cargo da apelante, que nele decaiu. 
 
Lisboa, 19 de Janeiro de 2021
ISABEL SALGADO
CONCEIÇÃO SAAVEDRA
CRISTINA COELHO
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[1] Cfr. Ferreira de Almeida in Contratos IV, 2014, pág.174 e Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, II, 5ªedição, pág.40.
[2] Cfr, entre os mais recentes, os Acórdãos do STJ de 18.10.2018, Proc. 2483/15.5T8ENT-A.E1.S1, de 29.9.2016, Proc. 201/13.1TBMIR-A.C1.S1, e de 27.3.2014, Proc. 189/12.6TBHRT-A.L1.S1, os Acórdãos  do Tribunal da Relação de Lisboa de 3010.2018, Proc. 12712/16.2T8SNT-A.L1, de 18.1.2018, Proc. 1095/16.0T8PDL-A.L1.8 e de 27.10.2016, Proc.2411/14.5T8OER-B.L1-6, o Ac. da RP de 21.10.2019, Proc. 1324/18.6T8OAZ-A.P1, o Ac. da RC de 19.12.2017, Proc. 561/16.2T8VIS-A.C1, e os Acórdãos do Tribunal da Relação de Évora de 10.10.2019, Proc. 124549/17.0YIPRT.E1, de 11.4.2019, Proc. 308/16.3T8LLE-A.E1 e de 21.1.2016, Proc. 1583/14.3TBSTB-A.E1, consultáveis in  www.dgsi.pt.
[3] No Proc. 189/12.6TBHRT-A. L1. S1, também citado pela recorrida e disponível in www.dgsi.pt. 
[4] In “Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Sérvulo Correia, vol. III, pág. 47)
[5] No Processo nº 9042/17.6T8CBR-B.C1, disponível em www.dgsi.pt.
[6] No Processo nº 2483/15.5T8ENT-A. E1. S1, e em igual sentido no recente Acórdão do STJ de 12.11.2020-Processo nº 7214/18.5T8STB-A. E1. S1 de disponível em www.dgsi.pt.
[7]   Cfr. Exemplificadamente   o Acórdão. da Relação de ´Évora de 10.5.2018, Proc. 627/16.9T8ABT-A. E1, in www.dgsi.pt.
[8]   In “Tratado de Direito Civil Português”, I- Parte Geral, Tomo IV, 2005, pág. 175 a 176.
[9] Entre outros, o Acórdão. da Relação de Coimbra de 26.4.2016, Proc. 525/14.0TBMGR-A.C1, consultável na mesma página.
[10] Proferido no Proc. nº. 638/19.2T8SNT-A. L1, sendo Relatora Conceição Saavedra e 1ªAdjunta Cristina Coelho, membros deste colectivo.      
[11]   Cfr. Antunes Varela in Das Obrigações em Geral, vol. II, 7ª ed., págs. 53 e 54; sobre este tópico específico -   v. Acórdãos da Relação de Lisboa de 30.10.2018 e de 27.10.2016, in www.dgsi.pt.
[13]   E, também não consta alegado no requerimento executivo.
[14]Cliente 82990690 Extrato n.º 012/2016 Emissão 2016-12-09 Período 2016-11-01 a 2016-11-30” Cliente 82990690 Extrato n.º 001/2017 Emissão 2017-01-06 Período 2016-12-01 a 2016-12-31.
[15]   PERSI Nº 1795446 Incumprimento - Abertura de PERSI Exmo.(a). Senhor(a),
Por se registar incumprimento na(s) operação(iões) abaixo indicadas: Cartões de Crédito IMPAR
Moeda EUR N.º Conta Cartão Dto. Vence. Capital Vencido Juros Comissões Despesas Montante
10002918877 2010-12-15 1.170,54 285,02 71,30 0,00 1.526,86 Montante Total em Dívida: 1.526,86”
[16] Esses factos, são os factos instrumentais que resultarem da instrução da causa (nº2 al. a) do art.5º), e os que sejam complementares ou concretizadores dos que as partes alegaram, quando resultarem da instrução causa, desde que sobre eles as partes tenham tido a possibilidade de se pronunciar - al. b)