Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRL00001918 | ||
Relator: | NORONHA NASCIMENTO | ||
Descritores: | EMBARGOS DE TERCEIRO DÍVIDA COMERCIAL COMUNICABILIDADE MORATÓRIA PROVEITO COMUM ÓNUS DA PROVA | ||
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Nº do Documento: | RL199605160011342 | ||
Data do Acordão: | 05/16/1996 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO. | ||
Decisão: | REVOGADA A DECISÃO. | ||
Área Temática: | DIR PROC CIV. | ||
Legislação Nacional: | CCIV66 ART1691 N1 D ART1696 N1. CCOM888 ART13 - ART15 ART463 N1 N3. | ||
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Sumário: | I - A pessoa singular que exerce profissionalmente o comércio é comerciante. II - As dívidas contraidas por um dos cônjuges no exercício do comércio são comuns, salvo se não forem contraidas em proveito comum do casal. III - O ónus da prova da falta de proveito comum cabe ao embargante (cônjuge do executado). IV - A dívida comercial do cônjuge comerciante presume-se contraída no exercício do seu comércio. V - A comunicabilidade da dívida contraida pelo cônjuge executado exclui a moratória imposta pelo artigo 1696, n. 1, do Código Civil. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa: (J) veio embargar de terceiro nos termos do artigo 1038 do CPC, por ter sido ordenada a penhora de bens imóveis do seu casal (e ter sido mesmo penhorado um deles) na execução instaurada por (M) contra sua mulher (A). Alega em resumo que tais bens são comuns do casal e que estão sujeitos à moratória que a lei civil impõe, motivo pelo qual não podem ser penhorados. Após contestação da embargada, os autos seguiram a sua normal tramitação, tendo sido proferida sentença que julgou procedentes os embargos e ordenou o levantamento da penhora sobre os imóveis referidos. Inconformada, a embargada (M) contestou, concluído as suas alegações da forma seguinte: 1) está provada a comercialidade substancial da dívida da mulher do embargante - a ora executada - o que nos leva à aplicação imediata do disposto no artigo 10 do Código Comercial que dispensa, nestes casos, a moratória imposta pelo artigo 1696 n. 1 do Código Civil; 2) pouco importa saber, por isso, se se provou ou não o proveito comum do casal já que aquela comercialidade implicaria consigo a comunicabilidade da dívida e a responsabilidade de ambos os cônjuges; 3) cabia sempre ao embargante provar que não houve proveito comum, prova essa que não fez; daí que sempre seria aplicável no caso o disposto no artigo 1691 n. 1 d) e 1695 n. 1 do Código Civil; 4) a decisão recorrida violou o disposto nos artigos 1691 e 1695 do Código Civil e artigo 10 do Código Comercial. Pede a sua revogação, julgando-se os embargos improcedentes e ordenando-se o prosseguimento da execução. O embargante contra-alegou, defendendo a bondade da decisão. A matéria de facto que importa considerar é a seguinte: a) o embargante casou em 25/07/1959 em primeiras núpcias de ambos e em regime de comunhão geral de bens com a executada (A); b) na execução foram nomeados à penhora os imóveis ids. sob as alíneas a), b), c), d) do n. 3 da petição inicial; c) por despacho de fls. 19 foram ordenadas às penhoras nos bens acima referidos tendo sido expedidas cartas precatórias a Almada, Ponte de Sôr e Silves; d) o imóvel id. na alínea c) do artigo 3 da petição inicial ou seja o prédio urbano (X), foi penhorado; e) por carta de 16/03/93, o embargante tomou conhecimento dessa penhora; f) dão-se por reproduzidos os docs. de fls. 13-26 e de fls. 54-71; g) os cheques referidos no documento oferecido à execução foram dados pela executada (A) para pagamento de parte dos lotes de jóias que a executada adquiria à exequente; h) a executada destinava esses lotes de jóias adquiridas à exequente a revenda. 1) Está em causa saber-se se, no presente caso em que a executada casada (A) contraiu uma vultuosa dívida, há lugar ou não à moratória legal que impõe a inadmissibilidade de executar os bens comuns para pagamento de dívida própria de um dos cônjuges (artigo 1696 n. 1 do Código Civil como, aliás, todos os que se citarem sem indicação expressa de diploma). O que temos, nestes autos, é uma execução dirigida só contra a cônjuge-mulher; pedida a penhora de bens comuns com a subsequente citação do marido para requerer a separação de meações, veio aquele embargar de terceiro nos termos do artigo 1038 do Código de Processo Civil. Na 1. instância, foi-lhe reconhecida razão; ou seja, o Mmo. Juiz entendeu que não se provou o proveito comum da dívida da executada, e nessa conformidade, não se provou a comunicabilidade daquela, motivo pelo qual os bens comuns não poderiam responder. Os elementos fácticos fornecidos pelos autos impõem, porém, a nosso ver, outra resposta; o que conduziu à solução inversa àquela que a 1. instância seguiu. Senão vejamos. 2) Está provado que a dívida da executada (A) proveio de compras de lotes de jóias ao exequente e que, ela própria destinava a revender. O montante dessas compras ascendem, como emerge do processo, a milhares de contos. Considera-se - e bem - que estamos perante dívidas comercialmente substantivas. Diremos, porém, que podemos avançar ainda mais: as compras da executada são actos objectiva e subjectivamente comerciais. São actos objectivamente comerciais porque a executada comprou para revender (artigo 463 n. 1 do Código Comercial). Se a comercialidade objectiva advem basicamente da inserção do negócio jurídico típico, protótipo, na previsão que a lei comercial faz, então o dispositivo daquele artigo 463 n. 1 (cujo reverso é o n. 3 da mesma norma) basta só por si para definir aquela comercialidade. Mas as compras da executada são também subjectivamente comerciais. A comercialidade subjectiva pressupõe a qualidade de comerciante do autor do(s) negócio(s) jurídico(s). Como diz Ferrer Correia os actos de comércio subjectivo "em vez de atribuirem a qualidade de comerciante, supõem-na" ("Lições de Direito Comercial", 1973, I Vol., págs. 124/125). Comerciante é (além de pessoas colectivas que não interessa aqui considerar) a pessoa singular que exerce profissionalmente o comércio, ou que - noutra linguagem - faz do comércio a sua profissão (artigo 13 do Código Comercial). Para tanto, não basta que se pratique apenas um ou alguns actos de comércio; é necessário que se exerça uma actividade comercial, isto é, que se pratique um conjunto de actos englobando numa operação mercantil que viva por si. O comerciante é, no fundo, um mediador de trocas e a sua actividade profissional só existe quando nessa função de mediador, ele insere um conjunto (maior ou menor) de actos que a caracterizam (cfr. Ferrer Correia, ob. cit., págs. 123-128). É a partir desta matriz que se qualifica posteriormente a comercialidade subjectiva. Se o comerciante o é porque profissionalmente exerce o comércio (e este não se basta com a mera prática de actos acessórios ainda que comerciais), então a lei presume sempre que os negócios jurídicos praticados na sequência dessa sua actividade são comerciais. A qualidade de comerciante alicerçada num exercício profissional, vai legitimar a qualificação jurídica que a lei imputa aos negócios que o comerciante celebra. A comercialidade subjectiva pressupõe sempre a definição prévia do comerciante como suporte dessa comercialidade. No caso dos autos, o que temos? A executada (A) comprou jóias para revenda, no valor de largos milhares de contos e não as pagou. A quantidade e o elevado valor de jóias compradas inculcam aquilo que o recorrente afirma no seu articulado: a executada dedica-se ao comércio de venda de jóias. Repare-se que, in casu, não está em jogo um simples e único acto comercial ou até mesmo, um número reduzido e insignificante de negócios comerciais; pela sua amplitude, o que nos aparece é um conjunto tão grande de jóias compradas e a revender que é óbvio que aquela executada se dedica ao comércio de jóias preciosas. Para os efeitos do artigo 13 do Código Comercial, a executada é uma comerciante com todos os corolários que daí advirão. Desde logo, a dívida da executada (A) é comunicável ao marido, nos termos do artigo 1691 n. 1 d) do Código Civil. As dívidas contraídas no exercício do comércio (dívidas subjectivamente comerciais) são comuns, salvo se não forem contraídas em proveito comum do casal. A falta de proveito comum é um facto impeditivo do direito do credor contendo na comunicabilidade; logo, a sua prova incumbe a quem dele se aproveita, ou seja, incumbe ao cônjuge do devedor-réu e que, neste particular, está na mesma posição deste último na relação substantiva controvertida (artigo 342 n. 2). Se a prova dos factos impeditivos recai sobre aquele contra quem se invoca o direito alegado - nos dizeres daquela norma - fácil é fazer a repartição do ónus probatório no caso do artigo 1691 n. 1 d): o credor tem que provar o seu crédito e tem que provar que ele advem da actividade comercial do devedor (factos constitutivos); o devedor (ou o cônjuge) tem que provar que, mau grado a comercialidade, não houve proveito comum (facto impeditivo). O embargante-marido não provou a falta de proveito comum; logo, sem mais, a dívida da mulher era-lhe comunicável. 3) Mas ainda que assim não fosse, a conclusão final seria a mesma. O artigo 15 do Código Comercial estabelece uma prescrição juris tantum a favor do apelante. A dívida comercial do cônjuge comerciante presume-se contraída no exercício do seu comércio - diz aquela norma, remetendo-nos por isso para o regime do já aludido artigo 1691 n. 1 d). No caso sub judice, a dívida da executada provem do seu comércio; mas ainda que a prova positiva não tivesse sido feita, funcionaria aquela presunção com as consequências inerentes: sempre estaríamos perante o regime do artigo 1691. A comunicabilidade da dívida contraída pela executada (A) exclui a moratória a que o apelado lançou mão. Por essa dívida respondem, em primeira linha, os bens comuns e, só, subsidiariamente, os bens próprios de qualquer cônjuge o que nos leva ao afastamento da moratória; esta só se compreende nos casos em que os bens comuns não estão afectos ao pagamento de dívidas comuns ou comunicáveis (artigo 1696 n. 1). 4) Do que se deixa dito, poder-se-à concluir, portanto, que a dívida comercial da executada (A) é sempre comunicável ao seu marido: ou porque se provou que foi adveniente do seu comércio ou porque se tem que presumir isso (por força do artigo 15 da lei comercial). A comunicabilidade da dívida emergente da sua comercialidade subjectiva afasta a moratória; assim sendo, os embargos de terceiro do apelado devem improceder. Estas conclusões saem reforçadas, quanto à solução final se, à presente discussão, ajuntarmos o disposto no artigo 10 do Código Comercial. Dispõe esta norma que a moratória da lei civil é sempre de afastar sempre que se exige, o cumprimento da obrigação emergente de acto de comércio ainda que este seja tão-só unilateral nos termos em que este conceito nos é definido pelo artigo 99 do mesmo diploma. Temos, assim, e em primeiro lugar que o artigo 10 não se aplica aos actos só formalmente comerciais, aliás de acordo com o entendimento jurisprudencial dominante sobre tal norma ainda antes das alterações legislativas introduzidas pelo DL n. 363/77 de 2/9. Abrangidos no âmbito da norma ficarão - sim - os actos substancialmente comerciais, até porque aquele diploma terá vindo consagrar as posições doutrinárias de Ferrer Correia. Temos em segundo lugar, que o artigo 10 engloba fundamentalmente as dívidas emergentes de actos objectivamente comerciais, porquanto a comercialidade subjectiva já estava a coberto da nova redacção dada ao artigo 15 do Código Comercial e da previsão do citado artigo 1691 n. 1 d). Assim sendo, pouco importa saber, afinal, se a executada exercia ou não o comércio, era ou não comerciante. A compra que fez para revenda, como acto objectivamente comercial fê-la incorrer na previsão daquele artigo 10. Ainda que as revendas fossem outorgadas com não comerciantes, ainda que a compra fosse também outorgada com não comerciante (o que é pouco provável, dada a amplitude dos valores em movimento), sempre estaríamos perante dívidas oriundas de actos objectivamente comerciais (e é indiferente que o sejam unilateral ou bilateralmente) que, por isso mesmo, implicavam a dispensa da moratória. O que acabamos de dizer conduz, por conseguinte, à procedência das conclusões das alegações da apelante; seja qual for a óptica pela qual se analize a dívida da executada (A), o embargante não beneficia da aludida moratória. Termos em que se julgam improcedentes os embargos de terceiro deduzidos pelo apelado, ordenando-se consequentemente o prosseguimento da execução, devendo ser mantidas as penhoras efectuadas ou ainda requeridas, assim se julgando procedente a apelação e se revogando a decisão recorrida. Custas pelo apelado. Lisboa 16 de Maio de 1996 Noronha do Nascimento. |