Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
21927/15.0T8LSB-A.L1-2
Relator: NELSON BORGES CARNEIRO
Descritores: JUROS
PRESCRIÇÃO EXTINTIVA
PRAZO DE PRESCRIÇÃO
INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/05/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I – A prescrição de uma dívida de juros, a que alude a alínea d), do art. 310º, do Código Civil, não tem a natureza de prescrição presuntiva, mas de prescrição extintiva, como tal sujeita às regras da interrupção indicadas nos artigos 323º a 327º, do mesmo Código.
II – Interrupção da prescrição é o facto, previsto na lei, que inutiliza todo o tempo da mesma prescrição decorrido até à data em que esse ato se realizou.
III – Instaurada a execução, o prazo de prescrição que esteja a correr interrompe-se por mero efeito da instauração da execução contra o devedor, logo que decorram cinco dias.
IV – Verificada a interrupção, o prazo computado até ao facto interruptivo é totalmente inutilizado, reiniciando-se a sua contagem após o termo do efeito interruptivo.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes da 2ª secção (cível) do Tribunal da Relação de Lisboa:

1. RELATÓRIO
MF…, residente na R. … nº … – …º, Esq., …-… Paço de Arcos, deduziu oposição à execução que lhes foi instaurada por BANCO COFIDIS, S.A., com sede na Av. 24 de julho, 98, 1200-870 Lisboa, pedindo que a execução seja declarada improcedente.
Foi proferido saneador/sentença que “julgou verificada a exceção perentória da prescrição parcial dos juros, declarando-se que o Exequente só os pode pedir a partir 04/08/2015, encontrando-se prescritos os juros anteriores a esta datas, salvaguardando-se apenas os que já estavam abrangidos pela sentença que serve de base à execução, cujo prazo de prescrição é o de 20 anos, devendo os autos da ação executiva, prosseguir os anteriores termos limitados ao que agora foi decidido”.
Inconformado, veio o exequente apelar do saneador/sentença, tendo extraído das alegações[1] que apresentou as seguintes
CONCLUSÕES[2]:
1.) A sentença recorrida fez errada interpretação e aplicação da matéria de facto constante dos autos, e violou o disposto no artigo 310º, alínea d), do Código Civil, bem como o disposto no artigo 323º, nº 2, do dito normativo legal e, até ainda, o disposto no artigo 311º do citado Código Civil, pelo que, por violação dos citados preceitos, deve o presente recurso ser julgado procedente e provado e, em consequência, revogar-se a sentença recorrida, substituindo-se a mesma por Acórdão que decida e reconheça que devem considerar-se prescritos apenas e unicamente os juros e imposto de selo peticionados entre 29/10/2008 e 04/08/2010, desta forma se fazendo correta e exata interpretação e aplicação da lei.
O executado/embargante não contra-alegou.
Colhidos os vistos[3], cumpre decidir.
OBJETO DO RECURSO[4]
Emerge das conclusões de recurso apresentadas por BANCO COFIDIS S.A, ora apelante, que o seu objeto está circunscrito à seguinte questão:
1.)  Prescrição de juros vencidos.
2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. FACTOS PROVADOS NA 1ª INSTÂNCIA
1.) Serve de base à Execução uma sentença judiciária proferida pelo …º Juízo Cível da Comarca de Lisboa, a qual transitou em julgado no dia 29/10/2008, tendo sido partes nesse processo Banco Mais S.A na qualidade de Autor e, MF… na qualidade de Réu (vide certidão folhas 25 e seguintes nos autos de Execução).
2.) Nessa ação onde se formou o título que se executa, está documentado que o Réu foi regularmente citado e não apresentou contestou no prazo legal, pelo que ao abrigo no disposto no artigo 2º, do regime anexo ao Decreto-Lei nº 269/98 de 20 de setembro e, uma vez que não ocorriam de uma forma evidente exceções dilatórias ao que o pedido fosse manifestamente procedente, conferiu-se força executiva à petição apresentada pela Autora.
3.) Nessa petição a Autora pediu a condenação do Réu, ora Exequente, no pagamento da quantia de €12.193,65 acrescida de € 725,72 de juros vencidos até 16/05/2008 e, de € 29,03 a título de imposto de selo sobre os demais juros e, ainda, os vincendos sobre aquela quantia à taxa de 18,89% bem como o imposto de selo à taxa de 4% sobre os juros que recair até integral pagamento.
4.) A execução a que estes embargos têm apensos deu entrada em juízo no dia 30/06/2015 e, o Executado foi citado para os termos da presente execução no dia 06/10/2017.
2.2. O DIREITO
Delimitada a matéria de facto, que não vem impugnada[5], importa conhecer o objeto do recurso, circunscrito pelas respetivas conclusões, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e as que sejam de conhecimento oficioso.          
1.)  PRESCRIÇÃO DE JUROS VENCIDOS.
A apelante entende que se “devem considerar prescritos apenas e unicamente os juros e imposto de selo peticionados entre 29/10/2008 e 04/08/2010”.
O tribunal a quo entendeu que a exequente “só pode pedir os juros a partir dos 5 anos anteriores à data em que se tem por interrompida a prescrição, ou seja, os juros anteriores a 04/08/2015, salvaguardando-se apenas os que já estavam abrangidos pela sentença que serve de base à execução, cujo prazo de prescrição é o de 20 anos”.
Vejamos a questão.
Prescrevem no prazo de cinco anos, os juros convencionais ou legais, ainda que ilíquidos, e os dividendos das sociedadesart. 310º, al. d), do CCivil.
Este artigo consagra casos de prescrição extintiva com prazo especial, porque mais reduzido. O estreitamento do prazo justifica-se uma vez que, nestas situações, estão em causa direitos que têm, em geral, por objeto, prestações periódicas. Este prazo vale para cada uma das prestações que se vai vencendo e não para a obrigação no seu todo[6].
Não se trata, de uma prescrição presuntiva, sujeita ao regime especial estabelecido nos artigos 312º e seguintes, mas de uma prescrição de curto prazo, destinada essencialmente a evitar que o credor retarde demasiado a exigência de créditos periodicamente renováveis, tornando excessivamente pesada a prestação a cargo do devedor[7].
A alínea d) refere-se à prescrição de juros, estipulados pelas partes ou fixados por norma legal, que começará a correr a partir do momento em que possam ser cobrados. Ficam abrangidos pelo prazo de cinco anos os juros vencidos que não estejam reconhecidos por sentença ou por outro título executivo[8].
A dívida de juros, tal como todas as prestações que constituem o correspetivo do gozo de coisas fungíveis, (o que ocorre também na mora, já que o decurso do tempo sem a disponibilização do capital beneficia o devedor e prejudica o credor), detém certa autonomia em relação à dívida de capital que corresponde à prestação obrigacional do contrato celebrado, pelo que cada uma dessas dívidas, com alguma independência entre si está sujeita também a prescrição própria[9].
A dívida de juros renasce periodicamente no termo de cada período ou dia, pelo que quanto à dívida de juros correspondente à mora, a prescrição se conta dia a dia, considerando-se prescritos os juros na medida em que sobre a respetiva obrigação vão decorrendo os cinco anos previstos no art.º 310º, alínea d), do CCivil[10].
É certo, porém, que, tratando-se de uma situação de prescrição extintiva, não pode ela deixar de estar submetida às regras da suspensão e interrupção indicadas nos artigos 318º e seguintes, nomeadamente, a norma do art. 323º, nºs 1 e 2, do CCivil[11].
A prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer ato que exprima, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o ato pertence e ainda que o tribunal seja incompetente art. 323º, nº 1, do CCivil.
Se a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco diasart. 323º, nº 2, do CCivil.
Interrupção da prescrição é o “facto, previsto na lei, que inutiliza todo o tempo da mesma prescrição decorrido até à data em que esse ato se realizou”[12].
Onde surge um ato interruptivo a prescrição não se realiza. A ausência de interrupção é, pois, essencial à verificação da prescrição: ”só a exigência feita em forma de ato interruptivo tem relevância para afastar a prescrição” [13].
O facto interruptivo provém de ato do credor, por meio de notificação judicial de qualquer ato que exprima intenção do exercício do direito, ainda que praticado por um representante, legal ou voluntário. Por razões de certeza, a lei impõe que o ato revista determinada forma – apenas atos judiciais específicos interrompem a prescrição: a citação e a notificação judicial[14].
Se a citação ou notificação é feita dentro dos cinco dias seguintes ao requerimento, não há retroatividade quanto à interrupção da prescrição. Atende-se, neste caso, ao momento da citação ou notificação. Se é feita posteriormente, por causa não imputável ao requerente, considera-se interrompida passados os cinco dias[15].
Instaurada a execução, o prazo de prescrição que esteja a correr interrompe-se por mero efeito da instauração da execução contra o devedor, logo que decorram cinco dias.
O que implica que baste o ato da instauração da ação para interromper o prazo prescricional. Isto porque o efeito interruptivo, sendo como é automático, ocorre logo que passem os mencionados cinco dias, sendo irrelevante, depois, que a citação venha ou não a efetuar-se, podendo-se concluir que esta nada acrescenta ao efeito interruptivo já verificado, não existindo uma segunda interrupção[16].
Ora, tendo a execução sido intentada em 30-07-2015, contados os 5 dias a que alude o art. 323º, nº 2, do CCivil, a interrupção ocorreu em 04-08-2015.
No caso dos autos, o prazo de prescrição dos juros interrompeu-se, assim, cinco dias após a instauração da execução, sendo que esta foi intentada em 30-07-2015.
A interrupção inutiliza para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do ato interruptivo, sem prejuízo do disposto nos n.ºs 1 e 3 do artigo seguinte art. 326º, nº 1, do CCivil.
A interrupção anula a lógica operativa da prescrição: a inércia do titular do direito foi quebrada ou o beneficiário da prescrição adotou um comportamento que se revela, de alguma forma, conforme à existência do direito. Deixa, por isso, de fazer sentido penalizar a inatividade ou tutelar as expectativas de quem revela não as ter. Verificada a interrupção, o prazo computado até ao facto interruptivo é totalmente inutilizado, reiniciando-se a sua contagem após o termo do efeito interruptivo[17].
A interrupção da prescrição determina a inutilização de todo o prazo decorrido anteriormente[18].
Nos casos em que estiverem em causa direitos reconhecidos por sentença ou título executivo, embora o direito estivesse sujeito a uma prescrição de prazo mais curto, passará a prescrever, em regra, no prazo ordinário, e só assim não sucederá se a sentença ou o título executivo se referirem a prestações ainda não devidas, caso em que será aplicável o prazo de curta duração[19].
Verificada uma causa de interrupção da prescrição, reinicia-se a contagem, começa a correr, portanto, um novo prazo prescricional. Nisto se funda a distinção, quanto às respetivas consequências entre interrupção da prescrição, de um lado, e a sua suspensão, de outro; nesta, cessando a causa paralisadora da contagem do prazo, este continua o seu curso.
Como a interrupção inutiliza todo o prazo decorrido até então, e dá início a um novo prazo, os juros vencidos dentro dos cinco anos anteriores à interrupção da prescrição não estão prescritos.
Concluindo, tendo a execução sido intentada em 30-07-2015, contados os 5 dias a que alude o art. 323º, nº 2 do CCivil, a interrupção ocorreu em 04-08-2015, pelo que, os juros vencidos até aos cinco anos imediatamente anteriores não estão prescritos.
Contudo, encontram-se prescritos os juros vencidos entre 29-10-2008 (data do trânsito em julgado da decisão) e 04-08-2010 (5 anos antes de 5 dias após a instauração da execução).
Destarte, procedendo o recurso de apelação, há que revogar a decisão recorrida.
3. DISPOSITIVO
3.1. DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes desta secção cível (2ª) do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar procedente o recurso de apelação e, consequentemente, revoga-se o saneador/sentença proferido pelo tribunal a quo, declarando-se “prescritos apenas e unicamente os juros e imposto de selo peticionados entre 29/10/2008 e 04/08/2010”.       
3.2. REGIME DE CUSTAS
Custas pelo apelado, porquanto a elas deu causa por ter ficado vencido[20].

Lisboa, 2020-03-05
Nelson Borges Carneiro
Pedro Martins
Inês Moura
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[1] Para além do dever de apresentar a sua alegação, impende sobre o recorrente o ónus de nela concluir, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão – ónus de formular conclusões (art. 639º, nº 1) – FRANCISCO FERREIRA DE ALMEIDA, Direito Processual Civil, volume II, 2ª edição, p. 503.
[2] O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão. Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar, as normas jurídicas violadas; o sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas, e invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada – art. 639º, nºs 1 e 2, do CPCivil.
[3] Na sessão anterior ao julgamento do recurso, o processo, acompanhado com o projeto de acórdão, vai com vista simultânea, por meios eletrónicos, aos dois juízes-adjuntos, pelo prazo de cinco dias, ou, quando tal não for tecnicamente possível, o relator ordena a extração de cópias do projeto de acórdão e das peças processuais relevantes para a apreciação do objeto da apelação – art. 657º, n.º 2, do CPCivil.
[4] Todas as questões de mérito que tenham sido objeto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões do recorrente, mostrando-se objetiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso.
    Vem sendo entendido que o vocábulo “questões” não abrange os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, antes se reportando às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir, ou seja, entendendo-se por “questões” as concretas controvérsias centrais a dirimir.
[5] Quando não tenha sido impugnada, nem haja lugar a qualquer alteração da matéria de facto, o acórdão limita-se a remeter para os termos da decisão da 1.ª instância que decidiu aquela matéria – art. 663º, nº 6, do CPCivil.
[6] ANA MORAIS ANTUNES, Prescrição e Caducidade, p. 79.
[7] PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, volume I, 4.ª edição, p. 280.
[8] ANA MORAIS ANTUNES, Prescrição e Caducidade, p. 80.
[9] Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 19-10-2006, Relator: VAZ GOMES, http://www.dgsi.pt/ jtrl.
[10] Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 19-10-2006, Relator: VAZ GOMES, http://www.dgsi.pt/ trl.
[11] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18-11-2004, Relator: ARAÙJO DE BARROS, http://www.dgsi.pt/ jstj.
[12] ANA PRATA, Código Civil Anotado, 2ª edição, p. 428, citando Cunha Gonçalves.
[13] ANA PRATA, Código Civil Anotado, 2ª edição, p. 428.
[14] ANA PRATA, Código Civil Anotado, volume I, 2ª edição, p. 428.
[15] PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, volume I, 4.ª edição, pp. 290/91.
[16] Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 27-03-2014, Relatora: ASSUNÇÃO RAIMUNDO, http://www.dgsi.pt/ jtre.
[17] ANA PRATA, Código Civil Anotado, volume I, 2ª edição, p. 431.
[18] ANA MORAIS ANTUNES, Prescrição e Caducidade, p. 160.
[19] ANA MORAIS ANTUNES, Prescrição e Caducidade, p. 161.
[20] A decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito – art. 527º, nº 1, do CPCivil.