Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
0067122
Nº Convencional: JTRL00012335
Relator: SANTOS BERNARDINO
Descritores: ARRENDAMENTO RURAL
DENÚNCIA
OPOSIÇÃO
Nº do Documento: RL199307010067122
Data do Acordão: 07/01/1993
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Recurso: N
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO.
Área Temática: DIR CIV - DIR OBG / DIR CONTRAT.
Legislação Nacional: DRGI 11-A/77 DE 1977/05/20 ART7 N3 ART15 ART15A N1 ART16 N1 N2 N3.
DRGI 1-A/82 DE 1982/01/28.
DLR 16-A/88 DE 1988/04/11.
Jurisprudência Nacional: AC RE DE 1984/06/20 IN CJ ANOIX T3 PAG337.
Sumário: I - Na Região Autónoma dos Açores o regime de denúncia do contrato de arrendamento rural comporta (ou pode comportar) duas fases: uma, extrajudicial, que envolve recíprocas comunicações escritas entre o senhorio e o arrendatário - aquele a denunciar o contrato e este a opôr-se à denúncia; e outra judicial - de verificação locutual - em que o senhorio, face à oposição do arrendatário, procurará demonstrar o mal fundado de tal oposição.
II - Para se poder concluir que a subsistência económica de uma pessoa é posta em risco pela cessação do arrendamento é necessário provar que a perda do locado, só por si, coloca o arrendatário na impossibilidade de satisfazer as necessidades primárias da existência, degradando significativamente o seu trem de vida.
III - A falta de oposição eficaz do arrendatário na fase preliminar implica que a denúncia opere os seus efeitos legais normais.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:
1 - (A) intentou contra (J) acção de despejo com processo sumário alegando, em síntese, o seguinte:
Por carta de 1991/02/05 denunciou, para o seu termo em 1992/10/31, o contrato de arrendamento rural celebrado verbalmente em 1986/11/01 entre o seu marido e o réu, respeitante ao prédio denominado (K), sito na freguesia de Povoação, com a área de onze alqueires e pela renda anual de 44000 escudos.
O réu, por carta de 1991/02/27, opôs-se à denúncia.
Porém, os factos por ele invocados, não podem fundamentar a sua oposição, pelo que esta deve ser julgada ineficaz.
Deve, assim, ser julgada procedente a acção e o réu condenado a despejar o prédio em causa no termo do contrato em 1992/10/31.
Em contestação, o réu sustenta que os factos em que fundamentou a sua oposição à denúncia são suficientes, que tal oposição se mostra eficaz, já que deles decorre que nem a autora nem os seus parentes ou afins na linha recta vão explorar o prédio, e que a denúncia põe em risco a subsistência económica dele, réu.
Para a hipótese de assim se não entender, vindo a julgar-se válida a denúncia, o réu pediu, em reconvenção, que a autora fosse condenada a pagar-lhe a indemnização de 88000 escudos.
O processo seguiu a sua normal tramitação, vindo, a final, a ser proferida sentença em que o Mmo. Juiz, julgando a acção procedente, declarou eficaz a denúncia efectuada pela autora e condenou o réu a despejar o prédio no termo do contrato, em 1992/10/31; outrossim julgou procedente a reconvenção, condenando a autora a pagar ao réu, naquela aludida data, a quantia de 88000 escudos.
O réu, inconformado, apelou da sentença, tendo rematado as suas alegações de recurso com enunciação das seguintes conclusões:
1. A perda, pelo apelante, da gleba dos autos põe em risco a sua subsistência económica; e
2. Nem a autora nem seus descendentes vão explorar directamente a referida gleba;
3. Foram, assim, violados os artigos 15 e 16 da LARA (Lei do Arrendamento Rural dos Açores), pelo que a decisão proferida deve ser substituída por outra no sentido da improcedência do pedido.
Contra-alegou a autora, pugnando pela manutenção do julgado.
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
2 - São os seguintes factos apurados no julgamento em primeira instância: a) Por contrato verbal de 1 de Novembro de 1986, reduzido a escrito em 24 de Junho de 1987, o marido da autora deu de arrendamento ao réu o prédio denominado (K), sito na freguesia da Povoação, com a área de onze alqueires e pela renda anual de 44000 escudos; b) A autora, por carta de 5 de Fevereiro de 1991, comunicou ao réu que pretendia denunciar o contrato de arrendamento para o seu termo em 31 de Outubro de 1992, para explorar o prédio, por si e seus filhos e parentes ou afins na linha recta; c) Por carta de 27 de Fevereiro de 1991 o réu opôs-se à denúncia feita pela autora; d) O réu tem uma lavoura com 70 vacas e mais 40 outros animais de tenra idade; e) Para alimentar aqueles animais explora 220 alqueires de terra; f) O réu vive exclusivamente da actividade de lavrador; g) A venda de 4 ou 5 cabeças de gado nunca poria em risco a situação económica do réu; h) O réu efectuou investimentos na lavoura; i) O filho da autora é comerciante vendendo pão ao público, e esteve emigrado; j) A autora é doméstica e foi emigrada; l) O réu e qualquer lavrador precisa em média de cinco alqueires de terra de pasto, por ano, para cada vaca; m) O réu não explora terra de pasto suficiente para os seus animais; n) E por isso tem de comprar todos os anos rações e erva a terceiros, dispendendo cerca de mil contos por mês.
3 - A questão que constitui o objecto deste processo
é a de saber se a oposição, operada pelo réu (arrendatário), à denúncia, efectuada pela autora (senhorio), do contrato de arrendamento rural em causa, tem ou não fundamento.
Na Região Autónoma dos Açores as relações jurídicas de arrendamento rural são disciplinadas pelo Decreto Regional n. 11/77/A, de 20 de Maio, com as alterações introduzidas pelo Decreto Regional n. 1/82/A, de 28 de Janeiro e pelo Decreto Legislativo Regional n. 16/88/A, de 11 de Abril.
E - adiante-se desde já - as alterações introduzidas por este último diploma são aplicáveis ao contrato a que se alude no presente processo, atento o disposto no seu artigo 4 n. 1 e 3 (sem prejuízo do que adiante se dirá quanto ao artigo 15).
3.1 - De acordo com a actual redacção do artigo 15 do citado Decreto Regional n. 11/77/A - que, doravante, designaremos pela sigla LARA (Lei do Arrendamento Rural dos Açores) - os contratos de arrendamento a que se refere este diploma consideram-se sucessiva e automaticamente renovados se não forem denunciados pelo senhorio ou pelo arrendatário.
Como é sabido, a denúncia é uma figura privativa dos contratos de prestações duradouras e analiza-se na manifestação de vontade de uma das partes, dirigida à sua não renovação ou continuação; é a declaração feita por um dos contraentes, em regra com certas antecedência sobre o termo do período negocial em curso, de que não quer a renovação ou a continuação do contrato (cfr. A. Varela, "Das Obrigações em Geral", 2 edição, vol. II, pág. 242).
De harmonia com aquele preceito da LARA, o senhorio, querendo denunciar o contrato de arrendamento rural, deve avisar o arrendatário, mediante comunicação escrita, com a antecedência mínima de um ano relativamente ao termo da primeira ou subsequentes renovações.
Na redacção anterior - que havia sido introduzida pelo já mencionado Decreto Regional n. 1/82/A - do citado artigo 15, esta antecedência mínima de um ano era reportada ao termo do prazo inicial ou das suas renovações.
A alteração introduzida pelo Decreto Legislativo Regional n. 16/88/A - referenciando tal antecedência mínima ao termo da primeira ou subsequentes renovações - foi determinada pela inserção, efectuada pelo mesmo diploma no artigo 7 da LARA, da norma contida no seu actual n. 3, segundo a qual "o senhorio não pode opôr-se à primeira renovação" do contrato.
Esta norma, porém, não se aplica ao contrato de arrendamento rural a que aludem os presentes autos, como claramente decorre do disposto no artigo 4 n. 3 do citado Decreto Legislativo Regional n. 16/88/A.
Por isso mesmo, e em relação ao caso vertente, tem aplicação a anterior redacção do artigo 15 da LARA - já que, não estando obrigada a suportar, inerte, a primeira renovação do contrato e podendo, por isso, opôr-se a essa renovação pela via da denúncia, deverá obviamente fazê-lo com a antecedência definida na lei relativamente ao termo do prazo inicial.
3.2 - A denúncia importa para o senhorio certas obrigações, definidas no n. 1 do artigo 15 - A da LARA (redacção do DLR 16/88/A).
Assim, ele fica obrigado, em alternativa, e salvo caso fortuito ou de força maior: a) a explorar o prédio ou prédios, por si, seu cônjuge não separado judicialmente de pessoas e bens ou de facto e por parentes ou afins na linha recta, durante o prazo mínimo de seis anos; ou b) a alienar o prédio no prazo de um ano a contar da data da cessação do contrato.
Operada a denúncia por parte do senhorio, pode o arrendatário opôr-se-lhe, através de comunicação escrita, àquele dirigida no prazo de sessenta dias a contar da data em que dele tiver recebido o escrito que corporiza a denúncia do contrato. Nessa comunicação escrita de oposição à denúncia deve o arrendatário alegar que o senhorio não pode ou não tenciona cumprir as obrigações, acima transcritas, referidas no n. 1 do artigo 15-A, e (ou) que a efectivação da denúncia põe em risco a sua subsistência económica (cfr. artigo 16 ns. 1, 2 e 3 da LARA).
Porém, ainda aqui o senhorio pode obstar à oposição à denúncia, se no prazo de sessenta dias após a recepção da declaração do arrendatário instaurar acção judicial na qual alegue e prove a inviabilidade formal da oposição ou a sua falta de fundamento (artigo 16 n. 2 da LARA).
Cabe ainda referir, no elenco das normas legais atinente à denúncia, o artigo 16-A da LARA, que atribui ao arrendatário que viva exclusivamente da actividade agrícola e ou pecuária e cujo contrato tenha sido denunciado pelo senhorio, o direito a uma indemnização, a pagar por este no acto da entrega do prédio ou prédios, calculada na base do valor da renda paga aquando da denúncia e correspondente a um terço do número de anos de vigência do contrato.
3.3 - Decorre da regulamentação legal acabada de enunciar que na Região Autónoma dos Açores o regime de denúncia do contrato de arrendamento rural comporta (ou pode comportar) duas fases: uma, extrajudicial, que envolve as recíprocas comunicações escritas entre o senhorio e o arrendatário - aquele a denunciar o contrato, sem necessidade de invocar quaisquer razões para tal, e este a opôr-se à denúncia, tendo de fundamentar a sua oposição pelo modo já referido; e outra judicial - de verificação eventual, pois não existe se o arrendatário não se opuser à denúncia ou se, tendo-se oposto, o senhorio, face à oposição (extrajudicial) do arrendatário, procurará demonstrar o mal fundado de tal oposição.
Assim, na fase extrajudicial:
1 - O senhorio não precisa de alegar, na comunicação escrita a enviar ao arrendatário, que denuncia o contrato para - por si, seu cônjuge e parentes ou afins na linha recta - passar a explorar o prédio ou prédios objecto do contrato;
2 - O arrendatário deve alegar, na oposição à denúncia, os factos dos quais seja lícito inferir que:
- o senhorio não pode ou não tenciona cumprir as obrigações referidas no n. 1 do artigo 15-A da LARA; ou que:
- a efectivação da denúncia põe em risco a sua subsistência económica.
É por via dessa comunicação do arrendatário que o senhorio toma conhecimento da situação pessoal daquele e dos motivos da sua oposição, ficando, então, habilitado a propôr a acção - o que terá de fazer no prazo de 60 dias supra aludido.
Por isso, na sua comunicação de oposição à denúncia, o arrendatário deve alegar apenas factos com virtualidade para integrarem o fundamento ou fundamentos de oposição de que pretenda valer-se; e deve alegar todos os factos com essa virtualidade, já que não terá nova oportunidade para o fazer, designadamente na acção que o senhorio veio a intentar, atenta a finalidade e o objecto desta.
Nessa acção, o senhorio tem de alegar e provar (cfr. artigo 16 n. 2 da LARA) a falta de fundamento da oposição do arrendatário, isto é,
- que não são verdadeiros os factos dos quais o arrendatário pretende fazer derivar a conclusão de que ele, senhorio, não pode ou não tenciona cumprir as obrigações referidas no n. 1 do artigo 15-A da LARA; e
- que não são verdadeiros os factos tendentes a demonstrar que a efectivação da denúncia põe em risco a subsistência económica do arrendatário.
Assim, a acção intentada pelo senhorio procederá se este lograr fazer esta prova; e procederá igualmente - independentemente da prova produzida - se os factos alegados em oposição à denúncia não integrarem o fundamento legal respectivo.
3.4 - Enunciadas as regras legais a ter em conta, revestamos ao caso "sub judicio".
Acha-se provado que, por carta de 1991/02/05, a autora (senhoria) denunciou para o seu termo, em 1992/10/31, o contrato de arrendamento rural celebrado com o réu, respeitante ao prédio denominado (K), sito na freguesia de Povação, inserido na matéria predial respectiva sob o artigo 2372.
Na aludida carta, cuja cópia se acha a fls. 7, a autora referiu expressamente que a denúncia era feita nos termos do artigo 15 - b) e do artigo 15-A n. 1 - a) da LARA, i. c., para ela explorar o prédio, por si, seus filhos e parentes ou afins na linha recta, durante o prazo mínimo de seis anos.
Por carta de 1991/02/27 o réu opôs-se à denúncia, alegando, antes de mais, que tal denúncia, a efectivar-se, poria em risco a sua subsistência económica.
E para demonstrar tal conclusão, aduziu a seguinte factualidade:
- Explora de pastagem 220 alqueires e tem 70 vacas leiteiras e outro gado, incluindo 40 animais de tenra idade;
- Cada vaca precisa de 5 alqueires de pastagem por ano para a sua alimentação;
- A sua exploração (dele, réu) é deficitária, pois que, em média e por cada vaca, tem menos de três alqueires de pastagem;
- O número elevado de vacas para a terra que explora justifica-se, nesta altura, uma vez que os produtores foram incitados a aumentar o número de vacas e a produção de leite tendo em vista a quota leiteira imposta pela CEE;
- Neste momento, é à custa de muita ração e compra de ervas a terceiros que mantém a sua exploração pecuária;
- Por outro lado, e tendo em atenção a quota leiteira, foi obrigado a contrair empréstimos bancários para aquisição de vacas e novilhos importadas, em número de 40, devendo à banca cerca de 12000 contos;
- Vive exclusivamente da sua exploração pecuária e sustenta o seu agregado familiar composto de esposa (doméstica) e mãe (viúva).
Mas o réu não se ficou por aqui, acrescentando ainda o seguinte:
- A autora e seus filhos nunca exerceram a profissão de lavradores ou agricultores, pelo que não vão agora exercê-la, e vivem desafogadamente quer porque o filho vende pão por sua conta quer porque a autora vive de rendimentos e de reforma americana.
E o réu rematou assim a sua carta:
"Por tudo isto oponho-me à denúncia uma vez que ficaria em risco a minha situação económica e subsistência".
Perante esta oposição cumpria à autora intentar acção com vista a demonstrar a falta de fundamento de tal oposição. E a autora fê-lo, instaurando a presente acção em 1991/04/02.
3.5 - Terá, porém, logrado a prova da falta de fundamento da oposição?
Já atrás deixámos indicados os factos nos quais o arrendatário apelante apoiava a sua oposição à denúncia.
Com vista a demonstrar que tais factos não justificam a conclusão de que a denúncia do contrato poria em risco a subsistência económica do apelante a autora sustentou que ele não necessita de mais do que 3000 metros quadrados de terra por ano para alimentar uma cabeça de gado; ora, explorando 306000 metros quadrados de pastagem para alimentar
110 cabeças de gado - das quais 40 são animais de tenra idade - há que concluir que ele tem terra mais do que suficiente para alimentar os seus animais, bem podendo dispensar o prédio dela, autora, de apenas 11 alqueires de área - ou seja, 15323 metros quadrados - que apenas é bastante para alimentar 4 a 5 cabeças de gado.
Mesmo que o réu tivesse de vender essas 4 ou 5 cabeças de gado por falta do prédio - conclui a autora - nunca tal poria em risco a situação económica daquele, sustentada por uma lavoura de
110 cabeças de gado.
Volvendo agora a nossa situação para a matéria de facto apurada a este respeito verificamos que
- o réu tem uma lavoura com 70 vacas e mais 40 outros animais de tenra idade;
- explora, para alimentar esses animais, 220 alqueires de terra;
- precisa, em média, de 5 alqueires de terra de pasto, por ano, para alimentar cada vaca;
- por não explorar terra de pasto suficiente para os seus animais tem de comprar todos os anos rações e erva a terceiros, dispendendo cerca de 1000 contos/mês;
- o réu vive exclusivamente da actividade de lavrador e efectuou investimentos na lavoura;
- a venda de 4 ou 5 cabeças de gado nunca poria em risco a sua situação económica.
Que concluir de tudo isto?
Como referem P. Lima - A. Varela (Código Civil anotado, II vol., 3 edição, pág. 469), saber quando a cessação do arrendamento põe em risco a subsistência económica de uma pessoa e do seu agregado familiar não é questão a que possa responder-se em termos absolutos, com critérios puramente aritméticos ou estatísticos. Trata-se de questões cuja solução depende, em larga medida, da apreciação concreta das circunstâncias de cada situação real.
Faz-se, pois, aqui apelo aos critérios pessoais do julgador na apreciação das situações de facto.
E, tal como o Mmo. Juiz "a quo", também a nós se nos afigura que em termos de oposição à denúncia para se poder concluir que a subsistência económica de uma pessoa é posta em risco pela cessação do arrendamento não basta a demonstração de que tal cessação importa uma qualquer perda de rendimentos, um qualquer prejuízo para essa pessoa. É necessário algo mais: é necessário provar que a perda do locado, só por si, coloca o arrendatário na impossibilidade de satisfazer as necessidades primárias da existência, degradando significativamente o seu trem de vida - o que inculca o carácter essencial do locado na economia do arrendatário.
Ora, de tal não pode falar-se em relação a um pequeno prédio de 11 alqueires de área - o equivalente a cerca de 15000 metros quadrados - que alimenta pouco mais de dois animais por ano e que se engloba numa exploração agrícola e pecuária que envolve 110 cabeças de gado e 220 alqueires de terra (cerca de 306000 metros quadrados).
O que a perda do prédio em causa pode implicar, para o arrendatário, é a necessidade de reduzir em duas ou três unidades o seu parque pecuário, mas sem que tal redução contenda com a estabilidade da sua situação económica, provado que se acha que a venda de 4 ou 5 cabeças de gado nunca poria em risco essa situação económica.
Afoitamente, pois, se pode concluir que carece de fundamento a alegação de que a perda do locado poria em risco a subsistência económica do apelante arrendatário.
3.6 - Na carta em que formalizou a sua oposição à denúncia referiu ainda o réu - tal como já deixamos evidenciado - que a autora e seus filhos nunca exerceram a profissão de lavradores, pelo que não vão agora exercê-la; a autora é doméstica e vive de rendimentos e de uma reforma americana e o filho é comerciante, vendendo pão por contra própria.
Com tal alegação terá o réu pretendido - não obstante não o ter referido expressamente na referida missiva - dar corpo ao outro dos fundamentos de oposição à denúncia do contrato, ou seja, ao enunciado na al. a) do n. 3 do artigo 16 da LARA.
De acordo com este normativo é fundamento de oposição à denúncia, a alegação, por parte do arrendatário, de que o senhorio não pode ou não tenciona cumprir as obrigações referidas no n. 1 do artigo anterior, maxime a de explorar o prédio, por si, seu cônjuge, parentes ou afins na linha recta, durante o prazo mínimo de seis anos.
É, porém, evidente que a simples alegação de que a autora e seus filhos nunca exerceram a profissão de lavradores não é, só por si, bastante para se poder concluir que ela não pode ou não tenciona explorar o prédio objecto do contrato de arrendamento, por si e pelos seus referidos filhos; como evidente
é também que a circunstância de ser a autora doméstica e o seu filho vendedor de pão não é incompatível com o exercício da agricultura e a exploração do dito prédio.
Aquela alegação do réu não integra assim - à míngua de factos indiciadores - o fundamento de oposição à denúncia supra aludido.
Sustentando o réu que a autora não tenciona (i. c., não tem a intenção) explorar, por si ou seus familiares, o prédio em causa, cabia-lhe alegar e levar ao conhecimento desta os factos demonstrativos ou indicadores dessa intenção (ou falta de intenção).
É que, cabendo ao senhorio, na acção a intentar, alegar e provar a falta de fundamento da oposição, tem ele de ter o prévio conhecimento dos factos em que se estriba tal oposição, para poder opôr-lhes, na petição inicial da acção, outros factos que demonstrem o mal fundado dela. De outro modo ficar-lhe-ia coarctada, à partida, a possibilidade de cumprir tal exigência legal de alegação e prova.
Vale dizer que, no caso concreto, e no que concerne ao fundamento ora em apreço, o réu arrendatário não deduziu oposição eficaz, pelo que não tinha o senhorio de provar a falta de fundamento de tal oposição.
Com efeito tem aqui plena validade a asserção - embora produzida num contexto legal diferente do da Região Autónoma dos Açores - segundo a qual "a falta de oposição eficaz do arrendatário na fase preliminar implica que a denúncia opera os seus efeitos legais normais" (Ac. Rel. Évora de 1984/06/20, in Col. Jur. anoIX, tomo 3, pág. 337).
Fica, assim, demonstrada também a improdência das conclusões 2 e 3 do apelante.
Face a tudo quanto se deixa exposto acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando-se inteiramente a douta sentença apelada.
Custas pelo apelante.
Lisboa, 1 de Julho de 1993
António Cardoso dos Santos Bernardino,
Noronha Nascimento,
Eduardo Baptista.