Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | URBANO DIAS | ||
Descritores: | PERSONALIDADE JUDICIÁRIA | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 07/08/2004 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | AGRAVO | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
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Sumário: | Os Serviços Municipalizados de Almada carecem de personalidade judiciária, o que determina a absolvição da instância. Ao contrário do que se verifica com a falta de capacidade judiciária ou a falta de legitimidade, a falta de personalidade judiciária não pode ser suprida. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa: 1 – Em 30 de Abril de 1999, Soplasnor – Sociedade de Plásticos do Norte, S. A. intentou, no tribunal cível da comarca de Matosinhos, acção sumária contra Serviços Municipalizados de Almada, pedindo a sua condenação no pagamento de 824.342$00 acrescida de juros de 217.079$00 e vincendos até integral pagamento. 2 – A R. contestou a arguiu a excepção de incompetência territorial e a sua falta de personalidade judiciária. 3 – Por acórdão do Tribunal da Relação do Porto, foi julgado competente o tribunal judicial de Almada. 4 – Em sede de despacho saneador, o Mº juiz da comarca de Almada julgou procedente a arguição da R. relativamente à sua falta de personalidade judiciária e, em consequência, absolveu-a da instância. 5 – A A. não se conformou com tal decisão e dela agravou para esta instância pedindo a sua revogação, tendo rematada a sua alegação com as seguintes conclusões: - Nas relações perante a agravante surgiu sempre o agravado, em seu nome próprio, como resulta da documentação junta ao processo, em consequência da sua autonomia administrativa e financeira; - Nos serviços municipalizados o empresário é o município, pelo que deve entender-se que a mera imprecisão técnica decorrente da propositura da acção em nome do agravado, que não do Município, é uma falsa questão, não impeditiva do conhecimento do fundo da questão; - Antes se deve considerar a acção proposta contra o agravado como sendo deduzida contra o próprio Município e portanto que foi validamente demandado e defendido pela contestação apresentada; - Sempre teria de se entender que a senhora juiz a quo deveria ter feito uso do convite à correcção, nos termos do art. 508º do CPC, em vez de deitar abaixo a acção, contra todas as evidências e com grave prejuízo da economia processual. 6 – A agravada não contra-alegou. 7 – O Mº juiz a quo manteve a sua posição. 8 – Releva na decisão do presente recurso o seguinte: - em 30 de Abril de 1999, a agravante intentou, no tribunal da comarca de Matosinhos a presente acção, pedindo a condenação dos Serviços Municipalizados de Almada no pagamento de 824.342$00, correspondente a fornecimentos feitos, e respectivos juros. 9 – A questão que se coloca é a de saber se, na verdade, a R. tem personalidade judiciária ou não e, ainda, no caso de não a ter, se deveria o Mº juiz a quo ter convidado a agravante a suprir a nulidade correspondente. De acordo com o nº 1 do art. 5º do C.P.C., a personalidade judiciária consiste na susceptibilidade de ser parte. E o nº 2 do mesmo preceito estabelece que quem tiver personalidade jurídica tem igualmente personalidade judiciária. A personalidade judiciária consiste, assim, na possibilidade de requerer ou contra si ser requerida, em nome próprio, qualquer das providências de tutela jurisdicional reconhecidas na lei.[1] Nos termos do disposto na al. c) do nº 1 do art. 287º do C.P.C., o juiz deve abster-se de conhecer do pedido e absolver o R. da instância quando entenda que alguma das partes é destituída de personalidade judiciária. Ora bem. Nos termos do art. 164º do C. Administrativo, é permitido às câmaras explorar, sob a forma industrial, por sua conta e risco, serviços públicos de interesse local. A municipalização de serviços é da competência da assembleia municipal, ut art. 39º, nº 2, al. g) do D.-L. 100/84, de 29 de Março.[2] Os Serviços Municipalizados são verdadeiras empresas públicas municipais que, não tendo personalidade jurídica, estão integrados na pessoa colectiva município.[3] Daqui resulta que a presente acção deveria ter sido intentada contra o Município de Almada que é quem tem personalidade jurídica e, consequentemente, personalidade judiciária e nunca contra os Serviços Municipalizados de Almada que não têm personalidade jurídica e, portanto, carecem de personalidade judiciária. Nenhuma crítica merece, pois, a decisão impugnada quando defendeu a falta de personalidade jurídica e consequente falta de personalidade judiciária da R. e, consequentemente, a absolveu da instância. A própria agravante, nas suas alegações, acaba por reconhecer que a R. carece de personalidade judiciária, mas defende que em causa está uma falsa questão por se tratar de uma mera imprecisão técnica. Não concordamos com tal posição: uma coisa é o município – pessoa jurídica e, consequentemente, dotada de personalidade judiciária, outra, bem diferente, é um serviço municipalizado que não tem personalidade jurídica e, portanto, também não tem personalidade judiciária. O problema que se pode colocar – e é colocado pela agravante – é o de saber se tal erro poderia ter sido sanado, convidando a A. à correcção. A nosso ver, a resposta a tal questão não pode deixar de ser negativa. Ao passo que, em relação à falta de capacidade judiciária e à falta de legitimidade judiciária, o legislador admitiu de forma expressa a sanação de tais nulidades (cfr. art. 23º do C.P.C.), quanto à falta de personalidade judiciária o mesmo nada disse a este respeito. Compreende-se perfeitamente a posição do legislador: a falta de personalidade judiciária não permite que haja qualquer suprimento, ela é irremovível. Como bem salienta Alberto dos Reis, a falta de personalidade judiciária não tem remédio, não pode ser suprida.[4] Também Antunes Varela e Outros defendem que a falta de personalidade judiciária é, em princípio, irremovível.[5] Na mesma linha de orientação, podemos ver Abrantes Geraldes que sustenta ser insuprível a falta de personalidade judiciária, nada mais restando ao juiz que proferir, no despacho saneador, a decisão da absolvição da instância. E o ilustre desembargador de Lisboa, sublinha que caso diferente da falta de personalidade judiciária é a errada identificação dos sujeitos, caso em que, nos termos do nº 2 do art. 508º do C.P.C., deve haver lugar a convite de aperfeiçoamento[6]. Poder-se-ia dizer que ao caso é aplicável a doutrina do art. 8º do C.P.C. que estabelece que a falta de personalidade judiciária das sucursais, agências, filiais, delegações ou representações pode ser sanada mediante a intervenção da administração principal e a ratificação ou repetição do processado. Miguel Teixeira de Sousa admite, com dúvidas, que se possa aplicar analogicamente o disposto no art. 8º do C.P.C. quando seja demandado um organismo de Estado sem personalidade judiciária, fazendo intervir o Estado e procedendo-se à ratificação do processado[7]. Salvo o sempre devido respeito por tão douta opinião, entendemos que tal tese não pode ser aceite no caso concreto de ser demandado um serviço municipalizado por este carecer em absoluto de falta de personalidade jurídica (e, consequentemente, de personalidade judiciária). Repare-se que, em relação às entidades referidas no art. 8º, o legislador entendeu por bem conceder-lhes o estatuto de personalidade judiciária quando a acção proceda de facto por elas praticado (cfr. art. 7º do C.P.C.). Mas já não estendeu tal estatuto a outros organismos. Em conclusão, diremos que a aqui demandada carece de absoluta falta de personalidade judiciária, sendo tal nulidade insuprível, razão pela qual o Mº juiz a quo, ao chegar ao saneador, não tinha outra alternativa que não fosse absolver a mesma da instância, não havendo lugar aqui a qualquer convite com vista a suprir a nulidade referida. 10 – Em conformidade com o exposto e sem necessidade de qualquer outra consideração, decide-se negar provimento ao agravo e, consequentemente, manter a decisão recorrida, com custas pela agravante. Lisboa, aos 8 de Julho de 2004 [1] Cfr. Antunes Varela e Outros, In Manual de Processo Civil – 2ª edição - , pág. 108.Urbano Dias Gil Roque Sousa Grandão __________________________________________ [2] Diploma legal em vigor à data da propositura da acção. [3] Vide Freitas do Amaral. In Curso de Direito Administrativo – 2ª edição, Vol. I, pág. 500 e ss. e Marcello Caetano, in Manual de Direito Administrativo, Vol. I, pág. 348. [4] Vide Código de Processo Civil anotado, Volume I, pág. 66. [5] Vide Obra supra citada, pág. 116. [6] Vide Temas da Reforma do Processo Civil, II Volume, pág. 67. [7] Vide Estudos Sobre O Novo Processo Civil, pág. 139. |