Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
33/06.3TYLSB.L1-6
Relator: MÁRCIA PORTELA
Descritores: MARCAS
FUNÇÃO DISTINTIVA DA MARCA
CONFUSÃO
APROPRIAÇÃO ILÍCITA
MARCA FRACA
EFICÁCIA
DISTINÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/26/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA A DECISÃO
Sumário: 1. A principal função da marca é a função distintiva, ainda que possa complementarmente desempenhar uma função de garantia da qualidade dos produtos e serviços (função derivada) e uma função de publicidade (função complementar).
2. A marca há-de ser constituída por forma tal que não se confunda com outra anteriormente adoptada para o mesmo produto ou semelhante.
3. As marcas devem ser apreciadas no seu conjunto só se devendo recorrer à dissecação analítica por justificada necessidade.
4. As componentes genéricas ou descritivas são irrelevantes no conjunto da apreciação das marcas.
5. O consumidor a que se apela não é um consumidor concreto, mas um consumidor abstracto, o consumidor médio, que pode variar conforme a natureza dos bens ou serviços em causa.
6. No caso das marcas «fracas», por integrarem elementos com pouca capacidade distintiva, insusceptíveis de apropriação, pode bastar uma pequena variação para afastar o juízo de confundibilidade, enquanto nas marcas «fortes» o grau de exigência é maior, sendo necessária uma diferença de tipo para afastar esse juízo.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa

1. Relatório

Euro ...., sociedade comercial de direito islandês com sede na Islândia, interpôs recurso do despacho do Senhor Director do Serviço de Marcas do Instituto Nacional da Propriedade Industrial que recusou a protecção em território português da marca internacional n.º ....
Alegou para tanto, e em síntese, que a marca em apreço não é confundível com as marcas da recorrida, invocadas pela mesma na reclamação apresentada no processo administrativo. E que, tratando-se de marcas «fracas», uma vez que o elementos preponderante é uma expressão meramente descritiva «Tax Free», a protecção das referidas marcas será obrigatoriamente mais ténue, concluindo-se da análise dos vários elementos e do conjunto das mencionadas marcas, que não existe risco de confusão ou associação entre as marcas.
Foi cumprido o disposto nos artigos 43º e 44º do Código da Propriedade Industrial de 2003.

Respondeu Global ....., alegando, em síntese, que se encontram verificados os requisitos cumulativos previstos no artigo 245º do Código da Propriedade Industrial, sendo que, no caso, só o exame atento por parte do consumidor, no acto da solicitação dos serviços, poderá permitir que se aperceba que se tratam de marcas diferentes, não deixando de ser possível e altamente provável a concorrência desleal.

Foi proferida sentença mantendo o despacho recorrido.

Inconformada, apelou a Euro...., apresentando as seguintes conclusões:

«I. A douta sentença recorrida manteve o despacho do Sr. Director do Instituto Nacional de Propriedade Industrial que considerou a marca internacional da Recorrente imitativa das marcas da Recorrida, imitação essa alegadamente proibida pelo artigo 245.° do Código de Propriedade Industrial.
II. Porém, a marca da Recorrente não é imitativa das marcas da Recorrida, pois, com efeito, apenas têm um elemento em comum, a saber, a expressão "TAX FREE", sendo que, de resto, do ponto vista gráfico e cromático, são inteiramente distintas;
III. Acontece que esse elemento comum - "Tax Free" -, que designa uma espécie de prestação de serviços, constitui um elemento genérico e descritivo, insusceptível de ser apropriado pela Recorrida, por força do disposto no artigo 223.° do CPI;
IV. Com efeito, "Tax Free" é uma expressão constituída por uma indicação que, no comércio, serve para designar uma espécie de prestação de serviços, sendo, com frequência, utilizada em diversos espaços e zonas comerciais e identifica a prestação de serviços de reembolso de IVA.
V. Aliás, a expressão "TAX FREE" refere-se a um tipo de serviços prestado por inúmeras entidades que concorrem no mesmo mercado, que não apenas a Recorrida.
VI. Note-se que é entendimento unânime na doutrina que os elementos genéricos de uma marca podem ser utilizados pela generalidade dos comerciantes, excepto se esse elemento tiver adquirido eficácia distintiva ou secondary meaning, o que, manifestamente, não sucedeu no caso em apreço;
VII. Pretende-se, assim, evitar a apropriação e o uso exclusivo de indicações que, dado o seu carácter descritivo de produtos ou serviços, se deverão manter disponíveis para todos os comerciantes;
VIII. Por isso, tanto a Requerente como a Requerida podem legitimamente criar e utilizar marcas que incluam a referência ao serviço de "Tax Free", pois, conforme se referiu, não faz sentido que as expressões de uso vulgar e generalizado possam ser objecto de uso exclusivo ou monopolização;
IX. Note-se, por exemplo, que diversas marcas incluem as expressões "drive in" e "rent a car", sem que isso as tome confundíveis entre si (cfr. Docs. 10 a 23 da petição inicial que exemplificam a situação supra descrita);
X. As marcas da Recorrente e da Recorrida são "marcas fracas" ou "sugestivas", uma vez que o seu elemento preponderante - "Tax Free" - apenas sugere ou indica a actividade desenvolvida por aquelas;
XI. A protecção de que gozam tais marcas fracas é mais ténue, devendo o Tribunal centrar a sua apreciação no aspecto gráfico e cromático, que confere àquelas o seu carácter distintivo;
XII. E isto porque é nesses aspectos - gráficos e cromáticos - que o consumidor atentará no momento de escolher entre os prestadores de serviços existentes, uma vez que sabe que "Tax Free" é a actividade de todos eles;
XIII. Por conseguinte, a comparação das marcas em confronto pelo Tribunal não pode atender à expressão genérica "Tax Free", tendo antes de se centrar nos aspectos gráficos e cromáticos das mesmas, sob pena de se desvirtuar a proibição de apropriação e uso exclusivo de elementos genéricos prevista no artigo 223º, n.° 1 e 2 do CPI;
XIV. Ora, analisando a marca internacional n.° ....., da Recorrente, confirma-se que a mesma é constituída por três elementos circulares e uma seta de grandes dimensões preta que começa no interior dos círculos e termina no exterior dos mesmos, na qual se encontra inscrita, a letras de cor branca a expressão "TAX FREE ". Os elementos circulares são compostos por três linhas de cores diferentes (azul, branco e vermelha) sendo a linha exterior, azul, mais larga do que as linhas interiores, com as cores branca e vermelha";
XV. Resulta imediatamente que as cores em presença são evocativas da bandeira da Islândia, onde se situa a sede da Recorrente, sendo que a forma circular da mesma representa o € e a seta constante da marca representa a saída (não aplicação) do sistema de impostos europeu;
XVI. Por seu turno, a marca comunitária n.° .... da Recorrida "é constituída por uma figura de um rectângulo, assente sobre a parte de menor dimensão composto por duas linhas de cores azul e cinzenta, com inserção, dentro do mesmo, das palavras em destaque "TAX FREE" e por baixo das mesmas, em letras menores, "FOR TOURISTS. Por baixo da figura estão inseridas as palavras "Europe taxfree Shopping";
XVII. A marca comunitária n.° ... da Recorrida é "composta pela figura de um quadrado aberto, com as cores azul exterior e cinzento anterior que termina numa seta vertical, encontrando-se inseridas, dentro do mesmo, as palavras "TAX FREE" em destaque e em letras menores "SHOPPING";
XVIII. A marca internacional n.°... da Recorrida é "composta por uma figura de um rectângulo, assente sobre a parte de menor dimensão, composto por duas linhas de cores verde e cinzenta, com inserção, dentro do mesmo das palavras em destaque "TAX FREE" e por baixo das mesmas em letras menores "SHOPPING" e por baixo desta em letras brancas sob um fundo verde "MAIL BACK REFUND ", em letras pequenas";
XIX. Finalmente, a marca internacional n.° ... da Recorrida "é composta por uma figura de um rectângulo, assente sobre a parte de menor dimensão, composto por duas linhas de cor de tolo e cinzenta, com inserção, dentro do mesmo das palavras em destaque "TAX FREE" e por baixo das mesmas em letras menores "SHOPPING" e por baixo desta em letras brancas sob um fundo cor de tijolo "VAT OFF REFUND ", em letras pequenas";
XX. Constata-se que enquanto a marca internacional da Recorrente se baseia nas cores vermelho e azul vivos, as marcas da Recorrida baseiam-se nas cores azul e cinzento baços (marcas n.°s ... e ...), verde e cinzento baços (marca n.° ...) e tijolo e cinzento baços (marca n.° ....), respectivamente.
XXI. Note-se que o azul e o cinzento utilizados pela Recorrida são cores "mortas", que não se destacam entre elas. Por outro lado, o vermelho vivo utilizado pela Recorrente destaca-se claramente do azul;

XXII. Em relação ao grafismo das marcas, note-se que se confrontam um círculo (no qual se insere uma seta horizontal totalmente independente do círculo e que goza de uma autonomia manifesta do conjunto), com um quadrado que termina numa flecha vertical sem qualquer autonomia daquele.
XXIII. Ademais, enquanto na marca da Recorrente o elemento denominativo "TAX FREE" se encontra transcrito em letras brancas sobre um fundo de cor preta, escritas em itálico, isto é, ligeiramente inclinadas para a direita, nas marcas da Recorrida as letras são de cor preta sobre um fundo branco e o tipo de letra é normal, sem qualquer inclinação;
XXIV. Na proporção do conjunto da marca, o tamanho do elemento denominativo na marca da Recorrente é muito menor do que o tamanho do elemento denominativo das marcas da Recorrida;
XXV. Em suma, cumpre reconhecer que as distinções assinaladas evidenciam que os sinais em confronto não são confundíveis, inexistindo, por isso, risco de confusão entre eles, ou associação entre as marcas;
XXVI. Não obstante, o Tribunal a quo decidiu, apesar de reconhecer a existência dos referidos elementos diferenciadores das marcas em confronto, que as mesmas contêm elementos semelhantes, "como a divisão exterior da figura em duas partes, a inserção em destaque das palavras "TAX FREE" e a utilização de setas e figuras geométricas, que não afastam a mencionada impressão global coincidente entre as marcas";
XXVII. Contudo, decidiu mal o Tribunal a quo quando, em face daqueles elementos diferenciadores não reconheceu que as marcas sub judice são efectivamente distintas, certamente por entender - ainda que de forma não declarada - que o elemento "Tax Free" preponderante pertencia à Recorrida;
XXVIII. Aliás, afigura-se evidente à Recorrente que a sentença recorrida padece de um vício lógico, pois o Tribunal a quo não retirou as conclusões devidas da matéria que considerou provada;
XXIX. A expressão "TAX FREE" não pode ser tomada em consideração no juízo comparativo entre os sinais em confronto, uma vez que constitui um elemento genérico, insusceptível de apropriação ou utilização exclusiva.
XXX. Acresce que o facto de as marcas em confronto se dividirem em duas partes não pode constituir um elemento decisivo no juízo do risco de associação e/ou confusão entre os mesmos;
XXXI. Ademais, as setas e figuras geométricas utilizadas nos sinais em confronto são absolutamente distintas entre si, conforme se referiu;
XXXII. Por último, é ainda de salientar que na marca da Recorrente, a expressão "TAX FREE", encontra-se transcrita em letras brancas sobre um fundo de cor preta, escritas em itálico, enquanto que nas marcas da Recorrida as letras são de cor preta sobre um fundo branco e o tipo de letra é normal, ou seja, não tem qualquer inclinação;
XXXIII. Em face do exposto, resulta evidente que as marcas em confronto têm eficácia distintiva, uma vez que, em termos cromáticos e gráficos, são distintas entre si.
XXXIV. Por outro lado, importa considerar que o juízo de confundibilidade deve ser formulado tendo em conta aquele que é o consumidor médio, não olvidando, entre outros factores, a condição social e a cultura do público a que esses produtos ou serviços são destinados;
XXXV. Ora, os serviços identificados pelas marcas em apreços nos presentes autos destinam-se a consumidores com um certo grau de cultura, pois só estes têm percepção cabal e o conhecimento de que o sistema fiscal oferece a possibilidade de se recuperar o IVA;

XXXVI. E este consumidor médio demonstra uma maior atenção no momento em que adquire este tipo de produtos, visto que tanto a Recorrida como a Recorrente comercializam produtos de consumo especializado, que por isso mesmo, são mais facilmente distinguíveis entre si;
XXXVII. Ou seja, é mais difícil que o consumidor médio dos produtos e serviços em causa seja induzido em erro e confusão entre as marcas da Recorrida e a da Recorrente;
XXXVIII. Em suma, os pressupostos de facto e de direito, nomeadamente o disposto na alínea c) do n.° 1 do artigo 245.° do CPI, de que depende a aplicação do conceito de imitação - fundamento da sentença recorrida - não se encontram preenchidos, devendo, nessa medida, o Tribunal ad quem revogar a dita sentença, o que desde já se requer;
XXXIX. Por outro lado, cumpre ainda salientar que, uma vez que não existe qualquer semelhança entre as marcas da Recorrente e da Recorrida, não existe qualquer risco de confusão e/ou associação entre as marcas em confronto, ao invés do decidido pelo Tribunal a quo, não se encontrando, em consequência, preenchidos os requisitos da alínea a) do n.° 1 do artigo 317.° do CPI, pelo que o Tribunal ad quem deverá também revogar a dita sentença, considerando que, no caso em apreço, não existe qualquer possibilidade de concorrência desleal;
XL. Por outro lado ainda, cumpre salientar que, na prática, a douta decisão recorrida, na medida em que confirma a decisão do INPI, concede à Recorrida o privilégio - ilegítimo e ilegal - da utilização exclusiva do referido elemento genérico Tax Free;
XLI. Tal situação, bem patente no caso em apreço, pois a sentença recorrida despreza todas as assinaladas diferenças cromáticas e figurativas existentes entre as marcas, consubstancia um tratamento desigual e cerceador das regras da concorrência;
XLII. Ora, tendo em conta que os elementos genéricos são aqueles que se fixam mais facilmente na memória dos consumidores, por corresponderem, em regra, à designação das próprias actividades em causa, é forçoso concluir que o facto de só a Recorrida poder, na prática, utilizar o mesmo corresponde a uma vantagem ilegítima sobre os outros concorrentes, o que desequilibra, de per si, as regras da concorrência sã e leal, violando o princípio da concorrência e da igualdade;
XLIII. Com efeito, não é propósito do Direito Industrial atribuir o monopólio do nome de uma actividade a um único comerciante, que dessa forma seria o único a apresentar-se perante os consumidores como o único prestador dos serviços em causa...O que manifestamente sucede no caso da Recorrida!;
XLIV. Por último, a Recorrente requer, ao abrigo do disposto no artigo 712.° do Código de Processo Civil, a modificação da decisão de facto, de modo a que sejam incluídas na matéria assente, por estarem suficientemente documentadas nos autos, os factos alegados pela Recorrente nos artigos 86 e 87 e 139 a 147 da petição inicial;
XLV. Em suma, é forçoso concluir que a sentença recorrida é ilegal e violadora dos direitos da Recorrente, devendo por isso ser revogada, e substituída por outra que, por seu turno, revogue a decisão do Sr. Director do Instituto Nacional da Propriedade Industrial, e ordene, em consequência, o registo da marca da Recorrente, com o que V. Exas. farão a habitual JUSTIÇA!»

Contra-alegou a recorrida, concluindo pela forma seguinte:

«1 ª- O douto Tribunal recorrido, manteve e bem, a decisão de recusa da protecção em Portugal da marca mista internacional n.° ... "TAX FREE" da Apelante por considerar que esta é susceptível de se confundir facilmente com as marcas TAX FREE da Recorrida, de registo prioritário, considerando também que aquela se destina a assinalar serviços idênticos e/ou afins daqueles que por estas são assinalados.
2ª - No entender da Apelante, a sentença recorrida, com base nos factos, avaliou e decidiu correcta e objectivamente a existência no caso sub júdice, dos requisitos cumulativos da imitação. As marcas da Apelada têm prioridade sobre a marca da Apelante e há identidade dos serviços assinalados.
3ª - A marca registanda, para além de conter o elemento nominativo TAX FREE, imita gráfica e ideograficamente as marcas prévias, atenta a reprodução da maioria das características dos elementos figurativos, lettering, cor, conferindo-lhe, afinal, o mesmo aspecto global.
4ª - Quer a doutrina quer a jurisprudência correntes entendem que a semelhança entre as marcas deve ser apreciada como um todo, analisada no seu conjunto.
5ª - Estão, assim, verificados os requisitos cumulativos do art. 245° do C.P.I..
6ª - A marca da Apelante ao imitar e manter as características essenciais das marcas da Apelada, fará com que o consumidor, ao visualizar o sinal como um todo pense, erroneamente, estar perante as marcas da Apelada, conhecidas mundialmente, o que lhes confere carácter de notoriedade.
7ª - A Apelante ao adoptar como marca um sinal semelhante a um pré-existente e já conhecido do consumidor e que claramente se confunde com as marcas da Apelada, colocar--se-ia numa posição de concorrência desleal, caso visse a sua marca concedida.
8ª- Existe óbvia e fácil indução em erro do consumidor médio.
9ª- Só o exame atento ou confronto entre as marcas poderá eliminar o erro ou confusão entre os sinais.
10º- A confusão e o erro, pela óbvia imitação das marcas favorecem a prática de actos de concorrência desleal, nos termos do art. 24 do CPI.
11º- Conclui-se, assim, estarem preenchidos todos os elementos constitutivos do conceito de imitação, previstos no art. 245 n° 1 do CPI, o que, nos termos do art° 239 m)) do CPI, constitui fundamento de recusa de marca.
12ª- Não existem fundamentos legais para alterar a matéria de facto assente.
13ª- Procedem todos os fundamentos que serviram de base à decisão do Tribunal a quo, ou seja, de manter o despacho de recusa da protecção em Portugal da marca da Apelante. Razão pela qual, a marca mista internacional n.° ... "TAX FREE" deve ser recusada em Portugal e, assim, mantida a sentença da 1ª Instância».

2. Fundamentos de facto

A 1ª instância considerou provados os seguintes factos:

1 - Por despacho datado de 23.05.08 o Sr. Director do Serviço de Marcas do Instituto Nacional de Propriedade Industrial recusou a protecção em Portugal da marca internacional n.º ...., pedida por Euro .....
2 - A referida marca destina-se a assinalar nas classes 352 "Publicidad; dirección de empresas, administração de empresas; trabajos de oficina", 362 "Servicios financieros, operacionais de cambio de divisas", 392 "Transporte; embalaje y almacenamiento de mercancias; servicios de agencias de viajes".
3 - A mencionada marca é constituída por três elementos circulares e uma seta de grandes dimensões preta que começa no interior dos círculos e termina no exterior dos mesmos, na qual se encontra inscrita, a letras de cor branca a expressão "TAX FREE". Os elementos circulares são compostos por três linhas de cores diferentes (azul, branco e vermelha) sendo a linha exterior, azul, mais larga do que as linhas interiores, com as cores branca e vermelha.
4 - Global ... é titular da marca comunitária n.º ...., pedida em 09.04.1996 e concedida em 03.07.2001.
5 - A referida marca destina-se a assinalar nas classes 162 "impresos, cheques, tarjetas de pago no magnetizadas y tarjetas de crédito, material de escritório y oficina, material de instrucción o de ensenanza (excepto aparatos)" e 362 "Actividades financieras, es decir reembolso del IVA a Ios turistas".
6 - A mencionada marca é constituída por uma figura de um rectângulo, assente sobre a parte de menor dimensão composto por duas linhas de cores azul e cinzenta, com inserção, dentro do mesmo, das palavras em destaque "TAX FREE" e por baixo das mesmas, em letras menores, "FOR TOURISTS". Por baixo da figura estão inseridas as palavras "Europe tax-free Shopping" e por baixo destas duas linhas cinzenta e azul.
7 - Global ... é titular da marca comunitária n.º ..., pedida em 27.11.01 e concedida em 04.07.2003.
8 - A referida marca destina-se a assinalar nas classes 92 "tarjetas de pago y de crédito magnéticas, software informático registrado", 162 "impressos, cheques, tarjetas de pago no magnetizadas y tarjetas de crédito; artículos de papelería y de oficina (excepto muebles); material de ensenanza (con excepción de aparatos); 352 "actividades publicitarias en concreto comercialización de productos de comerciantes y servicios en el extranjero mediante distribución de información impresa y tarjetas de descuento, gestión de negócios comerciales; administración comercial", 362 "Actividades financieras, es decir, reembolso del IVA a los turistas".
9 - A mencionada marca é composta pela figura de um quadrado aberto, com as cores azul exterior e cinzento interior que termina numa seta vertical, encontrando-se inseridas, dentro do mesmo, as palavras "TAX FREE" em destaque
e em letras menores "SHOPPING".
10 - Global .... é titular da marca internacional n.º ..., pedida em 05.02.1998, com protecção em Portugal.
11 - A referida marca destina-se a assinalar, no que ora nos interessa, nas classes 352 "Publicité, notamment commercialisation de produits et services de commerçants par Ia distribution d"imprimés et de cartes de réduction, gestion d' entreprise, administration commerciale" e 362 "Services financiers, notamment prestations liées au remboursement de la TVA aux touristes".
12 - A mencionada marca é composta por um círculo de fundo azul, com inserção, dentro do mesmo, de um quadrado incompleto composto por duas linhas cinzentas que termina numa seta vertical, encontrando-se apostas por fora do círculo, por baixo do mesmo as palavras em letras de imprensa maiúsculas em destaque "GLOBAL REFUND".
13 - Global .... é titular da marca internacional n.º ..., pedida em 05.02.1998 com protecção em Portugal.
14 - A referida marca destina-se a assinalar, no que ora nos interessa nas classes 352 "Publicité, notamment commercialisation de produits et services de commerçants par la distribution d'imprimés et de cartes de réduction, gestion d' entreprise, administration commerciale" e 362 "Services financiers, notamment prestations liées au remboursement de la TVA aux touristes".
15 - A mencionada marca é composta por uma figura de um rectângulo, assente sobre a parte de menor dimensão, composto por duas linhas de cores verde e cinzenta, com inserção, dentro do mesmo das palavras em destaque "TAX FREE" e por baixa das mesmas em letras menores "SHOPPING" e por baixo desta em letras brancas sob um fundo verde "MAIL BACK REFUND", em letras pequenas.
16 - Global ... é titular da marca comunitária n.º ..., pedida em 01.11.2002.
17 - A referida marca destina-se a assinalar, nas classes 92 "tarjetas de pago y de crédito magnéticas, software informático registrado", 162 "impressos, cheques, tarjetas de pago no magnetizadas y tarjetas de crédito; artículos de papelería y de oficina (excepto muebies); material de ensenanza (con excepción de aparatos); 359 "actividades publicitarias en concreto comercialización de productos de comerciantes y servicios en el extranjero mediante distribución de información impresa y tarjetas de descuento, dirección de empresas, administración de empresas" 362 "Actividades financieras, es decir, reembolso del IVA a los turistas".
18 - A mencionada marca é composta por um círculo de fundo azul, com inserção, dentro do mesmo de um quadrado incompleto composto por duas linhas cinzentas que termina numa seta vertical, encontrando-se apostas por fora do círculo, por baixo do mesmo as palavras em letras de imprensa maiúsculas em destaque "GLOBAL REFUND".
19 - Global ... é titular da marca internacional n.º ..., pedida em 05.02.1998, com protecção em Portugal.
20 - A referida marca destina-se a assinalar, no que ora nos interessa nas classes 352 "Publicité, notamment commercialisation de produits et services de commerçants par la distribution d'imprimés et de cartes de réduction, gestion d' entreprise, administration commerciale" e 369 "Services financiers, notamment prestations liées au remboursement de la TVA aux touristes".
21 - A mencionada marca é composta por uma figura de um rectângulo, assente sobre a parte de menor dimensão, composto por duas linhas de cor de tijolo e cinzenta, com inserção, dentro do mesmo das palavras em destaque "TAX FREE" e por baixa das mesmas em letras menores "SHOPPING" e por baixo desta em letras brancas sob um fundo cor de tijolo "VAT OFF REFUND", em letras pequenas.

3. Do mérito do recurso
O objecto do recurso, delimitado pelas conclusões das alegações (artigo 684º, nº 3, e 690º, nºs 1 e 3, CPC), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 660º, nº 2, in fine), consubstancia-se nas seguintes questões:

- reapreciação da matéria de facto por forma a contemplar-se os factos alegados nos artigos 86º e 87º, e 139º a 147º, todos da petição inicial;
- confundibilidade entre a marca internacional nº ... da titularidade da recorrente, cuja protecção foi recusada, e as marcas comunitárias nºs ... e ...., da titularidade da recorrida, consideradas obstativas.

3.1. Da reapreciação da matéria de facto

Nos termos do artigo 712º, nº 1, alínea a), CPC, a decisão do tribunal de 1ª instância sobre matéria de facto pode ser alterada pela Relação se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa, ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artigo 690ºA, CPC, a decisão com base neles proferida.
No caso vertente não há lugar à produção de prova, pelo que a questão se resume a saber se os factos alegados nos artigos 85º e 86º, e 139º a 147º da petição inicial devem constar do elenco dos factos assentes.
A recorrida opôs-se à pretensão da recorrente, embora apenas tenha circunstanciado a sua oposição relativamente à segunda parte.
É o seguinte o teor dos artigos 85º e 86º da petição inicial:
- Nas marcas da Recorrida as letras são de cor preta sobre um fundo branco e o tipo de letra é normal, ou seja, não tem qualquer inclinação.
- Na proporção do conjunto da marca, o tamanho do elemento denominativo na marca internacional da recorrente é muito menor que o tamanho os elemento denominativo das marcas da Recorrida.
Os artigos em causa são descritivos das marcas da recorrente e recorrida, razão por que devem ser aditados ao elenco dos factos assentes.
Pretende ainda a recorrente que sejam aditados à matéria de facto provado o alegado nos artigos 139º a 147º da petição inicial, encimados pela epígrafe «A marca internacional .... em outros países (cfr Doc. 1)»:
139. A Marca ... (cfr. Doc. 1) é uma marca internacional que foi inicialmente registada na Islândia.
140. Tendo a Recorrente já pedido a extensão da sua protecção em vários países, nomeadamente em Portugal, Espanha, Reino Unido, Itália e França.
141. Ora, de acordo com a Recorrida, as suas marcas gozam de notoriedade em todo o mundo sendo que, segundo esta, a marca da Recorrente não deveria ser aceite em nenhum país em que se encontrassem validamente registadas as marcas da Recorrida.
142. Assim, será extremamente relevante apurar as decisões dos outros países relativamente ao pedido de registo de marca da Recorrente.
143. O "The Patent Ofice ", Trade Marks Registry decidiu pela aceitação do registo da marca ... no Reino Unido, como se observa pela cópia da decisão de 6 de Outubro de 2005 que adiante se junta e dá como integralmente reproduzida para todos os efeitos legais - Doc. 24.
144. Decisão semelhante foi tomada pelo "Institut National de la Propriete Industrielle" que julgou improcedente a Reclamação apresentada pela ora Recorrida à marca ... e decidiu pela admissão da referida marca, como se observa pela cópia da decisão que adiante se junta e dá como integralmente reproduzida para todos os efeitos legais - Doc. 25, protestando-se juntar a competente tradução.
145. Também a Entidade Islandesa Competente em Matéria de Patentes e Marcas recebeu a Reclamação da ora Recorrida à marca ..., e decidiu pela improcedência da mesma, como se observa pelo cópia da decisão traduzida que adiante se junta e dá como integralmente reproduzida - Doc. 26.
146. Com a junção destas decisões pretende-se, uma vez mais, reiterar a falta de fundamento da Reclamação da ora Recorrida, bem como da Decisão do INPI da qual ora se recorre.
147. Sendo certo que os institutos que coordenam o registo das marcas nestes países se baseiam em normas em tudo semelhantes à nacionais, não poderá, o presente recurso, deixar de ser procedente.
A pretensão da recorrente não pode proceder nesta vertente.
Em primeiro lugar, a sentença sob recurso não fez qualquer referência à alegada notoriedade das marcas da recorrida que justifique qualquer esforço argumentativo por parte da recorrente.
Com efeito, trata-se de questão alheia à problemática dos autos, pois nem o despacho recorrido nem a sentença que o manteve apelaram à notoriedade das marcas da recorrida para recusarem protecção à marca da recorrente (cfr. artigo 241º CPI de 2003).
Por outro lado, a circunstância de a recorrente ter logrado obter tutela da sua marca noutros países em nada interessa ao caso dos autos, não havendo nada que imponha o efeito de tais decisões na nossa ordem jurídica.
A existência de fundamento ou não para a manutenção da decisão tem de ser encontrado no âmbito da nossa lei (CPI), e não em decisões tomadas por entidades de outros países, com base em legislação que pode não ser inteiramente coincidente com a nossa.
Não obstante a existência de uma matriz comum (a Directiva Comunitária 89/104/CE, de 21 de Dezembro de 1988), não se pode dar por adquirido, apenas porque é afirmado pela recorrente, que a legislação ao abrigo da qual tais decisões foram proferidas é idêntica à nossa.
Na verdade, desconhecemos se a Directiva foi cumprida nesses países, designadamente se o seu texto foi correctamente transposto, ou se o foi, de todo.
Recorde-se que, nos termos do artigo 348º, nº 1, CC, àquele que invocar direito consuetudinário, local ou estrangeiro, compete fazer prova da sua existência e conteúdo, embora o tribunal deva procurar, oficiosamente obter o respectivo conhecimento.
Dada a irrelevância da questão das decisões proferidas por entidades estrangeiras, nada há, obviamente, a determinar a este respeito.
Finalmente, refira-se que, enquanto a decisão do Senhor Director do INPI recusou protecção da marca da recorrente por confundibilidade com as marcas comunitárias nº .... e ..., relativamente à decisão do The Patent Office Trade Mark Registry desconhecemos quais as marcas obstativas (mais concretamente, se existiam marcas obstativas). E a decisão do Institut National de la Proprieté Industrièle e da entidade islandesa consideram a marca obstativa nº ..., que não é versada nos autos.
Improcede, pois, a pretensão da recorrente nesta parte.

3.2. Da confundibilidade entre a marca internacional nº .... e as marcas comunitárias nºs ... e ....

Como já se referiu supra, são estas as marcas em confronto, pois apenas estas, e não outras (cfr. artigos 10º a 21º da matéria de facto), foram consideradas no despacho do Sr. Director do Serviço de Marcas do Instituto Nacional de Propriedade Industrial que recusou protecção à marca internacional nº ....
Ao presente processo é aplicável o Código da Propriedade Industrial aprovado pelo Decreto-Lei 36/2003, de 05.03, na sua versão original (i.e., antes das alterações introduzidas pelo Decreto-Lei 143/2008, de 25.07), doravante designado por CPI.
O artigo 1º deste Código dispõe que a propriedade industrial desempenha a função de garantir a lealdade da concorrência, pela atribuição de direitos privativos sobre os diversos processos técnicos de produção e desenvolvimento de riqueza.
Um desses direitos privativos é a marca.
A marca destina-se, como resulta do artigo 222º, nº 1, CPI, a distinguir produtos e serviços de uma empresa dos de outras empresas, não sendo admissíveis marcas desprovidas de qualquer carácter distintivo (cfr. artigo 223º, nº 1, alínea a), CPI).
Daí que se afirme que a principal função da marca é a função distintiva, ainda que possa complementarmente desempenhar uma função de garantia da qualidade dos produtos e serviços (função derivada) e uma função de publicidade (função complementar), na óptica de Luís Couto Gonçalves (cfr. Manual de Direito Industrial, Almedina, 2ª edição, pg. 183-98, e Função Distintiva da Marca, Almedina, pg. 224-5).
Propondo uma redefinição da função distintiva da marca, face à transmissibilidade autónoma da mesma e à aceitação da marca de grupo (de empresas) afirma Luís Couto Gonçalves, Manual cit., pg. 190.
«A marca, para além de indicar, em grande parte dos casos, que os produtos ou serviços provêm sempre de uma empresa ou de uma empresa sucessiva que tenha elementos consideráveis de continuidade com a primeira (no caso da transmissão desvinculada) ou ainda que mantenha com ela relações actuais de natureza contratual e económica (nas hipóteses da licença de marca registada usada ou da marca de grupo, respectivamente), também indica, sempre, que os produtos ou serviços se reportam a um sujeito que assume em relação aos mesmos o ónus pelo seu uso não enganoso.
O ónus consubstancia-se no facto de o titular da marca, sob a cominação da perda do seu direito, ter necessidade de garantir o seu uso não enganoso. Isto significa que qualquer uso da marca, praticado pelo titular ou por terceiro com o seu consentimento, susceptível de provocar um engano negativo relevante junto do público, em relação às características essenciais dos produtos ou serviços marcados, sem que os consumidores tenham sido disso, prévia ou imediatamente, informados, pode implicar a caducidade do registo da marca.»
Sobre as diversas funções desempenhadas pela marca, veja-se Pedro Sousa e Silva, O princípio da especialidade das marcas. A regra e a excepção. As marcas de grande prestígio, Revista da Ordem dos Advogados, 58, I, pg. 381 e ss.
Pelo registo o titular adquire o direito de propriedade e o exclusivo da marca para os produtos e serviços a que se destina (artigo 224º, nº 1, CPI), conferindo-lhe o registo o direito de impedir terceiros, sem o seu consentimento, de usar, no exercício das actividades económicas, qualquer sinal igual ou semelhante, em produtos ou serviços idênticos ou afins daqueles para os quais a marca foi registada, e que, em consequência da semelhança entre os sinais e da afinidade dos produtos ou serviços, possa causar um risco de confusão, ou de associação, no espírito do consumidor (artigo 258º CPI).
Em consonância, a alínea m) do artigo 239º CPI, prevê como fundamento de recusa do registo a reprodução ou imitação, no todo ou em parte, de marca anteriormente registada por outrem para produtos ou serviços idênticos ou afins que possa induzir em erro ou confusão o consumidor ou que compreenda o risco de associação com a marca registada.
Trata-se de corolários do princípio da novidade ou especialidade da marca, segundo o qual, nas palavras de Ferrer Correia, Lições de Direito Comercial, Universidade de Coimbra, 1973, pg. 327-8,
«a marca há-de ser constituída por forma tal que não se confunda com outra anteriormente adoptada para o mesmo produto ou semelhante. Aliás, a marca deixaria de desempenhar a sua finalidade distintiva para se transformar em elemento de confusão».
Na síntese de Carlos Olavo, Propriedade Industrial, Noções Fundamentais, Colectânea de Jurisprudência, 87, II, 25,
«O princípio da novidade da marca traduz-se, portanto, do facto de a marca não poder contrafazer ou imitar outra anteriormente registada para o mesmo produto ou produtos semelhantes».
O legislador assumiu a definição do conceito de imitação ou usurpação no artigo 245º, nº 1, CPI:
A marca registada considera-se imitada ou usurpada por outra, no todo ou em parte, quando, cumulativamente:
a) A marca registada tiver prioridade;
b) Sejam ambas destinadas a assinalar produtos ou serviços idênticos ou afins;
c) Tenham tal semelhança gráfica, figurativa, fonética ou outra que induza facilmente o consumidor em erro ou confusão, ou que compreenda um risco de associação com marca anteriormente registada, de forma que o consumidor não as possa distinguir senão depois de exame atento ou confronto.
É no âmbito deste preceito, e em especial da alínea c), que deve ser equacionado o objecto do recurso.
Com efeito, existe consenso relativamente ao preenchimento dos requisitos enunciados nas alíneas a) e b) do nº 1 do artigo 245º, não tendo essa parte da sentença sido objecto de recurso.
Importa, pois, estabelecer um juízo comparativo entre as marcas em confronto, a fim de apurar se a marca cujo registo foi recusado constitui imitação das marcas obstativas.
Os requisitos da imitação ou usurpação têm-se mantido estáveis, não obstante as alterações legislativas em matéria de propriedade industrial.
Este preceito é idêntico, no essencial, ao artigo 193º do Código de 1995 e ao artigo 94º do Código de 1940.
Por essa razão, mantêm-se actuais a doutrina e jurisprudência desenvolvida à volta desses normativos.
É assim consensual que, nas palavras de José Gabriel Pinto Coelho, apud acórdão do STJ, de 1981.11.03, BMJ 311º/401, é por intuição sintéctica e não dissecação analítica, que se há-de formular o juízo de confundibilidade entre as marcas em confronto.
Segundo Ferrer Correia, op. cit., pg. 329-30,
«(…) a imitação de uma marca por outra existirá, obviamente, quando, postas em confronto, elas se confundam. Mas, existirá ainda, convém sublinhá-lo, quando, tendo-se em vista apenas a marca a constituir, se deva concluir que é susceptível de ser tomada por outra de que se tem conhecimento. Este processo de aferição da novidade é o que melhor tutela o interesse que a lei visa proteger - o interesse em que não se confundam, através da marca, mercadorias idênticas ou afins pertencentes a empresários diversos. Com efeito, o consumidor, quando compara determinado produto marcado com sinal semelhante a outro que já conhecia não tem à vista (em regra) as duas marcas, para fazer delas um exame comparativo. Compra o produto por se ter convencido de que a marca que o assinala é aquela que retinha na memória.
No exame comparativo das marcas, feito nestes termos, deve considerar-se decisivo o juízo que emitiria o consumidor médio do produto ou produtos em questão».
Na síntese do acórdão do STJ, de 2004.04.22, Abílio Vasconcelos Carvalho, www.dgsi.pt.jstj, proc. 04B541,
«(…) o risco de confusão de marcas há-de ser aferido em função do registo de memoriação do consumidor médio dos produtos a que elas se reportam, baseado na afinidade desses mesmos produtos e na semelhança gráfica, figurativa ou fonética dos elementos constituintes da marca em questão».
Tratando-se de marcas mistas, sublinha Ferrer Correia, op. cit., pg. 331-2,
«(…) as marcas mistas e as marcas complexas deverão ser consideradas globalmente, como sinais distintivos de natureza unitária, mas incidindo a averiguação da novidade sobre o elemento ou elementos prevalentes - sobre os elementos que se afigurem mais idóneos a perdurar na memória do público (não deverão tomar-se em linha de conta, portanto, os elementos que desempenhem função acessória, de mero pormenor). Uma marca mista será nova quando o seu núcleo se confunda com a marca mais antiga.»
Na mesma linha de raciocínio, Luís Couto Gonçalves, Manual, cit., pg. 278-9, discorre acerca dos critérios que devem presidir à comparação das marcas:
«O primeiro é de se dever apreciar as marcas no seu conjunto só se devendo recorrer à dissecação analítica por justificada necessidade (v.g., no caso de não resultar dessa visão unitária um resultado claro. A razão de ser do critério está no facto de ser a imagem de conjunto aquela que, normalmente, sensibiliza mais o consumidor não se devendo pressupor que este tenha condições de efectuar um exame comparativo e contextual dos sinais entre si.
O segundo é o da irrelevância, no conjunto da apreciação das marcas, das suas componentes genérica ou descritiva. O facto de se assemelharem, unicamente, com relação aos sinais genéricos ou descritivos não é determinante (…).»
Revertendo ao caso em apreço, do cotejo das marcas em confronto, o elemento preponderante, que ressalta em qualquer das marcas é a expressão «TAX FREE», usada geralmente para descrever serviços de reembolso de IVA.
No entanto, tal expressão é desprovida de carácter distintivo, pois é a designação comum de serviços prestados por inúmeras empresas, para além de recorrente e recorrida (cfr. artigo 223º, nº 1, alínea a), CPI).
Como sublinha Luís Couto Gonçalves, Manual, cit., pg. 234,
«Sinal descritivo é, normalmente, a denominação portuguesa ou estrangeira que indica, exclusiva e directamente, a produção (espécie, lugar e tempo), qualidade, quantidade, destino, valor, ou qualquer outra característica do produto ou serviço (cfr. art. 223º nº 1 al. c).
Um sinal descritivo não é distintivo, na medida em que é comum aos objectos idênticos qualquer que seja a sua origem.»
A expressão «TAX FREE» é, pois, insusceptível de apropriação por parte de um sujeito económico, sendo o seu uso lícito a todos os que desempenham as actividades por ela designadas.
Nem isso é questionado nos autos.
De seguida, ressaltam os elementos cromáticos e gráficos.
As formas geométricas puras e as cores isoladamente considerados constituem sinais fracos, carecidos de eficácia distintiva.
Como explica Luís Couto Gonçalves, Manual, cit., pg. 243, e Função, cit., pg. 82:
«Sinal fraco é o sinal, em si mesmo, de uma tal simplicidade e vulgaridade que, normalmente, não reveste qualquer possibilidade de, isoladamente, distinguir uma espécie de produtos ou serviços».
Só assim não será se ocorrer uma situação de secondary meaning, definido pelo autor que temos vindo a seguir, Manual, a pg. 250 e ss., como
«(…) a conversão de um sinal originariamente privado de capacidade distintiva num sinal distintivo de produtos ou serviços, reconhecido como tal, no tráfico económico, através do significado secundário, por consequência do uso e de mutações semânticas ou simbólicas». (cfr. ainda Função cit., pg. 85).
Não é certamente o caso dos autos.
Vejamos então se os aspectos gráficos e cromáticos da marca cujo registo foi negado são suficientemente distintivos para se afastar a ideia de imitação das marcas obstativas.
A resposta é afirmativa, aqui se dissentindo da sentença sob recurso.
Sublinha-se que o CPI, excluindo a possibilidade de uma cor ser sinal distintivo, não exclui a possibilidade de uma marca ser constituída por combinação de cores entre si e com gráficos, de forma peculiar e distintiva (cfr. artigo 233º, nº 1, alínea e), CPI).
No seu conjunto as marcas em confronto produzem um impacto visual distinto.
Desde logo pelo aspecto cromático, uma vez que a marca da recorrente combina a cor azul, comum às marcas da recorrida, com as cores vermelho e branco, enquanto nas marcas da recorrida o azul se combina com cinzento (cfr. artigos 3º, 6º e 9º da matéria de facto).
Na marca da recorrente a expressão «TAX FREE» encontra-se inscrita, em letras brancas, ligeiramente inclinadas, tendo como fundo uma seta de cor negra, que se dirige para fora do círculo em que se insere, sugerindo a ideia de movimento.
Já nas marcas da recorrida, a expressão «TAX FREE», escrita a negro sobre um fundo branco, em letras sem inclinação, ocupa uma grande parte do rectângulo em que se insere, formando uma «mancha» compacta, por forma a haver uma predominância da cor preta sobre o fundo branco, inversamente ao que sucede na marca da recorrente, em que o branco é predominante.
Além disso, nas marcas da recorrida, a palavra «TAX FREE» surge acompanhada de outras expressões em letra reduzida («for turists», no interior do rectângulo, na parte inferior, e «Europe Tax-free shopping», na parte exterior, em baixo, sobre duas linhas das mesmas cores do rectângulo (marca comunitária nº ...); e «shopping» no interior do rectângulo (marca comunitária nº ...).
As formas geométricas envolventes também são distintas: um círculo incompleto, no caso da marca da recorrente, e rectângulos, um completo e outro incompleto, no caso das obstativas.
As formas incompletas surgem associadas a setas substancialmente distintas. Assim, a seta constante da marca da recorrente tem uma largura superior (sensivelmente o dobro), e atravessa transversalmente o círculo, dirigindo-se para o exterior, apresentando um aspecto compacto (constitui o fundo negro onde se insere a expressão «TAX FREE»), enquanto a seta utilizada na marca da recorrida constitui a parte final do debrum do rectângulo, estando orientada para cima, e sendo constituída por duas cores (azul e cinzento).
Enquanto a seta da marca da recorrente ostenta uma certa autonomia relativamente ao círculo que atravessa, a seta da marca da recorrida faz parte da delimitação do próprio quadrilátero.
Estes elementos são suficientes para que um consumidor médio não seja induzido em confusão relativamente à origem das marcas.
O consumidor a que se apela não é um consumidor concreto, mas um consumidor abstracto, o consumidor médio.
O conceito de consumidor médio é um conceito flexível, como dá conta Luís Couto Gonçalves, Manual cit., pg, 283-4,
«A escolha de um produto ou serviço é efectuada pelo consumidor final que se apresenta como o sujeito a cuja capacidade de discernimento e grau de atenção deve ser reportado o juízo de confundibilidade resultante da verificação dos dois requisitos de imitação que analisamos. Se é o consumidor médio o consumidor a que, normalmente, se deve atender (dotado de média inteligência, diligência e perspicácia), não se deve, todavia, perder de vista os produtos ou serviços em questão.
O consumidor que releva no contexto o direito de marcas deve ser uma figura flexível e variável.
Como escreve F. Nóvoa, com o fim de aproximar, na medida do possível, a figura do consumidor e do seu comportamento habitual à realidade do mercado, não resta outro remédio senão relativizar o protótipo do consumidor, distinguindo vários sub-tipos do consumidor médio”. O fundamento dessas distinções deve girar, segundo o mesmo autor, em torno da natureza, características e preço dos produtos diferenciados pelas marcas correspondentes”.
Nesse sentido propõe de acordo com os dois primeiros critérios (natureza e características dos produtos e serviços), a figura do consumidor profissional e especializado no caso dos produtos e serviços serem normalmente adquiridos por profissionais ou peritos e, de acordo o terceiro critério (preço dos produtos ou serviços, o perfil de um consumidor médio mais atento no caso dos serviços ou produtos terem um preço muito elevado ou o perfil de um consumidor médio menos diligente no caso de os produtos terem um baixo preço e um largo consumo.»
No caso dos autos, atendendo ao tipo de serviços abrangidos, o público alvo, não sendo um público especializado, é constituído por pessoas com alguma informação: pessoas que viajam ao estrangeiro e com conhecimento da possibilidade de recuperação do IVA nas compras efectuadas.
Aliás, tratando-se de marcas fracas, i.e., marcas que incorporam sinais com fraca capacidade distintiva, o grau de exigência é menor que nas marcas fortes.
Como refere Luís Couto Gonçalves, Manual, cit., pg. 235, nota 459,

«No caso das marcas fortes – assim designadas porque não apresentam referência conceitual ao produto ou ao serviço que distinguem ou não fazem parte do património semântico comum (marcas arbitrárias e de fantasia, respectivamente) – só uma diferença tipo poderá afastar o juízo de imitação. Nos caso das marcas débeis – compostas por meras alterações morfológicas do nome do produto ou serviço (marcas expressivas), ou, ainda, por expressões ou figuras integrantes da linguagem ou património comuns - uma pequena variação poderá ser suficiente para que o juízo de confusão seja afastado.»
Afigura-se, pois, que a marca da recorrente é suficientemente distinta das marcas da recorrida para afastar o juízo de imitação e o risco de concorrência desleal.
4. Decisão
Termos em que, julgando a apelação procedente, revoga-se a decisão recorrida e o despacho que recusou protecção à marca marca internacional n.º ..., que deve ser substituído por outro que conceda o registo, se não existirem outros obstáculos que os constantes do referido despacho.
Custas pela recorrida.
Lisboa, 2009.11.26
Márcia Portela
Carlos Valverde
Granja da Fonseca