Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
518/03.3TDLSB-A.L1-5
Relator: FILOMENA CLEMENTE LIMA
Descritores: ACÇÃO CÍVEL CONEXA COM A ACÇÃO PENAL
CITAÇÃO EDITAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/13/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Sumário: I – Extinto o procedimento criminal por prescrição e prosseguindo o processo para apreciação do pedido civil deduzido é admissível a citação do demandado civil por aplicação subsidiária do processo civil.
II - Tal não implica uma distorção insustentável do conteúdo do processo penal cujo sistema, globalmente apreciado, deverá imperar.
III – A necessidade de fazer representar os ausentes civis de acordo com o sistema processual civil aplicável subsidiariamente não representa qualquer disfunção do sistema processual penal previsto para o julgamento do pedido civil enxertado.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral:
1.
No processo n.º º 518/03.3 TDLSB do 4º Juízo Criminal de Lisboa-3ª secção, foi declarado extinto, por prescrição, o procedimento criminal contra os arguidos
C…Serviços, Lda
e
J…
Foi igualmente determinado o prosseguimento do processo para apreciação do pedido cível deduzido nos autos pelo demandante Instituto de Segurança Social, IP.
O demandante requereu a fls. 700 a citação edital dos demandados com aplicação do CPC ex vi do art.º 4º CPP, pedido que foi indeferido por despacho de 24.11.2009.

Interpôs recurso o demandante sendo em síntese as seguintes as suas conclusões :
Na decisão recorrida invoca-se, no essencial, não estar previsto no CPP a notificação edital das partes civis uma vez que o art.º 335º CPP se destina apenas à declaração de contumácia ;
Mas nada impede que se apliquem as normas do CPC referentes à citação edital, por remissão do art.º 4º CPP sendo incontornável que o RGIT prevê e pune infracções tributárias como o abuso de confiança contra a segurança social e estatui no art.º 3º al. c) serem apliváveis subsidiariamente quanto à responsabilidade civil as disposições do CC e legislação complementar;
É compaginável a citação edital no caso, apesar de o processo se manter no foro criminal sendo aplicáveis as normas do CPC ao enxerto civil;
Razões de economia, celeridade, cautela e justiça material e o respeito pelo princípio da adesão do art.º 71º CPP impõem esta solução .

Em resposta, o MºPº pugna pela procedência do recurso.

2.
A única questão a decidir é se é admissível a citação edital pretendida pelo demandante.
2.1.
A decisão recorrida apoia-se no entendimento segundo o qual o processo mantém a natureza e estrutura de processo-crime e não se trata de situação de lacuna legal mas de uma intenção legislativa, a falta de consideração pelo legislador da citação edital nas regras processuais penais, em situação como a dos autos.
E ainda que :
No processo penal apenas se prevê a notificação edital nos termos do art.º 335º, n.º1 CPP, com a consequente declaração de contumácia .
O art.º 74º, n.º3 CPP prevê que os demandados têm posição processual idêntica à dos arguidos quanto à sustentação e prova das questões civis julgadas no processo penal tendo de ficar asseguradas as mesmas garantias de defesa, não podendo socorrer-se de norma que viola claramente os princípios que subjazem ao processo penal e à sua natureza.

3. Admitido o pedido cível nos autos, haverá o mesmo que prosseguir para ser apreciado por imposição do princípio de adesão ao processo penal e da doutrina do Ac. STJ n.º 3/ 2002 de 17.01 .
No art.º 129º do C.P.P prescreve-se que a indemnização por perdas e danos emergentes de crime é regulada ( substantivamente) pela lei civil e o art.º 71º do C.P.P. exige que o pedido cível respectivo possa ( e deva ), por obediência ao princípio da adesão, ser deduzido no processo penal, desde que se funde na prática de um crime.
Nos termos do artigo 71º do CPP : “O pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respectivo, só podendo ser em separado, perante o tribunal civil, nos casos previstos na lei”, consagrando o denominado princípio da adesão obrigatória da acção civil de indemnização à acção penal.
Por um lado, razões de economia processual, pois, num único processo são resolvidas todas as questões que envolvem a conduta ilícita dos arguidos, sem necessidade de recurso a mecanismos e instâncias autónomas.
Por outro lado, razões de economia de meios, subjazem a este princípio, uma vez que os interessados não necessitam de despender e dispersar custos, pois o tribunal ao qual são atribuídas competências para conhecer e decidir da prática de crime oferece as mesmas garantias para dirimir das demais questões a este associadas.
Por último devem ser acolhidas razões de prestígio institucional, de modo a evitar julgados contraditórios em relação a um mesmo ilícito.
Sobre a possibilidade de o Tribunal pôr termo à instância civil enxertada no processo penal remetendo as partes para o foro civil conforme previsto no art.º 82º CPP, refere C. Lopes do Rego, in As Partes Civis e o Pedido de Indemnização Civil Deduzido no Processo Penal, Revista do Ministério Público, Cadernos 4, página 68, “(...) importará, todavia, que a prática judiciária estabeleça algumas cautelas no uso desse amplo poder concedido ao tribunal de modo a não defraudar as legítimas expectativas do lesado, que optou pela via penal para obter o ressarcimento e que não deverá ver inutilizada toda a actividade processual desenvolvida à primeira dificuldade que o julgamento conjunto das questões civil e penal possa acarretar ao processo (...).
O processo de adesão corresponde a uma “certa tradição e a um sentimento jurídico já de certo modo ancorado na comunidade” sendo que a sua maior vantagem reside em permitir uma realização mais rápida, mais barata e mais eficaz do direito do lesado à indemnização. O demandante faz apelo a anterior decisão desta Relação datada de 16.11.2006 da 9ª Secção, recurso n.º 8648/06.
Nesta se decidiu que : “Nada impede e tudo o obriga quando disso é caso que se apliquem as normas do CPC, referentes à notificação e citação edital por remissão do art.º 4º CPP sendo que continuando o processo só para apreciação daquele pedido, a falta ou impossibilidade de notificação do arguido – que nesta fase assume apenas a posição de demandado civil – não é causa por ser desconhecido o seu paradeiro de remessa das partes civis para o tribunal civil.
Não exigida a presença do demandado em julgamento, pelo direito adjectivo penal, nesta fase – e antes só em ordem à imperiosa necessidade da descoberta da verdade material – o mesmo sucedendo no processo civil, a remessa para aquele tribunal com o dito fundamento nada acrescentaria ao caso.”
Adjectivamente são aplicáveis, ao pedido cível enxertado, as normas do processo penal .
Porém, no processo penal não está prevista a citação ou notificação edital do demandado civil.
Havendo que proceder a tal citação ou notificação, por desconhecimento do paradeiro dos demandados, não se vê razão para não aplicar subsidiariamente as normas do CPC naquilo que tal aplicação subsidiária não implique uma distorção insustentável do conteúdo do processo penal cujo sistema, globalmente apreciado, deverá imperar.
Será bom de ver que a necessidade de fazer representar ao ausentes civis de acordo com o sistema processual civil aplicável subsidiariamente não choca nem representa qualquer disfunção do sistema processual penal previsto para o julgamento do pedido civil enxertado.
Neste caso, como aconteceria já por determinação do processo penal (art.º 78º CPP), a falta de contestação não implica confissão dos factos.
Em processo penal, por determinação das regras próprias deste, haverá sempre lugar a julgamento não se impondo a presença do lesado, nem do demandado ou intervenientes.
Razões de economia e celeridade processual apontam para que esta solução seja mais razoável evitando que as partes civis sejam remetidas para os tribunais civis quando o processo penal lhes permite, ainda nesta fase, resolver as questões jurídicas em causa, sem qualquer distorção do sistema.
O entendimento vertido na decisão recorrida afigura-se ser de exagerado contorno formalista não aceitável no quadro da situação verificada em que o desconhecimento do paradeiro dos demandados civis não justificará a remessa das partes para os meios civis, por a notificação edital proposta aplicável por aplicação subsidiária ao caso das regras do processo civil ser consentânea com a acção civil enxertada no processo penal, como o seria por exemplo também se, em processo penal não extinto fosse conhecido o paradeiro do arguido e desconhecido o paradeiro do demandado meramente civil, sabendo-se que, por vezes, essas posições processuais não coincidem.

4.
Pelo exposto, acordam as juízas em dar provimento ao recurso e determinar que o processo prossiga para citação edital dos demandados civis.

Elaborado, revisto e assinado pela relatora Filomena Lima e assinado pela Desembargadora Adjunta Ana Sebastião .

Lisboa, 13 de Abril de 2010

Filomena Lima
Ana Sebastião