Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | ROSÁRIO GONÇALVES | ||
Descritores: | EXECUÇÃO EXECUÇÃO PARA ENTREGA DE COISA IMÓVEL TÍTULO EXECUTIVO SENTENÇA CONDENATÓRIA ARRENDAMENTO CONTRATO DE ARRENDAMENTO | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 04/06/2010 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
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Sumário: | I- À execução para entrega de coisa imóvel arrendada, pode servir como título executivo, quer a sentença condenatória proferida em acção de despejo, quer os documentos a que se referem os arts. 14º, nº.5 e 15º, nº1 al. e) do NRAU, ou seja, da Lei nº 6/2006, de 27 de Fevereiro. II- Este título executivo complexo é composto por dois elementos, o contrato de arrendamento e o comprovativo da notificação, pelo que, faltando um deles, não terá a natureza de título. III- A celeridade preconizada pelo NRAU nalguns aspectos, quando não impõe o recurso à via judicial para fazer cessar a relação de arrendamento, nomeadamente, no caso de mora superior a três meses no pagamento da renda, também fez surgir um formalismo mais apertado no respeitante à constituição dos novos títulos executivos plasmados no art. 15º do mesmo diploma. IV- Estando em causa acção executiva para entrega de imóvel arrendado, o título executivo extra-judicial tem que obedecer aos formalismos do nº7 do art. 9º e al.e) do art.15º,ambos do NRAU. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa 1-Relatório: O exequente, “A” intentou execução comum, para entrega de coisa certa contra os executados, “B” e “C”, nos termos do art.15º, nº 1, al.e) do NRAU. Foi junto aos autos a cópia do contrato de arrendamento e cópias das certidões das notificações avulsas efectuadas aos executados, constando destas que «o notificando indicado no campo 2 disse ser o próprio pese embora não ter apresentado documento de identificação pessoal e recusou receber a notificação judicial avulsa». A fls. 26 dos autos e segs. foi proferido despacho liminar, nos termos do disposto no artigo 812º-D, alínea d), do CPC. Em tal despacho foi decidido que: «No caso em apreço, os exequentes lançaram mão, e bem, da notificação judicial avulsa levada a cabo por solicitador de execução. Porém, não se pode considerar que tal notificação tenha sido devida e regularmente realizada como forma de garantir as mencionadas especiais razões de certeza e segurança inerentes a uma comunicação destinada a resolver o contrato». Entendeu o despacho recorrido que não podia concluir que as notificações tivessem sido regularmente feitas aos respectivos destinatários, por não se saber a identidade – comprovável documentalmente – de quem a recusou. Daí concluíu que o título que se pretendia executar, não respeitava os formalismos exigidos por lei, mostrando-se insuficiente e indeferiu liminarmente o requerimento executivo. Inconformado recorreu o exequente, concluindo nas suas alegações, em síntese: 1. A instância concluíu no despacho recorrido indeferir o requerimento executivo, 1.1 Visto alegadamente haver julgado que a notificação judicial avulsa sub judice não poder considerar-se que " (...) tenha sido devida e regularmente realizada como forma de garantir as mencionadas especiais razões de certeza e segurança inerentes a uma comunicação destinada a resolver o contrato". 2. E isto, segundo fundamenta, que não obstante os notificandos terem dito ser os próprios, pese embora não terem apresentado documento de identificação pessoal, recusaram receber a notificação. 2.1 Adiantando, como questão controvertida a dilucidar no Requerimento Executório com sinal nos autos o seguinte inciso no sentido de concluir que: "as notificações não haviam sido regularmente efectuadas aos respectivos destinatários. Pois uma coisa é a recusa da notificação por quem é o efectivo destinatário da mesma, outra coisa é não se saber, sequer, a identidade – comprovável documentalmente – de quem recusou". 3. Assim, em síntese conclui a final a instância que "in casu" as notificações (ainda que acompanhadas do contrato de arrendamento anexo) " (...) não respeitaram na íntegra os formalismos exigidos por lei, mostrando-se por conseguinte insuficiente o título dado à execução, e daí indeferido liminarmente o requerimento executivo, em face do disposto no art. 812-E – n°1 al. a) do CPC". 4. Não se conforma, pois, o Exequente, ora recorrente com a tese sustentada pela instância no douto despacho recorrido, porquanto: 4.1 O título executivo sub judice a que lançou mão, haver cumprido o disposto no art. 1084° n°1 do C.C, em conjugação com o previsto formalismo decorrente do art. 9° n°7 do NRAU. 4.2 Sendo propriamente o título executivo previsto no art° 15° n°1 al. e) deste último diploma - em sede de direito substantivo - que serve de base à execução para entrega de coisa certa (cfr. art° 928° a 930º do CPC). 4.3 Tendo como fundamento subjacente da resolução do contrato de arrendamento habitacional o não pagamento de renda por um período superior a 3 (três) meses. 5. Não pode, pois, em síntese, sem mais, aceitar-se como resulta do despacho sindicado, ora em recurso, que o indeferimento liminar, do requerimento executivo: - Não radica na recusa de notificação por quem é o destinatário. - outrossim, por alegadamente não se saber a identidade comprovável documentalmente de quem se recusou. 6. Não pode - salvo melhor opinião em contrário - deixar de considerar-se eficaz de qualquer modo a presente notificação. 6.1 Quando em casos semelhantes, a Jurisprudência dos n/ Tribunais Superiores consideraram que a recusa ou a frustração da notificação judicial avulsa tenha sido imputável ao arrendatário, enquanto destinatário. 7. No caso dos autos acresce que a presuntiva questão de não se saber a identidade comprovável documentalmente - repita-se de quem se recusou, como decorre da conduta dos destinatários. 7.1 Criando por estes intencionalmente, enquanto notificandos, uma situação ardilosamente arquitectada de molde a não permitir a concretização de uma comunicação destinada a resolver o contrato mediante notificação judicial avulsa, não pode deixar de ser passível de considerar-se eficaz. 7.2 Visto não ter favor legal, por quem como destinatário urdiu ardilosamente uma fraude à lei, configurando um acto ilícito e punível de nulidade, paradigmaticamente previsto como um abuso de direito, na modalidade de "venire contra factum proprium". 8. Pelas razões expostas, não é em nosso entender procedente a razão invocada pela instância de sufragação da tese de insuficiência dos formalismos exigidos por lei para dar à execução o título em causa. 9. Em síntese: Por todas as razões supra alegadas, o douto despacho recorrido violou as seguintes normas jurídicas: 9.1 - De Direito Substantivo Arts.: 9 - 9 n°7 e 15 nº1 al. e) do NRAU, em conjugação com o art° 1084 n°1 do C.C. - De Direito Processual Arts. 928 e 930-A e 812-E n°1 al. a), e 812-D al. d), todos do CPC. b) Os art°s. 9 n°7 e 15 n°1 al. e) do NRAU e art° 1084 n°1 do C.C e ainda os art°s. 812-D al. d) e 812-E n°1 al. a) e os art°s. 928 e 930-A, todos do CPC, deviam ter sido interpretados e aplicados no sentido de prolatar o deferimento liminar do requerimento Executivo. Foram colhidos os vistos. 2- Cumpre apreciar e decidir: As alegações de recurso delimitam o seu objecto, conforme resulta do teor das disposições conjugadas dos artigos 660º, nº2, 664º, 684º e 685º-A, todos do CPC. A questão a dirimir consiste em aquilatar se as notificações judiciais avulsas, respeitaram ou não os requisitos legais, para servirem como título executivo. A matéria de facto pertinente é a constante do presente relatório para o qual se remete e ainda a seguinte: - Na certidão de notificação avulsa, consta no seu campo 2 que «O notificando recusou receber a nota de notificação e os documentos que esta capeava». - A acompanhar a notificação estava uma cópia certificada do contrato de arrendamento de duração limitada, em regime de renda livre. - No art. 10º da notificação judicial avulsa, consta que, «uma vez verificada a mora dos requeridos no pagamento das rendas, por tempo superior a três meses, vêem os requerentes ao abrigo do disposto no nº1 do art. 1084º do C. Civil e nº 7 do art. 9º do NRAU, resolver o contrato de arrendamento celebrado, por período limitado, com os requeridos». - As certidões de notificação avulsa estão datadas de 26-4-2008. - O requerimento executivo encontra-se datado de 29-6-2009. Vejamos: Insurge-se o apelante relativamente ao despacho proferido, dado o mesmo ter entendido que as notificações judiciais avulsas efectuadas, não respeitaram os formalismos legais e daí não se encontrar o exequente munido de título executivo suficiente. Perante o disposto no nº1 do art. 45º do CPC., toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da execução. O título é a condição necessária e suficiente da acção executiva, já que não há execução sem título. Dentro das espécies de títulos taxativamente previstos no nº1 do art. 46º do CPC., incluem-se os documentos a que por disposição legal, seja atribuída força executiva. Como refere, Lebre de Freitas, in, A acção Executiva, Depois da reforma da reforma, pág. 65, «Também documentos particulares podem constituir título executivo por disposição especial de lei, nomeadamente, o contrato de arrendamento de prédio urbano, acompanhado de comprovativo da comunicação ao arrendatário, efectuada nos termos do art. 9º do NRAU, da resolução ou da denúncia do contrato pelo senhorio, nos termos do art. 1084º, nº1 do C. Civil». Ora, a presente execução tem por finalidade a entrega de coisa certa e à execução para entrega de coisa imóvel arrendada, pode servir como título executivo, quer a sentença condenatória proferida em acção de despejo, quer os documentos a que se referem os arts. 14º, nº.5 e 15º, nº1 al.e) do NRAU, ou seja, da Lei nº 6/2006, de 27 de Fevereiro. Nos termos constantes do nº 1 do art. 1083º do C. Civil, qualquer das partes pode resolver o contrato, nos termos gerais de direito, com base em incumprimento pela outra parte. E nos termos do nº 3 do mesmo preceito, é inexigível ao senhorio a manutenção do arrendamento em caso de mora superior a três meses no pagamento da renda, encargos ou despesas. A resolução pelo senhorio nesta situação, opera, nos termos do nº1 do art. 1084º do C. Civil, por comunicação à contraparte onde fundamentadamente se invoque a obrigação incumprida. Nos termos da alínea e) do nº1 do art. 15º do NRAU, não sendo o locado desocupado na data devida por lei ou convenção das partes, podem servir de base à execução para entrega de coisa certa: - Em caso de resolução por comunicação, o contrato de arrendamento, acompanhado do comprovativo da comunicação prevista no nº1 do art. 1084º do C. Civil. Este título executivo complexo é composto por dois elementos, o contrato de arrendamento e o comprovativo da notificação, pelo que, faltando um deles, ou ambos, não haverá título. Assim, como alude, Maria Olinda Garcia, in, A Nova Disciplina do Arrendamento Urbano, a fls. 98, «Quando a lei não impõe o recurso à via judicial para fazer cessar a relação de arrendamento, caso o arrendatário não cumpra a obrigação de restituir o imóvel após a extinção dessa relação, o senhorio deverá recorrer à acção executiva para entrega de coisa certa, tendo por base algum dos títulos executivos formados nos termos deste art. 15º». E foi a este mecanismo que recorreu o apelante e a que o despacho recorrido não fez reparo. Porém, a divergência reside apenas no formalismo respeitante à notificação. Com efeito, o art. 15º do NRAU, não esclarece como se efectua o comprovativo da notificação, havendo que fazer apelo ao disposto no art. 9º da mesma lei. Perante este último artigo, refere o seu número 7, o seguinte: A comunicação pelo senhorio destinada à cessação do contrato por resolução, nos termos do nº1 do art. 1084º do Código Civil, é efectuada mediante notificação avulsa, ou mediante contacto pessoal de advogado, solicitador ou solicitador de execução, sendo neste caso feita na pessoa do notificando, com entrega de duplicado da comunicação e cópia dos documentos que a acompanhem, devendo o notificando assinar o original. Resulta daqui que a resolução pelo senhorio com base no nº1 do art. 1084º do C. Civil, ex vi do nº3 do art. 1083º do mesmo código, obedece a um formalismo exigente. Como a escolha do senhorio no caso vertente foi a notificação avulsa, haverá que se começar pelo regime desta, para se aferir da sua correcta observância ou não. Dispõe o nº1 do art. 261º do CPC., que as notificações avulsas dependem de despacho prévio que as ordene e são feitas pelo agente de execução, designado para o efeito pelo requerente ou pela secretaria, ou por funcionário de justiça, nos termos do nº 9 do art. 239º, na própria pessoa do notificando, à vista do requerimento, entregando-se ao notificado o duplicado e cópia dos documentos que o acompanhem. E nos termos do nº2 do mesmo preceito, o agente de execução ou funcionário de execução lavra certidão do acto, que é assinada pelo notificado. Ora, na situação em apreço, as pessoas que se encontravam na morada indicada, não só se recusaram a assinar a notificação, como a receber a documentação que a acompanhava. De igual modo, não apresentaram qualquer documento de identificação, o que levou o despacho recorrido a afirmar que, uma coisa é a recusa da notificação por quem é o efectivo destinatário da mesma e outra é não se saber, sequer, a identidade de quem a recusou. Porém, consta das certidões das notificações avulsas que «o notificando disse ser o próprio pese embora não ter apresentado documento de identificação pessoal e recusou receber a notificação». Neste caso, não se trata de desconhecimento da identidade, uma vez que os notificandos não a negaram, apenas não apresentaram documento de identificação, o que é diferente. Perante o teor das certidões, os destinatários eram os próprios, o que sucedeu foi um não integral cumprimento da diligência levada a cabo pelo solicitador de execução, ou seja, na certidão do acto não consta a assinatura de qualquer dos notificandos, formalidade essencial para a consumação da notificação avulsa. Contudo, pretendendo a lei uma comunicação pessoal, a mesma poderia ser alcançada doutra forma, seguindo-se aqui por analogia, as regras processuais aplicáveis à citação por agente de execução plasmadas no art. 239º do CPC. Assim, nos termos do nº 4 deste normativo, recusando-se o citando a assinar a certidão ou a receber o duplicado, o agente de execução dá-lhe conhecimento de que o mesmo fica à sua disposição na secretaria judicial, mencionando tais ocorrências na certidão do acto. Ora, perante a postura dos notificandos, deveria ter sido esta a tramitação seguida pelo agente de execução. Não o tendo sido, de igual modo, não se encontra preenchida a citação pessoal. A comunicação do senhorio não chegou, assim, ao contacto pessoal dos arrendatários. Com efeito, uma coisa é seguir-se a tramitação devida e outra é a aferição legal da sua consumação, o que aqui não sucedeu perante o disposto no nº 7 do art. 9º do NRAU. Assim, não poderá o recorrente extrair as conclusões que retira, no sentido de afirmar que «os destinatários urdiram uma fraude à lei», pois, não há quaisquer elementos nos autos, para tanto, já que a sua recusa podia ter sido colmatada pela aludida forma e não o foi. Por outro lado, também não se nos afigura correcta, a afirmação de que os Tribunais Superiores consideram eficaz a denúncia do contrato de arrendamento por via de notificação judicial avulsa, não obstante a sua frustração por motivo imputável ao arrendatário, pois, o recorrente não levou em consideração a alteração legislativa ocorrida, quer no âmbito do arrendamento quer no da acção executiva, não ilustrando a sua posição com jurisprudência actualizada. A celeridade preconizada pelo NRAU nalguns aspectos, quando não impõe o recurso à via judicial para fazer cessar a relação de arrendamento, nomeadamente, no caso de mora superior a três meses no pagamento da renda, também fez surgir um formalismo mais apertado no respeitante à constituição dos novos títulos executivos plasmados no art. 15º do mesmo diploma. Ora, a situação dos autos enquadra-se precisamente neste contexto, já que estando em causa acção executiva para entrega de imóvel arrendado, o título executivo extra-judicial tem que obedecer aos enunciados formalismos do nº7 do art. 9º e al.e) do art.15º,ambos do NRAU. Não tendo sido cumprido aquele desiderato, ou seja, não tendo sido recebido o contrato de arrendamento nem assinado o comprovativo referente à notificação judicial pelos respectivos arrendatários, nem preenchidos os requisitos para a recusa de assinar a certidão ou recibimento de duplicados no âmbito da citação por agente de execução, não estão reunidos os requisitos necessários para o preenchimento da natureza de título executivo e, daí, o indeferimento liminar do requerimento executivo, nos termos constantes da alínea a) do nº1 do art. 812º-E do CPC. Destarte, não tendo sido violadas quaisquer normas de natureza substantiva ou processual, embora por razões diferentes do despacho recorrido, não existe título executivo válido, decaindo na totalidade as conclusões do recurso apresentado. Em síntese: -À execução para entrega de coisa imóvel arrendada, pode servir como título executivo, quer a sentença condenatória proferida em acção de despejo, quer os documentos a que se referem os arts. 14º, nº.5 e 15º, nº1 al. e) do NRAU, ou seja, da Lei nº 6/2006, de 27 de Fevereiro. - Este título executivo complexo é composto por dois elementos, o contrato de arrendamento e o comprovativo da notificação, pelo que, faltando um deles, não terá a natureza de título. - A celeridade preconizada pelo NRAU nalguns aspectos, quando não impõe o recurso à via judicial para fazer cessar a relação de arrendamento, nomeadamente, no caso de mora superior a três meses no pagamento da renda, também fez surgir um formalismo mais apertado no respeitante à constituição dos novos títulos executivos plasmados no art. 15º do mesmo diploma. - Estando em causa acção executiva para entrega de imóvel arrendado, o título executivo extra-judicial tem que obedecer aos formalismos do nº7 do art. 9º e al.e) do art.15º,ambos do NRAU. 3- Decisão: Nos termos expostos, acorda-se em julgar improcedente a apelação, mantendo-se o indeferimento liminar do requerimento executivo. Custas a cargo do apelante. Lisboa, 6 de Abril de 2010 Maria do Rosário Gonçalves Maria José Simões Maria da Graça Araújo |