Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
4065/2006-1
Relator: MARIA JOSÉ SIMÕES
Descritores: AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO
PRINCÍPIO DA COOPERAÇÃO
CONDENAÇÃO EM MULTA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/05/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: REVOGADA
Sumário: I – Estando designado julgamento e sendo comunicado ao Tribunal, via fax, por um dos advogados, a sua impossibilidade de comparência, deve a secção de processos fazer, de imediato, conclusos os autos, para que o Mmº Juiz, nos termos do artº 155º/4 CPC adie a audiência e desconvoque prontamente as pessoas notificadas, em observância do princípio da cooperação ínsito no artº 266º/1 CPC.
II – Adiado o julgamento com fundamento legal na falta de advogado e não tendo sido as testemunhas desconvocadas, não devem estas, em caso de não comparência, ser condenadas em multa.
Decisão Texto Integral: I – RELATÓRIO

No âmbito de acção de Processo Ordinário, em 01/10/2004, através de fax, o ilustre advogado da ré R…., veio requerer ao Tribunal o adiamento da audiência de julgamento aprazada para o dia 06/10/2004 pelas 09H15m, alegando diligência inadiável fora da Comarca e não ter conseguido substabelecer em colega.
Notificados os AA. do requerimento apresentado pela ré, vieram requerer que as testemunhas por si arroladas fossem dispensadas de comparecer no Tribunal, no dia e hora indicados.
No dia aprazado para a audiência de julgamento, o Mmº Juiz a quo, considerando os fundamentos invocados pelo Exmº advogado da ré, adiou a audiência para outra data, condenando cada uma das testemunhas faltosas notificadas na multa de 1 UC, indeferindo, por falta de fundamento legal, o requerido pelo Exmº advogado dos AA.
Inconformado com tal despacho, do mesmo recorreram os AA. Condomínio do prédio urbano sito na Rua … e outros, tendo apresentado as seguintes conclusões:
A) O despacho recorrido viola o nº 1 do artº 266º do CPC, onde consagra que “na condução e intervenção no processo, devem os magistrados, os mandatários e as próprias partes cooperar entre si…”.
B) Pelo que, não são apenas as partes que estão obrigadas a cooperar com o Tribunal, estando também este obrigado a colaborar com as partes.
C) Foi em conformidade com o princípio da colaboração, consignado no nº 1 do artº 266º do CPC, que os recorrentes requereram ao Tribunal que dispensasse as testemunhas por si arroladas, uma vez que, já se sabia, de antemão, que o julgamento ia ser adiado.
D) Com isto poupava-se as testemunhas aos incómodos de uma deslocação ao Tribunal sem qualquer interesse.
E) Pelo que, o requerimento dos recorrentes, ao contrário do afirmado no despacho recorrido, não carece de fundamento legal.
F) Por outro lado, temos que, o Tribunal em face da comunicação do Ilustre mandatário da Ré devia ter procedido de acordo com o nº 4 do artº 155º do CPC.
G) Não tendo procedido dessa forma, não podia o Mmº Juiz a quo, em face do requerido pelos ora recorrentes e em respeito ao princípio da colaboração do Tribunal para com as partes, ter deixado de dispensar as testemunhas arroladas por aqueles.
H) Ao indeferir o requerido pelos recorrentes, no despacho de que ora se recorre, o Tribunal a quo violou o princípio da colaboração previsto no nº 1 do artº 266º do CPC, isto, para além de, por omissão, ter violado o nº 4 do artº 155º do CPC.
I) Temos ainda que, a condenação em multa das testemunhas que não compareceram, carece de fundamento legal, por não se encontrarem preenchidos os requisitos do artº 519º do CPC.
J) Com efeito, para que se possam multar as testemunhas nos termos do artº 519º do CPC é necessário que estas se tenham recusado a prestar a sua colaboração com a descoberta da verdade, o que jamais aconteceu no presente caso.
K) Além de que, tal ausência em nada contribuiu para o adiamento que se verificou.
L) Em suma, o despacho recorrido viola os artºs 155º nº 4, 266º nº 1 e 519º nºs 1 e 2 todos do CPC.
Conclui, pedindo a revogação do despacho recorrido.
Não foram produzidas contra-alegações.

Face à simplicidade da questão a resolver, tendo em conta o disposto no artº 705º do CPC, proferir-se-á, de imediato, decisão sumária sobre a mesma.

II – QUESTÕES A RESOLVER
Consabidamente, a delimitação objectiva do recurso emerge do teor das conclusões do recorrente, enquanto constituam corolário lógico-jurídico correspectivo da fundamentação expressa na alegação, sem embargo das questões de que o Tribunal ad quem possa ou deva conhecer ex officio (I).
Assim, em face das conclusões apresentadas, duas questões se impõem a este Tribunal resolver:
- Se o Mmº Juiz a quo decidiu bem ao não dispensar as testemunhas arroladas pelos AA. de comparecer à audiência de julgamento, uma vez que sabia, de antemão, que o julgamento ia ser adiado, por falta de comparência do mandatário dos RR.
- Se o Mmº Juiz a quo decidiu bem ao condenar em multa as testemunhas notificadas faltosas.

III – FUNDAMENTOS DE FACTO
O despacho recorrido é do seguinte teor:
«Considerando os fundamentos invocados pelo Exmo advogado da ré no seu fax de fls. 242 e atento o disposto nos artigos 155º nº 5 e 651º nº 1 al. d) do CPC, adio a presente audiência para o próximo dia 10 de Fevereiro de 2005, pelas 09:15 horas (e não antes por absoluta e total impossibilidade de agendamento anterior).
Vai cada uma das testemunhas faltosas notificadas condenada na multa de 1 UC – artº 519º do CPC.
Por falta de fundamento legal, aliás não invocado, indefere-se o requerido pelo Exmº advogado dos autores, na parte final do seu requerimento de fls. 243 em que requer “dispensar as testemunhas por si arroladas de comparecer no dia e hora indicados”
Notifique-se.»

IV- FUNDAMENTOS DE DIREITO
Comecemos, então, por analisar a 1ª questão:
- Se o Mmº Juiz a quo decidiu bem ao não dispensar as testemunhas arroladas pelos AA. de comparecer à audiência de julgamento, uma vez que sabia, de antemão, que o julgamento ia ser adiado, por falta de comparência do mandatário dos RR.
Vejamos.
A audiência de julgamento nos autos encontrava-se designada para o dia 06/10/2004.
Através de fax, datado de 01/10/2004, o ilustre mandatário da R, não podendo comparecer à audiência de julgamento, comunicou a sua falta à mesma, naquela data, por duas ordens de razões: uma, em virtude de diligência inadiável fora da Comarca e outra, por não ter conseguido substabelecer em colega, requerendo, por isso, o adiamento da audiência de julgamento.
Este ilustre mandatário deu cumprimento ao disposto nos artºs 229º-A e 260º-A do CPC.
Na sequência desta notificação, o ilustre advogado dos AA veio requerer, no mesmo dia 01/10/2004, também, via fax, que o tribunal se dignasse dispensar as testemunhas por si arroladas de comparecer no dia designado para a audiência de julgamento.
O Tribunal, porém, não emitindo qualquer despacho sobre tais requerimentos, optou por se pronunciar a tal respeito no dia designado para audiência de julgamento e fê-lo do modo como consta supra.
Pelo que nos é dado perceber pelas peças processuais enviadas pelo Tribunal a quo, tratava-se de um primeiro adiamento da audiência de julgamento.
Ora, o adiamento da audiência verifica-se automaticamente desde que falte um dos advogados.
No caso em apreço, houve fundamento legal para tal, a falta de advogado (artº 651º nº 1 d) do CPC) …” (2)
Assim, tendo o mandatário da ré comunicado ao Tribunal que se encontrava impossibilitado de comparecer na data agendada para audiência de julgamento, em consequência de outro serviço judicial inadiável e tendo comunicado tal facto ao mandatário da parte contrária, deveria, desde logo, a secção de processos ter feito concluso o mesmo ao Mmº Juiz a quo para que este, nos termos do disposto no artº 155º do CPC adiasse a audiência de julgamento designada para cinco dias depois ou caso se entendesse que o adiamento só poderia ocorrer em audiência de julgamento, poderia de qualquer modo, o Mmº Juiz providenciar para que as pessoas convocadas fossem prontamente desconvocadas para a data para a qual haviam sido notificadas, ao mesmo tempo que, designando-se nova data, se convocariam as mesmas para esta.
Não se concorda, por isso, com o Mmº Juiz a quo, pois, não obstante, o pedido de desconvocação dos AA e o conhecimento, de antemão de que o julgamento iria ser adiado, decidiu manter a convocação das testemunhas, argumentando inexistir fundamento legal para a dispensa destas.
E discorda-se, fundamentalmente porque, no caso sub júdice, quer os AA quer a ré deram sinais claros de que estavam de acordo quanto à não realização da audiência de julgamento na data aprazada e em cooperar com o Tribunal, pois, caso as testemunhas tivessem sido desconvocadas a tempo e horas – o que poderia ter sido feito – poupavam-se custos e transtornos desnecessários.
Aliás, é precisamente este o espírito da lei ao referir-se no nº 4 do artº 155º do CPC “Logo que se verifique que a diligência, por motivo imprevisto, não pode realizar-se no dia e hora designados, deve o tribunal dar imediato conhecimento do facto aos intervenientes processuais, providenciando por que as pessoas convocadas sejam prontamente notificadas do adiamento”.
Assim, mal andou o Tribunal a quo ao não observar o princípio ínsito no artº 266º nº 1 do CPC.

Passemos agora à análise da 2ª questão:
- Se o Mmº Juiz a quo decidiu bem ao condenar em multa as testemunhas notificadas faltosas.
Já vimos na abordagem da questão anterior que a secção de processos não concluiu o processo atempadamente ao Mmº Juiz titular, o que deveria ter sido feito.
De qualquer modo, não tendo a secção de processos procedido dessa forma e uma vez chegado o dia da audiência de julgamento, não se vê razão para que as testemunhas notificadas faltosas tivessem sido condenadas em multa.
Não há dúvida que as testemunhas dos AA foram notificadas para comparecer na data designada para julgamento e que em obediência ao dever de cooperação para com o Tribunal se lhes impunha que comparecessem naquela data para a audiência, mas não nos podemos olvidar das circunstâncias que ocorreram previamente à audiência de julgamento.
Com efeito, em obediência aos princípios da cooperação e da colaboração entre o Tribunal e os restantes sujeitos processuais e vice-versa (cfr. artºs 266º e 519º ambos do CPC), nunca deveria ter ocorrido tal condenação, por duas ordens de razões: por um lado, porque a causa do adiamento foi, sem dúvida a falta do ilustre mandatário da ré – fundamento legal para o adiamento – e, por outro, nunca o princípio da colaboração da parte (AA) que arrolou as testemunhas para com o Tribunal, foi posto em causa.
Na verdade, quanto a esta última razão, a parte, logo que tomou conhecimento de um inevitável adiamento da audiência de julgamento, mostrando agir com celeridade e eficácia, ao pretender poupar incómodos às testemunhas e custos acrescidos sem qualquer efeito prático e útil, requereu ao Tribunal a sua dispensa.
Esta atitude, a nosso ver, não só revela sentido de cooperação para com o Tribunal como também respeito pelos actos praticados ou a praticar pelo mesmo.
Por isso que, impondo a lei, o adiamento da audiência com fundamento na falta do mandatário de uma das partes e face às circunstâncias supra referidas, se impunha que o Mmº Juiz não condenasse as testemunhas em multa pela sua não comparência à audiência de julgamento, tal como consta do despacho recorrido.
Diga-se ainda, que a não comparência das testemunhas não se deveu a um acto voluntário seu mas antes a uma orientação transmitida pelo ilustre mandatário da parte, não sendo, aliás, exigível às testemunhas conhecimentos técnico-jurídicos neste particular.
Entendemos, assim, assistir razão ao recorrente, impondo-se a revogação do despacho recorrido que condenou em multa as testemunhas arroladas pelos AA., notificadas e faltosas à audiência de julgamento.

V – DECISÃO
Em conformidade com os fundamentos expostos, decide-se conceder provimento ao agravo, revogando-se o despacho recorrido na parte em que condenou as testemunhas faltosas em 1 Uc cada uma pela sua não comparência à audiência de julgamento.

Sem custas.

Lisboa, 5 de Maio de 2006



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1.-Cfr. artº 684º nº 3 e 690º do CPC, bem como os Acs do STJ de 21/10/93 (CJ-STJ de 3/93, 81) e 23/05/96 (CJ-STJ, 2/96, 86).
2.-Cfr. Acs. TRL de 16/10/2002 (relator Simão Quelhas) e de 29/11/90 (relator Sousa Dinis)