Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
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| Relator: | CARLOS VALVERDE | ||
| Descritores: | CUMPRIMENTO DEFEITUOSO RISCO NAS OBRIGAÇÕES JUROS | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 10/08/2009 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | CONFIRMADO PARCIALMENTE | ||
| Sumário: | I - Existe cumprimento defeituoso em todos os casos em que o defeito ou irregularidade da prestação - a má prestação - causa danos ao credor ou pode desvalorizar a prestação, impedir ou dificultar o fim a que este objectivamente se encontra afectado; II - As regras concernentes ao risco têm carácter supletivo, nada impedindo que os contraentes fixem em termos diferentes o regime do risco do perecimento ou deterioração da coisa, estipulando, v. g., que o risco do perecimento ou deterioração da coisa só se transfira para o adquirente com a chegada da coisa ao poder deste; III - Enquanto a reparação da coisa não for efectuada, o vendedor não pode exigir ao comprador juros pela não liquidação do preço na data aprazada, pois para haver mora e consequente obrigação do pagamento de juros é indispensável que exista culpa do devedor e tal não acontece enquanto se mantiverem os vícios de que sofre a coisa vendida. (CV) | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa: T, Ldª, intentou acção, com processo ordinário, contra B, Ldª, pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de € 21.163,38 e juros, referente ao preço das mercadorias que lhe forneceu e que apenas foi pago em parte. Citada, contestou a Ré, dizendo, no essencial, que a A. agravou unilateralmente o preço das mercadorias, não as forneceu atempadamente e que alguns dos vidros fornecidos estavam danificados. Houve réplica e tréplica, posto o que foi prolatado o despacho saneador e seleccionada a matéria de facto tida por pertinente. Procedeu-se a julgamento e, a final, foi a acção julgada procedente e a Ré condenada no pedido. Inconformada com esta decisão, dela a Ré interpôs recurso, em cujas conclusões, devidamente resumidas - art. 690º, 1 do CPC -, a questiona de facto e de direito. A apelada contra-alegou, pugnando pela manutenção do julgado e impugnando, ao abrigo do art. 684º-A, 2 do CPC, parte da decisão factual. Cumpre decidir, tendo em conta que foi a seguinte a factualidade apurada na instância recorrida: 1 - A A. é uma sociedade comercial por quotas que tem por objecto a elaboração de estudos, projectos e empreendimentos, no comércio de representações, exportações e importações (alínea A dos factos assentes); 2 - A R. é uma sociedade comercial que se dedica à comercialização de materiais e prestação Je serviços na área da gestão e compartimentação de acessos (alínea B dos factos assentes); 3 - No âmbito da sua actividade comercial, a A. sob encomenda da R., forneceu-lhe durante o ano de 2002 e 2003, diversas mercadorias para diferentes obras em Coimbra e Lisboa (alínea C dos factos assentes); 4 - A A. emitiu as facturas n.° 74, 75, 76 e 79, sobre a R., datadas de 02/07/02, vencidas a 60 dias, no valor, respectivamente, de € 44.682,18, € 38.676,52, € 38.676,52 e € 2.697,61, referentes ao fornecimento de vidros para a obra Vodafone, sendo que tais montantes, já se encontram liquidados na sua totalidade (alínea O dos factos assentes); 5 - Em 1 de Agosto de 2002 a R. encomendou à A., e esta depois entregou, 64 vidros pare a obra sita no Edifício Arnado, em Coimbra (alínea K dos factos assentes); 6 - A mercadoria descrita em 5. foi entregue à R. pelo menos em 26/09/02 (resposta ao arto 4° da base instrutória); 7 - Em data anterior a 24 de Setembro de 2002, a R. encomendou à A., e esta entregou-lhe, vidros corta-fogo e pára-chamas para a obra sita no Edifício Vodafone, em Lisboa (alínea S dos factos assentes); 8 - A R. enviou à A., e esta recebeu, um fax datado de 24 de Setembro de 2002 com o assunto "Encomenda de Vidros. Edifício da Telecel-Vodafone", em que se diz o seguinte “Como é do vosso conhecimento, em relação à obra acima referida danificaram-se alguns vidros, que apresentam bolhas" (...) Devido às datas da obra para conclusão de todos os trabalhos serem bastante diminutas, vimos por este meio fazer a encomenda em duas fazes: URGENTES (entregues em 15 dias); Vidro Pára-chamas PYRODUR 30' - 201 de 10mm esp. com uma Folha PVButiral Segurança: V2-C/820x2060 – 7Un. V3-C/785x2170-11Un.; NORMAL (entregues em 30 dias) Vidro pára chamas PYRODUR 30' – 201 DE 10mm esp. com uma Folha PVButiral de segurança: -V2-C/820x2060-9Un. V3-C/785x2170-1lUn.; Vidro Corta-Fogo PYROSTOP 60' de 23mm Esp. V4-C/1147x:2184-1Un (...) (alínea T dos factos assentes); 9 - A A. forneceu à R. e esta recebeu vedantes, dobradiças e perfis descritos em 18. para a obra que esta executava no Edifício Arnado, em Coimbra (alínea E dos factos assentes); 10 - A R. enviou à A., e esta recebeu, um fax datado de 21 de Outubro de 2002 em que se dizia o seguinte: "Verificou-se em obra quando se foi abrir os caixotes dos vidros que existiam 8 vidros partidos. A quebra dos vidros deverá dever-se ao facto de os caixotes terem sido transportados deitados, tendo eles informação para serem transportados de pé. Os vidros que não se partiram traziam um enorme empeno em altura visto terem suportado o peso dos vidros superiores. Não sei se esta situação poderá trazer problemas futuros como a possível quebra dos mesmos. Os vidros que se partiram foram os seguintes; 3 unidades 320x1885; 3 unidades 710x1825; 1 unidade 177x1885; 1 unidade _300x295. Agradeço a reposição o mais rápido possível visto ser uma obra que já está em funcionamento (alínea L dos factos assentes); 11 - Os vidros referidos em 10. estavam partidos quando foram entregues à R. (resposta, ao arto 5° da base instrutória); 12 - A R. emitiu uma nota de débito com o n.° 09/92 sobre a A., datada de 10.12.2002 e vencida a 08-02-2003, no valor total de 2.394,13 Euros, com os seguintes dizeres: "Obra: Edifício Vodafone - Despesas decorrentes de fornecimento e montagem de vidros provisórios" com a seguinte designação e preço unitário: Fornecimento de 30 vidros provisórios – 1,104.45; Montagem de vidros provisórios – 2 equipas TS – 580,90; Montagem de Vidros Provisórios – 1 Equipa Romualdo 209,52; Reafinação de Portas e Borrachas – 1 equipa Tacão – 117.00 (alínea P dos factos assentes); 13 - A R. emitiu sobre a A. uma outra nota de débito com o mesmo número e conteúdo, da nota referida em 12., com excepção do local de obra, em que se refere "Obra: Edifício Arnado – Coimbra" (alínea Q dos factos assentes); 14 - As despesas descritas na nota de débito referida em 13. reportam-se à aquisição, deslocação e colocação de 64 vidros provisórios na obra no Edifício Arnado em Coimbra (resposta ao art° 6° da base instrutória); 15 - A R. deduziu o valor daquela nota de débito no pagamento, através de letras, de outras facturas à A., em virtude da conta-corrente existente entre ambas (alínea R dos factos assentes); 16 - A A. enviou à R., e esta recebeu, o fax, datado de 01/08/03, junto aos autos a fls. 42, do qual consta, além do mais, (...) "Conforme informei hoje, os perfis que não completem um atado têm um agravamento de 30%. Acresce que desde Outubro de 2002 temos estado a suportar o agravamento anual de RP que ronda em média os 4%. Assim, informamos que os preços para os perfis que agora encomendaram. Os outros materiais vamos manter o preço. Neste fornecimento, não haverá custo de transporte para Lisboa. Os perfis não serão seguros pela TECOPE nem pela RP. Rp-1752 8.89 euros/m; Rp-1753 15.00 euros/m; Rp-1755 21.59 euros/m. Solicitamos a vossa reconfirmação" (...) (alínea F dos factos assentes); 17 - No mesmo fax, à frente dos dizeres "Solicitamos a vossa reconfirmação", foi manuscrito o seguinte: "OK Agradeço que o prazo de final de Agosto/início de Setembro seja respeitado" constando uma assinatura ilegível e a data de 4/8/03 (alínea G dos factos assentes); 18 - A A. emitiu a factura n.° 2003000142, em nome da R., com data de emissão de 29/08/03 e com data de vencimento 28/10/03, no valor total de € 5.975,29, e da qual constam as seguintes referências: "Edifício Arnado 2.° F Conforme nossa oferta de 01.08.2003; NSO02-300550 Vedantes-3 rolos de 100m cada; NSO02-980440 Dobradiças; NSO02-RP1752 Perfis - € 8.89m com agravamento de 30%; NSO02-RP 1753 Perfis; NSO02-RPI 755 Perfis - € 21,59m com agravamento 30% (alínea D dos tactos assentes); 19 - A. emitiu a nota de crédito n.° 2003000001, em nome da R., com data de emissão de 15/12/03 e com data de vencimento 15/12/03, no valor total de 103,53 Euros, e da qual constam a seguintes referências: Correcção à factura 2003000142; NS002-300550 Veclantes – 3 rolos com 100m cada; Valor unitário 0,29 €; Qtd -300; Iva 19; Subtotal 87,00 € (alínea H dos factos assentes); 20 - A. emitiu a factura n.° 2003000149, em nome da R., com data de emissão de 15/12/03 e com data de vencimento 15/12/03, no valor total de 1.493,61 Euros, e da qual constam as seguintes referências: "Reposição de Vidro Corta-Fogo; Vidro Pyrodur 30'-10mm. 'V1 3-320X1885; V2 3-710X1825; V3 1-177X1885; V4 1-13000X295 (alínea M dos factos assentes); 21 - A. entregou à R., que recebeu, a mercadoria constante da factura descrita em 20., para substituir 8 dos 64 vidros descritos em 5. e que estavam partidos (alínea N dos factos assentes); 22 - A. emitiu a factura n.° 2003000150, em nome da R., com data de emissão de 15/12/03 e com data de vencimento 15/12/03, no valor total de 11.403,88 Euros, e da qual constam os seguintes dizeres: "Reposição de Vidros Pilkington Pyrodur/Pyrostop; Vodafone; Ref. V2 16 vidros Pyrodur G30 201 -10mm – 820x2060; Ref. V3 13 vidros Pyrodur G30 201 -10mm – 785x2170; Ref V4 1 vidro Pyrostop 60101 – 23mm – 1147x2184" (alínea U dos factos assentes); 23 - A R. enviou à A., e esta recebeu, um fax datado de 30 de Junho de 2004 com o assunto Pagamento e o seguinte conteúdo: "A fim de liquidarmos as facturas 2003000142, 2003000149 e crédito 2003000001, foi emitido o cheque no valor de 5.871,76 € sabre o BCP, a ser-vos enviado (…)” (alínea I dos factos assentes); 24 - A. R. enviou à A., e esta recebeu, um fax datado de 15 de Setembro de 2004 com o seguinte texto: "Continuamos a aguardar resposta ao nosso fax de 2004/07/08 que transcrevo de seguida: Em resposta ao vosso fax de 7/7, passo a informar: 1- Existem 3 casos pendentes de resolução, tendo (segundo a nossa opinião) ficado resolvidos 2 no decorrer da reunião realizada há dias, ou seja: a. A TECOMPART analisou e aceita o aumento brutal de preços praticados e vai pagar de imediato a factura 2003000142 e crédito 2003000001 pelo valor de 5.871,76 € (...)” (alínea J dos factos assentes), 25 - A A. entregou à R., que recebeu, a mercadoria constante da factura descrita em 19., para substituir os vidros descritos em 6., que tinham bolhas e não podiam ser colocados na obra (alínea V dos factos assentes); 26 - A R. não pagou os valores constantes das facturas descritas em 18., 20. e 22. (alínea X dos factos assentes); 27 - Os valores negociados e que levaram a R. a encomendar os produtos que se referem em 18., foram outros que não os posteriormente facturados (art° 1 ° da base instrutória); 28 - A R. não reconfirmou o conteúdo do fax descrito em 16. (art° 2° da base instrutória); 29 - A R. exigiu a correcção dos valores constantes da factura descrita em 18. (art° 3° da base instrutória); 30 - As cópias das reproduções fotográficas juntas aos autos a fls. 163 a 173, reportam-se aos vidros que apresentavam bolhas (resposta ao art° 11 ° da base instrutória). Quanto à decisão da matéria de facto. Relativamente a esta, é genericamente facultado às partes peticionarem a sua modificação, a sua anulação ou a sua fundamentação. Sempre que se impugne a decisão relativa à matéria de facto incumbe ao recorrente observar dois ónus: o da discriminação fáctica e probatória - art. 690º-A do CPC - e o ónus conclusivo - arts. 684º, 3 e 690º, 4 do mesmo diploma. Quanto ao primeiro, cabe-lhe obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição, "os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados" e, bem assim, "os concretos meios probatórios constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida". Quanto ao segundo - sendo certo que o tribunal ad quem só pode apreciar as questões que se mostrem vertidas nas conclusões da minuta alegatória, estando impedido de o fazer relativamente a quaisquer outras que nelas não sejam afloradas, ainda que versadas nas alegações propriamente ditas -, logo se alcança que alguma lacuna conclusiva será suficiente para inviabilizar, sem mais, a sindicância deste Tribunal sobre a respectiva decisão. É que a discordância do recorrente sobre a decisão fáctica - susceptível de implicar a sua alteração - não constitui matéria de conhecimento oficioso, ao invés do que sucede com as deficiências, obscuridades ou contradições de que eventualmente padeçam as respostas produzidas. In casu, ao contrário da recorrida que cumpriu os dois apontados ónus, apresentando conclusões e fazendo referência ao concreto ponto de facto que considera incorrectamente julgado e tendo feito a especificação dos meios probatórios em que suporta a sua pretensão, a recorrente não fez expressa referência aos pontos de facto que considerava incorrectamente julgados, todavia, acabou por aludir a factos que, em seu entender, foram mal considerados, para o que se acobertou em documentação junta aos autos, pelo que, pese embora a sua deficiente ortodoxia, se tem também, por parte desta, como minimamente cumprido o impositivo do art. 690º-A do CPC. Ultrapassado este crivo liminar, enfrentemos a questão suscitada, coligindo a disciplina legal pertinente e confrontando-a, de seguida, com o concreto dos autos. Por força dos princípios da imediação e da oralidade, consagrados no nosso sistema, a regra-base, em matéria probatória, é a da inalterabilidade pela Relação da resolução da matéria de facto operada pela 1ª instância. Esta regra sofre, no entanto, os desvios constantes do nº 1 do art. 712º do CPC. Por via deles, as respostas do tribunal da 1ª instância poderão efectivamente ser alteradas pela Relação: “a) se do processo constarem todos os elementos de prova que servirem de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do art. 690º-A, a decisão com base neles proferida; b) se os elementos fornecidos pelo processo impuserem uma resposta diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas; c) se o recorrente apresentar documento novo superveniente e que, por si só, seja suficiente para destruir a prova em que a resposta assentou;”. Prevê-se, pois, que o processo contenha todos os elementos de prova que servirem de base à decisão do tribunal da 1ª instância, o qual aprecia conjuntamente toda a prova produzida, de forma livre, isto é, segundo a sua experiência e prudência e sem subordinação a regras ou critérios formais pré-estabelecidos (Alberto dos Reis, ob. cit., pág. 544), ou que o processo contenha elementos probatórios cujo valor não pode ter-se contrariado por qualquer das outras provas produzidas nos autos. É o caso, no dizer do Prof. Manuel de Andrade (Noções Fundamentais, pág. 209), de o tribunal a quo ter desprezado a força probatória de documento não impugnado nos termos legais ou, como refere Rodrigues Bastos, é necessário que se verifique uma certeza jurídica quanto ao valor probatório dos elementos de prova existentes no processo, para, com base neles, alterar as respostas aos quesitos ao abrigo da alínea b). É semelhante a situação prevista na alínea c), com a única diferença que neste caso o elemento probatório que permite a alteração é um documento que não existia no processo quando o tribunal respondeu à matéria de facto (cfr, ob. cit., pág. 336). Revertendo para o caso dos autos, temos que se procedeu à gravação dos depoimentos que serviram de base à formação do juízo expresso pelo tribunal da 1ª instância. Assim, apreciando a mesma matéria, pode este tribunal alterar a decisão, devendo fazê-lo dentro do princípio da livre apreciação da prova, que ambas as instâncias devem observar. Este princípio, consagrado no art. 655º do CPC, significa que a prova é apreciada, como se disse, pelo julgador segundo a sua experiência e a sua prudência, sem subordinação a regras ou critérios preestabelecidos. Ainda de harmonia com este princípio, que se contrapõe ao princípio da prova legal, as provas são valoradas livremente, sem qualquer grau de hierarquização, nem preocupação do julgado quanto à natureza de qualquer delas (cfr. A. Varela, Manual de Processo Civil, 2ª ed., pág. 455); o tribunal responde em sintonia com a convicção que tenha firmado acerca de cada facto quesitado, salvo se a lei exigir, para a existência ou prova do facto jurídico, qualquer formalidade especial, caso em que esta não pode ser dispensada. Não é essa, porém, a situação em apreço. Estão em causa as resposta aos quesitos 9º e 10º (por parte da recorrente) - pois, no mais, não obstante a transcrição parcial dos depoimentos de algumas testemunhas e a referência a alguma documentação junta aos autos, o que se questiona não é a decisão factual, mas apenas as conclusões que na sentença se tiraram em função da factualidade apurada - e 5º (por parte da recorrida). Nos quesitos 9º e 10º verteu-se a factualidade relacionada com os defeitos dos vidros encomendados pela Ré para a obra no Edifício Vodafone, em Lisboa, tendo recebido respostas negativas e tal não pode ter-se como abalado pelos elementos probatórios em que a recorrente se louva para dissentir do decidido. Neste segmento, a recorrente, ainda que sem referenciar, como se disse, estes pontos da base instrutória, adiantou que é alheia à ocorrência das anomalias verificadas nos vidros aqui em causa, deixando transparecer que estas se deviam a defeitos no seu fabrico, remetendo para o documento de fls. 71 e 72, simples declaração de desresponsabilização do empreiteiro da obra em relação aos defeitos detectados e donde, no mais significativo, sobra o desconhecimento do declarante em relação ao eventual contacto dos vidros com a água e uma referência meramente opinativa quanto à origem dos defeitos. Não evidencia, pois, a documentação em referência a certeza jurídica exigida pela lei para, só por si, permitir a alteração do sentido da decisão factual questionada (al. b), do nº 1 do art. 668º do CPC), não representando mais do que simples elemento coadjuvante da prova, sujeita, enquanto tal, a ser compaginada pelo tribunal com os demais elementos recolhidos, sem qualquer preferência ou hierarquia e sempre sujeitos ao falado princípio da livre apreciação. No que à resposta ao quesito 5º respeita e que foi questionada pela recorrida, em sede de ampliação do âmbito do recurso, também esta nos parece de manter. Os depoimentos das testemunhas Luís Loureiro, que recepcionou a mercadoria e Mário Alves, que a transportou para a obra a que se destinava, suportam com suficiência necessária a resposta dada ao quesito, de resto, em consonância com o doc. de fls. 46 e com o facto da A. ter substituído os vidros partidos ( al. N) dos factos assentes), o que não pode ter-se como contrariado, sem mais, pelo depoimento da testemunha Artur Saraiva que se ficou, no mais relevante, pela explicação técnica da forma como normalmente decorre a recepção das mercadorias quando chegam ao seu destino. Em conclusão, não esquecendo que, embora seja permitida a reapreciação dos elementos de prova constantes do processo, podendo a 2ª instância adquirir uma convicção diferente daquela a que chegou a 1ª instância e expressá-la em concreto, alterando a decisão do tribunal inferior nos pontos questionados, não se impõe a realização de novo e integral julgamento nem se admite recurso genérico contra a errada decisão da matéria de facto, só se justificando a modificação das respostas aos quesitos quando haja um erro evidente, na apreciação da matéria de facto (v g, depoimentos que contradizem patentemente a resposta da 1ª instância aos quesitos) e isto porque, estando o juiz perante a pessoa que depõe, melhor do que ninguém se apercebe da forma como ela realiza o seu depoimento, da convicção com que o presta, da espontaneidade que revela, das imprecisões que deixa escapar, de tudo, enfim, o que serve para fundamentar a impressão que o depoimento deixa no espírito do julgador e contribui em menor ou maior grau para formar a sua convicção (neste sentido, os Acs. da RP, de 19-9-2000, da RL, de 13-11-2001 e do STJ, de 14-3-2006, in, respectivamente, CJ, XXV, 4, 186 e XXVI, 5, 85 e CJ, STJ, XIV, 1, 130), entendemos que a instância recorrida fez uma apreciação ponderada e reflectiva da prova efectivamente produzida, não sendo, por isso, oportuna qualquer censura susceptível de por em causa a decisão sobre a matéria de facto. Quanto ao direito. Tal como as partes apresentam a lide, a A. pretende o pagamento mercadoria que forneceu à Ré, ao que esta se quer eximir, escudando-se no cumprimento defeituoso da primeira. Não se discute que o cumprimento defeituoso da obrigação é fonte de responsabilidade contratual, como se alcança do art. 799°, 1 do CC (como todos os demais que vierem a ser citados sem outra referência), contudo a existência de normas especificas sobre a venda de coisas defeituosas - arts. 913° e sgs. - não parece autorizar a possibilidade de atribuição ao comprador do direito a uma indemnização nos termos dos arts. 798° e 799°, mas tão só a de reclamar os direitos que Ihe estão assegurados, ou melhor, reconhecidos naqueles arts. 913° e sgs., nos quais até se prevê um pedido de indemnização - ano 915° -, mas para tanto necessário se torna alegar e pedir e provar a anulação do negócio com base em erro - art. 909° (cfr. Baptista Machado, Acordo Negocial e Erro na Venda de Coisas Defeituosas, BMJ 215, págs. 5 e sgs.). Comentando o regime da venda de coisas defeituosas, observam Pires de Lima e Antunes Varela que "os pressupostos fundamentais do regime especial consagrado nesta secção (correspondente em alguns aspectos à garantia edilícia, que no antigo direito protegia o comprador contra os chamados vícios redibitórios) assentam mais nas notas objectivas das situações por ela abrangidas do que na situação subjectiva do erro em que, nalguns casos, se encontre o comprador, ao contrário do regime de anulação do contracto, também aplicável ao caso com algumas adaptações que repousa essencialmente na situação subjectiva do comprador e no reconhecimento, por parte do vendedor, da essencialidade do elemento ou atributo da coisa sobre a qual o erro incidiu." E mais adiante, "a garantia edilicia não se reduz, por conseguinte, ao efeito anulatório próprio do erro, embora o compreenda na área mais ampla das suas consequências. Mas também se não identifica com a acção creditória ou com a acção de cumprimento do contrato, porque as suas raízes mergulham directamente mais na lei do que no acordo negocial (mais nas considerações objectivas de justiça, equidade e razoabilidade de que é feito o tecido normativo do que nas injunções resultantes da autonomia privada para cada contrato singular)" (in C.C. Anotado, vol. II, 4ª ed., págs. 206 e 208). Assim, com a entrega ao comprador da coisa devida, que sofra de qualquer dos vícios catalogados no art. 913°, há venda de coisa defeituosa e, perante tal situação, o comprador pode optar pela reparação ou substituição da coisa - art. 914° -, ou pela anulação do contrato, nos termos do art. 905°, ex vi do art. 913° e com a ressalva do art. 911°, 1 (redução do preço, se as circunstâncias mostrarem que, sem erro ou dolo, o comprador teria igualmente adquirido os bens por preço inferior), mas já não pelo pedido de indemnização com base no cumprimento defeituoso da prestação, por a venda de coisas defeituosas se encontrar, como se disse, submetida a disciplina própria (cfr. o Ac. da RL de 30-11-77, CJ, V, pág. 1061). Acontece que a Ré, prevenindo a hipótese do inêxito do pedido de anulação do negócio com base em erro, peticionou que o conjunto da sua defesa - que assenta, em grande parte, no incumprimento contratual da A - fosse entendido como excepção peremptória, com a sua consequente absolvição do pedido. Um dos traços fundamentais do regime dos contratos bilaterais, que constitui um simples corolário da interdependência das obrigações sinalagmáticas, consiste na excepção de não cumprimento do contrato (exceptio non adimpleti contractus). Desde que não haja prazos diferentes para o cumprimento das prestações, qualquer dos contraentes pode recusar a sua prestação, enquanto o outro não efectuar a que lhe compete ou não oferecer o seu cumprimento simultâneo. "As obrigações compreendidas no sinalagma devem, em princípio, ser cumpridas simultaneamente (trait pour trait, como dizem os autores franceses; zug um zug, como ensinam por seu turno os alemães)" (Antunes Varela, Das Obrigações, vol. I, 9ª ed., pág. 409). A doutrina exposta tem a sua consagração no art. 428º. Inquestionável que estamos perante um contrato bilateral com prestações sujeitas a cumprimento simultâneo, porque a entrega do preço do material objecto do contrato ocorria com a entrega da mercadoria. Por isso, enquanto não se mostrasse cumprido o contrato pela A., podia a Ré recusar a sua prestação, que, no caso, equivalia ao pagamento do preço acordado, até porque a excepção de não cumprimento reveste a natureza de uma excepção material dilatória; não funciona como sanção, antes como um processo lógico tendente a assegurar o equilíbrio em que assenta o esquema do contrato bilateral, vigorando quando a outra parte não efectua a sua prestação, seja porque não quer, seja porque não pode e tanto vale para o caso de falta integral do cumprimento, como para o cumprimento parcial ou defeituoso (Pires de Lima e Antunes Varela, ob cit., vol. I, 3ª ed., pág. 381). Antunes Varela considera existir cumprimento defeituoso em todos os casos em que o defeito ou irregularidade da prestação - a má prestação - causa danos ao credor ou pode desvalorizar a prestação, impedir ou dificultar o fim a que este objectivamente se encontra afectado, estando o credor disposto a usar de outros meios de tutela do seu interesse, que não sejam o da recusa pura e simples da aceitação. Aponta, entre outros, como exemplo de cumprimento defeituoso "a oficina que reparou o barco ou consertou o automóvel não cuidou de afinar os travões, como lhe cumpria fazê-lo, dando assim aso a um acidente grave com o veículo" (ob. cit., vol. II, 7ª ed., pág. 129). Os efeitos específicos do cumprimento defeituoso não se encontram no capítulo das obrigações, encontrando-se dispersos pelas normas que regulamentam alguns contratos em especial, como acontece, v.g., nos contratos de compra e venda e de empreitada. Do cumprimento defeituoso deriva, como primeira consequência, a obrigação do ressarcimento dos prejuízos, por tal, causados ao credor - art. 798º -, sem prejuízo deste poder exigir a redução da sua contraprestação ou ainda a reparação ou substituição da coisa, na compra e venda - arts. 911º e 914º -, ou a eliminação dos defeitos, quando esta seja material e económicamente viável, na empreitada - art. 1221º. Por outro lado, enquanto a reparação da coisa não for efectuada, parece apodíctico que o vendedor não pode exigir ao comprador juros pela não liquidação do preço na data aprazada, pois para haver mora e consequente obrigação do pagamento de juros é indispensável que exista culpa do devedor - art. 801º, 1 - e tal não acontece enquanto se mantiverem os vícios de que sofre a coisa vendida. A condenação do comprador a pagar juros moratórios, desde a data do vencimento do preço até à data do efectivo pagamento, contra apenas o reconhecimento do direito à reparação da coisa vendida, surgiria como injusta e absurdamente penalizadora para a parte lesada, permitindo, inclusivé, ao vendedor retardar a reparação da coisa, no pressuposto de que tal nenhum prejuízo lhe acarretaria, pois os juros continuavam a vencer-se sobre os montantes facturados em dívida (cf. Antunes Varela, "Cumprimento Imperfeito do Contrato de Compra e Venda", Col. Jur., Ano de 1987, Tomo IV, pág. 34). Posto isto e revertendo para o caso dos autos, de concreto e quanto à facturação da mercadoria fornecida em substituição da danificada, temos que, aquando da sua entrega à Ré, oito vidros dos originalmente fornecidos estavam partidos (resposta ao quesito 5º), o mesmo não acontecendo com os que tinham bolhas, já que não se provou que tais anomalias se verificassem aquando da sua entrega à Ré (respostas negativas aos quesitos 9º e 10º). Acompanhamos a sentença quando, não sendo imputáveis à A. (vendedora) a perda de parte da mercadoria (vidros partidos) e as deficiências ocorridas noutra parte desta (vidros com bolhas), a solução era de encontrar, não há luz das regras do incumprimento das obrigações ou do seu cumprimento defeituoso, mas à luz do risco da contraprestação, ao abrigo da regra res perit domino ou casum sentit creditor, consagrada no art. 796º, 1, segundo a qual nos contratos comutativos que importem a transferência do domínio sobre certa coisa ou que constituam ou transfiram um direito real sobre ela (como acontece no contrato de compra e venda), o perecimento ou deterioração da coisa por causa não imputável ao alienante corre por conta do adquirente, não beneficiando este da liberação da sua contraprestação ou, se já realizada, da sua restituição, nos termos prescritos para o enriquecimento sem causa (art. 795º, 1). Todavia, não podemos ir tão longe quanto na sentença censuranda, pois as regras concernentes ao risco têm carácter supletivo, nada impedindo que os contraentes fixem em termos diferentes o regime do risco do perecimento ou deterioração da coisa, estipulando, v. g., que o risco do perecimento ou deterioração da coisa só se transfira para o adquirente com a chegada da coisa ao poder deste (cfr. Antunes Varela, ob. cit., vol. II, pág 89 e Raul Ventura, O Contrato de Compra e Venda no Código Civil, ROA, 40, pág. 333). Ora, a A. desresponsabiliza-se pelas anomalias ocorridas com a mercadoria que forneceu à Ré, alegando que tais anomalias teriam ocorrido após a entrega da mercadoria a esta em Loures, já durante o seu armazenamento nesta localidade ou durante o seu transporte daqui para a obra a que se destinava (cfr. itens 38º e sgs. da réplica), aceitando, portanto, que os eventuais riscos, nomeadamente os ocorridos no seu transporte, seriam da sua responsabilidade até à sua entrega à Ré em Loures. Tendo-se provado que oito vidros estavam partidos quando foram entregues à Ré (resposta ao quesito 5º), tal terá de correr por conta da A., não lhe sendo devido o valor da factura nº 2003000149, datada de 15-12-2003 (€ 1.493,61), correspondente ao preço dos vidros que forneceu à Ré em substituição dos que se partiram, não colhendo a excepção da caducidade da denúncia de tal situação, pelo decurso do prazo estabelecido no art. 471º do C. Com., porque, estando-se perante preceito supletivo - a deixar, por isso, a possibilidade das partes estabelecerem prazos diferentes para o exame e reclamação sobre as qualidades da mercadoria -, a A. se conformou com o esgotamento pela Ré do prazo legal, ao aceitar, com este já decorrido, substituir a mercadoria reclamada. O mesmo não se diga em relação à factura referente aos vidros de substituição dos que apresentavam bolhas, pois a Ré não logrou aqui provar que as anomalias destes tivessem ocorrido antes de terem sido colocados à sua disposição (respostas negativas aos quesitos 9º e 10º), devendo, portanto, suportar o risco inerente a tais ocorrências (art. 796º, 1) e o consequente pagamento do valor dessa factura (€ 11.403,88), como terá de suportar o pagamento integral das facturas nºs 74, 75, 76 e 79, que obstaculizou com a nota de débito nº 09/92, de 10-12-2002, no valor de € 2.394,13, desde logo, porque não se provou que esta nota de débito foi aceite pela A. (resposta negativa ao quesito 7º), nem, por outro lado, se provou que a A. estivesse em mora no cumprimento da sua obrigação. Para tal, necessário se tornava à Ré a legar e provar a existência de um prazo certo para a entrega da mercadoria, o que não logrou, retirando-se tão só da factualidade que se apurou que esta foi encomendada em 01-08-2002 e foi entregue em, pelo menos, 26-09-2002 e, mais, a violação desse prazo pela A. e os prejuízos que a mora desta no cumprimento lhe acarretou, o que igualmente não provou e cuja reparação, de resto, apenas poderia ser atendida em sede de pedido reconvencional, que não formulou. Pelo exposto, acorda-se em conceder provimento parcial á apelação e em revogar a sentença recorrida na parte em que condenou a Ré no pagamento à A. do valor da factura nº 2003000149 (€ 1.493,61) e respectivos juros, mantendo-a em tudo o mais nela decidido. Custas em ambas as instâncias por apelante e apelada, na proporção do vencido. Lisboa, 08-10-2009 Carlos Valverde Granja da Fonseca Pereira Rodrigues |