Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | JORGE LEAL | ||
Descritores: | INTERESSE EM AGIR ACÇÃO DE APRECIAÇÃO POSITIVA | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 11/06/2008 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | AGRAVO | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
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Sumário: | I – A falta de interesse em agir é uma excepção dilatória inominada, desencadeadora, oficiosamente, da absolvição do réu da instância. II – No que concerne às acções de simples apreciação, o interesse em agir decorre de um estado de incerteza sobre a existência ou inexistência do direito a apreciar, emergente de um qualquer facto ou situação objectiva, susceptível de prejudicar o seu titular. III – Verifica-se falta de interesse em agir numa acção em que os autores pretendem que seja declarado que adquiriram por usucapião o direito de propriedade sobre um determinado prédio, sem imputarem aos réus qualquer oposição a essa titularidade ou ao exercício das faculdades a ela inerentes. IV – Caso os autores tivessem dado desde logo à acção um cariz directamente registral, visando em primeira linha suprir a falta de inscrição no registo da aquisição do seu direito, haveria que repudiar a acção por incompetência do tribunal quanto à hierarquia, pois após a entrada em vigor do Decreto – Lei nº 27/2001, de 13.10, a justificação de direitos para a obtenção de primeira inscrição no registo é apreciada, em primeira instância, pelas conservatórias do registo predial. (JL) | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa RELATÓRIO Em 07.07.2005 J e mulher A instauraram no Tribunal Judicial de Ponta Delgada, contra D e G, acção declarativa, com processo ordinário. Alegaram, em síntese, que em 29 de Janeiro de 1990 o A. marido adquiriu aos RR. um determinado prédio rústico, sito no concelho de Lagoa, ilha de São Miguel, Açores, por meio de negócio verbal, tendo o A. marido pago a totalidade do preço. Desde 29.01.1990 que os AA. usam e fruem o aludido prédio duma forma pacífica, pública e sem oposição de quem quer que seja, pelo que adquiriram a propriedade exclusiva do prédio, por usucapião, devendo ser cancelada a inscrição G1 que incide sobre o referido prédio. Os AA. concluíram pedindo que: a) Seja declarado que os AA. adquiriram, por usucapião, o direito de propriedade, com exclusão de outrem, sobre o prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial da Lagoa sob o nº ; b) Sejam os Réus condenados a reconhecerem esse direito dos AA. relativamente ao prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Lagoa sob a ficha nº . Os Réus foram citados, sendo-o a Ré G por via edital, por se desconhecer o seu paradeiro. Não foi apresentada contestação e, face à revelia da Ré, os autos prosseguiram os seus termos tendo em vista a realização da audiência de discussão e julgamento. Em 25.10.2007 foi proferida sentença que absolveu os RR. da instância, por se julgar verificada a excepção dilatória da falta de interesse processual das partes. Os AA. apelaram da decisão, espécie em que o recurso foi admitido pela primeira instância. Por despacho do relator, o recurso seguiu a tramitação posterior como agravo. Os Recorrentes apresentaram alegações, em que formularam as seguintes conclusões: I - Vem a presente alegação interposta da douta sentença de fls. e seguintes que julgou improcedente a acção declarativa com processo ordinário com fundamento na verificação da excepção dilatória de falta de interesse processual das partes, e, em consequência absolveu os Réus da instância; II – O douto Tribunal de 1.ª instância fundamentou juridicamente a sua sentença com o fundamento de inexistência [de interesse] processual dos Réus, pois não há "nenhum verdadeiro litígio para resolver", pelo que "o processo próprio não é a acção judicial, mas antes o procedimento administrativo”; III – O presente recurso versa sobre matéria de direito, por erro do douto Tribunal de 1.a instância na interpretação e aplicação face à matéria de facto dada como provada, das normas jurídicas (artigo 690.º, nº 2, alínea a) do Código de Processo Civil); IV – Os Apelantes intentaram contra os Apelados a acção declarativa sob a forma de processo ordinário, alegando: - O A. marido, em 29 de Janeiro de 1990, adquiriu aos Réus o prédio rústico identificado nos autos; - O A. marido pagou a totalidade do preço; - Os A.A., em 29 de Janeiro de 1990, tomaram posse do referido prédio; - Os A.A., desde 29 de Janeiro de 1990, que começaram a ocupar o prédio já anteriormente identificado, com o consentimento dos Réus e com o conhecimento de toda a gente; - Os A.A., desde 29 de Janeiro de 1990, data que tomaram posse do imóvel, que o ocupam e que o consideram como seu; - Os A.A. usam e fruem, desde 1990, o referido prédio duma forma pacífica, pública e sem oposição de quem quer que seja, nomeadamente cultivam e limpam o identificado prédio; V – A Ré G encontra-se em parte incerta, pelo que foi citada editalmente e o Réu D devidamente citado não apresentou contestação; VI – O douto Tribunal de 1.ª instância deu como provados os seguintes factos: "No dia 29/01/1999 o réu marido e um senhor advogado subscreveram o documento de fls. 7, onde consta que naquela data, mediante o preço de 5 000 000$00, os subscritores venderem ao autor marido uma casa, sita na freguesia de Santa Cruz, concelho de Lagoa, e o prédio rústico com 13 ares e 80 centiares de vinha, sito na Canada do Pombal, freguesia do rosário, concelho de Lagoa, inscrito na matriz predial sob o artigo , secção ; - O autor marido pagou a totalidade do preço; - O réu marido havia adquirido o mencionado, prédio ao proprietário inscrito no dia 18/02/1985; - A partir do dia 29/01/1990 os autores passaram a usar o prédio, nomeadamente cultivando-o e limpando-o, como seu; - Desde essa data até hoje nunca ninguém se lhes apresentou a impedi-los ou a perturbar-lhes o referido uso”; VII - O douto Tribunal a quo entendeu que os Apelantes não têm qualquer litígio com os Apelados, pelo que há falta de interesse processual das partes; VIII – O douto Tribunal a quo considerou que os Apelantes deviam ter lançado mão do procedimento administrativo do Código do Registo Predial em vez da acção judicial; IX – Salvo o devido respeito, os Apelantes não concordam com a posição do douto Tribunal a quo. Com efeito, os Apelantes alegaram que tomaram posse do prédio em 29 de Janeiro de 1990 e que jamais tiveram oposição de quem quer que fosse a partir daquela data; X – Contudo, os Apelantes não obtiveram sucesso no que concerne ao contacto com os Apelantes [quereria dizer-se “Apelados”] e jamais conseguiram que estes outorgassem a escritura pública de compra e venda relativa ao prédio dos autos; XI – Os A.A., ora Apelantes, quando intentaram a acção desconheciam se os Réus, ora Apelados, iam contestar a acção, tanto mais que o Réu marido chegou mesmo a invocar a sua qualidade de proprietário do prédio junto da Câmara Municipal de Lagoa; XII – Na verdade, a Apelada G ausentou-se para o estrangeiro e o Apelado D evitou o contacto com o Apelante; XIII – Os Apelantes só no dia da audiência de julgamento é que perceberam qual era a posição do Réu D, razão pela qual requereram, em circunstâncias excepcionais, o depoimento da parte deste, tendo tal solicitação sido deferida pelo douto tribunal a quo; XIV – Os Apelantes entendem, com suporte na nossa jurisprudência, que, no caso vertente, o Tribunal Judicial de Ponta Delgada é competente para conhecer a acção que visa o reconhecimento do direito de propriedade dos Apelantes, por usucapião; XV – Mesmo que porventura não houvesse oposição dos Apelados, o que não era um dado adquirido, os Apelantes podiam optar pelo recurso à via judicial para ver reconhecido o seu direito de propriedade ou, em alternativa, optar pelo procedimento administrativo previsto do Código de Registo Predial; XVI – A obtenção da inscrição registral por uma ou outra via constitui, salvo melhor opinião, uma faculdade e não uma obrigatoriedade. Os Apelantes limitaram-se a usar a faculdade que a lei lhes confere; XVII – A este respeito o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 28 de Outubro de 2004, Acórdãos TRL: "I É da competência do Tribunal comum a acção que visa reconhecimento do direito de propriedade do Autor, por usucapião. II A obtenção da inscrição registral por um interessado, através dos meios consignados no artigo 116.0 do CRPredial, constitui uma mera faculdade e não uma obrigatoriedade, daí não resultando que as partes não possam recorrer ao Tribunal para solicitar o reconhecimento do seu direito”; XVIII – Em suma, o douto tribunal a quo face aos factos dados como provados não interpretou e aplicou bem o direito ao proferir sentença a julgar improcedente a acção com o fundamento que no caso em apreço estava vedado aos Apelantes o recurso à via judicial. XIX – Deve, assim, julgar-se procedente o presente recurso de apelação in totum e, em consequência, deve revogar-se a sentença Recorrida e julgar-se procedente a acção declarativa sob a forma de processo ordinário, nos termos do pedido formulado na petição inicial. O Ministério Público, na qualidade de defensor da Ré revel, contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso e manutenção da decisão recorrida. Foram colhidos os vistos legais. FUNDAMENTAÇÃO A questão objecto do recurso é se, conforme entendido pelo tribunal recorrido, os autores carecem de interesse processual para a propositura da presente acção perante os tribunais judiciais, uma vez que não existe litígio entre as partes e os autores podem e devem satisfazer o seu interesse mediante procedimento administrativo especial previsto no Código do Registo Predial, a correr os seus termos na competente conservatória do registo predial. O tribunal a quo deu como assente a seguinte Matéria de Facto 1) No dia 29/01/1990 o réu marido e um senhor advogado subscreveram o documento de fls. 7, onde consta que naquela data, mediante o preço de 5 000 000$00, os subscritores venderam ao autor marido uma casa, sita na freguesia de Santa Cruz, concelho de Lagoa, e o prédio rústico com 13 ares e 80 centiares de vinha, sito na Canada do Pombal, freguesia do Rosário, concelho de Lagoa, inscrito na matriz sob o artigo , secção . 2) O autor marido pagou a totalidade do preço. 3) O réu marido havia adquirido o mencionado prédio ao proprietário inscrito no dia 18/02/1985. 4) A partir do dia 29/01/1990 os autores passaram a usar o prédio, nomeadamente cultivando-o e limpando-o, como seu. 5) Desde essa data e até hoje nunca ninguém se lhes apresentou a impedi-los ou a perturbar-lhes o referido uso. Por ser relevante e constar dos autos, interessa ficar consignado também o seguinte: 6) A casa e o prédio rústico referidos em 1) haviam sido adquiridos pelos ora RR. a J e mulher M, por meio de escritura pública de compra e venda outorgada em 18 de Fevereiro de 1985 no Cartório Notarial de Lagoa, Açores (certidão a fls 8 a 12 dos autos). 7) O prédio rústico supra referido encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Lagoa, Açores, sob o número da freguesia do Rosário, e está ali registado a favor de J, casado em comunhão geral de bens com M, pela inscrição número , mediante aquisição “por partilha de J e mulher M” (certidão a fls 13 a 16 dos autos). 8) Nos autos foi proferido, em 10 de Maio de 2007, despacho saneador, com o seguinte teor: “O tribunal é competente em razão da nacionalidade, da matéria, da hierarquia e do valor. O processo é o próprio e não enferma de nulidades do primeiro grau. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, e são legítimas, estando os Autores devidamente representada e permanecendo os Réus em revelia absoluta. Não existem outras nulidades, excepções, questões prévias ou incidentais de que cumpra conhecer e que obstem à apreciação do mérito da causa.” O Direito A situação objecto deste processo é a seguinte: um determinado prédio rústico está descrito na conservatória do registo predial e inscrito a favor de J e mulher, M. Estes venderam o aludido prédio aos ora RR., D e G, por meio de escritura pública de compra e venda outorgada em 18 de Fevereiro de 1985. Os adquirentes não registaram a referida aquisição. Em 29 de Janeiro de 1990 os ora Réus (conforme alegado pelos AA.) venderam o aludido prédio aos AA. Tal venda foi feita verbalmente, pelo que é nula (art.º 875º do Código Civil). Porém, desde a data do aludido negócio que os AA. usam e fruem o aludido prédio duma forma pacífica, pública e sem oposição de quem quer que seja, como se fossem seus proprietários. Assim, adquiriram o direito de propriedade sobre o aludido prédio por usucapião (artigo 1296º do Código Civil). Os AA. pretendem, por conseguinte, que seja declarado que adquiriram, por usucapião, o direito de propriedade sobre o aludido prédio e bem assim que os RR. sejam “condenados a reconhecerem esse direito dos AA.” Mais afirmam, no último artigo da petição inicial (artigo 13º), que “a inscrição G1 que incide sobre o referido prédio [supra referida, na matéria de facto, sob a alínea 7)] deve ser cancelada”. Do exposto resulta que os AA. intentaram uma acção de simples apreciação, visando obter unicamente a declaração de existência de um seu direito (art.º 4º nº 2, alínea a) do Código de Processo Civil). O pedido de condenação dos RR. a reconhecerem o direito dos AA. (desacompanhado, como é o caso, do pedido de condenação dos RR. na prática ou abstenção de qualquer acto) não altera tal qualificação, antes corresponde a uma mera praxe forense (como diz Anselmo de Castro – Direito Processual Civil Declaratório, vol. I, Almedina, 1981, pág. 126, nota 1 – “na realidade não há condenação alguma, visto não poder falar-se numa obrigação de reconhecimento de direito de outrem”). Ora, o recurso aos tribunais pressupõe a existência de um direito que careça da intervenção daqueles, a fim de se evitar algum prejuízo relevante para o seu titular. Exige-se uma “necessidade justificada, razoável, fundada, de lançar mão do processo ou de fazer prosseguir a acção” (Antunes Varela, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 1984, pág.171). Só assim se justificará o gravame e a perturbação que o recurso à tutela judiciária impõem ao demandado e bem assim a actuação de uma estrutura (os tribunais) que representa um elevado encargo para a colectividade (por todos, Manuel de Andrade, Noções elementares de processo civil, Coimbra Editora, 1979, pág. 82). No que concerne às acções de mera apreciação, onde o interesse processual ou interesse em agir mais se assume como verdadeiro pressuposto processual (no que concerne às acções de condenação e às acções constitutivas o legislador optou, em grande medida, por restringir os efeitos da falta de interesse processual à responsabilização do demandante pelas custas do processo e bem assim, em certos casos, pelos honorários que o demandado teve de suportar em razão da acção – artigos 449º nºs 2 e 3 e 662º nºs 2 e 3 do Código de Processo Civil), o interesse em agir decorre de um estado de incerteza sobre a existência ou inexistência do direito a apreciar, emergente de um qualquer facto ou situação objectiva, susceptível de prejudicar o seu titular (cfr, v.g., Manuel de Andrade, citado, pág. 81; Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, vol. I, Almedina, 1981, pág. 117; na jurisprudência, v.g., acórdãos do STJ, de 16.9.2008, processo 08A2210, de 22.02.2007, processo 07B056 e de 8.3.2001, processo 00A3277, todos na internet, dgsi-itij). Tal estado de incerteza pode decorrer, por exemplo, do facto de alguém se arrogar a titularidade do direito que o demandante entende ser seu. Ora, no caso dos autos, os AA. alegaram serem os titulares de um direito (direito de propriedade sobre um prédio rústico), não imputando aos Réus (ou a qualquer outra entidade) qualquer oposição a essa titularidade ou ao exercício das faculdades inerentes. Pelo contrário, os AA./apelantes alegaram que têm usado e fruído o aludido prédio de forma pública e livre, sem qualquer obstáculo. No que concerne aos Réus, juntaram até um documento em que o Réu marido confirma ter vendido o aludido prédio aos AA.. É certo que em sede de alegações os AA. afirmam que “não obtiveram sucesso no que concerne ao contacto com os Apelantes [quereria dizer-se “Apelados”] e jamais conseguiram que estes outorgassem a escritura pública de compra e venda relativa ao prédio dos autos” (conclusão X), que “quando intentaram a acção desconheciam se os Réus, ora Apelados, iam contestar a acção, tanto mais que o Réu marido chegou mesmo a invocar a sua qualidade de proprietário do prédio junto da Câmara Municipal de Lagoa” (conclusão XI), que “a Apelada G ausentou-se para o estrangeiro e o Apelado D evitou o contacto com o Apelante” (conclusão XII). Dos factos ora alegados apenas o contido na parte final da conclusão XI pode ter, a nosso ver, algum relevo enquanto facto consubstanciador de uma situação de litígio justificativo da propositura da acção contra os RR.. Porém, não estando em causa facto de conhecimento oficioso ou facto notório (artigo 514º nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil), não podem agora os recorrentes invocar perante o tribunal ad quem uma questão de facto que deviam e podiam ter suscitado perante o tribunal recorrido. No nosso direito “os recursos ordinários visam a reapreciação da decisão proferida dentro dos mesmos condicionalismos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento do seu proferimento”, não podendo, em regra, “o tribunal de recurso ser chamado a pronunciar-se sobre matéria que não foi alegada pelas partes na instância recorrida ou sobre pedidos que nela não foram formulados” (Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o novo processo civil, 2ª edição, Lex, 1997, pág. 395; no mesmo sentido, Amâncio Ferreira, Manual dos recursos em processo civil, 6ª edição, Almedina, pág. 150; José Lebre de Freitas, Código de Processo Civil anotado, vol. 3º, Coimbra Editora, pág. 83; cfr., no mesmo sentido, a abundante jurisprudência citada por estes autores, a que acrescentaremos, por mais recentes, o acórdão da Relação de Lisboa, de 28.9.2005, publicado na Internet – www.dgsi, processo 4088/2005-4 - e o acórdão do STJ, de 10.5.2005, igualmente publicado na Internet, processo 05A198). Tal decorre, entre outras, das normas contidas nos artigos 264º, 272º, 273º, 467º nº 1 alíneas d) e e), 489º, 506º, 507º, 514º, 660º nº 2, 2º período, 664º, 668º nº 1 alínea d), parte final, 676º nº 1, 684º nºs 2 a 4, 684º-A, 690º-A, 712º, 716º nº 1, todos do Código de Processo Civil. Assim, admite-se que, conforme o entendeu o tribunal a quo, os AA. não alegaram nem lograram demonstrar a existência de interesse em agir, ou seja, de litigar contra os RR., o que constitui uma excepção dilatória inominada, desencadeadora, oficiosamente, de absolvição dos RR. da instância (artigos 493º, nº 2, 494º, corpo e 495º do Código de Processo Civil; sobre caso semelhante, cfr., neste sentido, acórdão desta Relação, de 07.4.2005, processo 469/2005-8, citado na decisão recorrida e ainda acórdãos da Relação de Évora, de 28.4.2005, processo 160/05-3, e 12.7.2007, processo 728/07-3, consultáveis na internet, dgsi-itij). A circunstância de no despacho saneador não se ter conhecido de tal excepção não obstava a que o tribunal a quo o fizesse em sede de sentença, uma vez que no saneador não se pronunciara sobre essa questão em concreto (art.º 510º nº 3 do Código de Processo Civil). Mesmo que se aceitasse, com relevo para o preenchimento do pressuposto do interesse em agir, que a motivação essencial dos AA. ao proporem esta acção era a obtenção da inscrição do seu direito no registo predial, para assim passarem a beneficiar das vantagens inerentes (artigos 1º, 2º, nº 1, alínea a), 3º, nº 1, alíneas a) e c), 6º nº 1, 7º do Código do Registo Predial), então afigura-se-nos que se verificaria outra excepção igualmente originadora de absolvição da instância, que seria a incompetência absoluta do tribunal (artigo 105º do Código de Processo Civil). Nos termos do Código de Registo Predial, na sua versão original (Dec.-Lei nº 224/84, de 06 de Julho), o adquirente de direito real sujeito a registo que não dispusesse de documento para a prova do seu direito poderia obter a primeira inscrição por meio de escritura de justificação notarial ou de acção de justificação judicial (art.º 116º nº 1 do Código de Registo Predial). Essa acção estava regulada pelo Dec.-Lei nº 284/84, de 22 de Agosto e deveria ser intentada perante o juiz da comarca da situação do prédio (nº 1 do art.º 1º do Dec.-Lei nº 284/84). Se fosse deduzida oposição à justificação, o juiz declararia o processo sem efeito e remeteria os interessados para os meios processuais comuns (art.º 4º nº 1 do Dec.-Lei nº 284/84). O Dec.-Lei nº 273/2001, de 13.10, conforme se expende no seu preâmbulo, operou “a transferência de competências em processos de carácter eminentemente registral dos tribunais judiciais para os próprios conservadores do registo, inserindo-se numa estratégia de desjudicialização de matérias que não consubstanciam verdadeiro litígio”. Assim, as situações de justificação anteriormente julgadas em tribunal judicial passaram a ser apreciadas e decididas nas conservatórias do registo predial, agora nos termos previstos nos artigos 117º-A e seguintes do Código de Registo Predial. Também aqui se pressupõe a inexistência de litígio entre o requerente e os restantes interessados: se for deduzida oposição à justificação, o conservador declara o processo findo e remete os interessados para os meios judiciais (art.º 117º-H, nº 2 do CRP). O tribunal judicial tomará contacto com o processo de justificação tão só por via de recurso: nos termos do art.º 117º-I, do CRP, o Ministério Público e qualquer interessado podem recorrer da decisão do conservador para o tribunal de 1ª instância competente na área da circunscrição a que pertence a conservatória onde pende o processo, seguindo-se depois a tramitação prevista nos artigos 117º-J a 117º-M, nela se incluindo a possibilidade de recurso para a Relação da sentença proferida no tribunal de 1ª instância (art.º 117º-L). Conclui-se, pois, que caso os AA. tivessem desde logo dado à acção um cariz directamente registral, visando declaradamente em primeira linha suprir a falta de inscrição no registo da aquisição do seu direito, sem alegação da existência de oposição por parte de ninguém, haveria que, previamente à apreciação da inexistência de interesse em agir (e previamente à apreciação quanto a erro na forma de processo – art.º 199º do Código de Processo Civil), que repudiar a acção, por carência de competência do tribunal quanto à hierarquia (artigos 70º, 101º, 102º nº 1 e 105º nº 1 do Código de Processo Civil; neste sentido, cfr. acórdãos da Relação de Évora, de 10.5.2007, processo 740/07-3 e 12.7.2007, processo 728/07-3). Tal excepção poderia ser apreciada em sede de sentença, uma vez que não fora alvo de conhecimento em concreto no despacho saneador. A solução idêntica, de falta de competência absoluta dos tribunais judiciais para julgar acções que se configuram como meras pretensões de justificação de direitos sobre imóveis para o efeito de registo, sem oposição de ninguém, tem-se manifestado abundante jurisprudência, embora no sentido de se tratar de incompetência quanto à matéria (cfr., no STJ, acórdãos de 25.11.2004, processo 04B3644 e de 03.3.2005, processo 04A4610, ambos na internet, dgsi-itij; nas Relações, acórdão do Porto, de 09.6.2005, processo 0532778 e de 16.3.2006, processo 0631297; de Évora, 22.9.2005, processo 1228/05-3 e 28.02.2008, processo 218/08-3 - todos na internet, dgsi-itij; de Coimbra, 13.3.2007, in Col. de Jurisp., ano XXXII, tomo 2º, pág. 5, 22.5.2007, processo 2300/05.4TBPBL.C1, 29.5.2007, processo 3044/05.2TBFIG.C1 e 03.6.2008, processo 2861/05.8 TBPL.C1, todos no mesmo sítio da internet). Dissente-se, pois, do acórdão referido pelos agravantes na conclusão XVII da alegação do recurso. Ajuíza-se, por conseguinte, que a decisão recorrida (absolvição da instância, sendo certo que nos parece adequada a opção, feita pelo tribunal a quo, de dar preponderância, no caso sub judice, à falta de interesse em agir) deve ser mantida. DECISÃO Pelo exposto, nega-se provimento ao agravo e mantém-se a decisão recorrida. Custas do agravo pelos recorrentes. Lisboa, 06.11.2008 Jorge Manuel Leitão Leal Nelson Paulo Martins de Borges Carneiro Ondina Carmo Alves |