Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | VAZ GOMES | ||
Descritores: | ARRENDAMENTO MORA DO CREDOR FORÇA MAIOR OBRAS | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 06/04/2009 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA A DECISÃO | ||
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Sumário: | I- Tendo ficado provado (ponto 22 da fundamentação de facto da decisão recorrida) que a Ré não entrou no locado em virtude de a então senhoria se ter recusado a entregar-lhe a chave do locado e ter colocado uma porta, o incumprimento da obrigação de utilização do locado pelo locatário encontra justificação na própria mora do locador em entregar ao locatário a chave do locado e ter colocado uma porta (supõe-se que nova) o que traduzindo uma impossibilidade objectiva total do cumprimento da obrigação que não mera difficultas praestandi, extinguiu a obrigação de utilização do locado naquele período de tempo tal como resulta da conjugação das disposições legais do art.º 1031/b e 790/1; II- Atentos os factos constantes de 25 a 31 da fundamentação de facto da decisão recorrida, onde se refere que o tecto da cozinha do andar locado caiu em grande parte, dois dos quartos ficaram com parte dos tectos caídos e nos outros dois ficaram rachados, em resultado das chuvas que se infiltraram no locado, consequência do destelhamento do prédio onde o locado se insere, por ocasião de obras no mesmo, que não da responsabilidade da Ré, fica perfeitamente integrado o conceito de força maior. III- Não era exigível à Ré que continuasse a habitar o locado naquelas circunstâncias que por si não foram criadas, não ocorrendo violação da boa fé contratual por parte da Ré, ao abandonar o locado por essa razão. IV- A realização de obras no prédio em pleno mês de Março que se terão prolongado nos meses seguintes envolvendo a retirada das telhas do telhado envolve especiais cuidados por parte de quem a realiza, designadamente acautelando a cobertura do edifício enquanto não é colocado um telhado novo, por ser previsível a ocorrência de chuvas, como de facto ocorreram, sem que a cobertura do edifico estivesse acautelada, cobertura essa que a ter sido realizada teria evitado a infiltração das águas das chuvas no locado, no 3.º andar situado, por isso no último piso do prédio se considerarmos que no prédio o 3.º é o último andar (cfr. documento de fls. 7). Por isso nenhuma inevitabilidade nenhuma imprevisbilidade no facto (queda de chuva e destelhamento do prédio) que ocasiona a necessidade de realização de obras no arrendado V- Porque não foi a Ré quem criou as condições que levaram a que o locado se tivesse tornado inabitável como se tornou também não se vê como é que a actuação da Ré em exigir as obras necessárias a manter o prédio nas condições requeridas pelo fim do contrato de arrendamento do locado para habitação (art.º 11/1 do RAU), viola a boa fé contratual, já que não se prova nenhuma situação de confiança do senhorio em como a arrendatária lhe não exigiria as obras, nem nenhum comportamento anterior da Ré que pudesse ter criado no senhorio a convicção de que lhas não exigiria. (Sumário do Relator) | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam os juízes na 2.ª secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa I – RELATÓRIO APELANTE/AUTOR: J.... APELADA/RÉ/:L...* Ambos com os sinais dos autos. Inconformado com o teor da sentença de 14/03/08 que absolveu a R do pedido de despejo e o A do pedido reconvencional de indemnização e o condenou a efectuar as reparações e limpezas necessárias nas paredes tectos e soalho do locado, com vista à eliminação dos danos causados com a inundação, dela apelou o Autor, em cujas alegações conclui: I. Foi errada a resposta de “Não provado” aos quesitos 2 a 6, sendo que a resposta correcta deveria ter sido “Provado”. II. Foi errada a resposta de “provado” ao quesito 16.º, sendo que a resposta correcta deveria ter sido “Não provado”. III. A fundamentação das impugnações referidas nas conclusões I e II radicam na análise de toda a prova efectuada, mormente, no que toca à prova testemunhal, nos seguintes depoimentos: · O depoimento de M... registado com referência à Acta de Audiência de discussão e julgamento na Cassete 1/ lado A, com início de voltas 001 e fim de voltas a 328; · Depoimento de B..., cujo registo magnético se encontra na Cassete 3, Lado A; · Depoimento de F..., cujo registo magnético se encontra na Cassete 1, Lado A a voltas 601 e fim a voltas 868 e reinicia na Cassete 2, Lado A, a voltas 001 e fim a voltas 081; · Depoimento da filha da Ré, C..., cujo registo magnético se encontra na Cassete 2, lado A, com início a voltas 082 e fim a voltas 302; · Depoimento de H..., cujo depoimento se encontra na Cassete 2, Lado A, com início a voltas 303 e fim a voltas 441; IV Radicam, ainda, no Relatório Pericial, elaborado após a inundação, o qual deu conta do estado do imóvel tal como a Ré alega tê-lo deixado em 2003 V Com grande importância para complementar a prova testemunha produzida, são de considerar a decisão de 1.ª instância da ... Vara Cível de Lisboa – ... secção com o processo n.º ..... e o Acórdão da Relação de Lisboa (Doc. 1 e 2 da petição inicial), nos quais constava já provado, sem reclamações da Ré L... que: a) desde 27/12/1994 a Ré não mora no referido andar; b) aquando da propositura da acção, Março de 2006, há mais de um ano que a Ré não habitava o andar despejando VI São, ainda, de considerar as fotografias juntas a fls. 103 a 116; VI Os fundamentos de análise da proba produzida que sustentam as impugnações mencionadas nas conclusões I e II encontram-se explanados, detalhadamente, nos postos 3 a 50 destras alegações, para os quais se remete; VII A prova produzida, analisada de forma sustentada neste recurso, é suficiente para a procedência das impugnações referidas nas conclusões I a III, porém, sem conceder, VIII Deve ser admitido o documento junto como Doc. 1, nos termos do art.º 706 do CPC. IX Esse documento reforça o teor da impugnação referida em I e II e deve levar, indubitavelmente a decretar como “provados”, os quesitos 2.º a 6.º e por inerência como “Não Provado”, o quesito 16.º X Revogada a decisão sobre a matéria de facto nos termos pretendidos, deve a recorrida ser condenada a despejar o locado, objecto do arrendamento e o Recorrente, absolvido do pedido reconvencional na sua condenação a efectuar obras; XI E a decisão da matéria de facto deve ter em conta que o Recorrente pode revogar o contrato de arrendamento, valendo-se da alínea i) do n.º 1, do art.º 64 do R.A.U., ou seja, invocando a falta de residência permanente, considerando, também, que a inundação não deve ser considerada causa adequada para a impossibilidade definitiva de residir no locado; XII Em suma, a sentença recorrida fez errada apreciação da prova, devendo proceder a supra citada impugnação e violou/fez errada aplicação das normas legais assinaladas, sendo estas em resumo: o art.º 64, n.º 1, alínea i) do R.A.U. e art.º 1031, alínea b) do CCiv e ainda os art.ºs 334 e 762, também do CCiv, bem como aquelas que lhes estejam associadas; XIII E fez errada interpretação do art.º 64, n.º 1, alínea i) do R.A.U., quando considerou que o Recorrente, por ser proprietário do imóvel há apenas 3 meses, não pode basear o despejo em factos ocorridos antes de ter adquirido o prédio. Termina pedindo que no provimento da apelação se revogue a decisão da matéria de facto impugnada e consequentemente se condene a recorrida a despejar o imóvel arrendado, entregando-o livre de pessoas e bens e/ou, sem conceder, subsidiariamente, absolver o Autor do pedido reconvencional que o condena às reparações e limpezas necessárias nas paredes, tectos e soalho com vista à eliminação dos danos causados pela inundação no arrendado. Em contra-alegações conclui a Recorrida: A. Deve ser mantida a decisão recorrida e consequentemente serem considerados “Não provados” os quesitos 2 a 6 “provado” o quesito 16, pois os depoimentos das testemunhas da Ré foram mais peremptórios, sendo que a única testemunha do Autor a prestar depoimento mais credível entrou muito grandes contradições quanto a tempos, dados e factos; B. Também a prova pericial em nada contraria o invocado pela Ré: que só em Abril de 2003, saiu de casa por força maior consequência da inundação; C. Nenhuma relevância tem para a decisão dos presentes autos o Proc. N.º 1148/96, cuja decisão está junta aos autos pois, tendo a acção sido proposta em Março de 1996 e não em Maio de 2006, apenas teria ficado provado que entre Dezembro de 1994 e Março de 1996 a Ré não terá vivido no locado, o que aliás será até contrariado pela prova aqui invocada pela Recorrente, interpretando o depoimento da testemunha Américo que afirmou entre outras coisas que a Recorrida teria ficado na casa um ano e meio depois e Dezembro de 1994; D. A falta de residência permanente no locado desde Abril de 2003 não releva para fundamentar a resolução pois tal provocado pelo Recorrente, existindo um caso de força maior; também por tal razão, deverá o Recorrente ser condenado como o foi a fazer obras de forma a tornar habitável o locado, pois foi o mesmo que com o destelhar do tecto provocou a necessidade de obras; E. O documento agora junto deve ser desentranhado porque não cabe na previsão dos art.ºs 706 e 524 do C.P.C. Questão a resolver: A) Se ocorre erro no julgamento dos factos constantes dos quesitos 2 a 6 que devem ser considerados “provados” e 16 que deve ser considerado “não provado”; B) Alterada a decisão de factos quanto aos pontos referidas em A), saber se irreleva o facto de o Autor ser proprietário do imóvel há apenas 3 meses devendo proceder a acção de despejo com base na falta de residência permanente da Ré no arrendado, nos temos do art.º 64/1/i do R.A.U., não devendo a inundação que ali ocorreu ser considerada causa adequada para a impossibilidade definitiva da Ré residir no mesmo; C) Saber se ocorre erro de julgamento da decisão recorrida quando condena o Autor na realização de obras no arrendado. II- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO A sentença recorrida deu como assentes os seguintes factos: 1. O A. é proprietário da fracção autónoma designada pela letra “D”, correspondente ao terceiro andar do prédio urbano sito na Rua ....., inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Penha de França, sob o artigo n.º ...., e descrito na Conservatória do Registo predial. (Alínea A) dos Factos Assentes); 2. No dia ... de Março de 2002, no Cartório Notarial foi realizada a escritura pública constante de fls. 10 a 12, denominada “compra e venda”, onde, entre o mais, RD declarou vender ao A. e este declarou comprar, a fracção autónoma identificada em A.. (Alínea B) dos Factos Assentes) 3. Na ... Vara Cível da Comarca de Lisboa, com conclusão de 14/01/00, e nos exactos termso que aí constam, foi proferida sentença, cuja cópia consta de fls. 239 a 251, cuja decisão refere “Assim sendo e pelo exposto, julgo improcedente a presente acção e, consequentemente absolva a Ré Sra. L... do pedido formulado pelo Snr. AO, substituído pela adquirente Snra. RD. (Alínea C) dos Factos Assentes); 4. No Tribunal da Relação de Lisboa, foi proferido o acórdão, cuja cópia consta de fls. 252 a 264, nos exactos termos que aí constam, onde se decidiu, e referindo-se à decisão referida em C), “em negar provimento à apelação e, em consequência, confirma-se a sentença recorrida.” (Alínea D) dos Factos Assentes); 5. A R. intentou no Juízo Cível da Comarca de Lisboa um procedimento cautelar de restituição provisória da posse contra RD, a que foi atribuído o n.º ...., cuja decisão, datada de 9/11/01, e entre o mais, convolou a providência para não especificada e intimou a requerida RD a entregar cópia da chave da fechadura do prédio identificado em A) à ora R., no prazo de 48 horas. (Alínea E) dos Factos Assentes); 6. A R. intentou no juízo Cível de Lisboa uma acção de processo sumário a que foi atribuído o n.º ...., contra RD, nos exactos termos constantes de fls. 216 a 335; (Alínea F) dos Factos Assentes); 7. No processo referido em F) da matéria de facto assente, foi proferida sentença datada de 11/04/03, nos exactos termos em que consta de fls. 299 a 314, cujo dispositivo conclui “Nos termos e pelos fundamentos expostos, julgo a acção improcedente por não provada e consequentemente, absolvo a Ré RD dos pedidos.” (Alínea G) dos Factos Assentes) 8. A R. recorreu da sentença identificada em G), recurso este que foi decidido pelo acórdão da Relação de Lisboa, já transitado em julgado em 31/05/04, nos exactos termos constantes de fls. 317 a 335, onde se decidiu “na parcial procedência da apelação, condena-se a Ré a restituir a posse do locado e ainda a pagar-lhe, a título de indemnização, a quantia que se vier a liquidar em execução de sentença pelos danos resultante da impossibilidade de utilização do locado, confirmando-se, no mais, a sentença recorrida.” (Alínea H) dos Factos Assentes) 9. O primeiro proprietário AO, arrendou a MF, em 3 de Abril de 1952, o locado em causa pelo prazo de 6 meses, com vista à habitação do mesmo.(Alínea I) dos Factos Assentes); 10. MF, que faleceu em 26 de Julho de 1989, era casado com AJF, tendo um filho JCF.(Alínea J) dos Factos Assentes) 11. Este filho casou com a Ré, vindo tal casamento a ser dissolvido por sentença transitada em julgado em 5 de Março de 1982 (Alínea L) dos Factos Assentes). 12. Após o divórcio a R. passou a viver com MF e AJF (Alínea M) dos Factos Assentes); 13. AJF veio a falecer em 27 de Dezembro de 1994 (alínea N) dos Factos Assentes). 14. Em 2 de Janeiro de 1995, por carta registada, a R. informou o então proprietário da fracção, AO, do falecimento da AJF, intitulando-se sobrinha desta, propondo a celebração de novo arrendamento (Alínea O) dos Factos Assentes). 15. Por carta de 9 de Fevereiro de 1995, enviada a AO, a R. afirmou-se como transmissária do arrendamento do 3.º andar (alínea P) dos Factos Assentes). 16. A R. é actualmente arrendatária da fracção autónoma identificada em I (Alínea Q) dos Factos Assentes). 17. O A. nunca teve qualquer tipo de contacto com a R. até á interposição da presente acção (alínea R) dos Factos Assentes). 18. Desde Abril de 2003 que a R. não habita no locado, designadamente aí não pernoitando, não tomando refeições ou recebendo amigos (Alínea S) dos Factos Assentes). 19. Entre 25 e Setembro de 2001 e 6 de Dezembro do mesmo ano, a R. não entrou no locado (Alínea T) dois Factos Assentes). 20. A R. efectuou os depósitos na CGD nos exactos termos que se e encontram descritos nos documentos de fls. 119 a 138, designadamente quanto a datada, quantias e beneficiários inscritos (Alínea U) dos Factos Assentes). 21. A renda mensal do locado é actualmente de € 19,14 (Resposta ao art.º 1.º da B.I.). 22. A circunstância referida em 19., deveu-se ao facto da então senhoria se ter recusado a entregar-lhe a chave do locado e ter colocado uma porta (resposta ao art.º 7.º da B.I.). 23. A casa de banho do locado tem lavatório, retrete e bidé (Resposta ao art.º 8.º da B.I.); 24. O locado tinha alguma humidade (Resposta ao art.º 10º.º da B.I.); 25. Em Março de 2003 foram feitas obras no prédio, durante as quais foram tiradas as telhas do telhado (Resposta ao art.º 11 da B.I.); 26. Nessas circunstâncias e devido às chuvas durante os meses de Abril e Maio, na cozinha do andar locado, o tecto caiu em grande parte, ficando o fogão com tábuas em cima (Resposta ao art.º 12.º da B.I.); 27. Na sala apareceram rachas com queda de muita caliça e queda de candeeiro (Art.º 13.º da B.I.); 28. O tecto da varanda onde está situada a casa de banho aparenta estar prestes a ruir e os sanitários e chão da mesma ficaram cheios de terra (Resposta ao art.º 14.º da B.I.); 29. Dois dos quartos ficaram com parte dos tectos caídos e, nos outros dois, ficaram rachados (Resposta ao art.º 15 da B.I); 30. O facto referido em 18, deveu-se ao constante de 24 a 27 (art.º 16 da Base Instrutória). 31. E pelos mesmos motivos, de desde aquela data, passou a residir em casa de sua filha, em Benfica (resposta ao art.º 17 da B.I.); 32. A R. trabalha em casas na zona do locado (Resposta ao art.º 18 da B.I.); 33. E tem assim gastos monetários com as deslocações (Resposta ao art.º 19 da B.I.). 34. Há mais de vinte anos que não são realizadas obras no locado (Resposta ao art.º 20 da B.I.). * O Tribunal deu como “Não provados” os seguintes factos: · Desde 27 de Dezembro de 1994 que a R. não pernoita no locado (art.º 2.º da B.I.) · E aí não toma as suas refeições (art.º 3.º da B.I.) · E não se desloca ao locado (art.º 4.º da B.I.) · Nem aí recebe os seus amigos e familiares (art.º 5.º da B.I.) · A R. tem outra residência na área da Comarca de Lisboa (art.º 6.º da B.I.) · E provoca inundações no 2.º andar, em consequência da existência de canos rotos no local arrendado (art.º 9.º da B.I.) · Devido aos factos constantes de 10.º a 14.º, a R. ficou: com fogão, completamente destruído, no valor de €200,00; várias loiças partidas e armários, no valor de € 400,00; a mesa de casa de jantar destruída, no valor de € 300,00; um candeeiro destruído no valor de € 150,00; dois colchões estragados com a chuva, no valor de € 450,00; lençóis, cobertores e almofadas estragados, no valor de € 250,00. (art.º 21 da B.I.); · Como consequência dos mesmos factos a reparação do mobiliário custou à R. a quantia de € 500,00 (art.º 22 da B.I.) · O Autor teve conhecimento do estado do local arrendado, antes do facto referido em 12 (art.º 23 da B.I.); · E teve conhecimento do facto mencionado em 12.º, nas datas aí referidas (art.º 24º da B.I.) * O Autor impugna a decisão de facto quanto aos factos que o Tribunal recorrido considerou como “Não provados” e constantes dos art.ºs 2 a 6 da Base Instrutória, que sustenta devem ser considerados “Provados” e quanto art.º 16 da Base Instrutória (ponto 30 na sentença recorrida) que o Tribunal deu como “Provado” e o recorrente sustenta dever ser dado como “Não provado”, o que se analisará em III. III- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO Se ocorre erro no julgamento dos factos constantes dos quesitos 2 a 6 que devem ser considerados “provados” e 16 que deve ser considerado “não provado”; Impugna o recorrente a decisão de facto quanto aos referidos factos dados como não provados, e, para tanto, deu cumprimento ao disposto nos art.ºs 690-A e 522-C do Código de Processo Civil, razão pela qual este Tribunal está habilitado a reapreciar a mesma em conformidade com o disposto no art.º 712 do mesmo diploma legal. Saber se ocorre fundamento para a alteração da decisão de facto é algo que resultará da reapreciação dos meios probatórios e dos factos, na certeza que tal como tem vindo a ser entendido pelos Tribunais Superiores a reapreciação não busca uma nova convicção agora dos Meritíssimo Juízes do colectivo do Tribunal da Relação, e a alteração só ocorrerá havendo manifesto erro de apreciação dos meios de prova produzidos. Perguntava-se no art.º 16: “O facto referido em S), deveu-se ao constante de 10 a 14?” Respondeu-se “Provado”. Está especificado na alínea S) que “Desde Abril de 2003 que a R. não habita o locado, designadamente aí não pernoitando, não tomando refeições ou recebendo amigos.” Aos quesitos 10 a 14 respondeu-se: O locado tinha alguma humidade (14); Em Março de 2003 foram feitas obras no prédio durante as quais foram tiradas as telhas do telhado (11); nessas circunstâncias e devido às chuvas durante os meses de Abril e Maio, na cozinha do andar locado, o tecto caiu em grande parte, ficando o fogão com tábuas em cima (12); na sala apareceram rachas com queda de muita caliça e queda do candeeiro (13); o tecto da varanda onde está situada a casa de banho aparenta estar prestes a ruir e os sanitários e chão da mesma ficaram cheios de terra. (14). Na motivação da decisão sobre os referidos factos 2 a 6 dados como não provados constantes da Base Instrutória pode ler-se: “(…) A testemunha MJ afirmou que desde 1998 não sentia ninguém dirigir-se ao locado e que, portanto, ninguém lá mora e ainda que em determinada altura a porta terá sido arrombada por toxicodependentes, altura em que chegou a entrar no locado vendo lá apenas roupas velhas e mobílias antigas. Esta testemunha, no entanto, foi muito confusa quanto às datas dos factos a que se referida, não se mostrando muito seguro quanto aos factos a que se referiu. Já a testemunha AF, que terá residido no andar por baixo do locado, começou por afirmar que a R. nunca ia ao locado desde cerca de 2000/2001, mas durante a inquirição acabou por dizer que desde cerca de 1995/1996, que deixou de ouvir quaisquer barulhos no locado que antes sempre ouvia, deixou de ver a R. na escada, que antes por vezes encontrava e deixou de ver roupa estendida, que antes também via. No entanto, as afirmações destas testemunhas são completamente contraditórias com o afirmado pelas testemunhas MF e H, estas afirmaram peremptoriamente que, com as excepções apuradas, A R., sempre residiu no locado, sendo que eles mesmos a visitavam diversas vezes no local e era lá que ela se encontrava e aí se encontravam. Esta versão também havia sido afirmada pela testemunha F que reside com a filha da R. que afirmou que esta foi morar para a casa daquela após o problema com o telhado, ocorrido em 2003. No tocante à resposta dada ao quesito 16 pode ler-se na motivação: “(…) A prova dos factos 16 a 20 resultou dos depoimentos das testemunhas CF e MF. Estas duas últimas testemunhas (sendo a testemunha MF filha da Ré), na casa das quais a R. reside actualmente, confirmar que só pela ocorrência da inundação e das condições em que ficou o locado é que esta deixou de aí fazer a sua vida e foi acolhida na sua casa. Todas estas testemunhas confirmaram o restante dos factos.(…) Contra tal se rebela o Autor recorrente perguntando se é crível, pelas regras da experiência comum que alguém, em condições exactamente idênticas às da Ré, abandone a sua casa de há anos sem nunca mais regressar, abdicando dos seus bens de uma vida? Responde dizendo que não e a ser verdade que a Ré deixou a sua residência devido a inundação tal abandono configura sem sombra de dúvida uma falta de uso do imóvel. Pretende o recorrente confrontar o teor do Relatório de perícia com mos depoimentos das testemunhas MJ e AF, depoimentos esses e elementos aqueles que não deixam dúvidas quanto à sua supremacia em termos de verosimilhança, razões de ciência e força probatória, o que se sedimenta com a prova do processo .... que correu termos pela ... vara Cível de Lisboa e onde ficou provado que desde 27/1/94 que a Ré não mora no referido 3.º andar e que aquando da propositura da acção Março de 2006 há mais de um ano que a ré não habita o andar despejando; suportando-se no depoimento da testemunha F companheiro da filha da arrendatária conclui que a R. abandonou a casa no dia de uma inundação, deixou roupa dentro dos armários que não foram afectados pela água, o que denota que a R. não tem apego à casa. O Tribunal recorrido considerou imprecisos os depoimentos das testemunhas MJ, mãe do Autor e de AF e considerou mais os testemunhos de MF e H. Na motivação o Tribunal não levou em consideração as relações de parentesco até porque se por um lado a testemunha MJ é a mãe do Autor as testemunhas MC e H são, respectivamente, filha e neto da Ré, o que nem por isso levou à desconsideração dos depoimentos. Relativamente à testemunha MJ a mesma referiu ter ido viver para o 1.º andar do mesmo prédio em Maio de 1998, referiu também que no 3.º andar não morava ninguém e entre o mais ainda referiu “(…) Ao fim de um ano de eu lá estar, foram para lá uns drogados para o 3.º andar, arrombaram a porta de um quarto(…) fomos até à varanda, na cozinha tinha frigorífico, fogão em cima da lareira, tudo com aspecto abandonado, roupas velhas dentro do guarda-fato, não me lembrei de ver se havia água electricidade (…) um senhor vai lá de vez em quando, a a senhora nunca estende a roupa, deixou a porta da varanda aberta ou fechou-a mal, as águas entraram por lá, assim como pombas(…) a princípio a senhora ía lá; (…) a senhora vive com um senhor viúvo(…) durante muito tempo viveu um senhor de cabelo grisalho, magrinho, nunca via a senhora, quem lá vai é o tal senhor(…) Pintámos tudo, pusemos telhado novo em 1994/1995(não sei bem), ela não deixou ver o telhado, os peritos também queriam ver o telhado e ela não deixou. (…) Houve uma inundação, veio uma ventania, o plástico que cobria o telahdo voou e como o telhado estava destelhado entrou água, não estava ninguém no 3.º andar, água entrou no 3.º andar para o segundo, do 3.º ninguém se queixou. A D. L... chamou o pedreiro e este disse “ Nunca está em casa… como é que podia arranjar?” Ora o depoimento da testemunha é impreciso quanto a datas, localiza a inundação no prédio em 1994 quando irrefutavelmente ela ocorreu em 2003. Relativamente ao depoente AF diga-se em abono da verdade que ele não foi arrolado como testemunha e que foi ouvido pelo tribunal ao abrigo do art.º 645 do C.P.C. por se ter considerado que tendo o mesmo residido no andar de baixo do da Ré, ou seja no 2.º andar, teria ele conhecimento dos factos. Entre o mais disse: “(…) Morei no referido 21.º andar durante cerca de 20 anos até Fevereiro de 2006 altura em que me mudei. Nos últimos 3, 4 anos que lá morei deixei de a ver (…) desde 2001 de certeza absoluta.(…) A senhora ia lá esporadicamente, deixei de ouvir os passos da senhora que antes ouvia; (…) a senhora ia lá esporadicamente abrir as janelas, deixou a porta aberta e deparei com pessoas estranhas a dormir no 3.º andar.(…) À pergunta formulada pelo Meritíssimo Juiz “Tem a certeza que foi em 2000/2001? Não terá sido em 2003?” respondeu a testemunha “(…) Não sei…não posso…(…)” e continuou “(…) Ouvia esses ruídos do tabique, antes de 2001-2001, ouvia água a correr, cruzava-me com a senhora quando vinha das compras, a senhora D. L... vivia com a sogra e esta faleceu e por pouco tempo após o falecimento desta que a Ré lá viveu, (…) a sogra faleceu em 1994 e a D. L... ficou lá pouco tempo após o falecimento e depois passou a ir esporadicamente, não via a roupa estendida e antes via, (…) a casa da D. L... passou a ser vandalizada, iam lá para dentro da escada injectarem-se e iam para o 3.º andar onde não vivia ninguém, (…) já antes das obras iam para lá(…)”. O Tribunal apercebendo-se de discrepância dessas declarações com os depoimentos das testemunhas MC e H decidiu reinquiri-las, mantendo o declarante o seu depoimento. Entre o mais a testemunha MC reafirmando o já por si dito acrescentou: “(…) A minha mãe passou a viver em minha casa em 2003, depois da inundação de da obra do telhado. Ela ia lá de vez em quando aos fins-de-semana, a minha mãe nunca deixou a casa dela. Por exemplo no Natal foi à Suiça a casa de um meu irmão que lá está emigrado, alguns natais eram passados na casa de Mangualde aquando da apanha da azeitona. Entre 1994 e 2003 eu ia ao locado e a minha mãe estava no locado, no Natal estava um mês e tal fora do locado; conheço perfeitamente este senhor que vivia no andar de baixo que vivia com a mãe que e dava bem com a minha avó que até lhe franqueava a porta para fazer telefonemas(…).” A contra-instância da ilustre advogada do Autor esclareceu ainda: “(…) Saí do locado em 1994 aquando da morte da minha avó com o meu filho. A mãe do vizinho do 2.º andar ía lá a casa fazer telefonemas, ainda a minha avó era viva e ainda durante algum tempo (um ano, dois anos) utilizou o telefone lá de casa de depois deixou de lá ir, suponho que tenham instalado telefone próprio; após a inundação, já em 2004 cortei o telefone pois nãos e justificava a despesa.” O depoimento da testemunha RD que adquirira o imóvel foi pouco esclarecedor. A testemunha CC vai no mesmo sentido do que foi consignado pelo Tribunal recorrido em sede de decisão de facto sendo particularmente esclarecedora acerca dos estragos no interior do 3.º andar aquando da inundação. A testemunha F, companheiro da filha da Ré teve um depoimento concordante com o da sua mulher e filha daquela, sendo particularmente pormenorizado em relação aos estragos e entre o mais disse: “(…) Quando ocorreram as infiltrações a D. L... deixou tudo tal e qual como estava e se ninguém entrou pelo telhado, tudo ficou tal e qual, não trouxe roupas, nem móveis; (…) A D. L... tem, por isso, residido em casa da filha que é a minha companheira, desde então em Benfica; fomos comprando as roupas; (….) A D. L... ia lá de vez em quando, alguma roupa trouxe, embora não a tivesse visto trazer roupa. Nós próprios comprámos-lhe roupa, o roupeiro que eu saiba não ficou destruído e havia lá roupa da D. L...(…)” O depoimento da filha da Ré acima identificada foi particularmente pormenorizado e foi no sentido consignado na decisão de facto e entre o mais disse: “(…)As obras foram feitas no prédio em 2003 na fachada e no telhado do prédio, tendo o prédio ficado destelhado; na altura choveu, entrou água no 3.º andar, (…)Não fizemos nada quando vimos aquilo assim, como não havia condições para lá estar a minha mãe foi lá para a minha casa onde passou a residir em Benfica e desde então que lá mora.(…)” Também neste sentido foi o depoimento da testemunha H, neto da Ré o qual tendo vivido no locado até 1995/1996 conforme disse (o que se harmoniza com o declarado pela sua mãe), descreveu com pormenor o locado, e referiu-se à inundação. Impressiona-se o recorrente com o facto de a Ré ter deixado no locado, aquando da inundação referida e comprovada, alguns bens pessoais, designadamente roupa. As testemunhas sobre esse ponto não foram unânimes, umas dizendo que ela trouxe alguma roupa que se encontrava no interior do roupeiro, por isso inatingidas pelas águas, outras dizendo que nada a Ré trouxe de lá. Ora os comportamento das pessoas não são uniformes e se bem que nenhuma razão se tenha encontrado para um comportamento omissivo nesse ponto daí nenhumas consequências poderemos também com relevo para esta acção extrair, na certeza de que a partir daquela inundação na casa que a Ré tomava de arrendamento, ter ficado sem condições de habitabilidade, motivando a saída da Ré para a casa da sua filha, único facto objectivo que releva. Ora o Tribunal recorrida, lê-se na motivação, apreciou os meios probatórios no seu conjunto como imposto pelo art.º 515, apreciou-os livremente como consentido pelos art.ºs 655 e 342, n.º 2 do CCiv e 516. Por estar em consonância mantêm-se as respostas negativas de 2 a 6 e a dada ao quesito 16 (ponto 30 da fundamentação de facto, ponto II da decisão recorrida. Alterada a decisão de factos quanto aos pontos referidas em A), saber se irreleva o facto de o Autor ser proprietário do imóvel há apenas 3 meses devendo proceder a acção de despejo com base na falta de residência permanente da Ré no arrendado, nos temos do art.º 64/1/i do R.A.U., não devendo a inundação que ali ocorreu ser considerada causa adequada para a impossibilidade definitiva da Ré residir no mesmo; Como acima se disse a decisão de facto quedou inalterada. Considerou o Tribunal recorrido aplicável ao caso o disposto no R.A.U., seja o Regime do Arrendamento Urbano introduzido pelo DL 321-B/90 de 15/10 e as dos art.ºs 1022 e ss do CCiv. Em primeiro lugar a questão de aplicação da lei no tempo tendo em consideração por um lado que o contrato de arrendamento para habitação pelo prazo de 6 meses, foi celebrado em 3/4/1952 entre o anterior proprietário AO e MF, o qual faleceu em 26/6/1989 estando casado com AJF tem um filho JC, filho este que casou com a Ré, casamento que veio a ser dissolvido por sentença transitada em 5/3/1982, passando a Ré a viver com MF e AJF, após o falecimento de AJF em 27/2/1994 a R. informa o então proprietário do falecimento de AJF, intitulando-se sobrinha desta, propondo a celebarção de novo arrendamento, por carta de 9/2/1995 afirmou-se transmissária do arrendamento e é actualmente a arrendatária da fracção autónoma (cfr factos de 9 a 16 da fundamentação de facto da decisão recorrida). Quanto aos elementos de validade formal e substancial do contrato de arrendamento que foi celebrado antes da entrada em vigor do RAU, nenhuma questão aqui se levante e por isso considera-se o mesmo válido e eficaz, sendo arrendatária a Ré. No tocante aos factos fundamento da resolução contratual (falta de pagamento de rendas e falta de residência permanente da arrendatária no locado), temos que no saneador se julgou caduco o direito ao despejo por falta de pagamento de rendas tem atenção aos depósitos efectuados, ficando por discutir apenas e tão só a questão da falta de residência permanente. Interessam aqui as considerações judiciosas de Baptista Machado[1] relativas à distinção entre normas de conflitos e normas de transição: “A norma de conflitos dirime o conflito de lei num ou noutro sentido, isto é, limitam-se a determinar qual das leis é aplicável. As normas de transição, essas preocupam-se com o estabelecimento de um regime intermediário entre as duas leis, visando à conciliação dos interesses particulares com a regulamentação da lei nova e têm natureza material; entre as normas de conflitos há que distinguir aquelas que são dotadas de validade geral e fixam princípios que fornecem ao julgados um critério permanente de solução de conflitos (como, por exemplo as contidas nos art.ºs 12 e 13 do CCiv) daquelas que são estabelecidas pelo julgados com vista à solução de um conflito particular, surgido a propósito duma alteração legislativa determinada e não têm força obrigatória para além da transição legislativa concreta visada como é o caso das regras de conflitos contidas na Lei de Introdução ao Novo Código Civil Português. A norma de conflitos geral e permanente é a do art.º 12 do CCiv. Do n.º 1 resulta o princípio da não retroactividade, e que mesmo na hipótese de retroactividade ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular, o que significa que o efeito retroactivo produzido por uma cláusula de retroactividade será em efeito de grau mínimo; o n.º 2 reafirmando o princípio do n.º 1 fixa critérios (formais) de solução dos conflitos de leis no tempo. A primeira parte do n.º 2 do art.º 12 não se refere a situações ou relações jurídicas mas aos factos ou seja às condições de validade e aos efeitos de quaisquer factos. A opção entre a Lei Nova e a Lei Antiga resultará segundo as normas de direito transitório da ponderação de interesses que se contrapõe; na justa delimitação do âmbito temporal de competência da Lei Nova há que ter em conta o interesse de indivíduos na estabilidade das situações jurídicas, permitindo-lhes a organização dos seus planos de vida evitando a frustração das suas fundadas expectativas, e ainda o contraposto interesse público na transformação da antiga ordem jurídica e na sua adaptação a novas necessidades e concepções sociais, mesmo à custa de posições jurídicas e de expectativas fundadas no antigo estado de direito[2]. A 2.ª parte do n.º 1 do art.º 12 do CCiv reza assim: “(…) mas quando a lei dispuser directamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas abstraindo dos factos que lhe deram origem, entender-se-á que a lei abrange as relações jurídicas já constituídas que subsistam à data da sua entrada em vigor.” Glosando a matéria diz ainda o mencionado Baptista Machado: “A aplicação imediata da Lei Nova às situações jurídicas preexistentes segundo a regra referida, significa, pois que os direitos poderes e deveres das partes, assim como as restrições que afectam a capacidade ou a legitimidade negocial das mesmas partes enquanto tais. São regulados, de futuro, pela Lei Nova; e bem assim que a mesma lei compete determinar quais os efeitos decorrente de violações futuras daqueles deveres ou, ainda, eventualmente, se são precisos novos factos e quais para que o direito ou faculdade conferido pela lei às partes se concretize e que efeito poderão ter certos factos futuros sobre a vida da situação jurídica ou sobre direitos, poderes e deveres das partes (…) a lei nova regulará de futuro os direitos e os deveres das partes, os efeitos da violação de tais deveres e a repercussão da situação jurídica sobre quaisquer factos futuros (sobre os efeitos desses factos) ou sobre quaisquer outras situações jurídicas ou ainda a repercussão de quaisquer factos sobre a própria situação jurídica em causa.(…) A lei competente para regular as causas de rescisão ou de resolução dos contratos é a lei que presidiu à celebração dos mesmos (…) Se uma causa legal ou convencional de resolução do contrato se verificou sob a Lei Antiga, mas o direito de resolução ainda não foi exercido nos termos dessa lei através de uma comunicação escrita ou através de uma acção judicial, poderá dizer-se que a Lei Nova que, suprimindo certa causa legal de resolução ou proibindo certa condição resolutiva, queria aplicar-se a contratos passados encontra diante de si um efeito já produzido, uma situação jurídica já constituída, um direito já criado? (…) à segunda responderemos afirmativamente: a verificação do facto causa da resolução fez surgir um direito potestativo na esfera jurídica daquela das partes a quem a lei ou a cláusula negocial atribuía o direito de resolução. A circunstância de esse direito ainda se não ter tornado eficaz, por não ter sido exercido, não conta. A lei Nova há-de respeitar o direito potestativo anterior, só podendo afectar, isso sim, o seu modo de exercício (exigindo, por exemplo a comunicação por escrito da vontade de resolver, ou exigindo, por exemplo, recurso a uma instância jurisdicional que deverá intervir para apreciar a existência da causa de resolução e o direito à mesma segundo a Lei Nova, limitando-se quanto ao mais, a reconhecer o direito à resolução e a declarar esta). O facto que funciona como causa de resolução é, na verdade, facto constitutivo dum direito - dum direito potestativo. Não se pense que a actividade posterior exigida ao titular desse direito para que ele se torne eficaz integra o processo constitutivo do direito (O Tatbestand ou fattispecie constitutiva). Com efeito uma coisa são os requisitos da constituição de um direito (os factos constitutivos) outra coisa são os requisitos de eficácia do mesmo direito. (…) Se a Lei Nova vem tornar o exercício do direito potestativo dependente da verificação de qualquer facto que não dependa apenas da vontade do titular do direito ela já não é uma lei relativa ao modo de exercício do direito potestativo mas uma lei relativa ao modo de constituição desse direito: com efeito vem alterar a fattispecie simples em fattispecie complexa ou substituindo uma fattispecie por outra. Assim se a Lei nova concede o direito de resolução pelo não cumprimento tempestivo nas obrigações de prazo certo, mas a Lei Nova vem determinar que o negócio jurídico só pode ser resolvido se o devedor, depois de avisado pelo credor, não cumprir dentro dum prazo razoável fixado por este, o que ela faz é exigir um novo pressuposto de facto para a constituição do direito potestativo de resolução. Trata-se portanto, claramente, duma lei sobre o modo de constituição do direito potestativo, não sobre o seu modo de exercício (imaginemos a seguinte hipótese: a lei nova atribui ao senhorio o direito de resolver o contrato se o arrendatário não pagar a renda no tempo e lugar próprios; a lei nova vem estabelecer, porém, que aquele direito à resolução cessa se o arrendatário pagar ou fizer o depósito liberatório no prazo de oito dias a contra do começo da mora. Pois bem, o que a lei nova faz ao estabelecer esta moratória legal é justamente fixar um novo pressuposto para que surja o direito de resolução: o decurso do prazo de oito dias além da entrada em mora sem que a mesma seja expurgada. Por conseguinte, mesmo na hipótese de a Lei Nova ser aplicada aos contratos de arrendamento anteriores, ela não se aplicará ao direito de resolução se a dívida de renda se venceu na vigência da Lei antiga – salvo cláusula expressa de retroactividade aposta á lei Nova). A doutrina que acabámos de expor aparece consagrada na 2.ª parte do n.º 1 do art.º 12, pelo que respeita às disposições da lei nova afectadas duma cláusula de retroactividade: mesmo que a lei nova seja rectroactiva, “presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular.”[3] No caso concreto o facto fundamento da resolução da falta de residência permanente, ou seja o facto inicial constitutivo do direito do senhorio resolver o contrato verificou-se comprovadamente, em Abril de 2003, no domínio da vigência do DL 321-B/90 (doravante designado por RAU), não obstante o Autor ter alegado na petição inicial que deu entrada em juízo em Julho de 2003 que já desde 27/12/1994, como resultava dos factos provados numa anterior acção proposta pelo anterior proprietário AO contra a mesma Ré, esta não residir no locado. É esse o diploma aplicável ao direito de resolução do contrato de arrendamento que nos ocupa. No domínio desse diploma legal a constituição do direito potestativo de resolução contratual estava apenas dependente da ocorrência de um dos factos fundamento constantes do n.º 1 do art.º 64. No caso concreto releva o disposto no art.º 64/1/i segundo o qual o senhorio só pode resolver o contrato se o arrendatário “conservar o prédio desabitado por mais de um ano ou seno o prédio destinado à habitação, não tiver nele residência permanente, habite ou não outra casa própria ou alheia.” O n.º 2 paralisa o direito potestativo de resolução com aquele fundamento caso ocorra força maior ou doença (n.º 2 alínea a). O Autor adquiriu o imóvel por escritura pública de compra e venda de 12/03/2002 e nunca teve qualquer tipo de contacto coma Ré (pontos 2 e 17 da fundamentação de facto recorrida). O recorrente diz que tendo adquirido o imóvel objecto de arrendamento há apenas 3 meses antes da entrada da acção o Meritíssimo Juiz errou ao considerar apenas esse período inviabilizando assim a legitimidade activa, sustentando assim que o Autor pode basear o despejo em factos ocorridos antes de ter adquirido o prédio, transcrevendo para tanto o teor do acórdão do STJ de 29/11/1949, e que por outro lado, não residindo a ré no arrendado pelo menos desde 195 por causa que não é imputável ao Autor ou por uma causa injustificada de abandono como seja a inundação provocada por uma deficiente execução de obras no telhado do prédio que não tem traduz qualquer nexo de causalidade entre a suspensão da obrigação de residência e o alegado incumprimento pelo senhorio, deveria ter sido julgada procedente a acção Em nenhuma parte da sentença (lida e relida) se diz que se considera apenas o período de Abril de 2003 até à data da interposição da acção em Julho de 2003 para se apreciar o facto fundamento da falta de residência permanente do arrendatário no locado. O que na sentença se diz no § 4 da página 564 é que “a presente acção foi intentada no início de Julho de 2003, pelo que a falta de habitação da Ré no locado aqui em discussão se resume a cerca de três meses(…) acresce o facto não menos importante de que o A. apesar de ter adquirido o imóvel nunca o comunicou à R. (provou-se que nunca teve qualquer tipo de contacto com esta) pelo que também não lhe poderia ser exigido que procedesse à reparação do locado anteriormente a esta acção)”. A sentença, nesse ponto, apenas releva aquele período de falta de residência permanente da Ré no locado, não porque considerou apenas os factos ocorridos posteriormente à aquisição do imóvel pelo Autor em 2002, mas por considerar que a falta de residência se resume a esse período. Trata-se, por isso, de questão nova que não ocupará este Tribunal limitado que está pela reapreciação do decidido. Saber se ocorre erro na apreciação dos factos, se há factos que traduzem falta de utilização do locado em data anterior à da inundação do prédio em Abril de 2003 e se tais factos fundam a resolução no caso concreto é algo diferente que a seguir se analisará. A matéria dos art.sº 2 a 6 da base instrutória que quedaram improvados e que se não alteraram como se viu, resultava do alegado nos art.ºs 19 a 23 da petição inicial, que foram contestados no art.º 15 da contestação da ré, motivadamente impugnados nos art.ºs 17 a 26 e que passaram por essa razão para a base instrutória, não havendo qualquer confissão relativamente a esses factos. Quedando improvados é como se não tivessem sido alegados e irrelevam. Entre 25/09/2001 e 6de Dezembro de 2001 a ré não entrou no locado (ponto 19 da fundamentação de facto). Aquando do saneador e a propósito das excepções invocadas pela Ré na contestação decidiu-se: “(…) Sendo facto da não residência no locado manifestamente um facto continuado a que a R. hipoteticamente, poderá por fim a qualquer momento, e que a mesma acaba por reconhecer, embora invocando culpa do A., nessa falta de residência, dúvidas não restam de que o prazo de prescrição do eventual direito do A. nem sequer se iniciou, pelo menos na parte em que a R. reconhece a não residência no locado desde Abril de 2003. Pelo exposto e ao abrigo das citadas normas legais, indefere-se a alegada excepção de caducidade quanto ao referido período. Quanto as restantes períodos invocados, verificados anteriormente a esta data (Abril de 2003), como se trata de matéria controvertida e uma vez que os autos não dispõem ainda de elementos que permitam, desde já, conhecer da referida excepção, relega-se o seu conhecimento para final (art.º 510, n.º 1, alínea b) e n.º 4 do Código do Processo Civil).(…)” O art.º 65/1 do RAU estatui que a acção de resolução deve ser proposta dentro de um ano a contar do conhecimento do facto que lhe serve de fundamento sob pena de caducidade. Se for estabelecida em matéria excluída da disponibilidade das partes, a excepção de caducidade deve ser oficiosamente conhecida pelo Tribunal (cfr. n.º 1 do art.º 333). Não é o que se passa na relação locatícia, onde tem de ser excepcionada pelas partes, ser objecto de decisão judicial e subsequentemente objecto de recurso por forma a que o Tribunal Superior dela conheça.[4]. A sentença não se pronuncia sobre a excepção da caducidade. Relativamente aos factos que quedaram improvados de 2 a 6 da Base Instrutória pois ficou prejudicado o seu conhecimento e relativamente ao episódio de 2001, por não ter sido arguida a omissão de pronúncia sobre tal, por não poder ser objecto de conhecimento oficioso de tal se não conhecerá. Mas adiantar-se-á em conformidade de resto com a decisão recorrida que, tendo ficado provado (ponto 22 da fundamentação de facto da decisão recorrida) que a Ré não entrou no locado em virtude de a então senhoria se ter recusado a entregar-lhe a chave do locado e ter colocado uma porta, o incumprimento da obrigação de utilização do locado pelo locatário encontra justificação na própria mora do locador em entregar ao locatário a chave do locado e ter colocado uma porta (supõe-se que nova) o que traduzindo uma impossibilidade objectiva total do cumprimento da obrigação que não mera difficultas praestandi, extinguiu a obrigação de utilização do locado naquele período de tempo tal como resulta da conjugação das disposições legais do art.º 1031/b e 790/1. Donde ocorrer a força maior justificativa da ausência do locatário do locado (art.º 64/2/a do RAU). Quanto ao período que sucedeu a Abril de 2003 até à propositura da acção em Julho de 2003, a sentença recorrida conclui igualmente que ocorre força maior que paralisou a facto fundamento da resolução do arrendamento, ou seja a falta de residência permanente, Caso de força maior é aquele que torna compreensível, justificável, perfeitamente razoável aos olhos de um julgador compreensivo e avisado, seja o facto da não ocupação, seja o da não fixação de residência permanente no imóvel arrendado.[5] É também aquele facto não querido que impossibilita absolutamente o agente de agir segundo as resoluções de vontade própria, quer paralisando-a quer transformando o indivíduo em cego instrumento de forças externas.[6] Já no Acórdão da Relação do Porto de 3/2/1981, in Cª Jª VI, 4, 146 se entendeu que a chuva introduzida pelas fendas do telhado do interior de um estabelecimento comercial que o torne impróprio constitui em si, força maior justificativa do seu encerramento pelo inquilino. Embora a propósito de uma situação de derrocada parcial do andar locado que deixou de satisfazer as necessidades do arrendatário, tem particular relevo o sentido em que aí se decidiu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6/1/83 publicado no BMJ n.º 323/352 e ss: “Crê-se que o conceito de caso de força maior deve estar em correlação com a norma do n.º 1 do art.º 790 do CCiv. E, assim, parece poder conclui-se que, para não proceder o fundamento de resolução do contrato de arrendamento previsto na alínea i) do n.º 1 do art.º 1093, basta que, por facto que lhe não seja imputável, se torne impossível ao arrendatário gozar o andar arrendado para o fim a que ele se destinava(…)” Atentos os factos constantes de 25 a 31 da fundamentação de facto da decisão recorrida, onde se refere que o tecto da cozinha do andar locado caiu em grande parte, dois dos quartos ficaram com parte dos tectos caídos e nos outros dois ficaram rachados, em resultado das chuvas que se infiltraram no locado, consequência do destelhamento do prédio onde o locado se insere por ocasião de obras no mesmo, que não da responsabilidade da Ré, fica perfeitamente integrado o conceito de força maior. Não era exigível à Ré que continuasse a habitar o locado naquelas circunstâncias que por si não foram criadas, não ocorrendo violação da boa fé contratual por parte da Ré. Improcede nessa parte o recurso. Saber se ocorre erro de julgamento da decisão recorrida quando condena o Autor na realização de obras no arrendado. Condenou a sentença recorrida o Autor senhorio a efectuar reparações limpezas necessárias nas paredes tectos soalho do locado com vista à eliminação dos danos causados com a inundação e louvou-se na obrigação do senhorio do art.º 1031/b e 11 do RAU. Contra tal se rebela o senhorio que considera ilegítimo, por abusivo, o exercício do direito da Ré em exigir obras ao senhorio nas mencionadas circunstâncias. Distinguindo as obras de conservação ordinária das de conservação extraordinária o n.º 3 do art.º 11 do RAU estatui que “são obras de conservação extraordinária as ocasionadas por defeito de construção do prédio ou por caso fortuito ou de força maior e em geral as que não sendo imputáveis a acções ou omissões ilícitas perpetradas pelo senhorio, ultrapassem no ano em que se tornem necessárias, dois terços do rendimento líquido desse mesmo ano.” Não há dúvidas que as deteriorações em causa não foram efectuadas pela Ré para assegurar o seu conforto e comodidade, nem resultam de utilização prudente ou imprudente do locado (cfr art.º 4 do RAU e 1043/1 do CCiv). As obras de conservação extraordinária em virtude de força maior ou caso fortuito são aquelas ocasionadas por caso imprevisível ou inevitável. Ora a realização de obras no prédio em pleno mês de Março que se terão prolongado nos meses seguintes envolvendo a retirada das telhas do telhado envolve especiais cuidados por parte de quem a realiza, designadamente acautelando a cobertura do edifício enquanto não é colocado um telhado novo, por ser previsível a ocorrência de chuvas, como de facto ocorreram, sem que a cobertura do edifico estivesse acautelada, cobertura essa que a ter sido realizada teria evitado a infiltração das águas das chuvas no locado, no 3.º andar situado, por isso no último piso do prédio se considerarmos que no prédio o 3.º é o último andar (cfr. documento de fls. 7). Por isso nenhuma inevitabilidade nenhuma imprevisbilidade no facto (queda de chuva e destelhamento do prédio) que ocasiona a necessidade de realização de obras no arrendado. Não está demonstrado que as obras que se realizaram no telhado não são imputáveis ao senhorio por as não ter efectuado, não as ter ordenado ou delas não ter tido conhecimento, sendo que a alegação de tais factos, enquanto modificativos e/ou extintivos do direito da Ré à realização das mesmas formulado em pedido reconvencional, cabia ao Autor (art.º 342/2 do cCiv); não estando nós no âmbito das obras de conservação extraordinária, que de resto só ficariam a cargo do senhorio quando nos termos das leis administrativas em vigor a sua execução lhe fosse ordenada pela Câmara Municipal competente ou quando houvesse acordo escrito entre as partes (art.º 13 do RAU), o que não se demonstra, teremos de concluir que as obras em causa são ordinárias nos termos do art.º 11/2/ a ou sejam as de reparação geral da fracção locada, que sendo urgentes, não foram realizadas pela Ré arrendatária, a qual tendo a faculdade de as realizar não é todavia obrigada a fazê-las, tanto que as não fez (art.º 1036, n.sº 1 e 2 do cCiv). E não as fez porque tinha o “tecto” da filha que suavizou a urgência. Não ocorre qualquer violação dos princípios da boa fé contratual por parte da Ré ao ter abandonado o locado nas mencionadas circunstâncias conforme acima se disse; porque não foi a Ré quem criou as condições que levaram a que o locado se tivesse tornado inabitável como se tornou também não se vê como é que a actuação da Ré em exigir as obras necessárias a manter o prédio nas condições requeridas pelo fim do contrato de arrendamento do locado para habitação (art.º 11/1 do RAU), viola a boa fé contratual, já que não se prova nenhuma situação de confiança do senhorio em como a arrendatária lhe não exigiria as obras, nem nenhum comportamento anterior da Ré que pudesse ter criado no senhorio a convicção de que lhas não exigiria. IV- DECISÃO Tudo visto, acordam os juízes em julgar improcedente a apelação e confirmar a sentença recorrida. Custas pelo Autor que decai (art.º 446 n.ºs 1 e 2 do C.P.C.) Lxa., 4/6/2009 João Miguel Mourão Vaz Gomes Jorge Manuel Leitão Leal Nelson Paulo Martins de Borges Carneiro [1] Sobre a Aplicação no Tempo do Novo Código Civil, Livraria Almedina, Coimbra, 1968, pág.s 47/48 [2] Autor e obra citados, páginas 56 a 59 [3] Autor e obra citada, páginas 103 a 129. [4] Aragão Seia, Arrendamento Urbano, 6.ª edição, anotação ao art.º 65 do RAU, pág. 450. [5] Aragão Seia, obra citada em anotação ao art.º 64 pág. 437, citando o Professor Antunes Varela; [6] Aragão Seia, obra citada, em anotação ao art.º 64, pág. 438, citando o Professor Marcello Caetamo no Manuela de Direito Administrativo, II, 9.ª edição, pág.s 1306 |