Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1962/2006-4
Relator: FERREIRA MARQUES
Descritores: PERÍODO EXPERIMENTAL
DESPEDIMENTO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/03/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Sumário: O período experimental começa a contar-se a partir do início da execução da prestação do trabalhador e compreende as acções de formação ministradas pelo empregador ou frequentadas por determinação deste, desde que não excedam metade do período experimental, mas nele não são levados em conta os dias de faltas, ainda que justificadas, de licença e de dispensa, bem como de suspensão do contrato (art. 106º do Código do Trabalho).
O despedimento ocorrido dentro do período experimental deve considerar-se lícito, não conferindo direito a indemnização.
Decisão Texto Integral: 8


RECURSO N.º 1.962/06

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. RELATÓRIO

R…, solteiro, empregado da indústria hoteleira, residente na Rua … , em Lisboa, instaurou acção declarativa, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho, contra
A…, pedindo que esta seja condenada a reconhecer a ilicitude do seu despedimento, a reintegrá-lo no seu posto de trabalho e a pagar-lhe todas as quantias vencidas a título de salários, férias, subsídios de férias e de Natal, até à sua reintegração ou até ao termo do contrato, no montante de € 12.883,00.
( ...... )

As questões que se suscitam neste recurso são as seguintes:
1. Saber se o A. foi ou não ilicitamente despedido;
2. Saber se o A. com a sua conduta provocou danos à Ré e, na afirmativa, se este deve ser responsabilizado pelo pagamento desses danos;
3. Saber se o art. 440º, n.º 2, al. a) do Código do Trabalho enferma da inconstitucionalidade que a apelante lhe imputa.

II. FUNDAMENTOS DE FACTO

A 1ª instância considerou provada a seguinte matéria de facto:
( ... )
III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

O A. pretende com esta acção que seja declarada a ilicitude do seu despedimento e que a Ré seja condenada a pagar-lhe todas as quantias vencidas a título de salários, férias, subsídios de férias e de Natal, desde a data do despedimento até ao termo do contrato, no montante de € 12.883,00.
Alegou como causa de pedir desta sua pretensão que foi admitido ao serviço da Ré, em 3/5/2004, mediante a celebração de um contrato de trabalho a termo, pelo prazo de um ano, para exercer as funções próprias da categoria de cozinheiro de 1ª, e que em 3/6/2004, pelas 17h30m, foi despedido pela Ré, sem precedência de processo disciplinar, numa reunião, em que esteve presente o sócio gerente, na qual lhe foi comunicado que a gerência não estava interessada em que continuasse ao serviço da R., pelo que deveria abandonar o seu posto de trabalho a partir do dia seguinte, não sendo admitida a sua presença.
A Ré na sua contestação alegou que quando, em 3 de Junho de 2004, se fez cessar o contrato de trabalho, o A. ainda se encontrava em período experimental, pois recebeu formação entre os dias 3/5/2004 a 15/5/2004 e só iniciou a sua prestação de trabalho, em 26/5/2004. Entre 15/5/2004 e 26/5/2004, esteve dispensado em virtude do estabelecimento não se encontrar aberto, nem estarem concluídas as obras do mesmo. O estabelecimento foi inaugurado em 27/5/2004 e foi aberto ao público em 28/5/2004.
Em relação a esta matéria, não se compreende que a Ré, no recurso que interpôs, tente negar a todo o custo, que despediu o A. no dia 3/6/2004, quando ela própria reconheceu expressamente esse facto, ao alegar, na sua contestação, que o A. deduziu uma causa de pedir impossível, pois quando, em 3 de Junho de 2004, se fez cessar o contrato de trabalho, o A. ainda se encontrava em período experimental. Não tem, portanto, qualquer cabimento a impugnação que a apelante deduziu no recurso que interpôs contra as testemunhas que foram ouvidas sobre esta matéria, sobretudo porque se trata de matéria que a favorece e foi reconhecida expressamente por ela, na sua contestação, e não deve sequer considerar-se controvertida.
Como, em relação ao despedimento invocado pelo A., a Ré se defendeu invocando factos que impedem o efeito jurídico dos factos articulados pelo A., isto é que tornam lícito aquele despedimento, tal matéria constitui uma excepção peremptória (art. 493º, n.ºs 1 e 3 do CPC) em relação à qual o A. se devia defender. Como o A., na sua resposta à excepção, não impugnou aquela matéria, a mesma deve, nos termos dos arts. 60º, n.ºs 1 e 3 do CPT e 490º do CPC, considerar-se admitida por acordo.
Deste modo, além da matéria de facto considerada provada na sentença recorrida, deve também considerar-se provado que o A. esteve dispensado de prestar trabalho no período compreendido entre 15/5/2004 e 26/5/2004, em virtude de não estarem concluídas as obras do estabelecimento.
Assim, estando provado:
Que o A. foi admitido ao serviço da R. no dia 3 de Maio de 2004;
Que, entre os dias 3 e 15/5/2004, recebeu, em Barcelona, um curso de formação para o exercício da actividade de cozinheiro;
Que, no período compreendido entre 15/5/2004 e 26/5/2004, esteve dispensado, isto é, não trabalhou, em virtude de não estarem concluídas as obras do estabelecimento;
Que iniciou a sua prestação de trabalho em 26/5/2004 e que o estabelecimento foi inaugurado no dia 27/5/2004 e aberto ao público no dia 28/5/2004;
Temos de concluir, ao contrário do que se concluiu na sentença recorrida, que, quando, em 3/6/2004, pelas 17h30m, a Ré fez cessar o contrato de trabalho que a vinculava ao A., comunicando-lhe que não estava interessada que o mesmo continuasse ao seu serviço, pelo que não seria admitida a sua presença no estabelecimento, ainda só tinham decorrido 22 dias efectivos do período experimental (de 30 dias) estabelecido no contrato. Isto porque, nos termos do art. 106º, n.º 1 do Código do Trabalho, o período experimental começa a contar-se a partir do início da execução da prestação do trabalhador e compreende as acções de formação ministradas pelo empregador ou frequentadas por determinação deste, desde que não excedam metade do período experimental, mas nele não são levados em conta os dias de faltas, ainda que justificadas, de licença e de dispensa, bem como de suspensão do contrato (n.º 2 do referido preceito.
O período experimental, como se sabe, é estabelecido no interesse de ambas as partes. Do ponto de vista da entidade patronal, interessa que a situação resultante do contrato só se estabilize se o trabalhador contratado mostrar que possui as qualidades e as aptidões laborais procuradas; do ponto de vista do trabalhador, pode acontecer que as condições concretas do trabalho, na organização em que se incorporou, tornem intolerável a permanência do vínculo assumido. Para tal só o desenvolvimento factual e efectivo da relação de trabalho pode esclarecer, com alguma nitidez, a compatibilidade do contrato com os interesses, conveniências ou necessidades de ambas as partes. Daí que a lei estabeleça que para este período de prova só relevem os dias de trabalho efectivo. A única excepção é representada pelo dia ou dias de descanso semanal que por serem características necessárias da prestação de trabalho e não vicissitudes anómalas da execução do contrato, devem entrar no cômputo do período de experiência, ainda que naqueles dias não seja prestado trabalho.
A cessação do contrato de trabalho, por acto unilateral de qualquer das partes, é sempre rodeada de condicionamentos, restrições e cautelas, mas essas limitações à liberdade de desvinculação não valem no período experimental. Durante esse período é inteiramente livre a ruptura do contrato (art. 105º do Código do Trabalho) – a lei, presume em absoluto, que a cessação do contrato no decurso desse período, é determinada por inaptidão do trabalhador ou por inconveniência das condições de trabalho oferecidas pela empresa, conforme a iniciativa seja da entidade patronal ou do trabalhador, não havendo direito a qualquer indemnização, salvo acordo escrito em contrário.
O despedimento do A., por ter ocorrido dentro do período experimental estabelecido no contrato, deve, assim, considerar-se um despedimento lícito, não lhe conferindo o direito à indemnização que reclamou nem a qualquer outra.
Sendo lícito o despedimento do A., e não lhe conferindo tal despedimento o direito à indemnização que o mesmo reclamou ao abrigo do art. 440º, n.º 2, al. a) do Código do Trabalho, fica prejudicado o conhecimento da inconstitucionalidade deste preceito arguida pela Ré/apelante.

A Ré deduziu reconvenção, pedindo que o A. seja condenado a pagar-lhe uma indemnização de € 12.555,16 pelos danos que sofreu com as reclamações de clientes, quanto ao serviço de cozinha e pedidos de refeição não atendidos em consequência das faltas dadas ao serviço pelo A.
Esta pretensão da Ré, como bem se decidiu na sentença recorrida, improcede, uma vez que além de não mostrarem provados quaisquer danos concretos, também não ficaram demonstrados, em relação ao A., os demais pressupostos da responsabilidade civil.

IV. DECISÃO

Em conformidade com os fundamentos expostos, concede-se parcial provimento e, em consequência, decide-se:
1. Revogar a sentença recorrida, na parte em que considerou ilícito o despedimento do A. e condenou a Ré a pagar-lhe a quantia de € 12.883,00, a título de salários, férias, subsídios de férias e de Natal, vencidos desde a data do despedimento até ao termo do contrato;
2. Manter no demais a sentença recorrida.
Para efeito de custas atribui-se a este recurso o valor de € 25.438,16 [€ 12.888,00 (valor do pedido do A.) + € 12.555, 16 (valor da reconvenção)], devendo as mesmas ser suportadas por ambas as partes, na proporção de 50,6% para o A. e 49,4% para a Ré.

Lisboa, 3 de Maio de 2006

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