Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3790/2005-4
Relator: PAULA SÁ FERNANDES
Descritores: RETRIBUIÇÃO
HORÁRIO DE TRABALHO
ISENÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/07/2005
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Sumário: A autorização administrativa a que se refere o art. 13º do Dec-Lei 409/71 não é um acto constitutivo do regime de isenção de horário de trabalho, pelo que o facto da entidade patronal não ter requerido essa autorização não retira ao trabalhador o direito a receber a devida e legal remuneração por ter exercido funções nesse regime.
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa

(A), residente ..., intentou a presente acção declarativa sob a forma de processo comum contra :
CP – CAMINHOS DE FERRO PORTUGUESES, E.P., com sede na Calçada do Duque, nº 20, em Lisboa, pedindo que:
que a ré seja condenada a pagar-lhe uma remuneração adicional pelo exercício de funções no regime de isenção de horário de trabalho, de 27.08.79 a 4.3.82 e de 18.3.83 a 31.1.95, correspondente a 1 hora de trabalho extraordinário diária, calculada nos termos da cláusula 46 do ACT para os Caminhos de Ferro, no total de 27.308,93.”

Para o efeito alegou, em síntese, que entrou ao serviço da ré em 1961, como trabalhadora eventual. Em 15.9.1975, foi admitida no quadro permanente da ré e, em 27 de Agosto de 1979, passou a exercer funções de jurista no Gabinete de Estudos Jurídicos e Contencioso da ré.
Por despacho de 5.3.79, o conselho de gerência da ré deliberou considerar os juristas, que quisessem exercer em acumulação com as suas funções o exercício do patrocínio judiciário da empresa, isentos de horário de trabalho, enquanto se verificasse a acumulação.
Em conformidade com a referida deliberação, a autora passou a assumir o patrocínio judiciário da ré em regime de isenção de horário de trabalho.
Em 19.2.82, o conselho de gerência da ré decidiu que o facto dos juristas assumirem o patrocínio judiciário não os dispensava de permanecer no gabinete 4 horas por dia, divididas em dois períodos.
A autora discordou destas regras e a ré face a esta discordância, retirou-lhe o patrocínio, passando a ficar sujeita ao regime de controlo de horário de trabalho, tendo que picar “o ponto”.
Em 7.2.83, a ré solicitou-lhe que continuasse a exercer o patrocínio da acções que tinha patrocinado, o que a autora aceitou nos moldes que já tinha assumido, ou seja, em regime de isenção de horário de trabalho e sem sujeição a qualquer controlo de presença no gabinete jurídico.
A ré nunca lhe pagou qualquer importância a título de isenção do horário de trabalho.
Por acordo celebrado em 18.4.95 entre a ré e o Sindicato dos Quadros Licenciados e outros, todos os técnicos licenciados e bacharéis passaram a usufruir do regime de isenção de horário de trabalho a que corresponde uma hora de trabalho extraordinário por dia (22 horas/mês), tendo passado a receber esse abono, a partir de Abril de 1995.

A ré contestou, alegando que o despacho de 5 de Março de 1979 não tem o alcance e o entendimento que a autora lhe pretende atribuir. Nesse despacho não se pretendeu atribuir um regime técnico-jurídico de isenção de horário de trabalho aos juristas que passassem em exercer o patrocínio judiciário, mas apenas dispensá-los da obrigação de “picar o ponto”. E concluiu pela sua absolvição.

Foi proferido despacho saneador no qual se conheceu do pedido, e se julgou a acção improcedente, absolvendo-se a ré do pedido.

A autora, inconformada, interpôs recurso, tendo nas suas alegações proferido as a seguir transcritas

Conclusões
« 1ª - Em 61/12/26 a apelante foi admitida ao serviço da apelada como trabalhadora eventual tendo sido integrada no quadro permanente da apelada com a categoria de técnico superior em 75/9/15.
2ª - A partir de 79/08/27 passou a exercer funções de jurista no Gabinete de Estudos Jurídicos e Contencioso da apelada.
3ª - Em 79/03/05 o Conselho de Gerência da apelada tinha deliberado que os juristas desse Gabinete que quisessem exercer, em acumulação com as suas funções rotinadas, o exercício do patrocínio judiciário da apelada beneficiariam de isenção de horário de trabalho enquanto se verificasse tal acumulação.
4ª - Quando a apelante teve conhecimento dessa deliberação, ao iniciar as suas funções no aludido Gabinete, aceitou assumir o patrocínio judiciário da apelada em regime da isenção de horário de trabalho conforme era proposto nessa deliberação
5ª- A apelante exerceu esse patrocínio no período de 79/8/27 a 82/03/04 e de 83/03/18 a 95/12/31, data em que passou à situação de pré- reforma.
6ª - No desempenho das suas funções de mandatária da apelada a apelante intentou e contestou acções estudou e acompanhou os respectivos processos, interveio em julgamentos e compareceu a diligências judiciais, tendo-se deslocado frequentemente, no exercício dessas funções, a tribunais situados fora da comarca de Lisboa.
7ª- Para assegurar a sua comparência nos julgamentos que se realizavam em tribunais distantes de Lisboa, a apelante tinha, por vezes de se deslocar de véspera e pernoitar fora da sua residência.
8ª- As funções de advogada da apelada, que a apelante exercia, implicavam a prestação de trabalho sem sujeição às horas predeterminadas, do início e do termo do período normal de trabalho dos restantes trabalhadores da apelada.
9ª - A expressão "isenção de horário de trabalho" utilizada na deliberação n°. 5/79, deve ser interpretada no sentido e com o alcance que resulta do estipulado nos art°s 13° e 14°. do Dec.-lei n.º 409/71, de 27 de Setembro.
10ª- Foi com base nessa interpretação que a apelante e os restantes juristas da apelada aceitaram exercer, em acumulação com as suas funções de jurista, o patrocínio judiciário da apelada.
11ª - Em 90/02/02, a apelante e os restantes juristas solicitaram à apelada para regularizar a sua situação de modo a que à situação de facto - isenção de horário de trabalho passasse a corresponder a inerente situação de direito com a correspondente retribuição.
12ª.- A apelada nunca pagou à apelante a remuneração prevista no art.14°. n°s 1 e 2. do Dec. Lei n°. 409/71, pela prestação do trabalho da apelante em regime de isenção.
13ª.- A autorização administrativa a que se refere o art.º 13°. do citado diploma legal não é um acto constitutivo do regime de isenção de horário de trabalho.
14ª - O facto da entidade patronal não ter requerido essa autorização não retira à apelada o direito de receber a devida e legal remuneração por ter exercido as suas funções nesse regime.
15ª - A douta sentença recorrida ao interpretar a deliberação de 5 de Março de 1979, no sentido que a apelada defende, violou o disposto no art°236 do Cod. Civil.
16ª - Ao decidir que a apelante não tem direito a receber da apelada a remuneração pelo trabalho prestado em regime de isenção, a sentença recorrida violou o disposto no art.14°. n°s 1 e 2 do Decreto-Lei n°. 409/71.de 27 de Setembro.»

Nas contra-alegações a ré pugnou pela manutenção da sentença recorrida.

O Exmº Porcurador-geral-adjunto deu parecer no sentido da procedência do recurso.

Colhidos os vistos legais

CUMPRE APRECIAR E DECIDIR

I - A questão suscitada nas conclusões de recurso que delimitam o seu objecto, ao abrigo do art. 684, n.º2 e 690, n.º1 do CPC, é a de saber se assiste, ou não, à autora o direito a receber uma remuneração a título de isenção de horário de trabalho.


II – Fundamentos de facto

Foram considerados provados os seguintes factos :
1.A autora entrou ao serviço da ré em 26.12.1961, como trabalhadora eventual.
2. Em 15.9.1975, foi admitida no quadro permanente da ré e, em 27 de Agosto de 1979, passou a exercer funções de jurista no Gabinete de Estudos Jurídicos e Contencioso da ré.
3. A ré proferiu, em 24 de Janeiro de 1979, a deliberação junta a fls. 47 a 49, cujo teor dou aqui por reproduzido, onde nomeadamente decide no ponto 2, que “o controlo da observância dos horários de trabalho será feito através da assinatura das folhas de ponto ou, nos centros de trabalho equipados com relógio de ponto, através da respectiva marcação, sem prejuízo do disposto no número 10”.
4. Em 5.3.79, o conselho de gerência da ré deliberou que os técnicos do Gabinete são considerados isentos do horário de trabalho, enquanto acumulassem o exercício do patrocínio judiciário da empresa, tendo considerado prejudicada, relativamente a estes técnicos, a deliberação 5/79, pelo que o ponto deixava de ser enviado a partir de 12 de Março.
5. Em 19 de Fevereiro de 1982, o conselho de gerência da ré proferiu o despacho junto a fls. 12, cujo teor é o seguinte:
“1. Na sequência do despacho do Conselho de Gerência de 5.03.79 e da reunião havida em 15.2.82, com os técnicos juristas do GEJ, o Conselho de Gerência esclarece que o patrocínio judiciário ao serviço da empresa não poderá, sob qualquer pretexto, salvo em casos especiais devidamente justificados perante o responsável do Gabinete, dispensar os técnicos juristas de uma permanência efectiva e diária, no Gabinete de 4 horas divididas em dois períodos de duas horas (manhã e tarde), entre as 9 e as 13 horas e as 14 e as 18,30 mn.
2. À parte do período normal de trabalho semanal a que os técnicos juristas estão obrigados, não abrangida pelo período rígido antecedentemente fixado, será prestada de acordo com as necessidades de serviço.
3. O presente regime tem carácter transitório, podendo ser alterado a todo o tempo, desde que os interesses da empresa o justifiquem.”
6. A autora discordou destas regras e a ré face a esta discordância, retirou-lhe o patrocínio, passando a ficar sujeita ao regime de controlo de horário de trabalho, tendo que picar “o ponto”.
7. Em 4.3.1982, o conselho de Gerência da ré proferiu o despacho de fls. 13 e 14, onde nomeadamente decidiu, no ponto 5, que “face à posição assumida pela Sr.ª Dr.ª (MM) e Srs. Drs. (CV) e(VS), discordante das regras contidas no despacho referido, decidiu o Conselho de Gerência, de acordo com as regras legais do mandato forense, retirar-lhes o patrocínio judiciário da Empresa, condição “sine qua non” da aplicabilidade quanto àqueles técnicos do regime constante dos despachos de 5.3.79 e 19.2.82.”
8. Decidiu ainda na mesma deliberação, no ponto 6, que “consequentemente, ficarão os citados juristas, de acordo de resto com a orientação já claramente definida no despacho de 5.3.79, sujeitos ao horário contratualmente estabelecido para a sua categoria profissional e, como tal, abrangidos pelo esquema de controlo instituído pela deliberação 5/79 de 24.1.79
9. Por despacho de 14.10.82, o Conselho de Gerência da ré revogou os anteriores despachos de 19.1.82 e de 4.3.82 e decidiu:
« 1. os juristas do GEJ continuarão a observar os horários de trabalho convencionalmente em vigor na empresa.
2. A chefia do Gabinete deverá instituir os mecanismos de controlo que considere adequados para cumprimento do determinado em .1»
10. O ponto n.º 2 do referido despacho não foi posto em prática, por não ter sido instituído qualquer mecanismo de controlo.
11. Os juristas do GEJ apesar das deliberações de 19.2.82 e 14.10.82, nunca estiveram sujeitos a qualquer tipo de controlo de presenças, exercendo as suas funções como anteriormente aos referidos despachos de 19.1.82 e 14.10.82.
12. Em 1983, a ré por carta de 1983, junta a fls. 17 e 18, solicitou, nomeadamente à autora que continuasse a exercer o patrocínio da acções que tinha patrocinado e que ainda se encontravam em curso e das que iriam ainda ser instauradas, e das quais a autora se tinha ocupado até então.
13. A autora conforme menção que após na referida carta, datada de 18.3.1983, decidiu reassumir o patrocínio judiciário da empresa em regime idêntico ao que actualmente está sendo praticado pelos restantes juristas do GEJ.
14. A ré nunca lhe pagou qualquer importância a título de remuneração de isenção de horário de trabalho.
15. Os advogados do GJC da ré dirigiram-lhe, em 2.02.90, a carta junta a fls. 19 a 21.
16. Como mandatária da ré a autora intentou e contestou acções, estudou e acompanhou os respectivos processos, interveio em julgamentos e compareceu a diligências judiciais, tendo deslocado-se frequentes vezes no exercício das suas funções a Tribunais situados fora da Comarca de Lisboa.
17.Para assegurar a sua comparência a julgamentos e diligências nesses tribunais da parte da manhã, deslocava-se por vezes de véspera e pernoitava fora da sua residência.
18. A ré nunca lhe pagou qualquer quantia a título de hora extraordinária por estas deslocações, nem a autora lhe solicitou tal pagamento, por entender que exercia as suas funções no regime de isenção de trabalho.
19. Relativamente a estas deslocações a ré pagou apenas à autora as ajudas de custo previstas na cláusula 42ª do ACT celebrado entre a ré e os sindicatos outorgantes desse acordo, publicado no BTE n.º 3 de 22.1.81.
20. Por acordo celebrado, em 18.4.95, entre a ré e o Sindicato dos Quadros Licenciados e outros, todos os técnicos licenciados e bacharéis passaram a usufruir do regime de isenção de horário de trabalho a que corresponde uma hora de trabalho extraordinário por dia (22 horas/mês), tendo passado a receber esse abono, a partir de Abril de 1995.
21. A ré nunca formalizou perante a Inspecção Geral de Trabalho qualquer pedido de isenção de horário de trabalho relativamente à autora.

III – Fundamentos de direito

Como acima se referiu, a questão essencial a apreciar consiste em saber de a autora tem, ou não, direito a receber uma remuneração a título de isenção de horário de trabalho
Na sentença recorrida foi considerado que : “Face aos factos provados, afigura-se-me que a vontade da ré foi apenas de dispensar a autora e os demais técnicos juristas que exercessem o patrocínio judiciário, da obrigatoriedade de assinarem o livro de ponto e nada mais e não de lhes atribuir um regime especial, com isenção de horário de trabalho ... Acresce ainda, que a ré nunca requereu a autorização a que alude o art.º 13/2 do DL 409/71, o que também demonstra, que entendia que não se estava perante uma situação de isenção tal como a define a lei nos artigos 13º a 15º do DL 409/71 e 50º do DL 49 408. E concluiu, que o trabalho prestado fora do horário de trabalho não possa ser considerado prestado em regime de isenção de horário de trabalho, mas antes o trabalho suplementar, todavia, como a autora nada alegou no sentido de prestar trabalho para além do seu horário a petição é omissa nessa parte pelo que a acção deverá improceder absolvendo-se a ré do pedido.
Vejamos então :
Resultou provado que:
- A autora depois de ter sido admitida ao serviço da ré em 1961, a partir de Agosto de 1979, passou a exercer funções de jurista no gabinete de Estudos Jurídicos e Contenciosa da ré.
- Em 5.3.79, o conselho de gerência da ré deliberou que os técnicos do Gabinete são considerados isentos do horário de trabalho, enquanto acumulassem o exercício do patrocínio judiciário da empresa, tendo considerado prejudicada, relativamente a estes técnicos, a deliberação 5/79, referida no ponto 3 da matéria de facto ( marcação do relógio de ponto).
- Em 19 de Fevereiro de 1982, o conselho de gerência da ré decidiu, por despacho, relativamente aos técnicos juristas do GEJ, que o patrocínio judiciário ao serviço da empresa não poderá, sob qualquer pretexto, salvo em casos especiais devidamente justificados perante o responsável do Gabinete, dispensar os técnicos juristas de uma permanência efectiva e diária, no Gabinete de 4 horas divididas em dois períodos de duas horas (manhã e tarde), entre as 9 e as 13 horas e as 14 e as 18,30 mn
- A autora discordou destas regras e a ré face a esta discordância, retirou-lhe o patrocínio, passando a ficar sujeita ao regime de controlo de horário de trabalho, tendo que picar “o ponto”.
- A ré, em 1983, por carta solicitou nomeadamente à autora que continuasse a exercer o patrocínio da acções que tinha patrocinado e que ainda se encontravam em curso e das que iriam ainda ser instauradas, e das quais a autora se tinha ocupado até então.
- A autora, conforme menção que apôs na referida carta datada de 18.3.1983, decidiu reassumir o patrocínio judiciário da empresa em regime idêntico ao que actualmente está sendo praticado pelos restantes juristas do GEJ.
- A ré nunca lhe pagou qualquer importância a título de remuneração de isenção de horário de trabalho
- Como mandatária da ré a autora intentou e contestou acções, estudou e acompanhou os respectivos processos, interveio em julgamentos e compareceu a diligências judiciais, tendo deslocado-se frequentes vezes no exercício das suas funções a tribunais situados fora da Comarca de Lisboa.
- Para assegurar a sua comparência a julgamentos e diligências nesses Tribunais da parte da manhã, deslocava-se por vezes de véspera e pernoitava fora da sua
Destes factos resulta claro que o conselho de gerência da ré reconheceu que, pela própria natureza dessa actividade, os juristas do que aceitassem exercer patrocínio judiciário da empresas beneficiavam de isenção de horário de trabalho.
Facto que assim também foi entendido pela autora, pois que quando, em 19 de Fevereiro de 1982, a ré deliberou que os técnicos juristas que exerciam o patrocínio judiciário ao serviço da empresa não poderiam, sob qualquer pretexto ficar dispensados de uma permanência efectiva e diária, no Gabinete de 4 horas divididas em dois períodos de duas horas (manhã e tarde), entre as 9 e as 13 horas e as 14 e as 18,30 mn, a autora discordou destas regras e a ré face a esta discordância, retirou-lhe o patrocínio, passando a ficar sujeita ao regime de controlo de horário de trabalho, tendo que picar “o ponto”.
Assim, não podemos concordar com o entendimento perfilhado na sentença recorrida de que no que concerne à atribuição da isenção do horário de trabalho, na deliberação de 5.3.79, a vontade da ré foi apenas a de dispensar a autora e os demais técnicos juristas que exercessem o patrocínio judiciário da obrigatoriedade de assinarem o livro de ponto e nada mais, e não a de lhes atribuir um regime especial com isenção de horário de trabalho.
Mas, além de resultar das declarações de vontade das partes a atribuição da isenção de horário de trabalho de acordo com a deliberação de 5.3.79, também resultaram apurados os requisitos legais das condições legais do direito à isenção de horário por parte da autora.
Vejamos porquê :
Nos termos do art.º13 n° 1 al. a) e c) do Decreto -Lei n° 409/71 de 27/9, então em vigor, podiam ser isentos de horário de trabalho “os trabalhadores que exercessem cargos de direcção, de confiança ou de, fiscalização” e também “o exercício regular da actividade fora do estabelecimento, sem controlo imediato da hierarquia.”
Segundo Menezes Cordeiro - Isenção do Horário - Subsídios para a Dogmática do Direito do Trabalho- Almedina pág. 96- " cargos de confiança são aqueles que postulem uma particular ligação profissional entre o trabalhador e o empregador ou entre aquele e outro trabalhador em cargo de direcção. Estão nestas circunstâncias os secretários de direcção, os trabalhadores que tenham acesso a dossiers classificados, os trabalhadores que executem tarefas técnicas dotadas de especial autonomia – advogados ou médicos por exemplo e em geral aqueles que pelas circunstancias da situação considerada, não possam ser substituídos por outros e devam acompanhar a empresa fora do horário normal ou pelo menos, para tanto estejam disponíveis.”
Da matéria de facto acima referida resulta claro que a autora se encontrava nessa situação aquando do exercício da sua actividade de mandatária, pois além de executar tarefas de confiança da ré, como pressupõe o patrocínio judiciário, executava tarefas técnicas dotadas de especial autonomia, devendo deslocar-se aos tribunais para examinar processos, intervir em audiências de julgamento e em diligências judiciais, ou seja, fora do estabelecimento da ré e sem controlo imediato da hierarquia.
Todavia, na sentença recorrida ainda foi entendido que "mesmo que se estivesse perante uma situação de isenção de horário de trabalho, tal como a lei a define nos art°s. 13, a 15, do DL n.º 409/71 e 50, do Decreto 49408, ainda assim a apelante não teria direito à remuneração peticionada uma vez que se mostra provado que não foi dado cumprimento ao disposto no n.º 2 do art.º 13, do Decreto Lei 409/71.”
O art.º13, n°2, do Dec.Lei n°. 409/71, ao estabelecer que o pedido de isenção de horário deverá ser requerido pelo empregador às autoridades administrativas competentes destina-se a proteger o trabalhador (considerado a parte mais fraca da relação laboral), contra abusos e arbítrios do empregador uma vez que aquele, nesse regime de isenção, deixa de gozar da protecção em que se traduz a limitação do horário de trabalho.
Ora, ao interpretar-se tal preceito no sentido de que o trabalhador não tem direito à remuneração pelo trabalho prestado em regime de isenção pelo facto do empregador não ter diligenciado como devia pela obtenção dessa autorização, tal interpretação favorece o infractor e penaliza o trabalhador sendo por isso contra a ratio do mesmo, pois que o empregador que aproveitou as vantagens económicas que a prestação do trabalho em tal regime lhe proporcionou ficaria desobrigado de pagar a retribuição que a lei impõe nessa situação.
Entendemos pois que não pode interpretar-se o referido preceito no sentido de negar ao trabalhador o direito à remuneração legal pela prestação de trabalho em regime de isenção de horário.
A este respeito a jurisprudência não tem sido pacifica, mas com o entendimento agora perfilhado ver os Acórdão do S.T.J de 2001/02/18, In Acord. Doutr. n°. 480 pág. 1679, "a lei não prescreve qualquer sanção para a falta de autorização administrativa das situações de trabalho com isenção de horário que determine a sua ineficácia não se verificando qualquer causa para que seja excluído o trabalhador do salário correspondente.
Acrescenta ainda o mesmo Acórdão que "não prescrevendo a lei qualquer sanção para a omissão desse dever de diligência da entidade patronal muito menos se poderá entender que dessa omissão pudesse obter vantagens a entidade patronal quanto à não relevância da situação real em que o trabalhador se encontra”
Também, assim, entenderam os acórdãos do S.T.J de 23.4.98, In Ac. Doutr. 443-pag. 1465 ; e de 15.11.2000, In Ac. Doutr. 474-928 .
Na esteira desta corrente jurisprudencial sustenta tal entendimento o Prof. Menezes Cordeiro - In Isenção, Subsídios para a Dogmática Actual do Direito da Duração do Trabalho, 2000 pag.105
Afigura-se-nos, assim, que a autorização administrativa não constitui, uma formalidade essencial que a não ser cumprida torna inexistente o regime de isenção de horário. Entendimento, aliás que foi expressamente consagrado no actual Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º99/2003, de 27/87, em que foi eliminada essa formalidade substituindo-se a mesma pelo simples envio à Inspecção Geral do Trabalho do documento que titula o acordo das partes.
E, assim concluímos, como a recorrente, que a autorização administrativa a que se refere o art.º 13°. do citado diploma legal não é um acto constitutivo do regime de isenção de horário de trabalho, pelo que o facto da entidade patronal não ter requerido essa autorização não retira à apelada o direito de receber a devida e legal remuneração por ter exercido as suas funções nesse regime.
Deste modo, afigura-se-nos que a autora tem direito a receber a remuneração pelo trabalho prestado em regime de isenção do horário de trabalho no período reclamado de 27.8.79 a 4.3.82 e de 18.3.83 a 31.3.95, mas cujo montante terá ser apurado em liquidação de execução de sentença uma vez que o seu montante foi contestado pela ré recorrida, (cfr. art.º13 da contestação.
Procedem pois os fundamentos do recurso interposto.

IV – Decisão

Face ao exposto, julga-se procedente o recurso interposto, e revoga-se a sentença recorrida, pelo que se condena a ré a pagar à autora remuneração pelo trabalho prestado em regime de isenção do horário de trabalho nos períodos reclamados de 27.8.79 a 4.3.82 e de 18.3.83 a 31.3.95, mas cujo montante final será apurado em liquidação de execução de sentença.

Custas pela recorrida.

Lisboa, 7 de Dezembro de 2005

Paula Sá Fernandes
José Feteira
Filomena Carvalho