Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
9001/2008-1
Relator: RUI MOURA
Descritores: EXECUÇÃO
OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
LIVRANÇA
LETRA EM BRANCO
APRESENTAÇÃO A PAGAMENTO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/10/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Sumário: 1- O banco Exequente – tomador nas livranças – pode intentar com base nelas acção cambiária, directa, contra o subscritor e contra os avalistas deste, na sua vertente executiva. (artigos 48º e 77º da LULL).
2- A causa de pedir é a assinatura do subscritor e dos avalistas deste nas livranças.
3- Não deixa de ser acção cambiária directa pelo facto dos Oponentes à execução terem levado a considerar a função de garantia que presidiu à emissão dos títulos, para os classificar de livranças à vista.
4- A letra (e o mesmo é dizer da livrança ) à vista é aquela que é pagável no momento da sua apresentação a pagamento ( Abel Delgado, LULL Anotada, 6ª ed., pág.208 ).
5- Se o Exequente recebe livranças, assinadas pelo subscritor e pelos avalistas do subscritor, como caução do bom cumprimento das responsabilidades contraídas em locações financeiras em que o subscritor é a locatária (sociedade comercial), com o espaço do montante e com a data de vencimento em branco, e em que, quer a locatária quer os seus avalistas, sócios desta, autorizam a locadora, tomador, e Exequente, a, uma vez incumpridos os contratos de locação, poder preencher os espaços em branco, ficando: montante…; vencimento em…; no seu vencimento pagarei esta única via de livrança ao Banco…; e em que, estando no âmbito das relações imediatas, não é invocado o preenchimento abusivo destes espaços, estamos perante livranças pagáveis à vista - artigo 34º, ex vi do artigo 77º LULL.
6- Com a apresentação, a livrança vence-se em relação ao subscritor e ao seu avalista.
7- O artigo 34º da LULLL, aplicável às livranças, dá uma certa folga na estipulação do prazo de apresentação das livranças a pagamento. No caso, as livranças só podiam ser apresentadas a pagamento depois de haver incumprimento nos contratos garantidos. Assim, o banco portador fica autorizado a apor nas livranças a data da apresentação das mesmas a pagamento, a data do pagamento, a data do vencimento, o que tudo coincide na mesma data.
8- O artigo 38º da LULL não vale para a livrança à vista. O beneficiário tomador não carece de apresentar as livranças a pagamento ao subscritor e avalistas deste.
9- As comunicações do tomador escritas ao subscritor e aos avalistas deste em como as livranças foram acabadas de preencher, indicando o montante, a data de vencimento, e informando que estão patentes para pagamento, são actuações de mera informação e cortesia, de relacionamento institucional entre banco e cliente e não correspondem a qualquer exigência da legislação cambiária.
R.M.
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 1ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
I-RELATÓRIO
Em 13 de Dezembro de 2007, no 2º Juízo do Tribunal Judicial da Moita, por apenso aos autos de execução comum para o pagamento de quantia certa que B S.A., Exequente, intentou contra M S.A., C e Maria, vieram estes demandados, Executados, deduzir oposição à execução nos termos do disposto nos artigos 813º, 814º a) e 816º do C.P.C., demandando a Exequente, alegando em síntese que:
Vêm dadas à execução três livranças, com a quantia exequenda alegadamente a título de capital - € 134.274,00 – e de juros - € 442,34-, mas a execução não pode prosseguir por os títulos carecerem de exequibilidade. As livranças nunca foram apresentadas a pagamento, não consta delas qualquer indicação por falta ou insuficiência de pagamento. Cita-se depois Manuel de Andrade que ensinava que por simples inspecção do título se deve saber quais os direitos que a cada obrigado cambiário competem. Dos títulos vê-se que nunca foram apresentados a pagamento. Levantam a questão de saber se não tendo sido apresentadas a pagamento, podem as livranças exequendas ser consideradas título executivo para os efeitos do artigo 46º, nº 1 al. c) do C.P.C. Avançam os Oponentes com o entendimento jurisprudencial segundo o qual a apresentação a pagamento do título de crédito no prazo de pagamento é um requisito de exequibilidade. Apontam alguns arestos referentes ao artigo 29º a Lei Uniforme Relativa aos Cheques. Voltam a asseverar que pela análise às livranças exequendas resulta que nunca foram apresentadas a pagamento, nem na data do vencimento, nem no prazo legal, nos termos do disposto n artigo 38º da LULL aplicável por força do artigo 77º do mesmo diploma. Voltam a referir-se aos artigos 29º e 40º da LUC. Concluem pela inexequibilidade dos títulos, pela procedência das oposição, pedindo seja a instância executiva declarada extinta.
Não juntam documentos.
Admitida a oposição, e notificado o banco Exequente, veio este contestar, elencando os pontos-chave da oposição como sendo:-
1-Inexequibilidade dos títulos porquanto os mesmos não foram apresentados a pagamento;
2- As livranças só podem ser reconhecidas como título executivo se for reconhecida a existência de uma obrigação pecuniária, sendo para tal necessária a sua apresentação a pagamento;
3-Aplicam-se às livranças as disposições relativas aos cheques no que respeita à tramitação do seu pagamento;
Esclarece que os títulos são livranças subscritas pela Executada M SA, avalizadas pelos Oponentes pessoas singulares, que foram entregues à Exequente com o montante e data de vencimento em branco em caução de responsabilidades assumidas pela M SA como locatária em três contratos de locação financeira.
Por um lado, alega que a relação entre o portador das livranças – o Exequente – e os Oponentes é cambiária, encontrando-se no domínio das relações mediatas, sendo inatacável a relação subjacente. Apela ao disposto no artigo 17º da LULL. Por outro, esclarece que o Exequente recebeu as livranças em branco, acompanhadas de um pacto de preenchimento através do qual eram estabelecidas as condições do preenchimento das livranças, que se respeitaram. Alega que os oponentes bem sabiam que a sua avalizada, também oponente não procedera aos pagamentos a que se vinculara, não só por estarem directamente relacionados com a actividade da empresa (na qualidade de sócios gerentes) como também pelo facto de o Banco, Requerido na oposição, os ter informado da situação moratória. Junta prova documental em como os Oponentes foram informados da situação moratória nos três títulos – cartas enviadas com aviso de recepção, que se encontra assinado. Assume o entendimento de que a falta de interpelação dos obrigados, a acontecer, nunca poderia levar à extinção da dívida, mas, quando muito, à sua inexigibilidade apenas até ao momento da citação na execução.
Conclui pela improcedência da oposição.
Junta documentos.
Em resposta os Oponentes precisam melhor o seu entendimento alegando que – pontos 9 a 11: os oponentes não sabiam, nem tinham obrigação de saber, se o exequente tinha o título de crédito cujo pagamento peticiona. Os oponentes apenas tinham de pagar a quem se apresentasse no dia e local de pagamento com o título, e o portador das livranças tinha apenas de apresentar os títulos no dia e local do pagamento. Com estas considerações impugnam os documentos juntos pela Exequente.
Na 1ª instância entendeu-se que os Oponentes arguíam a excepção dilatória da falta de protesto das livranças, e que o processo estava em condições de ser apreciado quanto ao mérito da causa.
Procedeu-se ao saneamento do processo. Enunciaram-se os factos considerados provados, e prolatou-se sentença que a final julgou improcedente a oposição por não provada, ordenando o andamento da execução.
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A fls. 98 é então dado conhecimento aos autos que a Oponente M S.A., foi declarada falida no âmbito do processo nº que corre termos no 1º Juízo do Tribunal do Comércio de Lisboa. Neste contexto os Ilustres Mandatários constituídos entendem que o mandato forense caducou, e deixam assim de a representar. Indicam o nome e domicílio do Ex.mo Administrador da insolvência – fls. 98.
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Inconformados recorrem os Oponentes C e Maria, recurso admitido como de apelação e a subir nos autos, imediatamente, com efeito meramente devolutivo.
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Nas alegações de recurso apresentam os Apelantes Oponentes C e Maria as seguintes conclusões:

1-O que os apelantes discutiram em sede de oposição à execução não foi se a ausência de protesto torna ou não exequível o título de crédito, mas sim quais os requisitos da apresentação a pagamento de um título de crédito, in casu, uma livrança, e se o portador do título de crédito tinha ou não o dever de o apresentar a pagamento.
2-O Mmo Juiz a quo, por um lado, não se pronunciou sobre a falta de apresentação a pagamento das livranças dadas à execução conforme alegado pelos apelantes; e, por outro lado, tomou posição expressa sobre a falta de protesto das livranças dadas à execução, o que não foi alegado pelos apelantes, conforme resulta inequivocamente da oposição à execução.
3-A alegada excepção peremptória da falta de protesto das livranças dadas à execução não é de conhecimento oficioso, pelo que o Mmo Juiz a quo não podia tomar posição sobre a mesma, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 496° do CPC.
4-A sentença recorrida é nula, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 668°, nº 1, alínea d) do CPC.
5-As livranças devem ser apresentadas a pagamento, nos termos do disposto no art. 38° da LULL, aplicável ex vi artigo 77° da LULL.
6-A apresentação a pagamento de um título de crédito não se confunde com o protesto, previsto no art. 44° da LULL.
7-A apresentação a pagamento de um título de crédito é um acto típico no direito cartular e consiste na apresentação do título e reclamação do pagamento da quantia dele constante, no local convencionado para o pagamento, no dia do vencimento, ou num dos dois dias úteis subsequentes; enquanto que o protesto é o acto pelo qual se faz comprovar e certificar a falta de aceite ou de pagamento de uma letra.
8-"Todos ou quase todos os negócios cambiários são incondicionáveis. É o que acontece com o saque, o endosso, o aceite e o aval.
É que, para que a letra seja facilmente negociável, como o exige a sua essencial função de título circulante, é preciso que o portador possa saber com toda a segurança, por simples inspecção do título (carta), quais os direitos que lhe competem contra cada um dos respectivos signatários (obrigados cambiários), sem necessidade de ter em conta quaisquer elementos exteriores (quod non est in cambio non est in mundo) - M. Andrade in Teoria Geral da Relação Jurídica II, 361 e 362 e nota 3, segunda edição-
(Como ensina o Prof. Manuel de Andrade, citado por Abel Delgado in Lei Uniforme sobre Letras e Livranças, Livraria Petrony, Lisboa, 1980, p. 11).
9-Não tendo sido as livranças apresentadas a pagamento ao aceitante, ou aos corresponsáveis, os apelantes desconheciam em absoluto a quem devia ser feito o pagamento das mesmas, uma vez que ao contrário do que muitos pretendem fazer crer os títulos de crédito são por natureza circulantes, não servindo para ficar na gaveta do sacado
10-A apresentação a pagamento de uma letra ou livrança é um dever do portador da mesma e indispensável à efectivação do crédito cambiário.
11-No caso em apreço, como se pode constatar pela simples análise do verso das livranças, o apelado nunca apresentou as livranças a pagamento, nem na data de vencimento, nem posteriormente.
12-Deve ser dado como provado que "As livranças referidas em A), B) e C) não foram apresentadas a pagamento.".
13-Nunca os apelantes sustentaram que é a ausência de protesto que torna inexequível a livrança.
14-São requisitos da apresentação a pagamento dos títulos de crédito, designadamente da letra e livrança ( DELGADO, Abel, Lei Uniforme sobre Letras e Livranças, Livraria Petrony, Lisboa, 1980, pp. 198. ):
a) a exibição do título perante o devedor principal;
b) a reclamação da soma na sede do pagamento, no dia do vencimento ou num dos dois dias úteis seguintes;
c) estar o portador do título habilitado a restituí-lo, com a respectiva quitação.
15-Nunca o apelado reclamou o pagamento das livranças dadas à execução, no local do pagamento e no dia de vencimento das mesmas, porque se o tivesse feito e não tivesse recebido, constaria dos ( teria sido aposta nos ) títulos de crédito a indicação de devolvido por falta de pagamento: Quod non est in cambio non est in mundo ...
16-Não tendo o exequente, ora apelado, apresentado a pagamento as livranças dadas à execução naturalmente que não pode vir exigir o pagamento das mesmas em sede de execução, porque as mesmas perderam o requisito da exequibilidade pelo não cumprimento do requisito da apresentação a pagamento.
17-Não tendo sido apresentadas a pagamento, as livranças dadas à execução perderam a sua natureza cambiária conforme.
18-E, perdendo a natureza cambiaria, as livranças dadas à execução valem apenas como um documento particular assinado pelo devedor que importa a constituição ou reconhecimento de uma obrigação pecuniária, nos termos e
para os efeitos do disposto no art. 46° nº 1 al. c) do CPC; isto é, valem apenas como meros quirográfos.
19-Perdendo a natureza cambiária, o quirógráfo por si só não basta para fundar uma execução. É que o titulo cambiário, por ser dotado de autonomia, literalidade e abstracção, vale por si, sem necessidade de ser acompanhado da alegação da relação subjacente - a relação subjacente será a cambiária.
20-O documento particular tem necessariamente de conter ou ser acompanhado da referência descritiva da sua causa, ou seja, da relação subjacente, da qual emerge a obrigação.
21-Como tem vindo a ser sustentado pela jurisprudência, a suficiência de uma livrança, enquanto mero quirógráfo, para servir de título executivo, postula ainda que a obrigação a que se reporta (e cuja causa, reitera-se, tem de ser alegada pelo exequente) não emirja de negocio jurídico formal, pois nesse caso "a causa do negócio jurídico é um elemento essencial deste" (Lebre de Freitas, "A Acção Executiva - Depois da Reforma, 4a Ed., pág. 62).
22-O negócio causal - locação financeira - tem natureza formal, pelo que não é suficiente o titulo executivo apresentado, enfermando o requerimento executivo do vicio de ineptidão, por falta de causa de pedir, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 193° nº 2 alínea a) do CPC.
23-A ineptidão do requerimento executivo, por falta de causa de pedir, é de conhecimento oficioso, nos termos do disposto no art. 818°, nº 2, 820°, 202° e 206°, nº 2, todos do CPC.
Concluem em ser dado provimento ao recurso revogando-se o douto despacho recorrido, substituindo-o por outro que julgue procedente a oposição à execução e, em consequência, ordene a extinção da execução.

O Banco Apelado nas suas contra-alegações diz:
A) Os títulos em causa são livranças subscritas pela Executada M. S.A., e avalizadas pelos restantes Apelantes, que foram entregues ao Banco com montante e data de vencimento em branco em caução de responsabilidades assumidas pela mencionada M. S.A.
B) As livranças foram apresentadas a pagamento tendo sido interpelados os seus intervenientes.
C) Os Apelantes sabiam que a M, S.A., não procedera aos pagamentos a que se vinculara, não só por estarem directamente relacionados com a actividade da empresa (na qualidade de sócios gerentes) como também pelo facto de o Banco os ter informado da situação moratória.
D) A sociedade executada M, S.A .também Oponente, celebrou com o Banco B S.A., Apelado, três contratos de locação financeira.
E) Para garantia das responsabilidades emergentes dos três contratos, fez a entrega de 3 livranças caução, em branco, acompanhadas dos respectivos pactos que fixavam as condições com vista ao preenchimento das mesmas livranças.
F) O Banco Apelado informou os Apelantes, da situação de mora nos três contratos e, em consequência de que se encontravam a pagamento as livranças dadas em caução pelos mesmos, o que comunicou através das cartas registadas com aviso de recepção.
G) As cartas foram todas recepcionadas pelos respectivos destinatários. Os intervenientes cambiários foram informados da situação moratória e devidamente interpelados para o pagamento das livranças.
H) As livranças foram assim apresentadas a pagamento. Os Apelantes tinham perfeito conhecimento junto de quem as mesmas deviam ser liquidadas.
I) As livranças em causa foram dadas em caução de responsabilidades contraídas junto do Banco Apelado.
J) Sendo livranças caução, só seriam preenchidas em caso de incumprimento e em perfeita adequação com a obrigação garantida.
L) Os Apelantes foram devidamente interpelados para o pagamento.
M) Ainda que o não tivessem sido, o que não sucedeu, o efeito cominatório, nunca poderia ser a extinção da dívida, ou a não classificação das livranças como título executivo, mas apenas a sua inexigibilidade até ao momento da citação (como decorre do nº 2, alínea b) do artº. 662°. do C.P.C.).
N) A nota de citação para a execução serve sempre, em último caso, como interpelação para pagamento, pagamento esse não efectuado.
O) Os Apelantes bem sabem que devem ao Banco ora Apelado os valores constantes dos títulos dados à execução como bem sabem que foram devidamente interpelados para o seu pagamento.
P) O ininteligível raciocínio expendido pelos Apelantes bem como a argumentação que o suporta mais não representa do que uma derradeira tentativa para se esquivarem às responsabilidades que bem sabem ter assumido com o Banco S.A.
Conclui pela improcedência do recurso, com a consequente manutenção da decisão recorrida.

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Foi junta aos autos certidão dos títulos exequendos.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

II- ENQUADRAMENTO JURÍDICO
É entendimento pacífico ser pelas conclusões das alegações do recurso que se afere e delimita o objecto e o âmbito do mesmo – artigos 690º- 1 e 684º- 3 do C.P.C., exceptuando aquelas questões que sejam de conhecimento oficioso - art. 660º - 2 – fim do mesmo diploma.

III - OBJECTO DO RECURSO
Da análise do conjunto das conclusões da recorrente – artigos 684º, nº 3 e 690º do CPC, resulta que a apreciação do recurso se deve enquadrar no tratamento das seguintes questões:
1ª- factos a considerar;
2ª- a sentença recorrida é ou não nula, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 668°, nº 1, alínea d) do CPC;
3ª- as livranças em causa foram ou não apresentadas a pagamento;
4ª- deve a execução prosseguir seus termos ou deve ser declarada extinta a instância executiva;

IV- FUNDAMENTAÇÃO:
1- factos a considerar
Na 1ª instância foram dados como assentes, por provados por documentos ou aceites pelas partes os factos que constam infra de A) a G).
Os Apelantes pretendem que se dê como provado ainda que "As livranças referidas em A), B) e C) não foram apresentadas a pagamento", como se vê da conclusão 12ª da sua motivação.
Trata-se de facto conclusivo que encerra conceito jurídico, com implicações directas na causa de pedir, que está longe de assumir no caso concreto um sentido comum e prático, e, consequentemente, nos termos em que é colocado, é insusceptível de constituir matéria fáctica apurada, em nome da boa prática e do respeito pelo disposto no artigo 659, nºs 2 e 3 do C.P.C.
Nestes termos se indefere à pretensão dos Apelantes.
Do processo constam todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre a matéria de facto, pois não se produziu julgamento nem produção de prova. No processo estão os articulados e os documentos que na 1ª instância fundamentaram a matéria de facto considerada apurada.
Como se viu, a fls. 86, os Oponentes quando referem impugnar os documentos 1 a 11 juntos pela Exequente na sua contestação da oposição, não negam a letra nem a assinatura dos mesmos, nem os reputam de falsos, mas, antes pretendem significar que esses documentos são irrelevantes para a defesa dos Oponentes, pois, em seu entender, não colocam nas livranças a declaração susceptível de provar que foram apresentadas a pagamento aos obrigados e cujos nomes se podem ver nelas. Nos termos do disposto no artigo 374º do C.Civil a autoria da letra e da assinatura dos documentos em causa não sai beliscada, pelo que são verdadeiros.
Assim, nos termos do disposto no artigo 712º, 1 a), 1ª parte, do C.P.C., uma vez que provados face aos documentos, uma vez que aceites pelas partes e por relevarem para a causa, dão-se como provados ainda os factos infra acrescentados com as letras H) e I).

Temos então, por provado que:
A)
"Banco B, S.A." é portador da livrança nº 500227114023027967, no valor de € 118.777,52, com vencimento a 02/08/2007;
B)
"Banco B, S.A." é portador da livrança nº 500227114023026588, no valor de € 10.017,81, com vencimento a 02/08/2007;
C)
"Banco B, S.A." é portador da livrança nº 500074208025632280, no valor de € 5.036,33, com vencimento a 02/08/2007;
D)
As livranças referidas em a), b), e c) foram subscritas por "M, S.A."; E)
No verso das livranças referidas em A), B) e C), foram apostos os seguintes dizeres: "bom por aval à firma subscritora ':.
F)
Sob os dizeres referidos em E), encontram-se as assinaturas dos aqui Oponentes, C e Maria;
G)
As livranças referidas em A), B) e C) não foram apresentadas a protesto.
H)
As livranças terão sido entregues ao Banco Exequente com montante e data de vencimento em branco em caução de responsabilidades assumidas pela M. S.A., juntamente com uma declaração subscrita pela M SA e pelos Oponentes C e Maria pela qual se autorizou irrevogavelmente o banco a completar o seu preenchimento, fixando-lhe o vencimento e indicando como montante, tudo quanto constitua crédito do banco, logo que deixe de ser cumprida qualquer obrigação caucionada;
I)
Relativamente a cada livrança o banco Exequente enviou à M e aos Oponentes, C e Maria, comunicação escrita, que foi recebida, conforme documentos de fls. 62 a 77, onde era comunicado que a livrança se encontrava a pagamento, se indicava a data de vencimento, e se informava que se aguardava a respectiva liquidação até àquela data;

2.Quanto à segunda questão:
A Recorrente invoca que a sentença recorrida é nula nos termos do artigo 668º, nº 1 al d) do C.P.C. por excesso de pronúncia, uma vez que conheceu da falta de protesto das livranças, quando a mesma não fora expressamente invocada.
Realmente os Oponentes Executados não invocaram expressamente a falta de protesto das livranças pelo portador por falta de pagamento das mesmas por parte dos obrigados. O protesto na livrança é um direito do portador, é um acto supérfluo contra o devedor principal, e tem-se entendido que, relativamente às livranças, é desnecessário o protesto das mesmas quando o portador pretende accionar o avalista do subscritor, porque nos termos do artigo 78º, par. 1º da LULL o subscritor de uma livrança é responsável da mesma forma que o aceitante de uma letra, e nos termos dos artigos 32º e 53º, o portador da letra não paga pode accionar o avalista do aceitante, independentemente de falta de protesto, solução aplicável às livranças – artigo 77º da LULL. É posição dominante – Ac. STJ de 17-5-88, BMJ 375-399, Ac. STJ de 9-9-08 no processo nº 08A1999 consultável no website da dgsi e Rev. Leg. Jur. 71º- 324.
De qualquer modo, tem-se entendido, como no Ac. TRL de 2-3-79, Col. Jur. 1979, 589, que o protesto por falta de pagamento de letra ou livrança não é essencial ou necessário para a existência da mora por parte do principal obrigado.
Trata-se de uma excepção peremptória, cujo conhecimento oficioso se acha vedado – artigo 496º do C.P.C. ( Ac. TRP de 6-2-79, sumariado no BMJ 285º-370.
Na sentença recorrida tomou-se conhecimento da excepção, alegadamente arguida, talvez porque, quanto à letra - a recusa de aceite e de pagamento deve ser comprovada por um acto formal, que é o protesto por falta de aceite ou de pagamento – art. 44 da LULL.
Depois de expirados os prazos fixados para se fazer o protesto por falta de aceite ou por falta de pagamento, o portador perde os seus direitos de acção contra os endossantes, contra o sacador e contra os outros co-obrigados, à excepção do aceitante – art. 53 da LULL – e, como no caso, inexiste necessidade de protestar as livranças, se entendeu ser igualmente desnecessário apresentar a livranças a pagamento.
Seja como for, na sentença recorrida tomou-se conhecimento daquilo que se considerou ser a excepção, o que constitui excesso de pronúncia. Porém, tal constitui um mero excesso, um vício formal, que não afecta a sentença quanto às questões submetidas pelas partes a tribunal.

3.Quanto às terceira e quarta questões:
A Exequente traz à execução três livranças, de que é portadora legítima, sendo que esta qualidade não está posta em causa, sendo a quem ou à ordem de quem devem ser pagas, como consta das mesmas. Subscritora é a Executada M SA e avalistas da subscritora são os Executados, Oponentes e agora Apelantes C e Maria.
A livrança é um título comprovativo de dívida, com a particularidade de ser endossado, que consiste na promessa pura e simples de pagar uma quantia determinada. Os seus requisitos estão no artigo 75º da LULL.
As livranças em causa contêm todos esses requisitos formais.
As livranças regem-se pelas normas que lhes são próprias, e, na parte em que não sejam contrárias à natureza desse escrito, são-lhe aplicáveis as disposições relativas às letras indicadas no artigo 77º da LULL.
São títulos de crédito que exigem passo a passo análise sobre as disposições aplicáveis, tarefa difícil tanto mais que os autores desenvolvem com pormenor a disciplina das letras, para que remetem depois espartanamente o tratamento das livranças.

Na livrança exige-se a indicação da época do pagamento (artigo 75º.3), como na letra ( artigo 1º.4). Se esta faltar, é pagável à vista.
Nas livranças em causa a M SA promete pagar ao B SA, ou à ordem deste, o montante de cada uma, “na data do vencimento” que é 2-8-2007.
A letra só pode ser sacada e a livrança só pode ser emitida à vista, a um certo termo de vista, a um certo termo da data, a prazo, em dia fixo.
Se perguntarmos: a M SA quando emitiu as livranças que indicação fez quanto à época de pagamento?, os Oponentes não nos respondem, remetendo-nos para os títulos, e a avaliar pelo apurado, as livranças foram emitidas em branco quanto ao montante e data de vencimento. Isto é: a emitente subscritora não lhe apôs a época de pagamento.
As livranças em branco são admitidas.
É unânime o entendimento de que uma livrança ( ou letra ) nestas condições é pagável no momento da sua apresentação a pagamento. É uma livrança ( ou letra ) à vista.
Outra noção importante é sobre quando ocorre o vencimento da livrança. O vencimento da letra ou da livrança é a data em que o portador pode exigir o seu pagamento(1). Tem a mesma sede legal, modalidades e amplitude da indicação da data.
E se compulsarmos de novo as livranças do nosso processo pelo elemento literal de interpretação se verifica que em todas elas se fixou o vencimento em 2-8-2007.
Se volvermos de novo ao momento da emissão das livranças verificamos, que esta data não lhe foi aposta pela M SA. A data de vencimento estava em branco quando as livranças foram entregues ao B SA.
Face ao teor das livranças coincidem a data em que cada livrança é pagável e a data em que o B SA pode exigir para cada livrança o pagamento.
A fixação do vencimento das livranças e a aposição nelas da respectiva data, ficou assim dependente da vontade do portador.
O portador apôs-lhes a data.
Os Oponentes recepcionam esta data, que é aquela em que os obrigados cambiários formalmente dizem que pagam e a partir de que os credores cambiários podem exigir o pagamento. Não excepcionam o eventual incumprimento do pacto de preenchimento, por, por exemplo, abuso, podendo fazê-lo por as livranças estarem em poder do B SA e todos os obrigados cambiários terem tido intervenção no pacto. Por outro lado a Exequente explica os termos do pacto, refere que o cumpriu escrupulosamente.
Os Apelantes pretendem que o portador devia ter apresentado as livranças a pagamento junto do subscritor e junto dos avalistas deste de modo a que estes pudessem saber quanto deviam, a quem tinham de pagar, a partir de quando tinham de pagar.
Trata-se de livranças à vista ( artigo 34º, ex vi do artigo 77º LULL). Aplica-se aqui o mesmo entendimento para as letras expendido no Ac. TRP de 30-3-68, Jur. Rel. 14-354, referido por Abel Delgado, na obra da nota 1, pág. 208, segundo o qual é pagável á vista a letra emitida com a data do vencimento em branco.
A data da apresentação das livranças é assim a de 2-8-2007, aposta pelo BPI SA no respeito do pacto de preenchimento outorgado.
Este o entendimento de vários arestos (2).
A letra ( e o mesmo é dizer da livrança ) à vista é aquela que é pagável no momento da sua apresentação a pagamento ( Abel Delgado, obra da nota 1, pág.208 ).
Com a apresentação, a livrança vence-se em relação ao subscritor e ao seu avalista – Ac. STJ de 10-7-1997, proferido no processo nº 97B093 e consultável no website da dgsi.
Assim temos que as livranças em causa desempenhavam a função de garantia pelo bom cumprimento de contratos. A M SA quando emite as declarações de prometer pagar ao BPI SA ou à sua ordem valores, mediante prévia declaração que emite, entrega as livranças em branco relativamente ao montante e ainda quanto à data em que a M SA promete pagar, relativamente à data em que o beneficiário dos títulos podem exigir o pagamento do ou dos obrigados, permitindo ainda que o BPI SA escolha a data da apresentação das livranças a pagamento. O B SA apõe a data de 2-8-2007, em respeito das garantias e limites que as livranças visavam. O artigo 34º da LULL, aplicável às livranças, dá assim uma certa folga na estipulação do prazo de apresentação das livranças a pagamento. No caso, as livranças só podiam ser apresentadas a pagamento depois de haver incumprimento nos contratos garantidos. Assim sendo, o B SA fica autorizado a apôr nas livranças a data da apresentação das mesmas a pagamento, a data do pagamento, a data do vencimento, o que tudo coincide na mesma data.
O Emitente das livranças desliga-se assim do seu futuro.
À livrança à vista é de aplicar o artigo 34º, por via do artigo 77º da LULL.
Nas livranças não está escrito que no dia 2-8-2007 pagarei. Não se trata de livranças pagáveis no dia fixado, como pretendem os Recorrentes. Está escrito que no seu vencimento pagarei. Sendo que, seja qual for a data que vier a ser aposta, uma vez não colocada em causa-, ela vale como data de apresentação e de vencimento. O subscritor só tem a fazer uma coisa, perante o portador: pagar.
O artigo 38º da LULL não vale para a letra ou livrança à vista, como pretendem os Oponentes e ainda os Recorrentes. O regime nele consignado vale para os casos de letra ou de livrança pagáveis em dia fixo, a certo termo da data ou da vista.
Assim o portador das livranças não tem de as apresentar a pagamento, nem de levar os títulos a uma câmara de compensação. As livranças estão vencidas, são pagáveis, são exigíveis desde 2-8-2007. Basta que existam, que apareçam materialmente. Quem paga exigirá a restituição dos títulos e a quitação.
O portador-beneficiário das livranças não tem de as apresentar a pagamento ao subscritor.
O banco Exequente não carece de apresentar a pagamento as livranças em causa à subscritora M SA.
Pergunta-se agora se o Banco Exequente carece de apresentar as livranças a pagamento aos avalistas do subscritor, portanto, aos executados ora Apelantes?
A resposta é negativa. O subscritor de uma livrança é responsável da mesma forma que o aceitante de uma letra – artigo 78º da LULL. Sabemos igualmente que o subscritor de uma livrança é um obrigado principal. Ora o avalista do subscritor é tratado como o avalista do aceitante, por via do artigo 77º. O aval é uma garantia sui generis, cambiária, não contratual, incondicional, pela qual o dador do aval garante ou cauciona ao beneficiário o pagamento do título. Não é uma fiança. Tem carácter cumulativo e não subsidiário.
O dador do aval é responsável da mesma maneira que a pessoa por ele afiançada – artigo 32º par. 1º da LULL. O avalista do subscritor da livrança responde como o avalista do aceitante na letra. E se o aceitante com o aceite promete executar a ordem que o título contém, significa que os avalistas deste prometem igualmente executar a ordem que o título contém. É uma responsabilidade solidária, pessoal do avalista, autónoma da do avalizado. Assim o avalista do aceitante passa a ocupar o mesmo degrau na escala dos responsáveis pelo pagamento. Porque o aceitante é também um obrigado principal, o avalista deste passa a ser igualmente um obrigado principal. Portanto, quer o subscritor das livranças, quer o avalista do subscritor são obrigados principais no cumprimento da promessa que a livrança contém, solidários, não tendo o avalista privilégio de excussão prévia dos seus bens.
Consequentemente, sendo as livranças com vencimento à vista, à simples apresentação, e ficando, como ficou, o beneficiário tomador com a possibilidade de designar a data do vencimento e a da apresentação, que coincidem, não carece o portador de apresentar as livranças a pagamento aos avalistas do subscritor.
Seria inútil, para mais tendo os avalistas tido intervenção no pacto de preenchimento das livranças, como tiveram, e estando como estamos no domínio das relações imediatas ( pois as livranças não estão detidas por alguém estranho às relações extra-cartulares ). Ficam sujeitos a pagar as livranças ao portador a partir do momento em que este lhes tenha aposto a data do vencimento, as tenha declarado vencidas.
No sentido pretendido pelos Apelantes, as livranças não foram apresentadas a pagamento, nem tinham de o ser.
As comunicações do Exequente materializadas nos documentos de fls. 62 a 77 em que este comunica ao subscritor e aos avalistas deste que a livrança caução foi acabada de preencher, indicando o montante, a data de vencimento, e informando que está patente para pagamento até à data de vencimento já aposta, são actuações de mera informação e cortesia, de relacionamento institucional entre banco e cliente e não correspondem a qualquer exigência da legislação cambiária.

O banco Exequente intentou a presente acção- uma acção cambiária, directa, contra o subscritor e contra os avalistas deste, na sua vertente executiva. Pode fazê-lo- artigos 48º e 77º da LULL. A causa de pedir é a assinatura do subscritor e dos avalistas deste nas livranças. Não deixa de ser acção directa pelo facto dos Oponentes à execução terem levado a considerar a função de garantia que presidiu à emissão dos títulos, para os classificar de livranças à vista.
As livranças em causa têm todos os requisitos formais que para esses títulos a lei – LULL - exige.
Os avales prestados são totais.
São títulos executivos- artigo 46º, 1, c) do CPC. É que reúnem as condições mínimas para a exequibilidade dos escritos particulares inominados- demonstram uma obrigação de pagamento de montante determinado e já vencida e estão assinados pelo devedor.
A execução prossegue seus termos.
As asserções aventadas pelos Apelantes referentes a cheques são descabidas em relação às livranças, no caso sub judice.
Assim improcede o recurso.
V–DECISÃO
Pelo exposto, acordam em julgar a apelação improcedente, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pelos Apelantes.
Lisboa, 2009-02-10.
( Rui Correia Moura )
( Anabela Calafate )
( Luiz Caldas de Antas de Barros )
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(1)-José Luís Santos, letra de Câmbio (formulário), Coimbra Editora, 1984, pág. 82. Já Abel Delgado, Lei Uniforme Anotada, 6ª edição, pág.200 dá de vencimento a seguinte noção: é a época do pagamento, a data em que o pagamento deve ser efectuado.
(2)- A parte do sumário relevante do Ac. do STJ de 18-4-96 proferido no processo 088344, consultável no website da dgsi é do seguinte teor:
II - A livrança exequenda visou apenas garantir o reembolso do crédito concedido aos embargantes no âmbito dos programas do "Comissariado", gerido pela Comissão Interministerial de Financiamento a Retornados - Decreto- -Lei 179/79, de 8 de Junho, podendo servir de base à execução.
III - E mesmo a haver mútuo, seria visto através do Decreto- -Lei 32765, de 29 de Abril de 1943, é que o empréstimo foi feito através de uma conta a movimentar pelo Banco Borges & Irmão, o que implica a dispensa de escritura pública.
IV - A nulidade por falta de forma do contrato de mútuo, subjacente à subscrição de letra ou livrança não afecta, mesmo no domínio das relações imediatas, a obrigação cambiária.
V - A livrança foi emitida com a data de vencimento em branco, assim pagável à vista, o que é admissível - artigos 10, 76, 77, 34 da Lei Uniforme sobre Letras e Livranças, e, como se provou, o preenchimento da data ficou acordado entre os embargantes e o "Comissariado" que este a preenchesse quanto a essa data e é esta data que foi comunicada aos embargantes e que recusaram o pagamento, data que coincide com a apresentação a pagamento, considerada para efeitos de prescrição, não existente.
Outro exemplo é o Ac. do STJ de 2-11-2005, proferido no processo nº 4892, consultável no mesmo sítio onde em parte relevante do sumário se lê:
I - O vencimento, data em que o pagamento deve ser efectuado, é requisito essencial da livrança.
II - O artigo 34 da LULL, aplicável por força do artigo 77 permite a faculdade de ser estabelecido prazo mais longo para apresentação a pagamento.
III - Esta liberdade na fixação do prazo de vencimento é, por isso, legal, quando criteriosamente usada dentro do condicionalismo do financiamento que está subjacente ao título