Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3948/06.5YXLSB.L1-7
Relator: TOMÉ GOMES
Descritores: COMPETÊNCIA TERRITORIAL
PESSOA COLECTIVA
PESSOA SINGULAR
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/16/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: Critério de atribuição da competência relativa nos casos de concurso aparente das normas contidas no nº 1 do artigo 74º do CPC.
1. Tendo em conta o objectivo visado pela última alteração legislativa do disposto no nº 1 do artigo 74º do CPC, em caso de ocorrência de concurso das normas contidas nas 1ª e 2ª partes do mencionado normativo, gerada pela pluralidade de réus, ter-se-á de dar prevalência à norma ditada pelo interesse público, sob pena de se subverter o objectivo e a razão de ser da lei; de resto, é esse o critério seguido na ressalva feita no nº 2 do artigo 87º para os casos de cumulação de pedidos.
2. Assim, sendo um dos réus pessoa singular e o outro pessoa colectiva, é em função do domicílio do primeiro, e em detrimento do favor creditoris do A. perante o outro réu, que se determina o tribunal territorialmente competente com a aplicação do preceituado na 1ª parte do nº 1 do artigo 74º do CPC.

(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa :

I – Relatório

1. A, S.A., propôs, em 4 de Outubro de 2006, junto dos Juízos Cíveis de Lisboa, acção especial para cumprimento de obrigação pecuniária, contra a sociedade M, Ldª, com sede e H com último domicílio conhecido em C, pedindo a condenação solidária dos R.R. a pagar-lhe a quantia de € 4.047,05, acrescida de juros vencidos até 4/10/2006 e de juros vincendos sobre aquela quantia, a partir dessa data, à taxa anual de 19,25%, e ainda do imposto do selo devido sobre os juros, com fundamento na falta de pagamento de prestações devidas no âmbito de um contrato de concessão de crédito directo, sob a forma de mútuo, celebrado por escrito particular, em 21/10/2004, para financiar a aquisição de um automóvel por parte da 1ª R, em relação ao qual o 2º R. se assumiu como fiador solidário.      

         2. Citada pessoalmente a 1ª R. e, por éditos, o 2º R., nenhum deles contestou, após o que foi proferida a decisão de fls. 67/68, a julgar territo-rialmente incompetente o Tribunal Cível de Lisboa e a declarar competente o Tribunal Judicial de C, determinando a oportuna remessa dos autos para este Tribunal.

         3. Inconformado com tal decisão, o Banco A. agravou dela, formu-lando as seguintes conclusões:

1ª – O juiz “a quo”, ao julgar territorialmente incompetente o Tribunal Judicial de Lisboa para conhecer da presente acção violou o disposto no artigo 74º, nº 1, e no artigo 87º, nº 1, do CPC;

2ª – Porque a 1ª R. é uma pessoa colectiva, o A. optou pelo Tribu-nal Judicial da Comarca de Lisboa, como sendo o competente, em harmonia com o disposto no artigo 74º, nº 1, do CPC, na redacção dada pela Lei nº 14/2006, de 26-4, e como lhe assiste e permite o artigo 87º, nº 1, do mesmo normativo legal;

         Pede pois a agravante que seja revogada a decisão recorrida e substituída por outra que reconheça a competência territorial do Tribunal Judicial de Lisboa.

         4. Não foram produzidas contra-alegações.

         5. Proferida decisão sumária, dela veio o recorrente reclamar para a conferência.

 

         Cumpre apreciar e decidir.

         II – Fundamentação

         A única questão a resolver no âmbito do presente recurso consiste afinal em saber se assiste ao A. o direito de opção de foro previsto na 2ª parte do nº 1 do artigo 74º do CPC, na redacção introduzida pela Lei nº 14/2006, de 26-4, nos casos em que um dos réus demandados pudesse beneficiar dessa opção.

         Não oferece dúvida, nem a A. discute, que ao presente caso seja aplicável o critério de atribuição de competência territorial estabelecido na actual redacção do referido normativo.

         Porém, quanto à questão em apreço, a lei não contém norma ex-pressa para os casos de pluralidade de réus, mormente quando essa plurali-dade possa levar ao concurso aparente das normas da 1ª e 2ª parte do citado artigo.

         De qualquer modo, há que procurar na razão subjacente do instituto em causa a norma adequada segundo os critérios de interpretação indicados no artigo 9º do CC.

         Ora, como é sabido o objectivo da alteração legislativa operada pela Lei nº 14/2006 foi responder ao fenómeno da litigância de massa verifi-cado sobretudo nos grandes centros urbanos e à necessidade de maior protecção do litigante ocasional, tendo em vista, por um lado, permitir o descongestionamento dos tribunais, por forma a tornar mais racional e eficaz a gestão dos recursos humanos e materiais do sistema judicial, e, por outro lado, proporcionar aos cidadãos consumidores uma maior proximi-dade com os tribunais no âmbito dos litígios do consumo, em conformidade com os objectivos proclamados na Resolução do Conselho de Ministros nº 100/2005, de 30 de Maio.

Ora, em sintonia com tal desiderato de interesse público, a nova re-dacção dada pela sobredita Lei nº 14/2006 à alínea a) do nº 1 do artigo 110º do CPC veio estender o conhecimento oficioso pelo tribunal à violação da regra de competência prevista na 1ª parte do nº 1 do citado artigo 74º, enquanto que a violação do critério de atribuição de competência contido na 2ª parte daquele normativo continuou a depender de arguição da parte interessada. Na mesma linha, o nº 1 do artigo 100º do CPC não permite sequer convenção de foro que afaste o critério de fixação de competência territorial estabelecido na 1ª parte do nº 1 do artigo 74º.          

A ser assim, em vista do objectivo considerado, no caso de ocorrên-cia de concurso das normas contidas nas 1ª e 2ª partes do mencionado nº 1 do artigo 74º, gerada pela pluralidade de réus, ter-se-á de dar prevalência à norma ditada pelo interesse público, sob pena de se subverter o objectivo e a razão de ser da lei, como decorre, de certo modo, do doutrinado no acór-dão desta Relação, de 19/2/2008, citado na fundamentação da decisão recorrida, não valendo a invocação em contrário do disposto no nº 1 do artigo 87º do CPC. De resto, é esse o critério seguido na ressalva feita no nº 2 do artigo 87º para os casos de cumulação de pedidos.

No caso vertente, apura-se que o 2º R., pessoa singular, tem o último domicílio conhecido na área da Comarca de C. Por isso, é em função deste domicílio, em detrimento do favor creditoris do Banco A. perante a 1ª R, que se determina o tribunal territorialmente competente com a aplicação do preceituado na 1ª parte do nº 1 do artigo 74º do CPC.

Termos em que improcedem as razões do Banco agravante.

III – Decisão

Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal em negar provi-mento ao agravo, mantendo-se a decisão recorrida.

As custas do recurso ficam a cargo da agravante.

                                      Lisboa, 16 de Junho de 2009

     Manuel Tomé Soares Gomes

      Maria do Rosário Oliveira Morgado

     Rosa Maria Ribeiro Coelho