Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | TERESA SOARES | ||
Descritores: | DIREITO DE REGRESSO SUB-ROGAÇÃO RESPONSABILIDADE EXTRA CONTRATUAL NULIDADE DA DECISÃO PRESCRIÇÃO | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 03/26/2009 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA A DECISÃO | ||
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Sumário: | 1- Posições têm vindo a ser assumidas que levam a criar evidente confusão entre “direito de regresso” e “sub-rogação”; embora ambas as figuras traduzam formas de cumprimento da obrigação, por terceiros, o que essencialmente as distingue é que, enquanto no direito de regresso, quem cumpre vê nascer na sua esfera jurídica um direito novo, na sub-rogação, quem cumpre sucede na posição daquele que era o credor. 2- Assente que a sub-rogação não confere ao sub-rogado um direito novo, mas sim apenas uma transmissão da qualidade de credor, na exacta medida em que tiver cumprido, para se aferir da prescrição, cabe atender às específicas regras que vigoram no âmbito da responsabilidade extra-contratual, ou seja, ao disposto nos art.º 498.ºCC. e não ao disposto no art.º 306.ºdo CC. (T.S.) | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na 6ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa 1. H, SA, intentou a presente acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra Z, SA, pedindo a sua condenação no pagamento da quantia de €187.723,58 correspondente a reparações efectuadas até Outubro de 2003 e ainda na quantia de €17.222,25 correspondente a reparações efectuadas pelo empreiteiro geral de obra, A, caso ainda não lhe tenham sido pagas, bem como nos montantes correspondentes aos trabalhos efectuados pela A, desde Outubro de 2003 e que se revelem necessários até efectiva reparação dos prejuízos decorrentes do acidente dos autos, a tudo acrescendo juros. Funda o pedido alegando que no âmbito da sua actividade e por causa dela, contratou com a R seguradora uma garantia de responsabilidade por danos materiais e/ou corporais causados a terceiros, até ao montante de esc.150.000.000$00. No âmbito da sua actividade foi-lhe adjudicada a obra para instalações mecânicas na área de serviço da Galp, pertencente à P, tendo em 23 de Setembro 2000 ocorrido um acidente decorrente da instalação efectuada pela A, que teve origem numa fuga de produto, no posto de abastecimento, decorrente de alteração da posição da instalação original da tubagem, sendo que, por falha humana, inexistia o respectivo detector de fuga, o que determinou um derramamento de combustível que tornou imprescindível o imediato início de trabalhos de recuperação, os quais foram executados pelo dono da obra, pelo empreiteiro geral e pela sub-empreiteira, a aqui A. A R vem recusando assumir a responsabilidade invocando a existência de negligência profissional. 2. A R contestou invocando as excepções de incompetência em razão do território e falta de legitimidade da autora para demandá-la, alegando que o contrato de seguro tem por objecto garantir os danos causados a terceiro, e não às próprias partes do contrato. Excepciona a prescrição do direito a demandar pelos danos, dado todos os interessados terem tomado conhecimento do evento, na data da sua produção — 23 de Setembro de 2000 - e ter decorrido mais de três anos desde tal data até à propositura da acção. Por impugnação, invoca que a apólice em apreço não cobre o sinistro, objecto dos autos, porque o acidente decorreu de incumprimento directo e voluntário de obrigações contratuais - inexecução ou exercício defeituoso da actividade ou profissão; impugna também parte da factualidade. 3. A A replicou, alegando que peticiona, não só na qualidade de segurada, mas também na de terceiro reparador. O sinistro e a urgência na reparação das suas consequências foram de imediato comunicados à ré, que nada teve a opor. Os terceiros lesados, de todo o modo, nada têm a reclamar, estando os danos ressarcidos. Quanto a incumprimento contratual, impugna a autora que o sinistro se tenha verificado na decorrência directa e intencional de incumprimento de regras técnicas, contratualmente estabelecidas. Inexistiam desenhos, plantas ou esquemas contratualmente estabelecidos para a montagem de peças que deram origem ao sinistro; a cláusula de exclusão directa de responsabilidade invocada não existe no contrato de seguro celebrado. Os trabalhos efectuados e que deram origem ao sinistro, fazem parte dos trabalhos contratados e, portanto, estão cobertos pela apólice. Quanto à prescrição invocada, assume a autora a posição de não se ter verificado: - Porque assenta em responsabilidade contratual; -Porque, entendendo-se tratar-se de responsabilidade extracontratual, apenas poderia ser exercido após a comunicação referida no documento 7 da petição inicial; - Por ser a dívida ilíquida. Mais alega que, ao assumir as posições processuais que assumiu, a ré pleiteou de má-fé. 4. Foi proferido despacho a julgar procedente a excepção de incompetência territorial e o processo foi remetido de Cascais para Oeiras. Aí foi realizada audiência preliminar e seleccionados os factos. Julgada a acção, conclui-se pela improcedência da excepção de ilegitimidade, defendo-se a legitimidade da A, por se encontrar a accionar ao abrigo do instituto da sub-rogação legal e decidiu-se pela procedência da excepção de prescrição, absolvendo-se a R do pedido. Entendeu-se, na sentença, que a A actuava em sub-rogação legal das lesadas, logo, demandava a R em sede de responsabilidade extracontratual, sujeita ao regime do art.º 489.º do CC, tendo já decorrido o prazo de 3 anos, à data da interposição da acção. 5. Desta sentença interpôs a R o presente recurso, alegando e concluindo, em síntese: I - Nulidade da sentença: por omissão de pronúncia e falta de fundamentação; II –Erro de direito: o prazo aplicável para o exercício do direito não é o previsto no art.º 498.º n.º1, mas sim o prazo de prescrição ordinária, previsto no art.º 309.º CC. -20 anos. 6. Colhidos os vistos, cumpre decidir. A factualidade a considerar é aquela que foi dada como provada em 1.ª instância, dado não ter sido objecto de impugnação, nem merecer qualquer reparo, por parte deste tribunal. São os seguintes factos a ter em consideração para a decisão: 1. A autora é uma sociedade que se dedica à distribuição e montagem de diversos equipamentos mecânicos e electrónicos e bem assim a consultadoria, estudos e projectos de engenharia ambiental, entre outros, tudo conforme certidão de registo comercial de fls. 21 a 24, no mais aqui dada por integralmente reproduzida; 2. A transformação da autora em Sociedade Anónima ocorreu através da deliberação de 7/12/2000, registada na Conservatória do Registo Comercial de Cascais em 26/2/2001; 3. No exercício da sua actividade a autora contratou com a ré um seguro de responsabilidade civil de exploração através da apólice n.° 00.2.118.775, conforme consta do documento de fls. 25 dos autos, no mais aqui dado por integralmente reproduzido. 4. Nos termos dessa apólice a autora declarou transferir para a ré a sua responsabilidade até ao limite de 150.000.000$00 e abrangendo a responsabilidade civil por danos materiais e/ou corporais causados a terceiros e imputáveis à autora no exercício da sua actividade; 5. No âmbito do exercício da sua actividade foi adjudicada à autora pela sociedade A a obra correspondente às instalações mecânicas da área de serviço da Galp, em que era dono da obra P, S.A.; 6. Em 23 de Setembro de 2000 ocorreu um incidente na referida área de serviço, no sentido Norte-Sul, resultante da instalação efectuada pela autora; 7. O incidente em causa teve origem numa fuga de produto no posto de abastecimento da área de serviço acima referida, a qual decorreu da alteração da posição original da tubagem, na ligação do ramal principal à prumada para o medidor, instalado na tubagem de gasolina sem chumbo 95, segunda ilha a contar da auto-estrada; 8. Por outro lado, em consequência de falha humana, verificou-se inexistência de respectivo detector de fugas, o qual se encontrava contemplado no respectivo projecto de execução; 9. Ocorreu um derramamento de combustível superior ao que seria expectável; 10. A autora remeteu à ré carta cuja cópia consta de fls. 36 dos autos, datada de 28 de Setembro de 2000, aqui dada por integralmente reproduzida dando, além do mais, "conhecimento que no passado dia 23 do corrente fomos contactados pelo nosso cliente Construtora A S.A. que nos deu conta da ocorrência de um acidente (...) dado que esta empresa possui nessa seguradora apólice em epígrafe"; 11. A ré enviou à autora a mensagem constante de fls. 51 dos autos, datada de 6/9/2001, aqui dada por integralmente reproduzida, declarando que concluiu relatório sobre as causas do incidente, que se tratou de negligência profissional e que não há matéria que se enquadre nas coberturas da apólice e o processo será arquivado; 12. No exercício da sua actividade a autora contratou com a ré um seguro de responsabilidade civil de exploração através da apólice n.°, conforme consta da declaração de fls. 25, aqui dada por integralmente reproduzida. Nos termos dessa apólice a autora declarou transferir para a ré a sua responsabilidade até ao limite de 150.000.000$00, abrangendo responsabilidade por danos materiais e/ou corporais causados a terceiros e imputáveis à autora; 13. A autora deu entrada da petição inicial dos presentes autos no tribunal de Cascais no dia 12 de Fevereiro de 2004; 14. Logo em 23 Setembro de 2000 a autora, a P e a A tiveram conhecimento do incidente naquela data e de, pelo menos, algumas das suas consequências; 15. O referido em 9. foi provocado pela alteração da posição da instalação original da tubagem e também por inexistência de detector de fugas, que estava contemplado no projecto de execução, omissão decorrente de falha humana; 16. Do teor do acordo celebrado entre autora e ré e referido em 3 é o que consta de fls. 97 a 103, aqui dado por integralmente reproduzido, nele sendo excluída as responsabilidades decorrente de incumprimento voluntário e dolo directo ou eventual; 17. A autora tem vindo a fazer no local da obra e directamente relacionados com o incidente de 23 de Setembro de 2000 reparações e acompanhamento que até Outubro de 2003 lhe custaram €187.723,58; 18. A sociedade A efectuou trabalhos de reparação do sinistro no valor de €17.222,25; 19. Entre essas reparações encontram-se as que foram imediatamente feitas após o incidente de forma a minorar as consequências gravosas do mesmo e evitar o risco de incêndio; 20. A autora efectuou esses trabalhos também a pedido da P S.A. com vista à reparação dos danos, por ser necessário trabalho altamente especializado para o qual a autora estava habilitada e por ser urgente o carácter da intervenção; 21. Desde Outubro de 2003 até à data a autora continuou a efectuar trabalhos de reparação e acompanhamento do local do sinistro e a suportar o consequente custo; 22. A responsabilidade assumida pela ré no acordo de seguro era a que decorre da lei e das condições gerais e particulares que constam do documento de fls. 97 e seguintes; 23. Os riscos cobertos pela apólice são de responsabilidade civil — exploração e da actividade e manutenção de equipamento electrónico de protecção ambiental; 24. Os trabalhos realizados pela autora e referidos em 5 consistiam na montagem e instalação de um sistema electrónico com componentes de protecção ambiental do qual faziam parte tubos de um sistema de tubagem de parede dupla que impede derrames e está ligado a bombas inteligentes com variador de frequência. São as seguintes as questões a apreciar: I - Nulidade da sentença A - por omissão de pronúncia, alegando a recorrente: a) A sentença não se pronúncia sobre o apuramento da responsabilidade da Ré no âmbito do contrato de seguro celebrado, questão suscitada pela A, e que releva para efeitos de verificação do prazo de prescrição; b) a sentença não se pronuncia sobre a iliquidez da dívida, questão também suscitada pela A. B- por falta de fundamentação Na sentença não se especificou nem fundamentou porque razão não releva o apuramento da responsabilidade da R, perante a A, no âmbito do contrato de seguro celebrado. Nulidades da sentença “As nulidades previstas no art.º 668.ºdo CPC, excepção feita à falta de assinatura, são vícios que afectam de modo intolerável a clareza e o rigor lógico do raciocínio do julgador, ou que o levam a não cumprir aquilo que é seu dever face ao princípio do dispositivo, que é dominante no nosso direito processual: decidir tudo aquilo que, e também apenas aquilo que, lhe é pedido pelas partes. Por isso, o eventual desacerto do julgador que não se integre numa das nulidades que a lei taxativamente indica pode determinar erro de julgamento mas não é enquadrável em termos de teoria das nulidades – Neste sentido Ac. STJ de 1999-02-03, revista 1216/98, 1.ª secção” - citação tirada do “ CPC Anotado” 16.º ed. -2004- de Luso Soares, Duarte Mesquita e Wanda Ferraz de Brito, em anotação ao art.º 668.º Invoca a recorrente a violação das als.b) e d) desde artigo – falta de fundamentação e omissão de pronúncia. - Falta de fundamentação “Falta de motivação susceptível de integrar a nulidade de sentença é apenas a que se reporta à falta absoluta de fundamentos quer estes respeitem aos factos quer ao direito. A motivação incompleta, deficiente ou errada não produz nulidade, afectando somente o valor doutrinal da sentença e sujeitando-a consequentemente ao risco de ser revogada ou alterada quando apreciada em recurso. Para que haja falta de fundamentação de facto, como causa de nulidade de sentença, torna-se necessário que o juiz omita totalmente a especificação dos factos que considere provados, de harmonia com o que se estabelece no n.º3 do art.º 659.º do CPC, e que suporta a decisão. No que concerne aos fundamentos de direito, duas notas se impõe destacar: à uma, o julgador não tem que apreciar todas as razões jurídicas produzidas pelas partes, se bem que não se encontra dispensado de resolver todas as questões por elas suscitadas; à outra, não é forçoso que o juiz indique as disposições legais em que baseia a sua decisão, bastando que mencione as regras e os princípios jurídicos que a apoiam.” Amâncio Ferreira in Manual dos Recursos em Processo Civil, 2.ª ed. p. 48. - Omissão de pronúncia Esta omissão traduz-se na circunstância do juiz não se pronunciar sobre as questões que devesse apreciar, em face do art.º 660.º n.º2, 1.ª parte. “Trata-se da nulidade mais invocada nos tribunais, originada na confusão que se estabelece com frequência nas questões a apreciar e razões ou argumentos aduzidos no decurso da demanda.” –Amâncio Ferreira in ob.cit. p. 50. “Desde Carnelutti «a questão pode definir-se como o ponto duvidoso de facto ou de direito, e sua noção é correlativa da de afirmação. A questão surge quando a afirmação, compreendida na razão da pretensão ou da discussão, engendra dúvidas»”. citado no “ CPC Anotado” 16.º ed. -2004- de Luso Soares, Duarte Mesquita e Wanda Ferraz de Brito, em anotação ao art.º 660.º Importa, no caso, salientar que a obrigação de conhecer de todas as questões colocadas a apreciação, comporta a excepção prevista no art.º 660.ºn.º2, e que tem como finalidade obviar a que o julgador se ocupe do estudo de questões que já não terão interesse para a decisão do litígio: exceptuam-se as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. Tendo presentes as noções apontadas, verificamos que o julgador não deixou de pronunciar-se sobre qualquer questão que devesse fazê-lo. O Sr. Juiz deixou expresso o seu entendimento de que a A só poderia demandar a R ao abrigo da responsabilidade extracontratual e enquanto sub-rogada no direito das lesadas, deixando bem explícito que a apólice invocada não confere, directamente à A, qualquer direito de accionar ou demandar a R, por lesão que tenha ocorrido, fundamentando a razão de assim entender. Ao fazer o enquadramento na responsabilidade extracontratual, ficou, obviamente, arredada a questão da responsabilidade contratual que a A pretende que seja apreciada. Bem como prejudicada ficou a questão, inerente à prescrição, suscitada pela A –dívida ilíquida -, pois esse argumento só relevaria no caso de se aplicarem as regras gerais da prescrição (veja-se art.º 306.º n.º4 CC); tendo-se entendido que a situação era de responsabilidade civil extracontratual, aplicam-se, como se aplicaram, as regras específicas do art.º 498.º do CC, donde resulta irrelevante a iliquidez da dívida. Quanto ao início do prazo, o julgador expressamente consignou qual o seu entendimento – as lesadas tiveram conhecimento do facto na data do acidente. Não deixou, assim, o julgador de apreciar qualquer questão, bem como fundamentou suficientemente aquilo que decidiu. Não se vislumbra, pois, que a sentença enferme de qualquer nulidade. II –Erro de direito Equaciona a recorrente três questões para serem submetidas a apreciação, nos moldes seguintes: A - Entende a recorrente que o fundamento da acção é de base contratual e não extracontratual e, por isso, o prazo aplicável para o exercício do direito não é o previsto no art.º 498.º n.º1, mas sim o prazo de prescrição ordinária, previsto no art.º 309.º CC. -20 anos. Alega a recorrente que a peritagem concluiu pela sua responsabilidade, na ocorrência do sinistro, vindo a R a incumprir o contrato de seguro, ao declinar a sua responsabilidade com base numa exclusão inexistente. Com a propositura da acção, pretende a A ver apreciada a responsabilidade contratual da R, nomeadamente se a esta caberia ressarcir os prejuízos decorrentes da conduta que o contrato de seguro lhe impôs, jamais pedindo os danos directamente decorrentes do acidente mas apenas os prejuízos que teve que suportar em virtude do incumprimento contratual da R, (nomeadamente ao invocar uma exclusão inexistente no contrato), pelo que o prazo de prescrição é de 20 anos. B - Caso não se entenda tratar de responsabilidade contratual e admitindo-se que a A age subrogada nos direitos dos terceiros lesados, então discorda que o início da contagem do prazo seja o momento do conhecimento do facto danoso, por parte do lesado, devendo antes considerar-se o momento do conhecimento do direito à indemnização, por parte do lesado. Nos termos do art.º 306.º n.º1.º do CC, o prazo só se inicia quando o direito puder ser exercido – no caso, só após a conclusão do relatório de peritagem é que se pode determinar quem, em consequência das causas do acidente, tem direito a ser indemnizado, pelo que só após 2001/9/6, os terceiros lesados tiveram conhecimento do seu direito à indemnização e só a partir de tal data se iniciou o prazo – ou quando a dívida for líquida, nos termos do n.º4 –o que, a data da propositura da acção, ainda não se verificava. C – Caso se entenda que a prescrição começa a correr logo na data do acidente, então sempre terá ocorrido interrupção da contagem do prazo, nos termos do art.º 325.ºCC, – o apuramento pela R das causas do acidente e a responsabilização da A, traduz, a contrario, um inequívoco reconhecimento, por parte da R, do direito dos terceiros à indemnização. Vejamos Nota prévia: de toda argumentação da A ressalta a sua necessidade de que o tribunal se pronuncie sobre a verdadeira razão do nascimento deste litígio, e que é o de saber se os danos ocorridos estavam, ou não, cobertos pelo contrato de seguro, celebrado pela A com a R. E, como a sentença não se pronunciou sobre isso, a recorrente arguiu a nulidade. Como já vimos, não se pronunciou, nem tinha que se pronunciar. E também este tribunal da Relação não terá, necessariamente, que se pronunciar (pois que irreleva para a decisão final dos autos), mas também nada impede que o façamos. E então diremos que, em face do teor dos factos dados por assentes, no tocante às causas do acidente e aos termos que subjazem ao contrato de seguro, parece-nos medianamente claro que a R era a responsável pelos prejuízos sofridos pelos terceiros – leia-se P e A -, prejuízos esse ocorridos na sequência do acidente em causa. O acidente ocorreu na sequência dos trabalhos da A, sendo que os riscos desse mesmo tipo de trabalhos eram cobertos pela apólice inerente ao contrato de seguro, celebrado entre as partes. Não provou a R que a A se encontrasse em qualquer uma das situações que lhe permitia ver excluída a sua responsabilidade. Havendo cláusulas de exclusão cabe, a quem delas se quer prevalecer, a sua alegação e prova. A R juntou aos autos as condições gerais e particulares de um contrato de seguro, como sendo o que celebrou com a A, quando se apurou que esse não foi o contrato celebrado, mas sim outro, com cláusulas mais gravosas para a R. e, consequentemente, mais protectoras da A. Tomada que foi a posição sobre a “questão”, analisemos agora, cada uma das “questões” atrás enunciadas, sendo que em parte já receberam resposta pelo que antes se deixou consignado. A - Fundamento da acção -base contratual ou extracontratual Como bem se fez salientar na decisão recorrida, o contrato de seguro celebrado pela R com a A é de responsabilidade civil; cobre apenas os riscos da actividade da A, garantindo a satisfação aos terceiros lesados do direito à indemnização que venham a ter direito, por facto lesivo imputável à A: não se trata de um contrato que cubra todos os risco da actividade da A e que lhe confira direito a demandar a seguradora, por lesões que tenha, ela própria, sofrido. Daí que apenas se tenha configurado como admissível a actuação da A, perante a R, enquanto sub-rogada nos direitos dos lesados, dado que direito próprio a exercer não existia. A A vem defendendo que a acção é de natureza contratual, mas é evidente a falta de razão que lhe assiste, dados os contornos que imprimiu à acção, sendo que, enquanto autora, foi a si que lhe coube definir as questões que pretendia submeter a tribunal. Analisada a p.i., ressalta à evidência que a A demanda a R invocando o contrato de seguro e os “danos materiais causados a terceiros, mais concretamente ao Empreiteiro Geral A e ao Dono da Obra, imputáveis à Autora e no exercício da sua actividade…” –art.º 15.º da p.i. -, logo a A não invoca qualquer direito próprio decorrente do contrato de seguro celebrado entre A e R. O contrato de seguro celebrado só dá direito à A de, perante terceiros lesados por si, não responder pelas indemnizações que sejam devidas, remetendo essa responsabilização para a seguradora, por para ela ter transferido a sua responsabilidade civil, ao abrigo do contrato de seguro. Assim, por força do contrato, os lesados, em vez de demandarem a autora, deverão demandar a sua seguradora. Não temos pois maneira de acolher o ponto de vista da A, de que estamos no âmbito da responsabilidade contratual. B – Subrogação – início da contagem do prazo prescricional Na decisão recorrida admitiu-se que a A só podia exercer o direito de indemnização, ao abrigo da sub-rogação legal. Na sequência do que se deixou dito em A -, também acompanhamos o raciocínio desenvolvido na sentença, neste ponto. A A não invocou qualquer direito próprio, ao abrigo do qual pudesse validamente demandar a R; tal demanda só é susceptível, se admitida, ao abrigo do instituto da sub-rogação. Vejamos, então, em que se traduz este direito e quais as suas implicações ao nível da prescrição. Natureza jurídica da sub-rogação “A doutrina tradicional considera a sub-rogação como uma modalidade de transmissão do direito de crédito. Embora a sub-rogação assente no facto do cumprimento e este constitua a causa extintiva da obrigação por excelência, a circunstância de a satisfação do interesse do credor ser operada, não pelo devedor, mas por terceiro, ou com meios por este facultados, tem como efeito que o crédito, em lugar de se extinguir, transita de armas e bagagens para esse terceiro.” Antunes Varela “Das obrigações em geral”Vol 2, 3.ªed. p.317. Contudo, muitos autores têm vindo a entender que o cumprimento levado a cabo pelo terceiro que fica sub-rogado, não pode deixar de ser visto como extintivo do direito de crédito. A ser assim, poder-se-ia ver nascer no sub-rogado um direito novo, o direito a ser indemnizado, o que teria reflexos, importantes, nomeadamente no âmbito que aqui nos importa –prescrição -, mas não vemos que tal entendimento encontre cobertura legal no texto da lei civil que insere a sub-rogação no capítulo da “Transmissão de créditos e dívidas”. Posições têm vindo a ser assumidas que levam a criar evidente confusão entre “direito de regresso” e “sub-rogação”; embora ambas as figuras traduzam formas de cumprimento da obrigação, por terceiros, o que essencialmente as distingue é que, enquanto no direito de regresso, quem cumpre vê nascer na sua esfera jurídica um direito novo, na sub-rogação, quem cumpre sucede na posição daquele que era o credor. No dizer de A. Varela in op.cit.p. 310 “A sub-rogação, sendo uma forma de transmissão das obrigações, coloca o sub-rogado na titularidade do mesmo direito de crédito (conquanto limitado pelos termos do cumprimento) que pertencia ao credor primitivo.” Só assim se compreende, nomeadamente no tocante à prescrição, que o legislador haja consignado, expressamente, a situação do direito de regresso –art.º 498.º2 –estipulando que este direito prescreve no prazo de 3 anos, a contar do cumprimento. Se fosse intenção do legislador salvaguardar, da mesma forma, ambos os institutos, então não teria deixado de contemplar também a situação da sub-rogação; se não o fez foi por tal se entender como desnecessário, dentro da perspectiva de não estarmos perante um direito novo, mas sim perante um direito que mantém todas as suas características, apenas mudando a pessoa do credor. Só este entendimento nos parece compatível com o que se mostra estipulado nos arts.º 589.º a 594.ºdo CC. Para contornar o problema da prescrição, que afecta bastas vezes o sub-rogado, têm vindo a ser seguidas orientações defendendo para a sub-rogação a natureza de “direito novo” que, recorrendo ao art.º 306.º, permite que se considere que só se comece a contar o prazo da prescrição “a partir do momento em que o direito possa ser exercido”, ou seja, do pagamento. Mas, então, temos equiparação total da sub-rogação ao direito de regresso, o que, com o muito e devido respeito, não nos parece conciliável com as distintas naturezas das figuras em confronto. Para o direito de regresso, sempre seria desnecessário a referência ao momento a partir de qual se deve contar o prazo, feita no n.º2 do art.º 498.º, pois sempre a idêntico entendimento se chegaria, pela regra geral do art.º 306.º. O direito de regresso nasce com o cumprimento da obrigação e, por isso, só a partir daí pode ser exercido. Não temos dúvidas que a sub-rogação também só nasce com o cumprimento mas, salvo melhor entendimento, não se pode dizer, como se faz para o direito de regresso, que só a partir daí o direito pode ser exercido; é que não estamos perante um direito novo, mas perante um direito em que ocorreu apenas a substituição do respectivo titular. Assim, o direito transmite-se nas precisas condições e com as características que lhe são inerentes, à data em que ocorre a substituição. Se anteriormente à sub-rogação, o direito já se encontrava em condições de ter sido exercido, verificada a sub-rogação, essas condições acompanham-no, o que quer dizer que o prazo que se encontre em curso, no momento da sub-rogação, continua a correr, após esta se verificar. Neste sentido, e sem qualquer hesitação, se pronúncia Antunes Varela na obra citada. Em sentido contrário, a título de exemplo, citamos o Acórdãos STJ de 2008/7/1 proc. 08A1917- Relator Cons. Moreira Camilo, donde extraímos o trecho seguinte: “Estamos, assim, perante o instituto jurídico de sub-rogação – que coloca o subrogado (a autora seguradora) na titularidade do mesmo direito de crédito que pertence ao primitivo credor (a CD), podendo então o devedor (…) opor àquele os meios de defesa que lhe seria lícito invocar contra este – arts. 589º e segs. do CC. Este instituto jurídico traduz assim uma forma de transmissão do crédito que tem por base o pagamento feito por terceiro, terceiro este que, ao cumprir a obrigação, fica subrogado nos direitos do credor na medida em que estes forem por ele satisfeitos. Como se vê, o exercício do direito de sub-rogação pressupõe sempre por parte do respectivo titular o cumprimento da obrigação, e, consequentemente, a prescrição deste direito só começa a contar com esse cumprimento (ver Ac. do STJ de 06//05/2003, relator: Ferreira Girão, in www.dgsi.pt/jstj).Tal posição é, quanto a nós, a única que está conforme a lei, já que o art. 306º nº 1 do CC defende que o prazo de prescrição só começa a correr quando o direito puder ser exercido. A ser assim, e revertendo ao caso concreto, a autora só começou a poder exercer o seu direito a partir da data em que cumpriu a dita obrigação, isto é, em que pagou pela sua segurada aos proprietários, o que fez em 12 de Março de 1996.” Ver também Ac. STJ de 2004/4/22, proc. 04B404, relator Cons. Ferreira Girão. Com o devido respeito, a acolher-se este entendimento estava encontrada a forma de contornar os “malefícios” da prescrição. Bastava que, prestes a esgotar o prazo de prescrição, se lançasse mão da sub-rogação, para que novo prazo começasse a correr. Atente-se que a sub-rogação não está dependente do consentimento do devedor –art.º 589.º CC… Aqui chegados, tratando-se, como se trata, de responsabilidade extracontratual, e assente que a sub-rogação não confere ao sub-rogado um direito novo, mas sim apenas uma transmissão da qualidade de credor, na exacta medida em que tiver cumprido, cabe atender às específicas regras que vigoram no âmbito da responsabilidade extra-contratual, ou seja, ao disposto nos art.º 498.ºCC. Só ao que aí não se encontrar regulado é que justifica o recurso às regras gerais da prescrição. Assim, não tem cabimento a aplicação do disposto no art.º 306.º n.º1, mas antes a aplicação do n.º 1 do art.º 498.º, ou seja, o prazo começa a contar-se, desde a data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, ainda que com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos. É assim irrelevante a data da conclusão do relatório de peritagem, bem como a iliquidez da obrigação. Da aplicação do disposto no art.º 498.º CC, resulta a mesma conclusão a que se chegou na 1.ª instância, que foi a prescrição do direito da A. O acidente correu a 23/9 de 2000, a acção entrou a 12/2 de 2004 e as lesadas tiveram conhecimento do acidente e de, pelo menos, algumas das suas consequências no dia do acidente –factos 14-, 15- -, donde o prazo se completou a 23/9 de 2003. Vejamos a última questão colocada. C – interrupção da contagem do prazo, nos termos do art.º 325.ºCC. As regras gerais da prescrição, no tocante à interrupção do prazo de contagem, são de aplicar . Dispõe este preceito, no seu n.º1 “A prescrição é ainda interrompida pelo reconhecimento do direito, efectuado perante o titular por aquele contra quem o direito pode ser exercido.” E no n.º2 dispõe-se que: “O reconhecimento tácito só é relevante quando resulte de factos que inequivocamente o exprimam.” Diz a recorrente que: “o apuramento pela R das causas do acidente e a responsabilização da A, traduz, a contrario, um inequívoco reconhecimento, por parte da R, do direito dos terceiros à indemnização”. Com o devido respeito, não podemos aceitar a interpretação feita. Se é certo que não se questiona e a R também não o fez, que os terceiros foram lesados e, logo, têm direito a ser indemnizados, o que a lei exige para a “interrupção”, é que o devedor reconheça, não o direito em abstracto considerado –houve danos, logo houve lesão e direito a ser indemnizado -, mas sim, a sua obrigação perante o credor, ou seja, a prescrição interrompe-se com acto do devedor a reconhecer, em face do credor, que lhe “deve”, ainda que esse reconhecimento seja efectuado de forma tácita –art.º 325.º CC Dito isto, logo se vê que a A não tem, a seu favor, factos que permitam considerar, ainda que tacitamente, que a R reconheceu a sua qualidade de “devedora”, muito menos que o tenha feito perante a A, ou perante os credores, no direito dos quais esta se apresenta como sub-rogada. Não ocorreu, assim, qualquer acto susceptível de interromper o prazo prescricional, que se iniciou com a ocorrência do acidente –art.º 498.º n.º1 CC Tudo visto, acorda-se em julgar improcedente a apelação e confirmar a sentença recorrida, nos seus precisos termos. Custas pela A. Lisboa, 26.3.2009 Teresa Soares Rosa Barroso Márcia Portela |