Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
8142/2005-6
Relator: GIL ROQUE
Descritores: CONTA CANCELADA
APRESENTAÇÃO A PAGAMENTO
CHEQUE SEM PROVISÃO
INIBIÇÃO DE USO DE CHEQUE
INDEMNIZAÇÃO
DANOS MORAIS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/03/2005
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA
Sumário: I – O Autor, não pode ser considerado responsável e muito menos sancionado com a inibição do uso do cheque em qualquer instituição bancária, pela falta de pagamento dum cheque emitido sobre a sua conta no Banco de Espírito Santo, no montante de 31.590$00, a favor da Imprensa Nacional Casa da Moeda em 9/10/1995, que esta só apresentou a pagamento em 26/02/2002, cerca de 7 anos depois, para pagamento desse valor na respectiva conta que já tinha encerrada.

II – A lei estabelece que, verificada a falta de pagamento do cheque, apresentado para o efeito, no prazo de 8 dias, como se refere o art.º 29.º da LUC, neste caso a instituição notifica o sacador para no prazo de 30 dias consecutivos proceder à regularização da situação. Isto se o cheque for apresentado a pagamento dentro do prazo legal referido.

III – O BES, não teve em conta as datas da emissão do cheque e o da sua apresentação a pagamento pela Imprensa Nacional e em 24/09/2002, registou junto do Banco de Portugal a informação de que o Autor deveria ser inibido do uso do cheque e em consequência dessa informação a Caixa G. de Dep., o BPI e o Montepio Geral, instituições com quem o A. tinha contratos, rescindiram as respectivas convenções do uso do cheque, com ele celebradas, ficando desde então impossibilitado de emitir cheques.

IV – Essa impossibilidade causou ao Autor danos, por na sua qualidade de gestor, não poder efectuar as transacções através do cheque, para além de o ter colocado numa situação grave de natureza profissional, causando-lhe também danos morais perante as pessoas com quem trabalha, pelo que ponderadas as circunstâncias foi o Banco Réu condenado numa indemnização a pagar ao A. de € 10.000,00.
Decisão Texto Integral:     ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA        
                                                             *
  I - RELATÓRIO:

    1 - (A), com domicílio na Praceta..., instaurou a  presente acção declarativa de condenação, sob a forma ordinária, contra o Banco Espírito Santo, S.A., com sede  na Avenida da Liberdade nº 195, em Lisboa, pedindo a condenação do mesmo a publicar no jornal “O Contribuinte”, explicando o seu acto danoso contra o Autor por o ter feito sem fundamento legal e ainda a condenação dele a pagar-lhe quantia não inferior a 74.819,68 € a título de indemnização pelo prejuízo da imagem do demandante com a comunicação indevida ao Banco de Portugal da devolução do cheque apresentado fora do prazo legal de pagamento.

    O Autor alegou em suma e para o efeito ser gestor de empresas, que para o efeito movimenta contas em vários bancos, que tem e tinha contas aberta em várias instituições bancárias para poder fazer eficazmente os movimentos necessários em cumprimento das obrigações decorrentes das missões que os seus clientes lhe confiam, que movimenta quantia médias mensais de 25.000 Euros ou mais, que em Outubro de 1995 emitiu um cheque para pagamento de emolumentos devidos à Imprensa Nacional Casa da Moeda, que o mesmo cheque só veio a ser apresentado a pagamento mais de  sete anos depois e que, em 2 de Setembro de 2002 o Autor, na agência da Ré de Pêro Pinheiro foi informado que não podia efectuar determinadas operações bancárias por ter sido registado um incidente por causa de  um cheque devolvido pela Ré que, por isso, o demandante se deslocou à Imprensa Nacional Casa da Moeda e regularizou logo com tal  entidade a quantia constante do cheque em causa e a mesma procedeu à entrega ao Autor o cheque referido;

    Mais alegou que no dia 6 de Setembro de 2002 comunicou à Ré uma carta para regularizar a situação, carta essa acompanhada do original do cheque que, apesar disso, a Ré, em 24.9.2002 comunicou ao Banco de Portugal que o Autor deveria ser inibido do uso de cheques com base na alegada devolução do cheque referido e que tal comunicação foi muito posterior à justificação, pelo Autor, da situação e que a Ré agiu de má-fé para com o demandante desde logo porque fez constar do cheque a devolução por " falta de provisão " quando o cheque só foi apresentado a pagamento mais de sete anos depois da respectiva data de emissão, que não o notificou para justificar tal situação no prazo de trinta dias, que promoveu a inibição do uso do cheque depois de o requerente ter justificado a situação e que, devido a tais factos o Autor viu a sua vida profissional paralisada, já que a mesma se baseava na movimentação de contas bancárias para satisfazer necessidades de clientes seus  e que a sua imagem foi afectada e denegrida nos meios financeiros e nas instituições bancárias.

  Contestando veio a Ré alegar não saber as condições em que o cheque foi emitido e apresentado a pagamento e que deu conhecimento ao Banco de Portugal da  rescisão do uso do cheque devido ao cheque referido pelo demandante mas que não agiu de má-fé e que notificou o requerido da devolução do cheque e das consequências da sua falta de regularização por carta registada expedida a 28 de Fevereiro de 2002 e que o Autor não regularizou a situação no prazo dos trinta dias nem reagiu que só por isso efectuou a Ré a comunicação ao Banco de Portugal, de que deu conhecimento ao Autor em 5 de Abril de 2002 e que só fez a comunicação ao Banco de Portugal mais tarde por o sistema ainda não conter todos os dados pata a  sua efectivação ser automática e que foi a própria Ré que tratou junto do Banco de Portugal, após, pelo levantamento da inibição do uso do cheque quanto ao  Autor.

Procedeu-se a uma audiência preliminar, tendo sido elaborado o despacho saneador, tendo sido julgado extinto, por inutilidade superveniente da lide o pedido formulado pelo Autor na al.  b) de fls.5 dos autos, mais tendo sido discriminada a matéria de facto provada e a que carecia de prova a produzir,e após a instrução dos autos procedeu-se a julgamento e foi proferida sentença, na qual se a acção parcialmente procedente e por via disso foi a Ré condenada: a) a pagar ao Autor, a titulo de danos não patrimoniais a quantia de 15.000 Euros;

   b) a publicar no jornal "O Contribuinte", em trinta dias, um anúncio em que explicite as circunstâncias em que ocorreu a devolução do cheque em causa: data de emissão do mesmo, data de apresentação a pagamento, recusa de pagamento por falta de provisão e data da mesma, notificação ao Autor  para regularizar o cheque e de rescisão da convenção de uso do cheque com o mesmo, data em que o Autor comprovou  ao Réu o pagamento do cheque ao seu beneficiário, data em que o Réu comunicou ao Banco de Portugal a rescisão do uso do cheque com o Autor devido ao cheque em causa e a decisão do Banco de Portugal de  eliminar o nome do Autor de tal lista  e que o fez por comunicação indevidamente feita, podendo a Ré fazer constar de tal anúncio que no momento da apresentação do cheque a pagamento não teve conhecimento da  respectiva data de emissão ,por o cheque ter sido apresentado a pagamento em banco diverso e por sistema informático, dele - sistema informático – não constando a menção relativa à data da emissão do cheque.

                                                                        *

   2 – Inconformado com a decisão dela interpôs recurso a Ré, que foi admitido e oportunamente foram apresentadas as alegações e contra alegações, sustentando o Apelante além do mais que, a decisão recorrida violou os artigos 570º, 483°, 484°, 496°, 562º, 566° nº.s 1 e 2 do Código Civil e que por isso, a decisão recorrida deve ser revogada e a acção ser julgada improcedente por não provada, ou em qualquer caso ser a acção parcialmente  revogada no que respeita ao valor e à publicação do anúncio.

      - Nas contra alegações o apelado pronuncia-se pela improcedência do recurso, com a consequente confirmação da decisão recorrida.

    - Corridos os vistos e tudo ponderado cabe apreciar e decidir.

II- FUNDAMENTAÇÃO:

    A) Factos provados:

    A matéria de facto dada como assente é a seguinte que se assinala na parte final de cada número com as letras da especificação e números provados dos factos da base instrutória:

    1 - Em 2 de Setembro  de 2002 o  Autor, na dependência da Ré sita em Pêro Pinheiro, foi informado de que não poderia efectuar  determinadas operações bancárias, porquanto no âmbito financeiro havia sido registado um incidente por causa de um cheque devolvido pela dependência da  Ré, do Saldanha (Al. A) da Especificação);

    2 - Na referida dependência de Pêra Pinheiro, da Ré, foi entregue ao Autor cópia do teor do documento constante de fls. 7 dos autos, que  se dá  por reproduzido(Al. B) da Especificação);

    3 - O cheque referido em 1 – era o cheque n° 4895172645, sacado sobre o Autor sobre a conta 00507670008 da Ré, agência do  Saldanha, cheque esse a que foi aposta a data de emissão de 9 de Outubro de 1995 e  emitido a  favor da Imprensa Nacional Casa da Moeda, no valor de Esc. 31.590$00 e que veio a ser devolvido, com a menção " por falta de provisão", em 26 de  Fevereiro de  2002 (Al. C) da Especificação);

   4 - No dia 6  de Setembro de  2002 o Autor deu entrada no balcão da  Ré do Saldanha de uma carta acompanhada de um cheque de modo a Justificar a regularização do mesmo referindo o Autor, nessa carta, que houve um esquecimento de depósito do mesmo cheque pelo que só veio a ser depositado em 26 de Fevereiro de 2002, altura em que o Autor já tinha  a conta  em causa  encerrada, pedindo o Autor a justificação do mesmo (Al. D) da Especificação);

    5 - No dia 24 de Setembro de 2002 a Ré registou junto do  Banco de Portugal a informação de que o Autor deveria ser inibido do uso de cheque, fundamentando tal inibição no  cheque referido em 3 - (Al. E) da Especificação);

    6 - O cheque referido em 3 - apenas foi apresentado uma vez a pagamento (Al. F) da Esp.);

    7 - Em consequência da comunicação aludida em 5 - a Caixa Gera1de Depósitos, o BPI e o Montepio Geral rescindiram, por cartas enviadas ao Autor, em 2 de Outubro de 2002 em 1 de Outubro de  2002 e em 25 de Setembro de 2002, respectivamente as convenções de uso do cheque celebradas por tais instituições bancárias com o Autor, pedindo a devolução pelo  mesmo, dos cheques de que dispusesse no prazo de que 10 dias úteis  (Al.G) da Esp.);

    8 - Por carta registada datada de 15 de Outubro de 2002 o Banco de Portugal comunicou ao Autor que nesta data decidira anular a inclusão do seu nome na listagem de utilizadores de cheque que ofereciam risco e  eliminar as comunicações indevidamente transmitidas pela(s) instituição (ões) de crédito a essa entidade e que tal informação fora difundida, nessa mesma data por todas as instituições de crédito através da aplicação informática concebida para o efeito e que  as mesmas deviam considerar desprovida de efeito  a rescisão de  convenção efectuada ao abrigo do art.º 3.º do Dec. Lei nº 454/91, de 28 de Dezembro e proceder ao expurgo de qualquer apontamento comercial quer pela inclusão na listagem de uti1izadores de cheques que oferecem risco, pudesse persistir nos seus registos  (Al. H) da Esp.);

    9 - O Autor é contabilista e efectuava e efectua pagamentos diversos a pedido de clientes a outras entidades como por exemplo pagamentos à  Segurança Social, de impostos, de consumos de electricidade e outros,  o que fazia por meio de cheques, muitas vezes emitidos a seu  favor- por no respectivo va1or se incluir o pagamento dos serviços ao Autor, procedendo depois ao  seu depósito e emissão de cheques seus no valor dos montantes a pagar a pedido dos clientes  (Resp. aos quesitos  1.º e 2.º);

   10 - O Autor tinha contas em várias instituições bancárias e, pelo menos na Caixa Geral de Depósitos, BPI, Montepio Geral e Banco Espírito Santo, procedendo muitas vezes a pagamentos pela forma referida em 9 -, sendo que  podia ainda efectuar tais pagamentos pedidos pelos clientes  por meio de cheques  directamente emitidos pelos mesmos a favor das entidades a quem deviam ser efectuados os pagamentos (Resp. ao quesito  3.º);

   11 - O cheque referido em  3- foi emitido pelo  Autor em 9 de Outubro de 1995 para pagamento de emolumentos devidos à Imprensa Nacional Casa da Moeda (Resp. ao q.to  5.º);

   12 - Esta apenas apresentou o cheque em causa, para pagamento, decorridos sete anos (Resp. ao quesito  6.º); 

   13 - Na sequência do referido em 1 - e 2 - e na posse  da cópia do cheque em causa o Autor dirigiu-se à Imprensa Nacional Casa da Moeda para se inteirar da origem do cheque e do seu destino (Resp. ao quesito  7.º);

   14- Na sequência do aludido o Autor regularizou a situação, com a Imprensa Nacional Casa da Moeda (Resp. ao quesito  8.º);

   15 - Que por isso lhe entregou o cheque referido em C) (Resp. ao quesito  9.º);

   16 - A Ré não teve conhecimento da diferença entre a data da emissão do cheque e a data de apresentação a pagamento do mesmo e não o teve por o cheque em causa ter sido apresentado a pagamento pelo banco depositário por meios informáticos, sem informação quanto à data de emissão, tendo o cheque sido apresentado a pagamento no Banco Santander ou ai depositado e que a Ré não teve conhecimento, no momento, da data da emissão do mesmo por tal apresentação ter ocorrido mediante a inserção do mesmo no sistema e sem visualização por parte da Ré (Resp. aos quesitos  10.º e 10º -A);

   17- Com data de emissão de 26 de Fevereiro de 2002  a Ré dirigiu uma carta ao Autor, para a morada sita...,  Lote 20, 1º E, em Mem Martins, em que lhe comunicava para proceder  à regularização da  situação do cheque no prazo de 30 dias e de que o devia fazer até  3 de Abril de 2002 (Resp. ao quesito  11.º);

   18 - A Ré dirigiu ao Autor, para a morada sita na..., Lote 20,1º E, em Mem Martins, carta datada de 3 de Abril  de 2002 em que comunicava que não tendo tendo o mesmo regularizado a situação rescindia a convenção do uso do cheque que com ele celebrara (Resp. ao quesito  12.º);

   19 - E de que deveria devolver no prazo de  10 dias, os cheques que ainda possuísse (Resp. ao quesito  13.º);

   20 - O Autor nunca respondeu às cartas da Ré atrás referidas (Resp. ao quesito 14.º);

   21 - Algumas pessoas comentaram a situação em causa e as que conheciam o Autor entenderam a situação e comentavam a mesma de forma pesarosa relativamente ao Autor (Resp. ao quesito  17.º);

   22 – Nos meios financeiros e, em especial, no que se refere às instituições bancárias, o nome do Autor ficou associado, pelo menos durante o lapso de tempo que mediou entre a sua inclusão na lista de utilizadores de risco de cheques e a eliminação do seu nome de tal lista, ao de pessoa que emitia cheques sem provisão (Resp. ao quesitos 18.º).

    B) Direito aplicável:

    A Ré manifesta a sua discordância da decisão recorrida através das 12 conclusões que tira das alegações. Atendendo a que o objecto do recurso é balizado pelas conclusões que o recorrente tira das alegações, como resulta do disposto nos art.º 684º nº3 e 690º nºs 1 e 4 do Cód. Proc. Civil e vem sendo orientação da jurisprudência[2], a elas nos cingiremos. Isto, não obstante todas elas se enquadrem em duas únicas questões que consistem em saber a gravidade do dano produzido ao Autor por ter sido inibido do uso do cheque, e nas medidas da imputação desse facto à Ré e do dano que dele resultou para o Autor.

    Entende o Apelante que não lhe pode ser assacada a culpa do terceiro que apresenta a pagamento um cheque 7 anos depois sem qualquer justificação ou aviso e que nesta perspectiva a sua culpa é “extremamente reduzida”, uma vez que o cheque foi depositado noutro banco e apresentado a pagamento por meios electrónicos, sem que a Ré tenha podido verificar a data da emissão do cheque e que por outro lado, a Ré notificou duas vezes o Autor, antes de comunicar a rescisão da convenção ao Banco de Portugal.

    Vejamos se assiste alguma razão à Apelante, para ter procedido à rescisão da convenção.

    Na óptica do Banco Réu, a culpa por ele ter rescindido a convenção de emissão de cheques com o Autor, cabe  à Imprensa Nacional Casa da Moeda, por ter apresentado o cheque n° 4895172645, sacado pelo o Autor sobre a conta 00507670008 da Ré,  agência do  Saldanha, a que foi aposta a data de emissão de 9 de Outubro de 1995 a  favor da Imprensa Nacional Casa da Moeda, no valor de Esc. 31.590$00 e que veio a ser devolvido com a menção " por falta de provisão", em 26 de  Fevereiro de  2002 (factos provados n.ºs 3 e 11).

   Depois da análise dos factos provados, desde já se adianta que, não assiste qualquer razão à Apelante, uma vez que como se sabe, na prática nem sempre os cheques são apresentados a pagamento dentro dos oito dias subsequentes à sua emissão, prazo legal (art.º 29.º da LUC- Lei Uniforme Relativa ao Cheque) e nem por isso os bancos deixam de executar a ordem de pagamento, desde que na respectiva conta haja provisão para esse pagamento. Este facto, não é em nosso entender censurável, uma vez que o cheque é emitido, em princípio para pagar um débito, como o foi no caso em apreciação, e enquanto a entrega do numerário ou o desconto não se efectuar, a entidade a favor de quem o cheque foi emitido continua a ter o crédito correspondente ao valor do cheque.

   A irregularidade, não está na apresentação do cheque fora do prazo legalmente previsto (oito dias após a sua emissão, nem no seu pagamento mesmo fora desse prazo), a irregularidade está no facto da entidade bancária da conta sobre a qual é sacado o cheque não verificar no momento em que o cheque é apresentado a pagamento (sacado) e em que a respectiva conta não tem provisão, não ter o cuidado de verificar se o cheque, este ou qualquer outro, foi apresentado dentro do prazo legal e só depois disso proceder às diligências adequados, conducentes à inibição do uso do cheque, daquele que o emitiu se dentro do prazo legal não tiver provisão para o seu pagamento.

    A lei é bem clara e não oferece qualquer dúvida de interpretação. Nela se estabelece que: “ 1- Verificada a falta de pagamento do cheque apresentado para o efeito, nos termos e prazos a que se refere a Lei Uniforme Relativa ao Cheque, a instituição de crédito notifica o sacador, para no prazo de 30 dias consecutivos, proceder à regularização da situação.”  (n.º 1 do art.º 1.º-A do Anexo do Regime Jurídico do Cheque sem provisão- do Dec.Lei n.º 454/91 de 28/12, com a redacção que lhe foi dada pelo Dec.-Lei n.º 316/97 de 19/11).

    A lei é assim bem clara, ao exigir à instituição bancária a quem é apresentado o cheque a pagamento, se ele á apresentado nos termos e prazos estabelecidos pela LUC, que como se sabe é dentro dos 8 dias, após a sua emissão. Não é pensável que uma instituição bancária idónea como é a Ré, tenha tomado medidas no sentido de inibir o Autor do uso do cheque, sem que tenha confrontado a data da emissão do cheque e da sua apresentação a pagamento. A Ré defende-se alegando que notificou o sacador para regularizar a situação, mas fê-lo sem ter o cuidado essencial e que lhe é legalmente imposto de verificar se o cheque foi apresentado dentro do prazo que o art.º 29.º da LUC estabelece, sendo obviamente irrelevante que as operações de natureza contabilística sejam feitas através de meios informáticos ou manuais. Esta é uma questão de gestão bancária, que se peca por defeito, não são os titulares das contas que podem sofrer as consequências da dificuldade do controle da data dos cheques apresentados atempada ou não atempadamente a pagamento.

    De resto, o Autor foi informado no dia 2 de Setembro de 2002, na dependência da Ré sita em Pêro Pinheiro, de que não poderia efectuar determinadas operações bancárias, porquanto no âmbito financeiro havia sido registado um incidente por causa de um cheque devolvido pela dependência da  Ré, do Saldanha. Perante tal situação, no dia 6 de Setembro de 2002 o Autor deu entrada no balcão da  Ré do Saldanha de uma carta acompanhada de um cheque de modo a justificar a regularização do mesmo, referindo nessa carta, que houve um esquecimento de depósito do mesmo cheque pelo que só veio a ser depositado em 26 de Fevereiro de 2002, altura em que o Autor já tinha  a conta  em causa  encerrada, pedindo a justificação do mesmo (factos provados n.ºs 1 e 4).

    Contudo, e apesar disso, “no dia 24 de Setembro de 2002 a Ré registou junto do Banco de Portugal a informação de que o Autor deveria ser inibido do uso de cheque, fundamentando tal inibição no  cheque referido em 3” (facto provado n.º 5).     

   Acontece que, “em consequência dessa comunicação, a Caixa Gera1de Depósitos, o BPI e o Montepio Geral rescindiram, por cartas enviadas ao Autor, em 2 de Outubro de 2002 em 1 de Outubro de  2002 e em 25 de Setembro de 2002, respectivamente as convenções de uso do cheque celebradas por tais instituições bancárias com o Autor, pedindo a devolução pelo  mesmo, dos cheques de que dispusesse no prazo de que 10 dias úteis” (facto provado n.º 7).

   Perante os factos descritos, parece-nos claro que o Banco Réu, não tem qualquer razão, pois o Autor, a partir do momento em que lhe foi dado conhecimento de que o cheque que havia emitido há 7 anos não fora pago por falta de cobertura, não só foi liquidar o seu débito junto da entidade a favor de quem tinha emitido o cheque, como 4 dias depois foi ao balcão que a Ré tem no Saldanha, fazer prova de que a questão tinha entretanto sido, por si resolvida. Apesar disso, a Ré indiferente a todas as diligências encetadas pelo Autor para não ver a sua honra e consideração, bem como o seu nome na lista dos devedores de risco, não conseguiu impedir a rescisão das convenções em cadeia, desencadeada pela Ré.

    Entendemos que ao contrário do que pretende a Apelante fazer crer, não há aqui qualquer concorrência de culpas, quer por parte do Autor, quer da entidade a favor de quem foi emitido o cheque não apresentado a pagamento dentro dos 8 dias fixados pelo art.º 29.º da LUC.. O único culpado, pela resolução das convenções e pela inclusão do nome do Autor na lista dos devedores de risco, foi sem lugar para dúvidas o Banco Réu, pelo que não há que falar em graduação de culpas, com a aplicação do disposto no art.º 570.º do Cód. Civil como pretende a Ré nas suas alegações.

   Diz também a Apelante que o dano eventualmente causado ao Autor é inexpressivo, quanto a ter posto em causa o bem nome do Autor. Não nos espanta esse entendimento da Ré, pois se fosse outro o seu entendimento, certamente não teria procedido à rescisão da convenção e arrastado as outras instituições bancárias a que lhe seguissem o exemplo por força da lei.

Da matéria dada como provada, não resulta que o Autor tenham emitido outros cheques sem provisão, nem entre 1998 e 2002, nem entre 1993 e 1998 nem em qualquer outra ocasião e a este tribunal cabe apreciar o recurso tomando por base os factos articulados e provados e não o que os recorrentes sustentam que terá acontecido, mas que não provaram em sede de julgamento. Não se tomam por isso em consideração as asserções alinhadas pela Recorrente nas 6.ª e 7.ª conclusões.

     Como é bom de ver, se tivermos em consideração o sentimento que sentiria qualquer cidadão , o “bom pai de família” ao ver-se inibido do uso do cheque, o clássico “bonus pater famílias” (art.º 487.º nº2 do CC), há boas razões, para que o Autor se considere ofendido na sua honra e consideração, por ver o seu nome na lista dos devedores ou sacadores de risco e censurado pelos conhecidos que tiveram conhecimento das rescisões das convenções.

  Não há dúvidas e que a conduta da Ré, constitui ofensa grava à sua honra e consideração e merecem a tutela do direito. A não se pensar assim, estariamos próximo do momento em que as instituições bancárias, poderiam  inibir do uso do cheque, quem e como quisessem ou lhes aprouvesse, sem o respeito mínimo pelas leis em vigor.

    Por tudo quanto se deixa dito, entendemos que a condenação da Ré na publicação do anúncio, é sem lugar para quaisquer dúvidas oportuna e pedagógica, no sentido de evitar a repetição de qualquer funcionário, menos cuidadoso, sem respeito pelos direitos dos clientes cumpridores e das convenções com eles celebradas, vir (a seu belo prazer), sem respeito pela legislação aplicável inibir qualquer outro cidadão honesto do uso normal do cheque. Isto, sem prejuízo das instituições bancárias terem os melhores cuidados, nas convenções que celebram e não facultarem a possibilidade do uso do cheque a qualquer pessoa que o não use com a regularidade legalmente exigível.

    Mais entende-se que as entidades bancárias, em vez de procurarem fazer prova através do depoimento de testemunhas, que certas pessoas são useiras e vezeiras em emitir cheques sem provisão, são como se sabe de livre apreciação (396.º do CC, e 655.ºn.º1 e 791.º n.º3 do CPC), devem antes reter nos seus arquivos fotocópias desses cheques emitidos sem provimento, para oportunamente, se tal necessário, provarem, quem são os bons e maus pagadores.

    Quanto ao montante do dano causado, entende-se que neste aspecto, assiste alguma razão ao Banco Réu, porquanto a quantia de, € 15.000,00 afigura-se-nos demasiado elevada face ao período de tempo em que o Autor esteve sem poder emitir cheques, uma vez que nem sequer chegou a um mês. Assim entende-se por bem reduzir o montante da indemnização por danos morais calculada com base nas disposições conjugadas dos art.º 483.º, 496.º , 562.º e 566.º n.º 1 e 2 todos do Código Civil, para € 10.000,00 (dez mil euros).

  

    III – DECISÃO:

    Em face de todo o circunstancialismo  e das aludidas disposições legais, acorda-se em julgar parcialmente procedente o recurso e em consequência, derroga-se a decisão recorrida condenando-se a Ré a pagar ao Autor a quantia de € 10.000,00 (dez mil euros), confirmando-se a decisão recorrida em tudo o resto.

    Custas por ambas as partes, na proporção de vencidos.

                       Lisboa, 3/10/05


Juiz relator: Gil Roque ; Juizes Desembargadores adjuntos: Arlindo Rocha e Carlos Valverde  

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[2]  - Vejam-se entre outros os Acs. STJ. de 2/12/82, 25/07/86, 3/03/91, 29/05/91 e 4/02/93, do STA de 26/04/88 (in BMJ, n.º 322º- 315, 359º-522, 385º- 541, Acórd.Doutrin.364-545, Col.Jur./STJ,1993, 1º-140 e Ac.Dout.,322 -1267 respectivamente).