Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | CARLOS VALVERDE | ||
Descritores: | INCIDENTES DA INSTÂNCIA INTERVENÇÃO PRINCIPAL INTERVENÇÃO PROVOCADA INTERVENÇÃO ACESSÓRIA | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 12/08/2008 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | AGRAVO | ||
Decisão: | CONFIRMADA A DECISÃO | ||
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Sumário: | I - A intervenção principal respeita às situações em que está exclusivamente em causa a própria relação jurídica invocada pelo autor ou em que os terceiros sejam garantes da obrigação a que se reporta a causa principal (é neste quadro que se inserem as situações configuradoras dos antigos incidentes de nomeação à acção e do chamamento à demanda); a intervenção acessória importa aos casos em que ocorre a existência de uma relação jurídica material conexa com aquela que é objecto da acção (é este o lugar outrora reservado ao chamamento à autoria). II - O réu não se pode fazer substituir por quem ele pensa que é responsável pelo facto danoso, pois quem escolhe os agentes processuais é o autor da acção: por isso, a legitimidade das partes se afere pela forma como ele configura a relação material controvertida. III - Não há obstáculo à correcção oficiosa da forma incidental desde que, óbviamante, o respectivo requerimento comporte os elementos fundamentais da forma incidental que se mostre adequada. IV - A admissibilidade da intervenção provocada acessória de terceiro ao lado do réu, depende forçosamente da articulação de factos que relevem a existência de uma relação jurídica material conexa com a que é objecto da respectiva acção, envolvente do réu e de um terceiro, bem como factos reveladores de que, perdida a demanda, o réu tem direito de regresso contra o terceiro, visando a indemnização pelo prejuízo derivado da perda da acção. C.V. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa: Na acção, com processo ordinário, que A e mulher intentaram contra B e C, vieram estes requerer a intervenção principal provocada de H e outros, alegando que não construíram nem venderam o imóvel questionado, que, segundo foram informados, terá sido construído pelos chamados. No despacho saneador indeferiu-se o requerido chamamento. Inconformados com essa decisão, dela agravaram os RR., pretendendo a sua revogação e substituição por outra que defira a intervenção de terceiros na causa que peticionaram. O Sr. Juiz sustentou a sua decisão e os agravados contra-alegaram, pugnando pela manutenção do julgado. Os factos que relevam ao conhecimento do agravo são os constantes do relatório que antecede. A reforma adjectiva de 95/96 veio suprimir, em termos de tipificação autónoma, os incidentes anteriores da nomeação à acção, do chamamento à autoria e do chamamento à demanda. O condicionalismo integrador daqueles três incidentes passou a ter tratamento processual conjunto, integrando-se agora num incidente único, que é o da intervenção provocada - arts. 325º s segs. do CPC. Contudo, uma distinção se opera na dinâmica do novo incidente: referimo-nos à intervenção principal e à intervenção acessória, a primeira reservada às situações em que está exclusivamente em causa a própria relação jurídica invocada pelo Autor ou em que os terceiros sejam garantes da obrigação a que se reporta a causa principal (é neste quadro que se inserem as situações configuradoras dos antigos incidentes de nomeação à acção e do chamamento à demanda) e a segunda atinente aos casos em que ocorre a existência de uma relação jurídica material conexa com aquela que é objecto da acção (é este o lugar outrora reservado ao chamamento à autoria). Para além da aglutinação num só instituto dos pressupostos tipificadores daqueles antigos incidentes, a actual intervenção provocada abarca ainda, em resultado do alargamento produzido na esfera da coligação inicial, a possibilidade de intervenção dos destinatários de um eventual pedido subsidiário, a deduzir pelo Autor no âmbito da relação jurídica ajuizada no nº 2 do citado art. 325º. É certo, por outro lado, que a legitimidade para o chamamento - afora a última situação referida - tanto é conferida ao Autor como ao Réu e, segundo entendemos, também aos próprios intervenientes principais, sendo ainda que os terceiros podem ser chamados a intervir como associados do chamante ou como associados da parte contrária - nº 1 do mesmo preceito. Desta exposição sumária logo decorre que a actual intervenção provocada prevê um leque multiplicado de situações, quer em termos de pressupostos ou condições de admissibilidade do incidente, quer em termos de escalonamento processual dos agentes entre os quais se vai dirimir o pleito. Por isso se compreende que, à luz do nº 3 do citado art. 325º, recaia sobre o chamante “o ónus de indicar a causa do chamamento e de explicar o interesse que, através dele, se pretende acautelar, tudo isso como forma de clarificar liminarmente as situações a que o incidente se reporta e de permitir ajuizar com segurança a legitimidade e o interesse em agir, quer de quem suscita a intervenção quer do chamado a intervir” (Abílio Neto, C.P.C. Anotado, 14ª ed., pág. 384). Conforme resulta do exposto, incumbe ao chamante indicar a causa do chamamento, a qual das partes pretende ver associado o interveniente e qual o interesse que tenciona ver acautelado com essa intervenção. No caso em apreço, se é de afastar, como parece evidente, a colocação dos chamados ao lado dos AA., também não se retira que os RR. pretendam colocá-los processualmente a seu lado, antes pelo contrário, pois da sua alegação o que resulta de significativo é que os chamados são os únicos que podem e devem ser responsabilizados na acção. Tendo-se presente o condicionalismo legal acabado de enunciar, parece não ser claramente de configurar situação de intervenção principal provocada. Se os RR. se desligam totalmente do contrato de compra e venda ajuizado, a relação jurídica suportadora do incidente - a construção pelos chamados do imóvel em causa - assume-se como perfeitamente autónoma em relação àquela causa de pedir, não sendo, por isso, sequer de configurar qualquer situação de litisconsórcio, necessário ou voluntário entre as primitivas partes e os chamados. Nem os RR. se podem fazer substituir por quem eles pensam que é responsável pelo facto danoso, pois quem quem escolhe os agentes processuais é o autor da acção: por isso, a legitimidade das partes se afere pela forma como ele configura a relação material controvertida. Sendo de rejeitar a intervenção principal provocada dos chamados será de aceitar a sua intervenção acessória, como parece pretenderem agora os RR., quando falam na possibilidade de exercício de direito de regresso contra os chamados? É certo que a reforma adjectiva de 95 veio privilegiar os aspectos de ordem substancial em detrimento das questões de naturêza meramente formal, de que é corolário o princípio da adequação formal (artº 265º-A do CPC) e daí que se aceite não haver obstáculo à correcção oficiosa da forma incidental desde que, óbviamante, o respectivo requerimento comporte os elementos fundamentais da forma incidental que se mostre adequada. O incidente que agora nos ocupa visa permitir a participação de um terceiro em relação ao qual o réu possui direito de regresso, para o caso de vir a perder a demanda, sendo de notar que não basta, para justificar a intervenção, um simples direito de indemnização contra o terceiro, já que igualmente se torna necessário que exista uma relação de conexão entre o objecto da acção pendente e o da acção de regresso (arts. 330º, 1 e 331º, 2 do CPC). Daí que se tenha vindo a entender que a admissibilidade da intervenção provocada acessória (que substituíu o antigo incidente do chamamento à autoria, inspirado na romana litis denuntiatio) de terceiro ao lado do réu, depende forçosamente da articulação de factos que relevem a existência de uma relação jurídica material conexa com a que é objecto da respectiva acção, envolvente do réu e de um terceiro, bem como factos reveladores de que, perdida a demanda, o réu tem direito de regresso contra o terceiro, visando a indemnização pelo prejuízo derivado da perda da acção. Não é o caso. Os RR. em parte alguma do seu articulado se referiram ao seu direito de regresso contra os chamados pela perda da demanda, nem adiantaram factos donde tal se possa inferir, antes, adiantando que nada têm a ver com a questão dos autos, pretenderam ver os chamados directamente responsabilizados na causa, o que a própria estrutura e escopo finalístico do incidente não lhes permitia, pois a intervenção acessória provocada não permite que o terceiro interveniente assuma a qualidade de parte principal, sendo apenas chamado para auxiliar o réu na sua defesa, limitando tal auxílio à discussão das questões que possam ter repercussão na acção de regresso invocada como fundamento do chamamento e sendo a consequência da omissão deste apenas a eventual sentença de condenação não produzir efeito de caso julgado na acção de regresso (arts. 330º e 332º do CPC). Tal, extinto que foi o incidente de chamamento à autoria, se mostra claramente justificado no preâmbulo do DL nº 329-A/95, de 12/12, onde, nomeadamente, se refere que “relativamente às situações presentemente abordadas e tratadas sob a égide do chamamento à autoria, optou-se por acautelar os eventuais interesses legítimos que estão na base e fundam o chamamento nos quadros da intervenção acessória, admitindo, deste modo, em termos inovadores, que esta possa comportar, ao lado da assistência, também uma forma de intervenção (acessória) provocada ou suscitada pelo réu da acção principal. Considera-se que a posição processual que deve corresponder ao titular da relação de regresso, meramente conexa com a controvertida - invocada pelo réu como causa do chamamento - é a de mero auxiliar na defesa, tendo em vista o seu interesse indirecto ou reflexo na improcedência da pretensão do autor, pondo-se, consequentemente, a coberto de ulterior e eventual efectivação da acção de regresso pelo réu de demanda anterior, e não a de parte principal: mal se compreende, na verdade, que quem não é reconhecidamente titular ou contitular da relação material controvertida (mas tão somente sujeito passivo de uma eventual acção de regresso ou indemnização configurada pelo chamante) e que, em nenhuma circunstância, poderá ser condenado caso a acção proceda (ficando tão somente vinculado, em termos reflexos, pelo caso julgado, relativamente a certos pressupostos daquela acção de regresso, a efectivar em demanda ulterior) deva ser tratado como parte principal. A fisionomia atribuída a este incidente traduz-se, nesta perspectiva, numa intervenção acessória ou subordinada, suscitada pelo réu na altura em que deduz a sua defesa, visando colocar o terceiro em condições de o auxiliar na defesa, relativamente à discussão das questões que possam ter repercussão na acção de regresso ou indemnização invocada como fundamento do chamamento". Por isso, Teixeira de Sousa adianta que o terceiro é, neste incidente, chamado, "para auxiliar o réu na sua defesa e a sua actividade não pode exceder a discussão das questões que tenham repercussão na acção de regresso que fundamenta a intervenção (art. 330°, n° 2). Com este chamamento, o demandado obtém não só o auxílio do terceiro interveniente, como também a vinculação deste último à decisão, de carácter prejudicial, sobre as questões de que depende o direito de regresso (art. 332°, n° 4). Portanto, a intervenção do terceiro não é acompanhada de qualquer alteração no objecto da causa e, menos ainda, de qualquer cumulação objectiva". (Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, 2ª ed., pág. 179). E Lopes do Rego refere que "na base de tal configuração está a ideia de que a posição processual que deve corresponder ao sujeito passivo da relação de regresso, conexa com a controvertida - e invocada pelo réu como causa do chamamento - é a de mero auxiliar na defesa, tendo em vista o seu interesse indirecto ou reflexo no improcedência de pretensão do autor, pondo-se, consequentemente, a coberto da ulterior e eventual acção de regresso ou de indemnização contra ele movida pelo réu da causa principal” (Comentários ao CPC, 1999, pág. 253). Seja, o que se visa com este incidente e tal como acontecia com o chamamento à autoria não é condenar o chamado, antes estender a este os efeitos do caso julgado da decisão proferida na causa (cfr. Salvador da Costa, Os Incidentes da Instância, 2ª ed., pág. 121). Como começou por se adiantar, os RR. não foi assim que perspectivaram o chamamento, antes pretenderam a sua substituição e imediata responsabilização pelos chamados na causa, o que tanto basta ao indeferimento do chamamento requerido, sem necessidade de equacionar a existência da relação de conexão entre o objecto desta e o da acção de regresso, a que só agora, em sede de recurso, os RR. fazem alusão. Era, pois, de indeferir o chamamento requerido pelos RR., devendo a acção apenas prosseguir entre as partes primitivas, não nos merecendo, por isso, censura a decisão recorrida, que também não enferma dos vícios formais que se imputam. Dispõe a al. b), do nº 1 do art. 668º do CPC, que a sentença é nula quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão. Como se tem entendido, tal nulidade só se verifica quando haja falta absoluta de motivação e não quando ela seja incompleta. Consoante se decidiu no acórdão do S.T.J. de 1-3-90, no Bol. nº 395, pág. 479, a referida nulidade só ocorre quando haja falta absoluta de justificação do julgado, e não quando ela seja incompleta ou deficiente (no mesmo sentido, Rodrigues Bastos, in Notas, vol. III, pág. 246). Não é o que sucede, manifestamente, no caso dos autos. A decisão sindicanda está fundamentada de facto e de direito, sendo perfeitamente perceptíveis as razões do seu sentido, escapando ao vício apontado a bondade ou não do seu mérito e, por isso, também não viola os comandos da CRP, a que de forma meramente enunciativa os agravantes fazem referência. A oposição apontada na alínea c), do nº 1 do citado normativo adjectivo, que constitui a nulidade alegada é a que, como observa Rodrigues Bastos, “se verifica no processo lógico, que das premissas de facto e de direito que o julgador tem por apuradas, este extrai a decisão a proferir. Não é, por isso, relevante, para esse efeito, a contradição que se diga existir entre os factos que a sentença dá como provados e outros já apurados no processo, designadamente por haverem sido incluídos na especificação. Poderá haver nesse caso erro de julgamento, mas não nulidade da decisão.” (in ob e loc. citados). Por outras palavras, para que exista esta nulidade é necessário que a fundamentação da decisão aponte num sentido e que esta siga caminho oposto ou, pelo menos, direcção diferente (cfr. Ac. do S.T.J. de 19-2-91, AJ, 15º/16º, pág. 31). Não se vislumbra qualquer contradição - nem os recorrentes a identificam - na decisão posta em crise, onde, bem ao contrário, na atenção da factualidade alegada e na valoração jurídica que se entendeu como correcta desta, se concluiu pelo desatendimento desta sua pretensão. Igualmente, não ocorre a nulidade da al. d), do nº 1, do mesmo normativo, que está, como é sabido, directamente relacionada com o comando que se contém no nº 2, do art. 660º do mesmo Código, servindo de cominação ao seu desrespeito (Rodrigues Bastos, ob. e loc. citados). Dispõe este último normativo que o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo caso de conhecimento oficioso. Não deve, porém, confundir-se "questões" a decidir com considerações, argumentos ou juízos de valor produzidos pelas partes. As questões sobre o mérito a que se refere aquele comando adjectivo são apenas as que suscitam a apreciação da causa de pedir invocada e do pedido formulado (Rodrigues Bastos, ob. cit., pág. 228). Ou ainda, na observação de Alberto dos Reis, "são, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão" (in ob. cit., vol. V, pág. 143). Ao contrário do que os recorrentes deixam antever -também aqui não concretizam a omissão de pronúncia invocada -, na sentença conheceu-se da única questão que lhe foi colocada: a admissibilidade, face ao direito adjectivo, da peticionada intervenção de terceiros na causa. Se se tem em vista a liberdade da qualificação jurídica dos factos alegados pelo tribunal, está-se a confundir “questões” com “argumentos” e, como vimos, a nulidade invocada respeita tão só às “questões” a decidir e nisso a decisão censurada respeitou estritamente o comando contido no nº 2 do art. 660º do CPC. Pelo exposto, na improcedência do agravo, mantém-se o despacho recorrido. Custas pelos agravantes Lisboa, 04-12-2008 Carlos Valverde Granja da Fonseca Pereira Rodrigues |