Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2137/08.9TJLSB-A.L1-1
Relator: JOÃO AVEIRO PEREIRA
Descritores: COMPETÊNCIA TERRITORIAL
ACÇÃO DECLARATIVA
SOCIEDADE
PESSOA SINGULAR
DOMICÍLIO
RÉU
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/26/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Sumário: I – Compete ao tribunal do domicílio do réu o conhecimento de acção simultaneamente contra uma sociedade comercial e uma pessoa singular, para cumprimento de obrigações, indemnização e resolução de contrato, prevista no n.º 1 do art.º 74.º do CPC.
II – A razão de ser desta regra é a protecção do consumidor, normalmente pessoa singular e parte contratual mais fraca, cujo interesse na proximidade da justiça ficava, pela lei anterior, quase sempre sacrificado em favor do contraente mais forte.
III – Por tal motivo, não se aplica, neste caso, a faculdade que o n.º 2 do mesmo artigo concede ao credor, de optar pelo tribunal do lugar onde a obrigação deveria ser cumprida.
JAP
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes na 1.ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
I – Relatório
BANCO, S.A. recorre da decisão que julgou o tribunal territorialmente incompetente, na acção declarativa de condenação, com processo ordinário, que move a:
- C, LDA. e L.
A sociedade Recorrente conclui assim as suas alegações:
1.0 Senhor Juiz a quo ao julgar o Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa territorialmente incompetente para conhecer da presente acção pelos motivos e razões que nele se consigna, tendo-se ordenado a remessa dos autos ao Tribunal Judicial da Comarca de Coruche, por se ter considerado ser o competente, violou o disposto no artigo 74°, nº 1, e no artigo 87°, nº 1, ambos do Código de Processo Civil
2. Porque a la R é uma pessoa colectiva, o A, ora recorrente, optou pelo Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, como sendo o competente, aliás de harmonia com o disposto no artigo 74°, nº 1, do Código de Processo Civil, na redacção dada pela Lei 14/2006, de 26 de Abril, e como lhe assiste e permite consequentemente o artigo 87°, nº 1, do mesmo normativo Legal
Impõe-se, pois, como se requer, procedência do presente recurso, a revogação do despacho recorrido, e a sua substituição por outro que reconheça a competência territorial do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa para conhecer dos autos onde o mesmo foi proferido.
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Não há contra-alegações.
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Colhidos os vistos, cumpre decidir.
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II – Fundamentação
A – Com interesse para a decisão, apuraram-se documentalmente os seguintes factos:
1. A presente acção foi instaurada no dia 11 de Agosto de 2008.
2. A A. tem sede na Avenida 24 de Julho em Lisboa;
3. A A. tem sede na Avenida 24 de Julho em Lisboa;
4. A A. fundamenta a sua pretensão no facto de ter sido celebrado com a R. um contrato de mútuo, cujo reembolso deveria ser efectuado através de prestações mensais e sucessivas, que a R. não cumpriu integralmente, tendo o R. assumido, por termo de fiança, a responsabilidade de fiador solidário da R..
5. A R. B, Lda., em Coruche.
6. O Réu L tem a sua residência em Coruche.

B – Apreciação jurídica.
Das conclusões das alegações da Recorrente emerge desde logo a questão de saber se, sendo demandados simultaneamente uma sociedade e uma pessoa singular, funciona a excepção à regra do art.º 74.º, n.º 1, do CPC, que permite à A. intentar a acção no tribunal da área do seu domicílio ou se, pelo contrário, a existência de réus pessoas singulares impede a aplicação de tal excepção.
O art.º 74.º, n.º 1, do CPC, com a redacção introduzida pela Lei n.º 14/2006, de 26 de Abril, dispõe que para conhecer de acção exigindo o cumprimento de obrigações, a indemnização por incumprimento ou cumprimento defeituoso e a resolução de contrato por falta de cumprimento, é competente, em regra, o tribunal do domicílio do réu. O autor pode, no entanto optar pelo tribunal do lugar onde a obrigação deveria ser cumprida, quando o réu seja pessoa colectiva ou quando, situando-se o domicílio do credor na área metropolitana de Lisboa ou do Porto, o réu tenha domicílio na mesma área metropolitana.
No caso vertente, temos uma situação mista, não expressamente prevista na lei, que é um réu pessoa colectiva e outro uma pessoa singular. Todavia, a razão de ser da regra, do domicílio do devedor estabelecida no art.º 74.º, visa a protecção do consumidor, em regra uma pessoa singular e a parte mais fraca, cujo interesse na proximidade da justiça, face à lei anterior, ficava quase sempre sacrificado em favor da parte mais forte na relação contratual, normalmente uma sociedade comercial com sede nas grandes cidades de Lisboa ou Porto. Era a justiça de proximidade dos economicamente mais poderosos e, por isso, com mais e melhores meios jurídicos e contenciosos para defenderem os seus interesses.
A nova lei procurou moderar esta situação, estabelecendo um equilíbrio de armas, só aquiescendo nas duas excepções acima enunciadas, sendo de excluir aqui liminarmente a segunda, por os réus não terem domicílio na área metropolitana de Lisboa. Mas, se, além de uma pessoa colectiva, for demandada igualmente, e em simultâneo, uma pessoa física, a razão de ser da regra geral do domicílio do devedor impõe que esta prevaleça em detrimento da excepção, já que tal regra de defesa do consumidor é de ordem pública, tutelando um interesse geral, enquanto a excepção que convém à Autora tutela apenas um interesse privado numa determinada situação prevista na lei, mas que no caso não ocorre.
Deste modo, ao contrário do que a Recorrente defende, não tem aqui aplicação a disciplina anteriormente concebida para a pluralidade de réus e cumulação de pedidos, contida no art.º 87.º do CPC, cuja previsão, aliás, visa situação diferente da dos autos. Além disso, aquela nova regra nem sequer pode ser afastada por um pacto de aforamento, ainda que anterior, como resulta do disposto nos art.ºs 100.º, n.º 1, parte final, e 110.º, n.º 1, al. a), do CPC, na redacção introduzida pela supra mencionada Lei 14/2006 e como foi já decidido pelo STJ, com força uniformizadora (ac. do STJ de 18-10-2007, proc.º 2775/07, sec., www.dgsi.pt/jstj).
Em conclusão, improcedem por completo as conclusões da Recorrente, sendo por isso de manter a decisão recorrida.
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III – Decisão
Pelo exposto, julga-se improcedente a apelação e confirma-se a decisão recorrida.
Custas pela Recorrente.
Notifique.
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Lisboa, 26.5.2009
João Aveiro Pereira
Rui Moura
Anabela Calafate