Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | MARIA JOÃO ROMBA | ||
Descritores: | CONTRATO DE TRABALHO CONTRATO DE AGÊNCIA | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 11/09/2005 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
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Sumário: | O traço essencial que permite distinguir a agência do contrato de trabalho é o carácter autónomo da prestação, por contraposição à subordinação jurídica típica deste. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na 4ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa
(A), intentou processo declarativo comum, contra “Triudus – Sociedade de Representações, Sa“, pedindo: E) que a ré seja condenada a pagar juros de mora desde as datas de vencimento ; F ) que a ré seja condenada a pagar sanção pecuniária compulsória em 200 euros diários. Procedeu-se a julgamento, após o que foi proferida a sentença de fls. 769 e seg. que julgou improcedente a excepção de incompetência, julgou parcialmente procedente o pedido do autor, e, em consequência : E ) condenou a ré a pagar ao autor a quantia de global de 2.980,40 (dois mil novecentos e oitenta euros e quarenta cêntimos), referentes aos proporcionais de férias, subsídio de férias e Natal no ano da cessação do contrato de trabalho, acrescidos de juros de mora, a contar de 31.10.01, às taxas legais em vigor, até integral pagamento; F) julgou improcedente o pedido de condenação da ré em danos morais, dele a absolvendo, bem como de condenação em sanção pecuniária compulsória; G) julgou improcedente o pedido de condenação do autor como litigante de má fé. Não se conformou a R., que veio apelar, apresentando nas respectivas alegações as seguintes conclusões: I – Da alteração à resposta da matéria de facto 1. Os factos dados como provados sob as alíneas A) e B) da fundamentação da douta sentença recorrenda não têm a redacção que delas consta mas a redacção que consta de fls. 192 dos autos, 2. O facto dado como provado sob a alínea C) da fundamentação da sentença não deveria ter sido incluído nesta uma vez que, conforme despacho de fls. 192 dos autos, o mesmo havia sido eliminado, dando origem à formulação do art. 49º da Base Instrutória, 3. A resposta à matéria do art. 2º da B.I. deve ser corrigida reportando a mesma à vigência do contrato celebrado em 1985 entre o recorrido e a sociedade comercial TR3, ou 4. Caso assim não se entenda, a mesma constitui repetição da resposta à matéria do art. 4º da B.I. devendo, por isso, ser eliminada. 5. A afirmação constante dos art. 2º e 4º da B.I. segundo a qual o recorrido desempenhou funções de “vendedor” “sob autoridade e direcção da Ré” deve ser eliminada, quer porque se trata de uma conclusão de direito e não de facto, quer porque, a ser verdadeira, apenas o é relativamente ao período de tempo findo em Dezembro de 1990. 6. No desempenho das suas funções todos os contactos estabelecidos pelo recorrido a que aludem as alíneas c), d), e) e g) do art. 4º e art. 7º da B.I. foram-no com clientes seus, da sua carteira de clientes, 7. A recorrente não controlava nem a assiduidade nem a actividade do recorrido, 8. O recorrido não estava sujeito ao cumprimento de qualquer horário de trabalho, 9. A recorrente não estipulava quaisquer objectivos de vendas para o recorrido. 10. A marcação das férias do recorrido não estava sujeita a autorização da recorrente. II – Da natureza jurídica do contrato 1. O “outro tipo de acordo” celebrado entre a recorrente e o recorrido, em 1992, “para desempenhar funções de vendedor de material informático em condições totalmente diferentes” é um contrato de agência e não de trabalho. 2. Nos termos do referido contrato o recorrido promoveu a celebração de contratos por conta da recorrente com autonomia, mediante retribuição e por um período de cerca de dez anos. 3. A errada apreciação que foi feita da matéria de facto, conduziu a uma errada subsunção da mesma aos pertinentes preceitos legais, 4. Devendo a M. Juíza a quo ter concluído pela existência de um contrato de agência e não outro. 5. A insuficiente e/ou deficiente apreciação de toda a prova documental junta aos autos conduziu ela também a uma errónea qualificação do contrato sub judice. III – Das normas legais violadas 1. A douta sentença recorrenda violou, nomeadamente, o disposto nos art. 1º da LCT que interpretou e aplicou erradamente, quando deveria ter aplicado o art. 1º do Dec. Lei nº 178/86, de 3.07; violou ainda o disposto nos art. 668º, nº 1, alíneas b), c) e d) do CPC, aplicável ex vi art. 1º, nº 2, alínea e) e ainda o art. 456º também do CPC, pelo que, 2. Deve a sentença recorrenda ser declarada nula e de nenhum efeito e, consequentemente, ser revogada in totum, julgando-se antes que a relação contratual estabelecida entre a recorrente e o recorrido em 1992 foi a de um contrato de agência, do que resulta ser o Tribunal de Trabalho incompetente para conhecer de tal matéria e, assim, absolvendo-se a aqui recorrente do pedido, conforme é de Direito e de JUSTIÇA. O apelado apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso. Subidos os autos a este Tribunal, foi emitido pelo M.P. o parecer de fls. 850, a que a recorrente respondeu. Foram colhidos os vistos dos Exºs Adjuntos.
Delimitado o objecto do recurso pelo teor das conclusões das alegações do recorrente, verifica-se que a apelante parece pretender impugnar em alguns pontos (não especificados) a decisão da matéria de facto e, no campo da aplicação do direito, se insurge fundamentalmente contra a qualificação jurídico-laboral do contrato efectuada na sentença recorrida, sustentando que se trata de um contrato de agência, daí extraindo a conclusão de que o tribunal do trabalho é materialmente incompetente para apreciar o caso. Embora na parte das conclusões (capítulo III) em que discrimina as normas legais violadas aluda ao art. 668º nº a al. b), c) e d) do CPC (sendo que nas alegações apenas havia arguido violação do art. 668º nº 1 al. b) por os factos considerados não serem conformes com os dados por provados a fls. 192, isto é, no despacho que conheceu da reclamação contra a selecção dos factos provados e controvertidos), o certo é que no requerimento de interposição do recurso junto a fls. 786, não arguiu expressa e separadamente quaisquer nulidades da sentença, como é exigido pelo art. 77º nº 1 do CPT, o que, em conformidade com a orientação praticamente uniforme da jurisprudência do STJ, configura intempestividade, determinante da não apreciação das nulidades da sentença por este tribunal.
Na 1ª instância foram dados como provados os seguintes factos: Dos factos assentes (...) Apreciação Verifica-se, antes de mais, que, residindo o cerne do litígio que opõe A. e R. na qualificação jurídica da relação que entre eles vigorou até Outubro de 2001 - defendendo o A. que se tratava de uma verdadeira relação emergente de contrato trabalho, ao passo que a R. sempre sustentou nos autos que a relação, a partir de 1992, assentava num contrato de agência - não pode aceitar-se a inclusão nos pontos 2 e 4 da base instrutória, e por consequência das respectivas respostas, da expressão “sob a autoridade e direcção da R.” por se tratar de uma expressão conclusiva que encerra manifestamente de matéria de direito. Com efeito trata-se da expressão utilizada pelo legislador (no art. 1152º do CC, no art. 1º da LCT aprovada pelo DL 49.408 de 24/11/69 e no art. 10º do CT aprovado pela L. nº 99/2003 de 27/8) na definição de contrato de trabalho para traduzir o mais relevante dos traços essenciais de tal figura, mais precisamente a subordinação jurídica do trabalhador ao empregador. Ora, sendo consensual na doutrina e na jurisprudência que, nesta matéria, o método subsuntivo não é o mais adequado, razão por que se deita mão aos métodos indiciário e tipológico, àquela conclusão apenas se poderá chegar se forem encontrados na praxis da relação um número de indícios de laboralidade que globalmente considerados sejam suficientemente reveladores da existência de uma relação de poder versus subordinação jurídica. A aceitação do carácter factual daquela expressão apenas seria de admitir se não estivesse controvertida a natureza laboral da relação, o que não é o caso. E nessa hipótese, não haveria então que formular toda a panóplia de quesitos atinentes à pesquisa dos diversos indícios de subordinação jurídica. Assim, em conformidade com o preceituado pelo art. 646º nº 4 do CPC, têm-se por não escritas aquelas expressões, assim se reconhecendo a razão da apelante quanto ao teor da 1ª parte da conclusão 5ª.
A questão suscitada pela apelante nas conclusões 1ª e 2ª do capítulo I, mostra-se prejudicada pelo despacho de fls. 840/841da Srª Juíza recorrida que, ao abrigo do art. 667º do CPC rectificou o erro material cometido, por manifesto lapso, ao transcrever os factos assentes, sem ter tido em atenção a respectiva alteração na sequência das reclamações, pelo que a matéria de facto atrás descrita se encontra já expurgada desse erro. Pelo mesmo motivo, carece de fundamento a invocação da nulidade da sentença que consiste na oposição entre os fundamentos e a decisão, que por sinal é a prevista na al. c) e não da al. b) do nº 1 do art. 668º do CPC.
Também não assiste razão à apelante quanto à pretensão formulada na conclusão 3ª do mesmo capítulo. Embora se constate que o quesito 2º se reportava efectivamente à actividade que o A. desempenhava ao serviço da R. após a sua primitiva admissão (que ele localizava, na p.i., no último quadrimestre de 1981, não aludindo a qualquer interrupção ou hiato) face às respostas que o tribunal deu aos quesitos 1º, 21º, 23º e 30º, distinguindo, por um lado, as relações entre o A. e a R. em dois períodos e com objectos diferentes (para desempenhar as funções de empregado de armazém, no primeiro e as funções de vendedor, no outro) e, por outro lado, as relações entre o A. e a empresa TR3, cuja ligação à R. não se mostra documentalmente comprovada nos autos, não tendo sequer sido alegado qual seja – embora a generalidade das testemunhas a identifiquem como sendo uma empresa do grupo, com os mesmos sócios e idêntico objecto social, sabendo-se ainda que tem sede social no mesmo sítio onde a R. tem a sua: na Rua António Pedro nº 76, 2º em Lisboa - é perfeitamente lícito restringir a resposta ao referido quesito relativamente à relação entabulada entre as partes a partir de 1992, desde que isso decorra da prova produzida. Ora o que a apelante alega visando a alteração da resposta ao quesito 2º nada tem a ver com eventual erro de apreciação da prova produzida. Se a resposta dada não contraria a prova produzida quanto a esta matéria (questão sobre a qual a apelante nada diz), não encontramos qualquer óbice a que possa ser restringida, nos termos em que o foi. Por outro lado, não há, a não ser no que se refere à alínea a) – visitar os clientes da R. – repetição entre o respectivo teor e o da resposta ao quesito 4º, pelo que também por esta razão não se vê fundamento para se eliminar aquele ponto da matéria de facto. Tampouco se mostra que haja contradição entre os dois pontos referidos, pelo que nenhuma razão assiste à apelante quanto à pretendida eliminação.
Nos termos do nº 1 do art. 690º-A do CPC, aplicável ex-vi do art. 1º nº 2 al. a) do CPT “quando se impugne a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) quais os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nela realizada que impunham decisão diversa da recorrida.” Verifica-se que a recorrente, pretendendo pôr em causa a decisão da matéria de facto, não cumpriu satisfatoriamente este preceito, porquanto não especificou os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados. Com efeito, embora refira excertos de alguns depoimentos testemunhais, com indicação da localização dos mesmos nas cassetes e aluda a determinados documentos, se bem que muitas vezes se refira aos documentos juntos aos autos (que já levam mais de oitocentos e cinquentas folhas) em termos absolutamente vagos e genéricos, não concretiza quais dos factos dados como provados que não o deveriam ter sido ou que deveriam tê-lo sido em termos diferentes nem quais, dos alegados e julgados não provados, deveriam ter sido dados como provados. Pelo exposto se rejeita a impugnação da matéria de facto. Consequentemente as conclusões 6ª a 10ª do capítulo I, por desconformes à factualidade assente, são irrelevantes.
A questão central a discutir é a de saber se os elementos de facto apurados são bastantes para permitir qualificar como laboral o contrato que vigorava entre as partes em Outubro de 2001 (como entendeu a Srª Juíza recorrida) ou se, como vem sustentando a R. e ora apelante, o mesmo era um contrato de avença. Embora a apelante pretenda ainda que, além de se reconhecer que se tratava de um contrato de agência, se declare a incompetência material do tribunal, adianta-se desde já que a mesma não tem razão quanto a esta questão porquanto a decisão sobre a competência material do tribunal não pode depender da decisão quanto ao mérito da causa, pois como pressuposto processual que é, se afere tão só pelos termos em que o demandante equaciona a lide[3]. Ora, tendo o A. desenhado a lide como emergente de um contrato de trabalho, a competência para a dirimir cabe indiscutivelmente ao tribunal do trabalho, nos termos do art. 85º al. b) da LOFTJ nº 3/99 de 13/1, pelo que nesta parte se confirma a decisão recorrida. Passemos então à questão fulcral. Contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade intelectual ou manual a outra pessoa sob a autoridade e direcção desta (art. 1º LCT, 1152º do CC[4]). Caracteriza-se por ter por objecto uma prestação de facere – a actividade intelectual ou manual; por ser oneroso - a prestação de trabalho é sempre remunerada; e por o tipo de relação a que dá causa não ser materialmente igualitária, implicando a atribuição a uma parte de poder de autoridade e, à outra, de uma situação de subordinação jurídica. A tónica coloca-se no elemento subordinação jurídica. A subordinação jurídica, reverso da supremacia que corresponde à expressões "direcção" e "autoridade" utilizadas no art. 1º da LCT e art. 1152º do CC, consiste, em termos técnicos, numa situação de sujeição, em que se encontra o trabalhador, de ver concretizado, por simples vontade do empregador, numa ou noutra direcção, o dever de prestar que sobre ele recai. Mas que se pode bastar com a mera possibilidade de o empregador dirigir ou fiscalizar o serviço, ainda que raramente o faça. Com efeito, de acordo com o ensinamento do Prof. Galvão Teles[5] “a subordinação ... consiste em a entidade patronal poder dalgum modo orientar a actividade em si mesma, quanto mais não seja no tocante ao lugar ou momento da sua prestação.” Citando o Prof. Jorge Leite[6] diremos que o conteúdo e a intensidade do poder do empregador de organizar e dirigir a prestação do outro variam em função de vários factores, em especial em função da natureza da actividade em causa (tendem a ser tanto menores quanto mais complexa for a actividade) e das condições em que é exercida (tenderá a ser mais ténue a daquele que exerce a sua actividade fora do espaço físico-organizacional da empresa). Mas mesmo naquelas situações em que o trabalhador goza de grande independência técnica que corresponde, em princípio, a um elevado grau de qualificação, determinando que o núcleo da própria actividade escape à esfera das instruções do empregador, não goza de autonomia na programação e na organização da actividade: o tempo, o local e os meios de realização da prestação são definidos pelo credor e não pelo devedor. A crescente flexibilização das formas de emprego tem contribuído para um aumento exponencial dos casos nebulosos, de fronteira, em que se torna por vezes extremamente difícil ajuizar se estamos perante uma situação de trabalho subordinado ou de trabalho autónomo. É certo que estamos no domínio da autonomia da vontade, pelo que haverá que ter em conta o acordo das partes. Sendo escassos os elementos que permitam identificar a vontade comum das partes no momento da celebração do contrato (frequentemente reduzida a uma expressão mínima) e dando ele início a uma relação duradoura, esses elementos terão de ser colhidos através do modo como as partes desenvolveram, na prática, essa relação. Como já atrás referimos, é pacífico na doutrina e na jurisprudência juslaboral, que o apuramento da subordinação jurídica não pode ser encontrado através do método subsuntivo, sendo usual o recurso ao método tipológico, que consiste na procura de indícios que permitam uma aproximação ao modelo típico. Nos termos do art. 1º nº 1 do DL 178/86 de 3/7, na redacção do DL 118/93, de 13/4, contrato de agência é aquele pelo qual uma das partes se obriga a promover por conta da outra a celebração de contratos, de modo autónomo e estável, mediante retribuição, podendo ser-lhe atribuída uma certa zona ou determinado círculo de clientes. Conforme salienta o Prof. António Pinto Monteiro[9] em anotação ao preceito, na noção legal do contrato de agência “avultam os seguintes elementos essenciais: a) Obrigação de o agente promover por conta da outra parte a celebração de contratos – é esta a obrigação fundamental do agente, envolvendo toda uma complexa e multifacetada actividade material, de prospecção do mercado, de angariação de clientes, de difusão dos produtos, de negociação, etc. que antecede e prepara a conclusão dos contratos, mas na qual o agente já não intervém. O contrato de agência, ao contrário do que, equivocamente, poderia julgar-se, não confere, por si só, ao agente, poderes para celebrar contratos. Este limita-se a fomentar a sua conclusão e a prepará-los, mas não lhe cabe a celebração dos contratos que promove, excepto se lhe tiverem sido concedidos os indispensáveis poderes para tal. …. b) Delimitação da zona ou do círculo de clientes – O legislador considera elemento essencial do contrato de agência a determinação do espaço em que o agente exerce a sua actividade. A delimitação é feita segundo um critério geográfico … ou em função de um círculo de clientes específico … c) Autonomia – Ao contrário do trabalhador, juridicamente subordinado à entidade patronal, através de contrato de trabalho, ficando sob a autoridade e direcção desta (art. 1152º do CC) o agente é independente e actua com autonomia. Não são, por isso, agentes … certas pessoas que, apesar de ostentarem o título de “agentes”, não passam, em regra, e no fundamental, de simples empregados, ligados ao principal por contrato de trabalho, ainda que possam gozar no exercício da sua actividade, de uma relativa autonomia, e não obstante desempenharem também de modo estável, em certos casos, uma actividade de promoção negocial. Estarão nestas condições, normalmente, entre outros, os “caixeiros- viajantes”, bem como certos tipos de “agentes de seguros” e “agentes de vendas”. … É certo que a autonomia do agente em face do principal não é absoluta, pois ele deve conformar-se às orientações recebidas, adequar-se à política económica da empresa, prestar regularmente contas da sua actividade. Mas estas e outras obrigações do agente não devem prejudicar, no essencial, a sua autonomia. d) Estabilidade - Tal como o simples empregado, sem autonomia, o agente é um colaborador da empresa (rectius do principal, podendo ser um não empresário a socorrer-se de agentes) e exerce a sua actividade de modo estável, tendo em vista não uma operação isolada, antes um número indefinido de operações. Os contraentes podem vincular-se por um período de tempo determinado ou nada convencionarem a este respeito, presumindo-se, neste caso, que o contrato foi celebrado por tempo indeterminado… e) Retribuição – É elemento essencial da agência, finalmente, a retribuição, o que mostra tratar-se de contrato oneroso. Esta determina-se fundamentalmente, com base no volume de negócios conseguido pelo agente, assumindo, pois, um carácter variável sob a forma de comissão ou percentagem calculada sobre o valor dos negócios obtidos, podendo cumular-se, no entanto, com qualquer importância fixa acordada entre as partes.” Afigura-se-nos seguro que o traço essencial que permite distinguir a agência do contrato de trabalho é o carácter autónomo da prestação, por contraposição à subordinação jurídica típica deste. Não obsta a essa autonomia a circunstância de o art. 7º do DL 178/86 enumerar entre as obrigações do agente “a) a de respeitar as instruções da outra parte que não ponham em causa a autonomia” e a “d) de prestar contas, nos termos acordados, ou sempre que isso se justifique”, pois como assinala o anotador mencionado a obrigação de o agente respeitar as instruções do principal é compreensível uma vez que o agente actua por conta da outra parte, é seu colaborador e deve zelar pelos seus interesses, mas tem de conciliar-se com a indispensável autonomia reservada ao agente. “O agente deve acatar as instruções da outra parte, sobretudo quando digam respeito à política comercial da empresa ou ao objecto do contrato. Se referidas à sua organização e método de trabalho, porém, já as mesmas poderão não significar mais do que meras sugestões.” No caso, embora referido na al. h) do ponto 4 da matéria de facto que ao A. cabia cumprir as instruções emanadas dos seus superiores hierárquicos, nada sabemos sobre que tipo de instruções eram essas, pelo que este ponto é pouco relevante para a qualificação do contrato, a não ser na medida em que reconhece que o A. estava sujeito a uma estrutura hierárquica, integrado, portanto na organização da empresa, mais precisamente no departamento comercial como decorre da parte final do nº 3. Importa salientar o disposto no nº 1 do art. 2º do DL 178/86, de acordo com o qual o agente só pode celebrar contratos em nome da outra parte se esta lhe tiver conferido, por escrito, os necessários poderes. No caso, não está provado, nem foi alegado, que tais poderes tivessem sido concedidos por escrito. E no entanto sabemos que o A. não se limitava a promover por conta da R. a venda dos produtos comercializados por esta (nº 34 da matéria de facto), mas, além do mais, procedia a venda dos produtos fabricados, montados e comercializados pela R. (nº 2 al. d) da matéria de facto) não nos parecendo sequer que do teor dos pontos 2, 4 e 34 da matéria de facto se possa concluir que a venda dos produtos constitua uma mera função acessória, relativamente à de promoção de contratos, sendo antes a principal, como decorre da designação de vendedor atribuída pela R. . Ora, não só pelo seu número mas sobretudo pela relevância que assumem factos como, por exemplo, aquele atrás referido que mostra que o A. se inseria numa estrutura hierárquica na organização empresarial da R.(departamento comercial); que, embora grande parte da sua actividade fosse exercida no exterior (de visitação de clientes), cumpria um horário (se bem que não se mostre provado que esse horário tivesse sido definido pela R.); que a R. controlava não só a actividade do A. como a respectiva assiduidade; que a R. estipulava os objectivos de vendas; que autorizava a ida de férias, do A. e colegas, após estes apresentarem o respectivo plano e que fornecia os instrumentos de trabalho do A. (veículo, telefone, fixo e móvel, papel, computador, secretária, cadeiras, instalações, cartões de visitas, além do material promocional dos produtos vendidos), entendemos que, globalmente considerados estes factos que constituem, a nosso ver, indícios de subordinação jurídica, prevalecem sobre outros que, como a modalidade de retribuição adoptada (não em função do tempo mas dos resultados) ou o regime fiscal e de segurança social[13], determinando a qualificação do contrato que em Outubro de 2001 vigorava entre as partes como um verdadeiro contrato de trabalho. Assim sendo, nenhuma censura nos merece a decisão recorrida, que é de manter, improcedendo, por conseguinte a apelação.
Decisão Pelo exposto se acorda em julgar improcedente a apelação, confirmando inteiramente a decisão recorrida. Custas pela apelante. Lisboa, 9 de Novembro de 2005 Maria João Romba Paula Sá Fernandes José Feteira __________________________________________________________________________________ [12]- O autor preenchia a pedido da ré um relatório de despesas, pensado, criado e elaborado por esta. A ré pagava mensalmente em média ao autor uma quantia de 150 €, em cheque ou em numerário, a título de despesas. O autor utilizava um cartão “Galp Frota” fornecido pela ré, e pago por esta, com um plafond médio de 250 € mensais. O autor ocupou a partir de 1992 as funções designadas pela ré de “vendedor”, integrado no departamento comercial. A ré controlava a assiduidade do autor bem como a sua actividade. O horário de trabalho do autor tinha início cerca das 10 horas e terminava às 19 horas, com intervalo para almoço. A ré estipulava os objectivos de vendas para o autor de acordo com o interesse comercial dela. Era a ré quem autorizava a ida de férias do autor e colegas de trabalho, após estes apresentarem o respectivo plano. O autor utilizava os seguintes instrumentos de trabalho fornecidos e colocados à sua disposição pela ré e propriedade desta: material promocional de produtos fabricados, montados e comercializados pela ré; folhas, papel, esferográficas, computador, secretária, cadeiras, instalações e cartões de visitas; telefone fixo e móvel fornecidos e pagos pela ré. O autor tinha à sua disposição uma viatura exclusiva para uso profissional, consentindo a ré que aquele a utilizasse para uso pessoal, incluindo aos fins-de-semana. O autor tinha que informar dos quilómetros andados com determinada viatura para manter a segurança da mesma. O autor trabalhava nas instalações da ré, quando não se encontrava em actividade de visitas a clientes no exterior. |