Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
| ||
Relator: | ANTÓNIO VALENTE | ||
Descritores: | DECLARAÇÃO NEGOCIAL ALTERAÇÃO CONCURSO CLÁUSULA CONTRATUAL GERAL INDEMNIZAÇÃO DANOS MORAIS | ||
![]() | ![]() | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 09/24/2009 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | ALTERAR A DECISÃO | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário: | – Lançado um concurso por uma estação de televisão e publicado o respectivo regulamento, o qual integra cláusulas relativas aos critérios de admissão dos concorrentes e da estrutura e funcionamento orgânicos do concurso, e tendo sido seleccionados os concorrentes que irão participar no mesmo, não é admissível a posterior alteração da declaração negocial pela mesma estação televisiva, estabelecendo novas regras e pressupostos de admissão ao concurso. – Viola o disposto no art. 5º nº 2 do DL nº 446/85 de 25/10, a apresentação aos concorrentes de uma declaração negocial, contendo 25 cláusulas repartidas por 3 páginas, no dia da gravação do concurso e cerca de 45 minutos antes de esta se iniciar. - Com efeito, num momento em que os concorrentes têm a sua atenção centrado no concurso prestes a iniciar-se, padecendo do natural nervosismo de quem nunca enfrentou as câmaras, num ambiente agitado, próprio da televisão, a entrega de tal documento por uma funcionária da produção com a menção de que o deviam ler e assinar, não permite aos mesmos concorrentes, no âmbito de uma diligência normal, desfrutarem de condições que tornem possível o conhecimento completo e e efectivo das mencionadas 25 cláusulas (Sumário do Relator) | ||
![]() | ![]() |
Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa Veio nos presentes autos A pedir a condenação solidária de R e de N, a pagarem-lhe a quantia de € 65.000,00 bem como o montante de € 25.000,00 a título de danos não patrimoniais, com acréscimo de juros. Alega para tal e em síntese: As RR emitiram um programa denominado “C”, o qual consistia num concurso com perguntas e respostas, cabendo ao vencedor um prémio em dinheiro. A Aª candidatou-se e após ter superado uma selecção inicial, foi informada que havia sido apurada. A Aª dirigiu-se às instalações onde seria gravado o concurso, no dia aprazado, mas o mesmo não se realizou, designando-se nova data. Nessa nova data, antes da gravação do concurso, foi dado à Aª um documento para assinar, dizendo um elemento da produção que tal se destinava a permitir a utilização da imagem da Aª. Esta assinou o documento convencida de que se tratava de mera formalidade para utilização da imagem, sem contudo ler o mesmo, não lhe tendo sido explicado o respectivo conteúdo nem, de resto, aos demais concorrentes. Além disso o documento foi entregue antes de se iniciar a gravação, quando a Aª estava a tentar controlar os nervos. Iniciou-se o programa e a Aª superou as várias etapas, tendo ganho o prémio final de € 65.000,00, tendo-lhe sido dito que o programa iria ser emitido pela R na 2ª feira subsequente. A Aª ficou extremamente feliz pois tal montante permitia-lhe fazer face a problemas financeiros que a afligiam e concretizar o sonho de viajar pelos EUA. Porém, a Ré não transmitiu tal programa e contactadas as RR a Aª foi informada que o programa não seria emitido, nem o prémio pago, pelo facto de a Aª ter uma familiar na R e ter omitido tal facto. Com efeito, uma irmã da Aª trabalha para a R, na área da informação. Mas no regulamento do concurso não existe a norma em causa. E no documento que lhe foi dado a assinar foi-lhe dito que apenas estariam causa os direitos de imagem. * A Ré R contestou, alegando que a Aª tinha plena consciência do documento que assinou, até porque já havia assinado outro idêntico. Apesar disso não declarou que a sua irmã trabalhava na R. Perante tais falsas declarações, a Aª não podia vir a ser considerada vencedora do concurso. A R pede ainda, em sede de reconvenção, uma indemnização de montante igual ao do preço do programa que a R teve de pagar à 2ª Ré, ou seja, € 22.150,00. A 2ª Ré contestou, alegando que os elementos da produção alertaram a Aª e os demais concorrentes para a necessidade de lerem o documento no qual se previa que, caso fosse familiar de algum dos funcionários das RR, deveria indicar tal situação. O que a Aª não fez. * O processo seguiu os seus termos, realizando-se o julgamento e vindo a ser proferida sentença que julgou a acção improcedente, bem como o pedido reconvencional. Inconformada recorre a Aª, concluindo que: – Na resposta ao Quesito 20º, o tribunal deu como provado que, no dia da sua primeira deslocação aos estúdios (no qual a prova ficou adiada), a Aª assinou um documento idêntico ao que assinou no dia da prova. – Contudo, face à prova produzida e ao disposto no art. 393º nº 1 do CC, tal facto deveria ter sido dado como “não provado”. – A Aª assinou o documento de fls. 25 a 28 dos autos, antes do início da sua prova. – Sustentando a Ré que a Aª, ao assinar tal documento, declarou que não tinha qualquer familiar a trabalhar na R – , quando na realidade tinha uma irmã que era sua funcionária. – Porém, a irmã da Aª não é funcionária da empresa “R – ” mas sim da empresa “R – S”. – Tratando-se de duas sociedades juridicamente distintas. – Mas mesmo que assim não fosse, não podia ter sido negado o direito da Aª a participar no concurso, atendendo à fase em que este se encontrava. – O Regulamento do concurso “C” não continha qualquer norma que proibisse a participação de pessoas que tivessem vínculos de parentesco com funcionários da Ré ou de outra empresa. – Assim, não podia a Ré alterar as regras de participação no concurso após aceitar a candidatura de uma concorrente, de esta ter superado as provas de selecção e ter sido chamada a participar no concurso. Com efeito, a Aª já tinha sido admitida como concorrente quando lhe apresentaram o documento com a mencionada declaração. – Acresce que o documento foi apresentado aos concorrentes 45 minutos antes do início da gravação do concurso, quando os concorrentes estão em período de concentração e de domínio nervoso, ainda por cima num ambiente agitado. – A declaração de confiança é uma reacção perfeitamente normal dos concorrentes quando estão nestas circunstâncias e lhes é apresentado um documento denominado “acordo de participação e cedência de direitos”. – Impunha-se que a Ré tomasse a iniciativa de informar e esclarecer os concorrentes sobre o conteúdo desse documento, o que não fez. – O documento deveria ter sido apresentado nas provas de selecção. As RR contra-alegaram, defendendo a bondade da decisão recorrida. Foram dados como provados os seguintes factos: 1) A 1ª Ré é uma empresa de capitais públicos e tem a designação de “R.” cujo objecto social consiste no exercício da actividade de televisão, nos domínios da emissão e produção de programas, bem como na exploração do serviço público de televisão. 2) A 2ª Ré é uma sociedade comercial que se dedica à concepção, produção e realização de conteúdos televisivos para posterior transmissão por outras empresas. 3) No exercício das suas actividades, a 2ª Ré concebeu, produziu e realizou e a 1ª Ré emitiu um concurso televisivo denominado “ C”, transmitido pelo canal 1 da R. 4) Esse concurso consistia numa competição com questões de cultura geral, dividido em cinco rondas e um jogo final, tudo nos termos do regulamento do mesmo, junto a fls. 18 a 23 dos autos. 5) A Aª candidatou-se ao concurso e foi contactada pela produção do concurso, que lhe comunicou que a sua candidatura tinha sido aceite e que tinha de fazer as provas de selecção. 6) No dia 18/4/2006 a Aª deslocou-se a um centro de reuniões, situado na zona de Santos, em Lisboa, onde efectuou as referidas provas de selecção, que testavam a sua cultura geral. 7) Passados dois dias, a Aª foi informada que tinha ficado apurada para participar no concurso e que devia apresentar-se no dia 8 de Maio nos estúdios da F. 8) No dia 8/5/2006 a Aª deslocou-se a tais estúdios para participar no concurso, mas a prova não chegou a iniciar-se, tendo o concurso sido adiado para o dia 11 do mesmo mês. 9) No dia 11/5/2006 a Aª deslocou-se novamente aos estúdios da F. 10) No dia 11/5/2006, um membro da direcção da Ré entregou à Aª, para ser assinado por esta, o documento cuja cópia consta de fls. 25 a 28 dos autos, do qual consta, além do mais, o seguinte: “ATENÇÃO: NÂO ASSINE ESTE DOCUMENTO ANTES DE O LER COM ATENÇÃO (...) ACORDO DE PARTICIPAÇÃO E DE CEDÊNCIA DE DIREITOS”, seguindo-se a identificação da Aª e prosseguindo: “venho por este meio acordar a minha participação no passatempo de televisão com o nome “C” (...) “Pelo presente instrumento são acordadas as condições de participação do signatário nas edições do passatempo “C”, nos termos das cláusulas seguintes: 1. declaro que aceito participar no passatempo “C”. 2. Declaro que sou maior de dezoito anos e que não sou empregado, membro, agente, que não tenho qualquer interesse financeiro e que não tenho qualquer vínculo de parentesco com os responsáveis, empregados ou colaboradores das seguintes empresas: R – , com sede na e N (...) 8. Declaro prestar o meu acordo relativamente a todas as condições constantes neste acordo e à sua assinatura (...) 14. Declaro que todas as informações referentes à minha pessoa mencionadas neste acordo são verdadeiras e que quaisquer prémios que me possam ser devidos serão recebidos por mim de acordo com as instruções, às quais terei acesso, estabelecidas pela R e que respeitarei todas as especificações decididas pelos responsáveis da R para a sua (do prémio) atribuição. 15. Declaro que terei um comportamento correcto segundo as regras da lealdade e da boa fé (...) 16. Fui informado de que os eventuais ganhos em dinheiro são da exclusiva responsabilidade da R e conforme as suas normas (...) Os vencedores adquirem o direito ao prémio apenas após a verificação por parte da R da regularidade da participação no passatempo e receberão a comunicação através de carta (...)”. O documento finaliza a fls. 28 com os dizeres “Tomei conhecimento e dou o meu acordo” seguido da data e da assinatura da Aª. 11) A Aª ultrapassou com êxito as várias fases intermédias e, na última orova, também denominada “L”, decifrou o termo escondido, vencendo o jogo final, a que seria atribuído o valor de € 65.000,00. 12) A Aª é viúva, desde 3/2/2005, tendo sido casada com M 11/3/1989 e até ao falecimento deste naquela data, e é mãe de N e O. 13) No dia 16/5/2006 saiu um artigo no jornal “Destak” com uma foto da Aª e com uma chamada na 1ª página, em que se noticiava a vitória da Aª e de um outro concorrente (noutra sessão). 14) A 1ª Ré não transmitiu o programa em que a Aª participou, nem foi entregue ou depositada pelas RR qualquer quantia na conta da Aª. 15) No dia 22 de Maio, a Aª foi contactada por J – a funcionária da 2ª Ré que lhe entregara o documento para assinar – a comunicar que o concurso não tinha sido transmitido porque a Aª tinha um familiar que era “funcionário da R” e que tinha assinado um documento em que declarava o contrário. 16) A Aª foi ainda esclarecida que o familiar em causa era a sua irmã, que é funcionária da “R – S”, P, que trabalha no P e exerce funções na área da informação. 17) A Aª tem como habilitações literárias o Curso Superior de Línguas e Secretariado do I.S.L.A. 18) A Aª nas deslocações referidas, fez-se sempre acompanhar de sua mãe, S, a qual preencheu e assinou o mesmo documento preenchido e assinado pela Aª e referido em 10). 19) A Aª, na data da filmagem do programa, no dia 11/5/2006, foi encaminhada pela Ré para uma sala com os outros cinco concorrentes e com os seus acompanhantes. 20) E nessa sala os participantes esperaram o início da prova. 21) A espera é rodeada de um ambiente agitado, porquanto os participantes são chamados à vez para a sala de maquilhagem e receberem instruções da produção. 22) Quando se encontravam na referida sala, aguardando o início da prova, um membro da produção apresentou o documento referido em 10) à Aª e aos outros cinco concorrentes. 23) A Aª assinou o documento convencida de que se tratava de uma mera formalidade, necessária para que a 1ª Ré pudesse transmitir o programa, pelo que se limitou a preencher os seus dados e a assinar o exemplar que lhe foi entregue, sem ler as cláusulas que dele constavam. 24) Depois de ter sido dado à Aª o documento para assinar e passado um tempo não superior a 45 minutos, iniciaram-se as rondas do concurso. 25) Depois de vencer o concurso, a Aª ficou muito emocionada e extremamente feliz. 26) A quantia permitiria à Aª fazer face a alguns problemas financeiros. 27) A Aª pretendia ainda, com o montante ganho, cumprir um sonho de percorrer os Estados Unidos da América, de uma costa à outra. 28) A seguir ao concurso, espalhou-se a notícia de que a Aª tinha ganho o concurso e veio a ser contactada por muitos familiares, amigos, vizinhos e conhecidos, a dar-lhe os parabéns pela vitória. 29) E os dois filhos da Aª, naturalmente orgulhosos da sua mãe, partilharam o acontecimento com os amigos e os colegas da escola. 30) A Aª, depois de tomar conhecimento que a RR não iam emitir o concurso nem pagar o prémio, sentiu-se perturbada, humilhada e revoltada. 31) E tal atitude privou a Aª de concretizar os projectos referidos que já tinha idealizado depois da sua participação no concurso. 32) E a recusa em liquidar o prémio e transmitir o programa fizeram com que a Aª e os seus filhos se vissem forçados a dirigir-se aos familiares, conhecidos e colegas, a comunicar-lhes o sucedido, o que muito envergonhou a Aª. 33) Na sequência da recusa das RR, a Aª sofreu momentos de angústia e desalento. 34) A Aª assinou um documento idêntico ao referido em 10) no dia 8/5/2006, tendo-lhe sido facultados cerca de 45 minutos em cada um dos dias para ler e assinar tal documento. 35) Em outras sessões do passatempo “C” outros concorrentes foram impedidos de participar por terem declarado conhecer quer colaboradores da ora Ré, quer colaboradores da Ré N, quer, ainda, por serem conhecidos do apresentador do passatempo. 36) Na sala onde a Aª e os outros concorrentes foram encaminhados encontrava-se um elemento da produção para esclarecer os mesmos de alguma dúvida que se suscitasse no âmbito da participação do concurso em causa. 37) E o mesmo elemento da produção acompanhou sempre a Aª e demais concorrentes no momento em que distribuiu “O Acordo de Participação e de Cedência de Direitos” pelos mesmos, alertando-os expressamente para a necessidade de lerem com toda a atenção o respectivo texto. 38) Mais esclarecendo que estaria sempre disponível para quaisquer dúvidas que se suscitassem. 39) A não participação de familiares de trabalhadores/colaboradores/responsáveis, constitui prática generalizada em todas as entidades que promovem concursos e passatempos. 40) O passatempo “C” é um programa televisivo não transmitido em directo, já que a regularidade de participação dos seus concorrentes carece de ser verificada pela Ré. 41) A gravação de cada uma das sessões do passatempo é previamente visionada pela Direcção de Programas da Ré e é, depois, entregue na Supervisão de Emissão para ser emitido. 42) Face à omissão por parte da Aª do seu grau de parentesco com uma trabalhadora da Ré, a mesma transmitiu o programa nº 77 do passatempo e, logo após, o programa nº 79, tendo “saltado” a emissão do programa nº 78 – aquele em que participou a Aª. 43) O passatempo “C” foi encomendado pela então R. à ora Ré N, para uma série de 80 programas. 44) Cada um dos 80 programas comprados pela Ré à N tinha um custo de € 15.000,00 acrescido de IVA, ou seja, cada programa custou à Ré € 18.150,00. 45) E a Ré efectua ainda o pagamento de € 400,00 por programa, valor este correspondente ao cachet pago pela Ré ao apresentador. * Cumpre apreciar. O recurso da Aª incide sobre a decisão da matéria de facto e igualmente no âmbito do debate jurídico. Quanto à primeira parte do recurso, entende a Aª que a resposta dada ao quesito 20º da base instrutória não é aceitável, face à prova testemunhal produzida e também face ao disposto no art. 393º nº 1 do Código Civil. Ao invés, a resposta a tal quesito deveria ter sido de “não provado”. A resposta ao quesito 20º tem o seguinte teor: “Provado que a Aª assinou um documento idêntico ao referido em J) no dia 8 de Maio de 2006, tendo-lhe sido facultados cerca de 45 minutos em cada um dos dias para ler e assinar tal documento”. Reapreciada a prova testemunhal, constata-se que J, ao tempo membro da produção do concurso “C”, confirmou que a Aª assinou o documento referido no quesito, nesse dia 8 de Maio, tendo o documento sido destruído devido ao cancelamento da gravação prevista. Esta testemunha, que privou de perto com os concorrentes, entregando-lhes os documentos a assinar e esclarecendo-os quando necessário, mostrou um conhecimento directo e pessoal dos factos a que se reporta o quesito, mostrando-se convincente, tanto mais que já não se encontra a trabalhar para nenhuma das RR. Assim, esta testemunha demonstrou um conhecimento concreto e não meramente hipotético. Se o conjugarmos com os depoimentos de Q e T – estes centrados na prática habitual da Ré em situações similares – não vislumbramos razão alguma para pôr em causa a resposta dada pelo tribunal a quo ao quesito 20º. Alega a recorrente que o art. 393º nº 1 do Código Civil obsta a que a matéria do quesito pudesse ser provada por testemunhas. Pensamos, salvo o devido respeito, que o caso em apreço não se enquadra no âmbito do referido normativo. O que está em causa no nº 1 do art. 393º é a possibilidade de provar por testemunhas o teor de determinado acordo ou negócio jurídico que não haja sido reduzido a escrito, devendo sê-lo. Como referem Pires de Lima e Antunes Varela - “Código Civil Anotado”, I, pág. 257 - “quando a declaração negocial deva ser reduzida a escrito e não o seja, o acto é nulo (...) sendo, portanto, irrelevante qualquer espécie de prova.” Ora, no caso dos autos, estamos perante uma declaração escrita. A única dúvida é se a mesma foi apresentada à Aª em 8 de Maio e por esta assinada, ou se tal apenas aconteceu em 11 de Maio. Ou seja, saber se antes da sessão de gravação do concurso essa declaração já havia sido presente à Aª. Isto, como é evidente, nada tem a ver com a eficácia negocial de tal declaração – a de 8 de Maio – nem com os seus efeitos, já que a produção a destruiu assim que a sessão de gravação foi cancelada e adiada para o dia 11. O interesse do quesito é meramente o de saber se a Aª já estaria familiarizada com o conteúdo da declaração, antes do dia 11, quando assinou outra declaração de igual teor. Não há assim qualquer razão para considerar o impedimento da prova testemunhal, quando não está em causa a eficácia intrínseca do documento, mas apenas os meros actos materiais da sua entrega à Aª e da assinatura por esta. Pelo exposto, improcede o presente recurso na parte relativa à impugnação da decisão factual, mantendo-se com o seu preciso teor a resposta dada ao quesito 20º. * Vem ainda a Aª alegar que não faltou à verdade na declaração que assinou a 11 de Maio, na medida em que a sua irmã não é nem era à data dos factos funcionária da empresa “R” mas sim da empresa “R – S”. Para lá de ambas as empresas pertencerem ao mesmo grupo, como refere a própria recorrente, pensamos que o que está em causa na declaração assinada pela Aª é a designação genérica de R, como de resto sucede em diversas cláusulas da mesma, como a 11ª, 12ª, 13ª, 14ª, 16º, 17ª, 18ª, 22ª e 23ª, nas quais se refere simplesmente “a R”. Para um declaratário normal, colocado na situação da Aª, a interpretação da designação foca-se no termo R, sobejamente conhecido e referenciador de todo o grupo e não na ramificação empresarial do mesmo, que de resto poderá nem ser do conhecimento da maioria das pessoas. Acresce que a própria Aª não alega que ao preencher o documento, declarando não ter qualquer relação de parentesco com funcionários da Ré, estivesse a pensar na denominação específica das empresas do grupo. É sintomático, de resto, que a Aª, na petição inicial, quando se refere à informação transmitida pela Ré de que prestara falsas declarações, na medida em que um seu familiar era funcionário da R, pensasse de imediato, não no caso da sua irmã, mas no seu falecido marido, M, que fora durante anos um conhecido funcionário da R. É manifesto que a Aª entendeu a referência constante do documento como reportada à R, em geral, e não a uma firma específica das integrantes do grupo, sendo também esse o sentido da declaração que lhe foi apresentada e que assinou. * Passamos assim a abordar a questão fulcral do presente recurso, ou seja, a admissibilidade jurídica da declaração apresentada à Aª para esta a assinar, cerca de 45 minutos antes do início da sua participação no concurso. A R e a 2ª Ré lançaram um concurso, divulgado na comunicação social, com o respectivo regulamento, que denominaram de “C”. A Aª inscreveu-se e foi sujeita a uma prova inicial de selecção, tendo sido admitida a participar no concurso. O concurso era gravado, e na primeira vez que a Aª se aprestava para efectuar a sua prestação, em 8 de Maio, foi-lhe entregue um documento para ler e assinar, o qual, posteriormente, e porque a gravação acabou por ter de ser adiada, foi destruído pela R. A 11 de Maio foi de novo apresentado à Aª um documento de igual teor, para ela ler e assinar. Assinado o documento, a Aª e demais concorrentes iniciaram as provas do passatempo, vindo a Aª a concluir o mesmo como vencedora. O concurso em apreço é um negócio jurídico unilateral, a que se aplica o disposto no art. 463º do Código Civil. Nos termos do nº 2 desse preceito, “a decisão sobre a admissão dos concorrentes ou a concessão do prémio a qualquer deles pertence exclusivamente às pessoas designadas no anúncio ou, se não houver designação, ao promitente”. É evidente que o sentido deste preceito se reporta às condições inerentes à própria competição e à classificação das prestações dos concorrentes . Logo que um concorrente supera os demais no tipo de prova sobre que incide o concurso, o promitente está obrigado a conceder-lhe o prémio prometido. Contudo, no Regulamento do concurso, junto a fls. 18 a 23, que, além do mais determina as diversas sequências que compõem o concurso, encontra-a cláusula 3.4 com o seguinte teor: “No final da gravação de qualquer episódio do programa, a produção e a R podem decidir, de forma incontestável, emitir ou não tal gravação. Caso decidam não emitir o episódio, o participante vencedor, consequentemente, não receberá o prémio ganho, sendo no entanto convidado a participar no programa num outro episódio.” Como se observa na sentença recorrida, mesmo considerando que não estamos perante um contrato, uma tal cláusula concede ao proponente um poder discricionário e injustificado de não emitir o programa e assim não pagar o prémio ao candidato vencedor. Concordamos igualmente com a Mª juiz a quo ser aqui aplicável, ao menos analogicamente, o disposto no art. 22º nº 1 c) do DL nº 446/85 de 25/10, que determina serem relativamente proibidas as cláusulas que “atribuam a quem as predisponha o direito de alterar unilateralmente os termos do contrato, excepto se existir razão atendível que as partes tenham convencionado”. A questão que se coloca é assim a de saber se a declaração apresentada aos concorrentes no dia da gravação do concurso, quando tais concorrentes haviam já transposto as provas de selecção, pode entender-se como integrada na proibição mencionada. Por outras palavras, será que a declaração junta a fls. 25 a 28, constitui uma alteração decidida unilateralmente dos termos do regulamento do concurso? A declaração vem designada como “Acordo de Participação e de Cedência de Direitos”.É composta por 25 números ou artigos, muito em especial o 2º, com o seguinte teor: “Declaro que sou maior de dezoito anos e que não sou empregado, membro, agente, que não tenho qualquer interesse financeiro e não tenho qualquer vínculo de parentesco com os responsáveis, empregados ou colaboradores das seguintes empresas: “ R – (...) “N (...)”. Ao assinar a declaração a Aª, que tinha e tem uma irmã funcionária da R, procedeu assim a uma afirmação não verdadeira, que viria a determinar a não transmissão do programa em que participou e o não pagamento do respectivo prémio. Resultou igualmente provado que a não participação de familiares de trabalhadores ou responsáveis constitui prática generalizada em todas as entidades que promovem concursos ou passatempos. Não se põe em causa a justificação da focada cláusula, que parece evidente, visando afastar suspeições relativamente a favorecimentos ou influências. Também não se põe em causa que, tendo assinado a declaração, a Aª estava obrigada a respeitar a verdade do que declarou. O problema contudo consiste em saber se era válido às RR acrescentarem uma declaração negocial posteriormente à publicação do regulamento do concurso e à selecção dos concorrentes. Questão igualmente suscitada é a de saber se as condições em que o documento foi apresentado à Aª e o tempo que esta dispôs para o ler, eram propícios a uma compreensão adequada do seu teor. Começando por este segundo ponto, que ocupou parte substancial da prova testemunhal e que se reflecte exuberantemente na matéria de facto, a situação é a seguinte: No dia da gravação, na sala onde os concorrentes aguardavam a ida para a sala de maquilhagem e posterior participação no concurso, uma funcionária da produção entregou a declaração à Aª, para esta a ler e assinar. Note-se que, sem a declaração estar assinada, a Aª não poderia participar no concurso. A Aª dispôs de cerca de 45' para ler e assinar o documento, num ambiente agitado – nº 21 dos factos provados – a que se juntaria, naturalmente, a tensão nervosa de quem vai participar num concurso televisivo. Ficou igualmente provado que a Aª assinou a declaração sem ler as respectivas cláusulas, convencida de que se tratava de um mera formalidade visando possibilitar a R a transmitir o programa. É verdade que a Aª já assinara uma declaração de teor idêntico três dias antes, na sessão que foi adiada, mas, face à sua atitude nesse dia 11 de Maio teremos de presumir que, a 8 de Maio, terá igualmente assinado o documento sem ler o seu conteúdo, já que na vez seguinte ainda o desconhecia.. Dito isto, devemos ainda sublinhar que o documento tem três páginas, com 25 cláusulas. A luz da experiência comum da vida, pensamos que alguém colocado nas condições em que o estava a Aª, com o nervosismo normal nessas situações, num ambiente agitado típico de um estúdio televisivo, dispondo de 45' para ler um documento razoavelmente extenso e com a complexidade normal deste tipo de documentos, nomeadamente nas cláusulas visando a exclusão de responsabilidade ou a utilização dos direitos de imagem, não se encontra nas condições adequadas para entender do modo mais conveniente o teor da declaração negocial. Não é admissível que, mostrando os tribunais uma preocupação crescente pelo direito à comunicação e à antecedência necessária a quem subscreve cláusulas contratuais gerais – art. 5º nº 2 do focado DL 446/85 – se vá aceitar como adequada uma situação como a dos autos, em que, para lá do nervosismo normal em quem vai participar pela primeira vez num programa televisivo, para mais um concurso com avultados prémios, o concorrente, certamente mentalmente concentrado na sua iminente participação no concurso, disponha de 45 minutos para ler um documento composto por 25 cláusulas, repartidas por três páginas. A regra do já mencionado art. 5º nº 2 do DL 446/85 é aqui aplicável, mesmo que por analogia: “A comunicação deve ser realizada de modo adequado e com a antecedência necessária para que, tendo em conta a importância do contrato e a extensão e complexidade das cláusulas, se torne possível o seu conhecimento completo e efectivo por quem use de comum diligência”. Não é certamente por acaso que todas as testemunhas que foram ouvidas e que participaram noutras sessões do concurso, tenham dito que assinaram a declaração sem a ler. A questão não é a de saber se, em abstracto, 45 minutos é tempo suficiente para ler o documento. Existem outros factores a considerar como o da disponibilidade emocional e intelectual de quem o lê e o ambiente em que o faz. Entendemos, por outro lado, e retomando a outra questão suscitada pela recorrente, que o documento que lhe foi entregue para assinar, pouco antes do concurso se iniciar, constitui uma verdadeira modificação contratual, relativamente ao regulamento inicialmente publicado. Esse regulamento consubstancia a declaração negocial unilateral, mediante a qual o público é informado das regras de funcionamento e candidatura ao concurso e do respectivo prémio. De acordo com esse regulamento, os concorrentes terão de ser maiores de idade. Nada se diz quanto a relações de parentesco com funcionários das RR. Existe uma fase inicial de selecção na qual os diversos candidatos são escolhidos ou recusados, de acordo com os critérios que presidem ao concurso. Em nosso entender, se as RR pretendiam acrescentar outras estipulações às condições contratuais resultantes do regulamento, seriam inteiramente livres de o fazerem até ao momento em que seleccionam um concorrente. É que, até ao momento em que são seleccionados os participantes no passatempo é perfeitamente admissível que as RR determinem diversas condições de participação e se resguardem mediantes cláusulas de exclusão de responsabilidade e cedência de direitos de imagem. Contudo, a partir do momento em que um candidato é seleccionado para participar no concurso, isso significa que as RR entendem que o mesmo reúne as condições exigíveis para tal participação. A declaração negocial atinge aí a sua perfeição e só circunstâncias supervenientes, violadoras do princípio geral da boa fé – como seria, por exemplo, o caso de um concorrente tentar subornar o júri - poderão justificar a sua exclusão, que mais não será que a revogação unilateral do negócio jurídico pelas RR. O que nos parece inadmissível é, no momento da gravação, colocar a cada concorrente já seleccionado e prestes a participar no concurso, novas cláusulas negociais, cuja assinatura passa a ser condição de participação no programa. Note-se que não é o teor da declaração que está em causa. É o momento em que a mesma é apresentada aos candidatos. Como dissemos, afigura-se-nos que a declaração deveria ser entregue aos candidatos antes das provas de selecção. Desse modo seriam excluídos das provas de selecção os candidatos que não reunissem as condições para participar no programa, como por exemplo o terem uma relação de parentesco com algum funcionário das RR. Quando, na sentença recorrida, se menciona o nº 2 do art. 463º do Código Civil está-se a extravasar dos limites e sentido que ao mesmo devem ser reconhecidos. Com efeito, o mencionado preceito não pode ser interpretado no sentido de que o promitente é livre de conceder ou não o prémio prometido. O seu sentido é o de que a atribuição do prémio depende da decisão das pessoas indicadas no anúncio, ou seja, como é habitual, do júri. É este que decide se os pressupostos para atribuição do prémio foram satisfeitos por um dos concorrentes. Na falta de um júri, ou no caso de este ter sido extinto, é ao próprio promitente que incumbe tal decisão. Mas aqui estamos a falar de terem sido preenchidos determinados pressupostos da atribuição do prémio, não da elaboração e apresentação ao público – e sobretudo aos candidatos – de tais pressupostos. Se um concurso visa que os concorrentes respondam acertadamente a uma série de perguntas de geografia, aquele que for superando as diversas fases e adversários será o vencedor. Mesmo que, por erro do júri, determinada resposta de um concorrente seja considerada certa ou errada, o concorrente prejudicado não poderá socorrer-se da via judicial. Como refere Antunes Varela - “Das Obrigações em Geral”, I, pág. 449 - “a resolução (...) dos problemas da admissão dos concorrentes e da atribuição do prémio oferecido (...) compete, em primeiro termo, às pessoas designadas no anúncio (a que, em regra, se dá o nome de membros do júri); na falta de designação (ou tendo o júri sido extinto por qualquer causa), ao próprio promitente. Se entre os membros do júri houver divergências de opinião, prevalecerá a decisão da maioria, de acordo com a regra geral válida para o apuramento das deliberações dos órgãos colegiais”. Todavia, tais deliberações serão sempre feitas em função das regras inicialmente definidas e que constituem a própria declaração negocial. Se o regulamento estabelecer desde logo que os concorrentes terão de ser todos de nacionalidade portuguesa e se, realizado o concurso, se vier a descobrir que o vencedor não tinha tal nacionalidade, apesar de o ter declarado na prova de selecção, então existe manifesta má fé negocial do concorrente, para lá de não reunir os pressupostos necessários para competir. Ora, a questão dos presentes autos é diferente. Por um lado, não nos parece aceitável que se modifiquem as regras do concurso já depois de o concorrente ter sido seleccionado. Por outro lado, tais modificações são entregues ao concorrente, em circunstâncias tais que não lhe permitem a antecipação necessária para se inteirar cabalmente do conteúdo da declaração negocial que lhe é presente. É preciso sublinhar que não se pode em qualquer caso falar de um comportamento da Aª revelador de má fé, na medida em que ficou provado que ela assinou a declaração sem ler as cláusulas que dele constavam (nº 23 da matéria de facto provada). Não se pode pois inferir que, por qualquer modo, tenha a Aª tentado ludibriar as RR ocultando-lhes o seu parentesco com uma funcionária da R. Será ainda bom não esquecer que essa cláusula, relativa às relações de parentesco, é uma entre 25 cláusulas. Entendemos assim, pelo exposto, que – independentemente da transmissão do programa, que não constituía prémio algum – a Aª tem direito a haver das RR o prémio prometido, uma vez que, nas provas prestadas durante o concurso, foi a vencedora. * Já não podemos concordar com a recorrente no tocante à indemnização por danos morais. O art. 496º nº 1 do Código Civil prevê que “na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade mereçam a tutela do direito”. Ora, face ao que se apurou, no âmbito de uma situação de responsabilidade contratual, não se vislumbram razões para que a Aª se tenha sentido envergonhada ou angustiada. A recusa de entrega do prémio pela R ficou a dever-se apenas ao facto de a mesma Aª ter assinado um documento onde, entre outras cláusulas, o concorrente declarava não ter qualquer relação de parentesco com funcionários das RR. E a Aª era irmã de uma funcionária da R. Independentemente da validade do documento, quer como modificação contratual quer no que toca às condições para a sua adequada leitura e compreensão, a R nunca imputou à Aª qualquer comportamento ilícito ou menos próprio que pusesse em causa o seu bom nome, a sua dignidade. Ter ganho um concurso e não receber o prémio por ser familiar de um funcionário do promitente, poderá ser frustrante e causa de forte aborrecimento, mas não justifica que o concorrente sinta vergonha ou angústia. Aliás a carta junta a fls. 30/33, enviada pela Aª à R, em 2/6/2006, logo que foi informada de que lhe não seria entregue o prémio, não menciona quaisquer transtornos morais graves mas tão só a indignação perante o que a Aª entende ser um incumprimento do contrato. Pensamos assim que, no âmbito de um nexo causal decorrente da atitude da R, não existem nem se justificam dentro de um critério de normalidade, padecimentos morais de uma gravidade tal que justifiquem a tutela do direito. * Podemos assim concluir que: – Lançado um concurso por uma estação de televisão e publicado o respectivo regulamento, o qual integra cláusulas relativas aos critérios de admissão dos concorrentes e da estrutura e funcionamento orgânicos do concurso, e tendo sido seleccionados os concorrentes que irão participar no mesmo, não é admissível a posterior alteração da declaração negocial pela mesma estação televisiva, estabelecendo novas regras e pressupostos de admissão ao concurso. – Viola o disposto no art. 5º nº 2 do DL nº 446/85 de 25/10, a apresentação aos concorrentes de uma declaração negocial, contendo 25 cláusulas repartidas por 3 páginas, no dia da gravação do concurso e cerca de 45 minutos antes de esta se iniciar. – Com efeito, num momento em que os concorrentes têm a sua atenção centrado no concurso prestes a iniciar-se, padecendo do natural nervosismo de quem nunca enfrentou as câmaras, num ambiente agitado, próprio da televisão, a entrega de tal documento por uma funcionária da produção com a menção de que o deviam ler e assinar, não permite aos mesmos concorrentes, no âmbito de uma diligência normal, desfrutarem de condições que tornem possível o conhecimento completo e e efectivo das mencionadas 25 cláusulas. * Assim e pelo exposto, julga-se o recurso parcialmente procedente, condenando-se as Rés R e NPE- Novas Produções de Espectáculos S.A. a pagarem à Aª a quantia de € 65.000,00, acrescida de juros de mora à taxa legal desde data de citação e até integral pagamento. Absolvendo-se as RR do mais peticionado. Custas por Aª e RR, na proporção do respectivo decaimento. Lisboa, 24 de Setembro de 2009 António Valente Ilídio Martins Teresa Pais |