Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | TERESA ALBUQUERQUE | ||
Descritores: | ACÇÃO DE DESPEJO FALTA DE PAGAMENTO DA RENDA RESOLUÇÃO DO CONTRATO | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 02/11/2010 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA A DECISÃO | ||
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Sumário: | 1 - O disposto no nº 3 do art 1083º do CC, na redacção da L 6/2006 de 27/2, poderia suscitar a questão de saber se o legislador terá pretendido que o fundamento resolutivo resultante da mora no pagamento da renda que se mostre superior a três meses ficasse sujeito à mensuração e avaliação pelo julgador, de tal modo que o mesmo pudesse vir a concluir que aquela mora poderia não implicar a inexigibilidade para o senhorio da manutenção do contrato. 2 -A letra da lei não favorece esse entendimento e tão pouco a história do preceito, isto, pese embora a bilateralização das “justas causas” de resolução introduzidas pelo NRAU, e pese embora o tratamento de favor em relação ao regime anterior que resulta para o arrendatário que deixa de pagar a renda, visto que o senhorio tem “seis longos meses” (os três de espera da comunicação resolutiva, mais os três meses concedidos para pôr termo eficazmente ao seu incumprimento) para lograr, ou não, a resolução do contrato. 3- Deverá entender-se que o legislador optou por acrescentar logo ao nº 1 do art 1083º - em que faz um enunciado exemplificativo de cinco casos que tipicamente representam hipóteses legais de incumprimentos do arrendatário que tornam inexigível a manutenção do arrendamento pelo senhorio – mais um, o previsto no nº 3. 4 -Todos eles – incluindo o do nº 3 – constituem casos típicos de resolução e não meras presunções ilidíveis de inexigibilidade da manutenção do arrendamento pelo senhorio. Provados tais factos, nenhum juízo de valor se tem de lhe acrescentar para se constituir ou afastar o direito à resolução por parte do senhorio. Verificados quaisquer deles, não poderá pois, ainda provar-se que não obstante a sua ocorrência, não será inexigível ao senhorio a manutenção do contrato, afastando-se a resolução. 5 - O não pagamento da renda ou dos encargos constitui uma infracção grave praticada pelo arrendatário, que põe em causa o nexo sinalagmático que caracteriza o contrato de arrendamento, pelo que se justifica que possa determinar a resolução do contrato. (Sumário da Relatora) | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa I - Nos presentes autos de acção declarativa de condenação, com processo sumário, que José instaurou em 16/7/07 a Maria, pede o mesmo que se declare resolvido o contrato de arrendamento referente ao rés-do-chão esquerdo do prédio urbano sito na Rua ...., em Lisboa, e que, consequentemente, se decrete o despejo e se condene a R. a entregar-lhe tal imóvel livre e devoluto de pessoas e bens. Alega que a partir de 1/2/05 a R. deixou de pagar as rendas devidas pelo gozo do locado, estando em dívida, à data da petição inicial, € 2.931,00, mais alegando que as rendas entre 1/2/05 e 31/12/06 eram no valor de 97 €, e que as vencidas a partir de 1/1/07 eram no valor de 100 € cada, e que, tendo requerido a notificação judicial avulsa da R. para a resolução do contrato de arrendamento a mesma não foi conseguida porque a R. não foi encontrada na morada em causa. A R. contestou a acção, alegando que a renda devida pelo locado nunca foi actualizada para o valor pecuniário de € 100,00, e que o A., conhecendo as dificuldades de locomoção da R. (pessoa deficiente e idosa), desenvolveu actos no sentido de a impedir de pagar pontualmente as rendas – designadamente, com mudanças constantes do local de pagamento. Assim, ela passou a depositar aquelas rendas na CGD, a partir de Abril de 2005, facto que o A. não ignora. Contesta que as rendas vigentes entre 1/2/05 e 31/12/06 ascendessem a 97,00 €. Mais alega que as rendas peticionadas vencidas em Fevereiro e Março foram pagas, como comprova pelos recibos que junta, pelo que só por má fé é proposta a acção. O A. respondeu, quanto aos depósitos, referindo que a R. para obstar à resolução do arrendamento deveria ter depositado o valor correspondente à indemnização legal, o que não fez, além de que, porque a contestação deu entrada em 4/1/08, deveria ter feito prova do depósito da renda vencida em 1/1/08, o que também não fez, referindo ainda não serem aqueles depósitos liberatórios, por insuficientes no seu valor. Quanto ao valor da renda, reitera que entre 1/1/06 e 1/12/06 a renda era no valor de 97 €, e que a partir de 1/1/07 passou a ser de 100 €, juntando comunicação da actualização da renda para Janeiro de 2006 e comunicação da actualização da renda para Janeiro de 2007, referindo que a R a não levantou da estação de correios por culpa sua. Reduz o pedido por falta de pagamento de rendas apenas para as vencidas a partir de 1/4/05, admitindo que as vencidas em 1/2/05 e 1/3705 foram pagas. Informa ainda que o procurador do A., por carta registada de 10/1/06 comunicou à R que as rendas se encontravam em divida tendo-a convidado a regularizar a situação, mas a R não levantou a carta do correio. A R. entendendo não haver lugar à resposta do A, veio referir que não tinha que proceder a qualquer indemnização porque o depósito iniciado em Abril de 2005 foi efectuado no dia 8/4/05, que não recebeu a carta com o aumento relativo a 2007, pelo que durante esse ano depositou o montante que segundo informação recebida considerou correcto. De todo o modo, depositou agora a diferença de rendas relativas ao ano de 2007 e Janeiro de 2008 (20,60 €) acrescida de indemnização legal no valor de 30,90, e que fará o depósito a partir desta data no valor de 102,50 €, embora o A não tivesse feito qualquer prova de notificação do aumento da renda para 2008. Foi proferido despacho saneador, tendo sido prescindida a selecção da matéria de facto. Realizado julgamento, foi proferida sentença julgando improcedente a acção e absolvendo a R. do pedido. II - Inconformado, o A. apelou, tendo concluído as respectivas alegações do seguinte modo: 1-A mora superior a três meses no pagamento da renda, prevista no nº3 do art 1083º CC, é sempre fundamento para a resolução do contrato de arrendamento, não é abrangida pela cláusula geral prevista no nº 2 do mesmo artigo, pelo que não carece de uma avaliação pelo julgador da sua gravidade ou consequências em termos de determinar a inexigibilidade da manutenção do contrato. 2-Está provada nos autos a mora da R. superior a três meses no pagamento da renda. 3-Os valores depositados na CGD são insuficientes, não liberatórios para efeitos de cessação da mora nos termos do art 1042º CC. A R apresentou contra-alegações pugnando pela manutenção do decidido nelas concluindo: 1- O A. peticionou rendas que entendeu estarem em divida desde 1/2/05 (Março 2005) e 1/3/05 (Abril de 2005), rendas que a R. havia pago no tempo e lugar próprios, como o comprovam os recibos juntos aos autos. 2-A mora no pagamento de rendas pelo período de tempo superior a três meses constitui fundamento de resolução do contrato de arrendamento. 3- Contudo, a resolução do senhorio quando opere por comunicação à contraparte e se funde na falta de pagamento da renda, fica sem efeito se o arrendatário puser fim à mora no prazo de três meses (art 1084º/3 CC). 4-Ora a R recorrida pôs termo a qualquer mora desde Abril de 2005, inclusive, depositando à ordem do A. na CGD as rendas que se vêm vencendo mensalmente (arts 24º/1 e 2 do RAU). 5-O A foi informado dos depósitos (cfr ponto 16º da contestação não impugnado na sua resposta/réplica) pelo que nos termos do art 490º/2 do CC deve ser considerado confessado. 6-Logo, nunca a R. entrou em mora no pagamento de qualquer das rendas, pelo que o recurso à acção de resolução do contrato de arrendamento e acção de despejo configura, inclusive, um acto ilícito atenta a falta de fundamento. 7- Os valores depositados pela R desde Abril de 2005 até á presente data respeitam os montantes devidos a título de renda mensal tendo, inclusive, efectuado o deposito da diferença, irrisória, com a indemnização legal e à cautela (art 802º/2 do CC) dentro do prazo previsto no art 1048º CC. 8- Tendo os depósitos sido efectuados mensalmente dentro do prazo legal (art 1041/2 CC) desde Abril de 2005, inexiste fundamento para o pagamento de qualquer indemnização. Colhidos os vistos, cumpre decidir. III - Encontram-se provados os seguintes factos: 1 - A aquisição da fracção autónoma correspondente ao rés-do-chão esquerdo do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, sito na Rua ...., em Lisboa, inscrito na matriz respectiva sob o artigo ..., encontra-se inscrita a favor do A., José. 2 - Por contrato com início em 1 de Janeiro de 1970, um anterior proprietário do citado prédio deu-o de arrendamento à R. Maria, com destino a habitação, pela renda mensal de 2.500$00. 3 - Convencionou-se que as rendas seriam pagas na conta nº ... do Banco. 4 - As rendas vencidas entre 1 de Fevereiro de 2005 e 31 de Dezembro de 2006 ascendiam a € 97,00 mensais. 5 - As rendas vencidas a partir de 1 de Janeiro de 2007 ascendiam a € 100,00 mensais. 6 - A partir de 8 de Abril de 2005, mensal e sucessivamente, a R. passou a proceder ao pagamento das rendas, nos montantes de € 94,98 até 6 de Dezembro de 2005; de 97,00 €, de 4 de Janeiro de 2006 a 6 de Dezembro de 2006; de € 98,45 de 4 de Janeiro de 2007 a 5 de Dezembro de 2007, por depósito na Caixa Geral de Depósitos, S.A. (documentos de fls. 41 a 73, processados pela referida instituição bancária). IV - Das conclusões das alegações resulta para o presente recurso, o seguinte objecto: -Saber se a mora superior a três meses no pagamento da renda, a que se refere o nº 3 do art 1083º (na redacção da L 6/2006 de 27/2), é sempre fundamento para a resolução do contrato de arrendamento, não sendo abrangida pela cláusula geral prevista no nº 2 do mesmo artigo; -Saber se resulta provada a mora da R. superior a três meses no pagamento da renda; -Saber se os valores depositados na CGD não são liberatórios para efeitos de cessação dessa mora. Cumpre, antes de mais, proceder ao enquadramento das questões acima referenciadas, quer em função do decidido na acção, quer em função do regime legal a aplicar. Na sentença recorrida entendeu o Exmo Juiz a quo que, não obstante a R. não ter conseguido demonstrar qualquer causa justificativa da realização dos depósitos na CGD, admitindo, por isso, que a mesma estivesse em mora relativamente ao pagamento das rendas por período superior a três meses, tal mora, no contexto dos demais factos provados – ter o A. pedido inicialmente duas rendas já pagas, como a R. o provou, juntando os respectivos recibos (com o que logo teria configurado indevidamente a mora), conjugada com a circunstância de estarem depositadas todas as rendas cujo pagamento aquele veio peticionar - não assume a gravidade ou consequências suficientes para tornar inexigível ao A. a manutenção do arrendamento, e porque era a este que cabia a demonstração da infracção e da sua relevância em termos de tornar insubsistente a manutenção do contrato de arrendamento, não decretou o despejo. A acção foi proposta em 16/7/2007 com fundamento no não pagamento das rendas desde a referente ao mês de Abril de 2005 (isto, após a redução do pedido operada pela A. no articulado de resposta à contestação, cuja admissão, em face do preceituado no nº 2 do art 273º CPC, é indiscutível). Como é sabido, no período temporal em referência, entrou em vigor o NRAU, concretamente em 28/6/2006, diploma que tendo operado modificações relevantes no que respeita à resolução do contrato de arrendamento, estabeleceu prevalecentemente a sua aplicação imediata aos arrendamentos que então se mostrassem vigentes – cfr arts 26º/1, 27º e 59º - entendimento também ele válido no que toca aos fundamentos da resolução (embora aqui sem prejuízo das normas transitórias constantes dos arts 26º e 27º, cfr art 59º/1). O fundamento resolutivo cuja aplicação está em causa nos autos, tendo-se iniciado na vigência do RAU, prolongou-se para além desta, subsistindo com a entrada em vigor do NRAU. Tal circunstância vai implicar que se apliquem um e outro dos regimes, o anteriormente vigente, apenas no tocante ao regime da consignação em depósito das rendas, cujos pressupostos têm de ser avaliados à data do seu início, e o hoje vigente no tocante à eficácia resolutiva da falta de pagamento das rendas [1]. Pelo que se veio de dizer, resulta que será em função do hoje disposto no art 1083º CC que deverá ser avaliado o facto jurídico falta de pagamento de rendas, tal como foi entendido na 1ª instância. Está, pois, em causa o novo art 1083º CC, cuja redacção é a seguinte: “1- Qualquer das partes pode resolver o contrato, nos termos gerais de direito, com base em incumprimento pela outra parte. 2. É fundamento de resolução o incumprimento que, pela sua gravidade ou consequências, torne inexigível à outra parte a manutenção do arrendamento, designadamente, quanto à resolução pelo senhorio: (…) 3. É inexigível ao senhorio a manutenção do arrendamento em caso de mora superior a três meses no pagamento da renda, encargos ou despesas (…)”. A primeira questão suscitada no recurso é a de saber, se o legislador quis ou não submeter o fundamento resolutivo da mora superior a três meses no pagamento da renda, à mensuração e avaliação pelo julgador “do até que ponto” tal mora poderá implicar a inexigibilidade para o senhorio da manutenção do contrato, admitindo-se assim, nesta configuração, que tal mora, concluída essa avaliação, possa não justificar o despejo, como foi entendido na 1ª instância. A letra da lei – logo o nº 3 da referida norma, quando liminarmente dispõe “ não é exigível ao senhorio a manutenção do arrendamento” - não favorece o entendimento recorrido. E a história do preceito - pese embora a bilateralização das “justas causas” de resolução introduzidas pelo NRAU, e pese embora o tratamento de favor, em relação ao regime anterior, que resulta para o arrendatário que deixa de pagar a renda, dos “seis longos meses”, os três de espera da comunicação resolutiva, mais os três meses concedidos para pôr termo eficazmente ao seu incumprimento” [2] - também não a justifica. É assim que no preâmbulo do Anteprojecto da L 6/2006 se lia: [3] “As partes devem pautar-se pelo princípio da boa fé no cumprimento das obrigações dando um sinal ao mercado de que o arrendatário deve primar pelo pontual cumprimento das obrigações, prevendo-se expressamente que é sempre inexigível ao senhorio a manutenção do arrendamento em caso de mora no pagamento da renda superior a três meses…”. De facto, o legislador optou por acrescentar logo ao nº 1 do art 1083º - em que fez um enunciado exemplificativo de cinco casos que tipicamente representam hipóteses legais de incumprimentos do arrendatário que tornam inexigível a manutenção do arrendamento pelo senhorio – mais um, o previsto no nº 3. Diz Pinto Furtado a respeito da tipificação destes casos: [4] “São portanto, obviamente, casos típicos de resolução; não meras presunções ilidíveis de inexigibilidade da manutenção do arrendamento pelo senhorio. Provados tais factos, nenhum juízo de valor se tem de lhe acrescentar para se constituir ou afastar o direito à resolução por parte do senhorio (…) Verificados quaisquer deles, não poderá pois, ainda provar-se que não obstante a sua ocorrência, não será inexigível ao senhorio a manutenção do contrato, afastando-se deste modo a resolução – permita-se-nos o plebeísmo – pela porta do cavalo”. No mesmo sentido se pronuncia Menezes Leitão referindo [5]: “A lei procede à tipificação de algumas situações de resolução do contrato, havendo outras que poderão igualmente enquadrar-se na cláusula geral a que se refere o proémio do art 1083º/2 (…) A lei procede nos arts 1083º/ 2 e 3 a uma enumeração exemplificativa de causas de resolução do arrendamento urbano pelo senhorio, sendo que a primeira consiste na ocorrência de mora superior a três meses no pagamento da renda, encargos ou despesas (art 1083º/3). Efectivamente, o não pagamento da renda ou dos encargos constitui uma infracção grave praticada pelo arrendatário, que põe em causa o nexo sinalagmático que caracteriza o contrato de arrendamento, pelo que se justifica que possa determinar a resolução do contrato (…).” A resposta à primeira questão acima enunciada é assim negativa. Pelo que, caso se entenda que há mora da R. no pagamento das rendas, e que tal mora é superior a três meses, deverá ser considerada procedente a presente acção, a menos que tenha ocorrido a purgação dessa mora. Saber se a R. está em mora relativamente ao pagamento das rendas, passa por saber se lhe era legítimo ter procedido à consignação em depósito das rendas, o que como acima já se referiu, deverá ser visto em face do regime anterior referente à consignação em depósito. O art 22º/1 do RAU, no seu nº 1, estabelecia as situações em que era possível ao arrendatário lançar mão da consignação em depósito, prevendo à cabeça, a decorrente da verificação dos pressupostos da consignação em depósito (tal como está prevista no art 841º/1 CC). Consequentemente, a lei permite ao arrendatário que com a consignação em depósito das rendas garanta a sua posição, quando o senhorio se recuse a aceitá-las, colocando-se ele em mora quanto ao seu recebimento, ou quando, (por outras) razões atinentes à pessoa do senhorio, o arrendatário não possa ou não se veja seguro quanto àquele pagamento (als b) e a) do nº 1 do art 841º). O art 23º regia quanto aos procedimentos a adoptar para a consignação em depósito das rendas e o art 24º RAU preceituava ser facultativa a notificação ao senhorio do depósito da renda. “A natureza facultativa da notificação ao senhorio do depósito da renda explica-se porque ou se verificam os pressupostos da consignação em depósito que o senhorio conhece ou deve conhecer, ou corre uma acção de despejo da qual o senhorio deve também ter conhecimento” [6]. Hoje no NRAU a lei obriga o arrendatário a comunicar ao senhorio o depósito da renda – art 19º/1 e ss - sem prejuízo, de quando esteja pendente acção de despejo essa comunicação ser substituída pela junção do duplicado ou duplicados das guias de deposito à contestação que produz os efeitos da comunicação – art 19º/2 do NRAU [7]. De todo o modo, porque claramente no âmbito do RAU era facultativa a notificação da consignação em depósito ao senhorio, mostra-se inútil nos presentes autos de recurso, pretender fazer prova (por admissão por acordo) do conhecimento do A. relativamente à consignação em depósito das rendas, como se esforça a apelada nas contra-alegações deste recurso. Nenhum efeito adverso decorre para a R. do facto de não ter comunicado ao A. que passara a proceder à consignação em depósito das rendas, sendo inútil provar que este teve, ou não, conhecimento de tal consignação. Verdadeiro onús tinha a R. no que respeita à prova dos requisitos para proceder à consignação em depósito. Neste particular, a R. limitou-se a alegar na contestação: “O A., como resulta da presente acção, vem agindo intencionalmente no sentido de criar as condições para pôr termo ao contrato de arrendamento (art 14º). Conhecendo embora o A. as dificuldades de locomoção da R., pessoa deficiente e idosa, tudo vem fazendo para a levar a omitir o pagamento com as constantes mudanças de local de pagamento e atrasos na entrega dos recibos mensais (15º). Por esse facto e visando impedir que o A. tivesse êxito na sua intenção de fazer cessar o contrato de arrendamento, a R. decidiu começar a depositar a renda mensal na CGD a partir de Abril de 2005 (Maio/05) o que aquele não ignora (art 16º)”. Mas estes factos não resultaram provados, sequer pela junção aos autos pela R. dos documentos de fls 133, 134 e 135 (aliás, único meio de prova utilizado, pois que não apresentou testemunhas em audiência). Aliás, diga-se de passagem, que as alegações da R. atrás reproduzidas, pela sua vacuidade e abstracção, não poderiam conduzir à prova de que a R. se viu obrigada a recorrer à consignação em depósito das rendas a partir da que se venceu em Abril de 05, por um qualquer motivo concreto ocorrido nessa altura, como seria necessário. Não tendo feito prova como lhe competia dos pressupostos necessários para consignar em depósito as rendas, a R. colocou-se em mora quanto ao pagamento das rendas. E essa mora perdura há (muito) mais de três meses [8] [9]. Por outro lado, a R. não procedeu, até ao termo do prazo da contestação, como o determina o art 1048º/1 do CC, e nem sequer condicionalmente (precisamente para o caso de não lograr provar os requisitos para a consignação em depósito das rendas) à consignação em depósito da indemnização referida no nº 1 do art 1041º CC, isto é, de 50% das rendas até aí vencidas [10]. Por isso, não purgou a mora. E tanto basta para que os depósitos cujos comprovativos estão junto aos autos se não mostrem liberatórios, tal como o A. o evidenciou na impugnação aos mesmos a que procedeu na articulado de resposta à contestação. De nada serve à R. em momento subsequente a esse articulado ter vindo consignar em depósito a diferença de valores das rendas referentes ao ano de 2007 aceitando – visto que não procedeu condicionalmente à consignação em depósito em referência - que o valor das rendas para esse ano era o de 100 €, tal como o A. lho comunicara por carta correspondente ao escrito de fls 90 que ela não recebeu porque a não levantou dos correios, e não o de 98,45 €. . Com efeito, esse reconhecimento relativo ao valor das rendas – para além dele próprio se revelar tardio, pois que enquanto “somas devidas”, devia ter sido feito até ao termo do prazo da contestação nos termos já referidos do nº 1 do art 1048º CC – não afasta a mora da R. consistente em não ter pago as rendas no tempo e lugar próprio. Do que se vem de dizer, resulta que a acção tem de proceder, ao contrário do que foi entendido na 1ª instância. A circunstância do A. ter pedido na petição inicial as rendas de Março e Abril de 2005 quando as mesmas haviam sido devidamente pagas, consoante a R. o provou juntando os respectivos recibos, e a circunstância do valor que indicou para as rendas referentes ao ano de 2005 não ser o de € 97,00 mas o de 94,98, são meros lapsos que a A. corrigiu no articulado de resposta, em nada tendo intervindo relativamente à mora da R. V – Pelo exposto, acorda este tribunal em julgar procedente a apelação, e revogando a sentença recorrida, declara resolvido o contrato de arrendamento referente ao rés-do-chão esquerdo do prédio urbano sito na Rua ..., em Lisboa, decretando o despejo e condenando a R. a entregar ao A. tal imóvel livre e devoluto de pessoas e bens, e a pagar-lhe as rendas vencidas, bem como as quantias correspondentes às das rendas que se venceriam até à restituição do imóvel. Custas pela apelada. Lisboa, 11 de Fevereiro de 2010 Maria Teresa Albuquerque Isabel Canadas José Maria Sousa Pinto [1]- Neste sentido, cfr Pinto Furtado, “Manual do Arrendamento Urbano”, II , 4ª ed, p 1014/1015. [2] - Assim se exprime Pinto Furtado, obra citada , p 1000 e p 1024 [3]- Ainda Pinto Furtado, obra citada, p 1020 [4] - De novo Pinto Furtado, obra citada, p 1001/1002 [5] - “Arrendamento Urbano” 3ª ed, p 96 [6] - “Novo Regime do Arrendamento Urbano anotado” , Menezes Cordeiro/Castro Fraga, 1990, p 78). [7]- Refere Menezes Leitão, obra citada, nota 183 a p. 177, que “não parece, porém, que a ausência de comunicação afecte a eficácia liberatória do depósito, podendo apenas constituir fonte de responsabilidade civil para o arrendatário”. [8]- Quer se entenda que os três meses a que se refere a expressão legal se reportam a três meses de rendas em atraso, quer se entenda que a lei se reporta apenas a uma renda, ou parte dela, por mais de três meses, como parece ser o entendimento mais adequado. Neste sentido, Pinto Furtado, obra citada, p 1021, que refere: “ De acordo com o próprio teor literal da nossa lei, a inexigibilidade de manutenção do contrato pelo senhorio não depende de se perfazerem mais de três meses de renda mas, tão somente, mais de três meses de mora, ainda que de uma só renda ou parte da renda, ou inclusivamente, só dos encargos acessórios lícitos, ou só de parte deles”. [10]- Como é sabido, o art 1041º CC estabelece um regime específico para a mora do arrendatário prevendo que em lugar dos juros moratórios fixados no art 806º o senhorio tenha direito a exigir, além das rendas em atraso, uma indemnização correspondente a 50% do que for devido. |