Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | RUI VOUGA | ||
Descritores: | CONTRATO DE ARRENDAMENTO COMPROPRIEDADE INVALIDADE DO NEGÓCIO ABUSO DE DIREITO | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 07/08/2008 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA A DECISÃO | ||
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Sumário: | I - Quando o imóvel comum é dado de arrendamento por um dos comproprietários sem o assentimento dos restantes dúvidas não existem que a invalidade em questão não se inspira em razões de interesse e ordem pública, visto que foi estabelecida no exclusivo interesse do consorte que não deu o seu assentimento ao arrendamento, pelo que não pode ser declarada oficiosamente pelo tribunal, nem a pedido daquele que abusivamente arrendou coisa que lhe não pertencia por inteiro. II - Trata-se duma invalidade que é sanável mediante confirmação, nos termos do art. 288º, nº 1, do Código Civil, que se identifica com o assentimento posterior ao arrendamento dado pelo consorte que não interveio no contrato e não tem de ser expressa, pois pode deduzir-se de factos que com toda a probabilidade a revelem (factos concludentes), nos termos dos arts. 288º, nº 3, e 217º, nº 2, do Código Civil. III - O comproprietário ao exigir em juízo, o pagamento da sua quota-parte nas rendas pagas pela ora Ré, em troco da utilização do rés-do-chão do prédio em questão, deu o seu assentimento tácito ao arrendamento verbalmente concluído, entre um gerente da comproprietária e o locatário, pelo qual aquele autorizou esta a utilizar o referido andar. IV – O recebimento de rendas pelos outros comproprietários não outorgantes do contrato de arrendamento que tem por objecto um prédio indiviso significa, normalmente, o seu assentimento posterior ao mesmo arrendamento. V - O não exercício prolongado está na base quer da situação de confiança quer da justificação para ela. Ele deverá, para ser relevante, reunir elementos circundantes que permitam a uma pessoa normal, colocada na posição do beneficiário concreto, desenvolver a crença legítima de que a posição em causa não mais será exercida. O investimento de confiança traduzirá o facto de, mercê da confiança criada, o beneficiário não dever ser desamparado, sob pena de sofrer danos dificilmente reparáveis ou compensáveis. FG | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção Cível da Relação de Lisboa: P intentou acção declarativa de condenação, sob a forma de processo sumário, contra C LDª., pedindo a condenação da Ré a reconhecer o direito de propriedade do A. sobre o imóvel identificado nos arts. 1 ° e 2° da petição inicial, a restituir-lhe o R/C do mesmo imóvel, livre e devoluto de pessoas e bens, e a pagar-lhe uma indemnização, de valor não inferior a 1.000,00 euros por mês, pela ocupação indevida do imóvel. Alegou, para tanto, que é proprietário do referido imóvel e que a Ré se encontra a ocupar o R/C do mesmo sem dispor de título para o efeito, impedindo o A. de o dar de arrendamento ou de o destinar ao fim que lhe aprouver. A Ré contestou, por excepção e por impugnação. Defendendo-se por excepção, invocou ter celebrado com a sociedade “N, Ldª.”, anterior comproprietária do imóvel, um contrato de arrendamento verbal que tem por objecto o imóvel dos autos, tendo esta sociedade sido autorizada a celebrar o referido contrato pelos outros comproprietários, os quais lhe haviam emitido procurações para em nome deles administrar o imóvel. Mais alegou que sempre pagou rendas àquela sociedade, a qual entregava aos restantes comproprietários a sua quota-parte nas rendas e emitia os correspondentes recibos de renda em nome da Ré. Alegou ainda que o contrato de arrendamento em causa é do conhecimento do A., o qual reconheceu a Ré como arrendatária do imóvel numa acção de prestação de contas que intentou contra a referida sociedade “N, Lda.”. Defendendo-se por impugnação, impugnou os factos alegados pelo A.. A Autora respondeu à contestação, alegando que o contrato de arrendamento invocado pela R. não é válido, porquanto a sociedade N, Lda. não tinha poderes para dar o imóvel de arrendamento, pois as referidas procurações dos outros comproprietários não lhe conferiam poderes especiais para o efeito. Mais alegou que não recebeu da R. qualquer renda, que a aceitação de contas numa acção de prestação de contas não legaliza contratos celebrados com terceiros, que a R. não especifica os termos do contrato de arrendamento que invoca e que o A. e os anteriores comproprietários do imóvel não consentiram no arrendamento do mesmo. Findos os articulados, o processo foi saneado, organizou-se a base instrutória e teve lugar a audiência de discussão e julgamento, finda a qual foi proferida sentença (datada de 29/8/2007) que julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência: A) Condenou a R., C, Ldª., a reconhecer o direito de propriedade do A., sobre prédio urbano situado no Largo do Limoeiro; B) Absolveu a R. dos pedidos de condenação na restituição ao A. do R/C do imóvel identificado em A) e no pagamento de uma indemnização ao A. pela ocupação indevida do mesmo imóvel. Inconformado com o assim decidido, o Autor apelou da referida sentença, tendo rematado as concernentes alegações com as seguintes conclusões: “1. A emissão de recibos de renda em nome da R., por um procurador que não tinha poderes especiais para celebrar contratos de arrendamento sob regime vinculístico, não tem virtualidade suficiente para provar a existência de um contrato de arrendamento. 2. As procurações de fls. 51 e 52, emitidas por dois comproprietários, dado o seu âmbito limitado, não conferem poderes à mandatária para celebrar contratos de arrendamento sob regime vinculístico, como é o caso dos autos, nem tal foi entendido pelos mandantes (Cfr. texto das procurações e depoimento das testemunhas) -depoimento gravado, rotação 234 e sgs.) e N ( idem - rotação 32 e sgs.). 3. A celebração de contrato de arrendamento oponível ao A. implicava o assentimento prévio ou posterior do seu pai, da mulher deste e do outro comproprietário, (Doutrina e jurisprudência citadas, e art.ºs 1024.º e 1682.º A) do CC). 4. A celebração de contratos de arrendamento sob regime vinculístico não cabe nos poderes de administração ordinária sendo necessária procuração com poderes especiais (Doutrina citada). 5. Mesmo a considerar-se válido o contrato de arrendamento celebrado entre a procuradora e a R. tal contrato não é oponível ao A. 6. À data do acordo para ocupação do local, como é dito pela R. (Março de 1987) esta não tinha existência legal, nos termos do art.º 5.º do Código das Sociedades Comerciais, por ainda não estar registada (o que só se verificou em 16 de Junho seguinte). 7. A acção de prestação de contas, proposta pelo A. por a Norton, Lda. não as prestar desde há vários anos a seu pai, não implica o reconhecimento de qualquer arrendatário, em especial da R. 8. O reconhecimento de um arrendatário por um dos comproprietários não vincula os outros (jurisprudência citada). 9. O conhecimento de uma ocupação não constitui reconhecimento do ocupante como arrendatário (Jurisprudência citada). 10. Não há qualquer prova nos autos de que quer o A. quer os anteriores comproprietários reconheceram a R., como arrendatária, na qualidade de arrendatária. 11. O ónus de prova quanto à validade do consentimento por parte dos restantes comproprietários é da R. (Jurisprudência citada). 12. Nos termos do art.º 712.º, n.º 1, a) e b) do CPC o Tribunal da Relação pode alterar a decisão sobre a matéria de facto se do processo constarem todos os meios de prova que serviram de base à decisão e se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa. 13. A sentença proferida violou os art.ºs 985.º, n.º 2, 1024.º, 1408.º e 1682, a) do CC e o art.º 659.º, n.º 3 do CPC. Termos em que a sentença deve ser revogada, com todas as legais consequências, em especial a condenação da R. na entrega do local devoluto de pessoas e bens ao A., e no pagamento de uma indemnização de 1.000,00 mensais, correspondente ao valor locativo do rés-do-chão em causa, conforme ficou provado nos autos.” A Ré/Apelada contra-alegou, pugnando pela improcedência total da Apelação do Autor. Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir. O OBJECTO DO RECURSO Como se sabe, sem embargo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer ex officio, é pelas conclusões com que o recorrente remata a sua alegação (aí indicando, de forma sintéctica, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: art. 690º, nº 1, do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem [1] [2]. Efectivamente, muito embora, na falta de especificação logo no requerimento de interposição, o recurso abranja tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente (art. 684º, nº 2, do C.P.C.), esse objecto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (nº 3 do mesmo art. 684º) [3] [4]. Por isso, todas as questões de mérito que tenham sido objecto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso. Por outro lado, como meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não comportando, assim, ius novarum, i.é., a criação de decisão sobre matéria nova não submetida à apreciação do tribunal a quo. Ademais, também o tribunal de recurso não está adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos em alegação, mas apenas – e com liberdade no respeitante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art. 664º, 1ª parte, do C.P.C., aplicável ex vi do art. 713º, nº 2, do mesmo diploma) – de todas as “questões” suscitadas, e que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respectivo objecto, exceptuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras (art. 660º, nº 2, do C.P.C., ex vi do cit. art. 713º, nº 2). No caso sub judice, emerge das conclusões da alegação de recurso apresentada pelo Autor ora Apelante que o objecto da presente Apelação está circunscrito a uma única questão: a) Se o facto de um gerente da Sociedade “N, Lda.” ter autorizado a Ré/Apelada a utilizar o local objecto da presente acção de reivindicação como estabelecimento de restaurante e emitido recibos em seu nome, consubstancia ou não um contrato de arrendamento válido e se tal contrato é oponível ou não ao aqui Autor/Apelante. MATÉRIA DE FACTO Factos Considerados Provados na 1ª Instância: Devidamente ordenados, segundo uma sequência lógica e cronológica, os factos que a sentença recorrida elenca como provados são os seguintes: 1) Pela Ap. 2 de 1978/11/24 encontra-se inscrita na 6ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa a aquisição a favor da sociedade N, Ldª de 4/12 do prédio urbano situado no Largo do Limoeiro, inscrito na matriz sob o art. 80 e descrito sob o nº 39/980702, do Livro B36, por compra a A. 2) - Pela Ap. 1 de 1971/10/07 encontra-se inscrita na 6ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa a aquisição a favor de P de 3/12 do prédio urbano situado no Largo do Limoeiro, inscrito na matriz sob o art. 80 e descrito sob o nº 39/980702, do Livro B36, por partilha de bens de Maria…. 3) - Pela Ap. 28 de 1983/01/11 encontra-se inscrita na 6ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa a aquisição a favor de P de 1/12 do prédio urbano situado no Largo do Limoeiro, inscrito na matriz sob o art. 80 e descrito sob o nº 39/980702, do Livro B36, por doação de L. 4) - Pela Ap. 15 de 1998/07/02 encontra-se inscrita na 6ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa a aquisição a favor do A. de 4/12 do prédio urbano situado no Largo do Limoeiro, inscrito na matriz sob o art. 80 e descrito sob o nº 39/980702, do Livro B36, por compra a A …. 5) - Pela Ap. 14 de 1999/01/14 encontra-se inscrita na 6ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa a aquisição a favor do A. de 4/12 do prédio urbano situado no Largo do Limoeiro, por partilha de bens de Maria …, no regime de comunhão geral. 6) - A R. ocupa o R/C do prédio identificado em 1, 2, 3, 4 e 5, tendo ali instalado um restaurante, que se encontra em actividade. 7) - O A. nunca celebrou qualquer contrato com a R., nomeadamente não lhe cedeu o uso e fruição do imóvel mediante retribuição. 8) - O valor locativo do imóvel identificado em 3. é de mil euros por mês. 9) - No dia 26 de Janeiro de 1979, por documento escrito, A constituiu seu procurador N, Ldª., a quem concedeu os necessários poderes para: " receber as rendas do prédio sito no Largo do Limoeiro, assinando os competentes recibos e dando quitação ", e no dia 27 de Janeiro de 1979, por documento escrito, P constituiu seu procurador N, Ldª., a quem concedeu os necessários poderes para: " em seu nome receber a sua parte nas rendas pagas pelos inquilinos do prédio urbano situado no Largo do Limoeiro, números cinco a onze, em Lisboa, freguesia de São Tiago, de que ele mandante é um dos comproprietários, podendo para o efeito assinar os respectivos recibos e praticar tudo o mais que fôr necessário ou conveniente ", nos termos constantes dos documentos junto a fls. 51 e 52, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. 10) - No ano de 1986 a sociedade Ns, Ldª. declarou, para efeitos de contribuição predial, na qualidade de inquilina ou sublocatária dos r/c sitos nos nºs 9 e 10 do prédio sito no Largo do Limoeiro, o pagamento da quantia de 48.000$00, a título de rendas anuais recebidas pelos dois imóveis, assim como declarou o pagamento a P, na qualidade de co-titulares do rendimento, da quantia de 25.440$00, a cada um, a título de rendas recebidas, nos termos constantes do documento junto a fls. 22 a 24 cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. 11) - N foram sócios da sociedade N, Lda., inscrita na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa, sob o nº 52334/780621, pela Ap. 051780621, com sede em Lisboa, no Largo do Limoeiro, a qual foi dissolvida e a sua liquidação encerrada pela Ap. 08/20050203. 12) - Por escritura pública outorgada a 12 de Fevereiro de 1987, em Lisboa, O e P celebraram entre si um contrato de sociedade comercial por quotas, pelo qual constituíram a sociedade denominada "Ldª. ", com sede em Lisboa, freguesia de Santiago, cujo objecto consiste no exercício da actividade de industria hoteleira e similares, sendo a gerência exercida por ambos os sócios, conforme documento de fls. 25 a 29, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. 13) - A sociedade "Ldª " encontra-se inscrita na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa, sob o nº 65974/870616, pela Ap. 05/870616, com sede em Lisboa, no Largo do Limoeiro, e pela Ap. 10/900528 encontra-se inscrita a transmissão da quota de 200.000$00 a favor de Maria, por cessão de J. 14) - Pela Ap. 10/900528 encontra-se inscrita na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa, sob o nº 65974/870616, a transmissão da quota de 200.000$00 da sociedade", Lda.", a favor de M, por cessão de J. 15) A sociedade N, Lda., na qualidade de administradora do imóvel, autorizou a R. a utilizar o imóvel identificado no art. 4° da petição inicial, como estabelecimento de restaurante. 16) - Foram emitidos à R. os recibos que constam de fls. 30 a 34, em nome da sociedade N, Lda., comprovativos do pagamento pela R. de uma contrapartida monetária mensal pela utilização do imóvel sito no Largo do Limoeiro, entre os meses de Janeiro de 1996 e Fevereiro de 2002, tendo sido emitidos recibos de igual teor pelo menos até 2004. 17) - P sabia que a C, Ldª. utilizava o r/c do prédio urbano identificado nos Arts. 1°, 2° e 3° da petição inicial, onde tinha instalado um restaurante, e não se opôs a essa utilização. 18) - Correu termos na 13ª Vara Cível de Lisboa, 3ª Secção, sob o nº 539/99, uma acção especial de prestação de contas, intentada em 13/07/99, por P contra N, Lda., em que é pedida pelo A. a prestação de contas pela R. relativa à administração do prédio sito no Largo do Limoeiro, inscrito na matriz predial urbana sob o art. 80, da freguesia de São Tiago, cujos articulados e certidão junta a fls. 58 a 65. O MÉRITO DA APELAÇÃO SE O FACTO DE UM GERENTE DA SOCIEDADE “NORTON ROCHA E IRMÃOS, LDA.” TER AUTORIZADO A RÉ/APELADA A UTILIZAR O LOCAL OBJECTO DA PRESENTE ACÇÃO DE REIVINDICAÇÃO COMO ESTABELECIMENTO DE RESTAURANTE E EMITIDO RECIBOS EM SEU NOME, CONSUBSTANCIA OU NÃO UM CONTRATO DE ARRENDAMENTO VÁLIDO E SE TAL CONTRATO É OPONÍVEL OU NÃO AO AQUI AUTOR/APELANTE. O Autor/Apelante intentou a presente acção de reivindicação, pedindo a condenação da R. a reconhecer o seu direito de propriedade sobre determinado imóvel e a restituir-lhe o R/C do mesmo imóvel, por não ter título que legitime a ocupação do mesmo, e ainda a pagar-lhe uma indemnização pela ocupação indevida do prédio. Invocou, para a procedência da mesma, dois factos: a) Que é comproprietário de 2/3 do prédio urbano sito no Largo do Limoeiro nºs 5 a 11, em Lisboa, tendo adquirido 1/3 do prédio, por contrato de compra e venda, a A e 1/3 por herança de seu pai, P e que b) Que a Ré ocupa o rés-do-chão do referido prédio, tendo ali instalado um restaurante que se encontra em actividade não dispondo de título para o efeito e, por fim, que o A. nunca celebrou qualquer contrato de arrendamento com a Ré, nomeadamente não lhe tendo cedido o uso e fruição do local. Quanto ao pedido de reconhecimento do direito de propriedade (rectius, de compropriedade) do Autor/Apelante sobre o prédio urbano em questão, a sentença ora sob censura não teve dúvidas em julgá-lo procedente, “dado que resultou provado que a aquisição do imóvel se encontra registada a favor do A. na 6ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa” (sic). “Face a esta factualidade, o A. está dispensado de fazer a " probatio diabólica " da titularidade do direito de propriedade sobre o imóvel em apreço pelos anteriores proprietários do mesmo, uma vez que beneficia da presunção de titularidade do direito de propriedade sobre o prédio prevista no art. 8° do Cód. Reg. Predial”. Não assim, porém, quanto aqueloutro pedido de condenação da Ré na restituição ao Autor/Apelante da parcela do referido imóvel que ela vem ocupando, correspondente ao Rés-do-Chão do prédio urbano em questão, bem como no que tange ao pedido de condenação da Ré no pagamento duma indemnização pela ocupação indevida de tal parcela. Isto porque a sentença recorrida veio a concluir pela legitimidade da recusa da Ré na entrega do imóvel ao A. com fundamento na celebração de um contrato de arrendamento verbal com um dos anteriores com proprietários do imóvel. Tal conclusão, estribou-se no seguinte argumentário: “Ficou provado nos autos que a R. foi constituída em 12 de Fevereiro de 1987, em Lisboa, tendo a sua sede em Lisboa, freguesia de Santiago, tendo por objecto o exercício da actividade de indústria hoteleira e similares e sendo sua gerência exercida por ambos os seus sócios. Provou-se também que nessa data eram comproprietários do imóvel em causa nos autos a sociedade N, Lda., P e A. Provou-se ainda que a sociedade N, Ldª., na qualidade de administradora do imóvel, autorizou a R. a utilizar o mesmo como estabelecimento de restaurante e que foram emitidos à R. os recibos que constam de fls. 30 a 34, em nome da sociedade N, Ldª., comprovativos do pagamento pela R. de uma contrapartida monetária mensal pela utilização do imóvel sito no Largo do Limoeiro, entre os meses de Janeiro de 1996 e Fevereiro de 2002, tendo sido emitidos recibos de igual teor pelo menos até 2004. Sucede, porém, que em 1987 o contrato de arrendamento urbano para comércio, indústria e exercício de profissão liberal deveria ser celebrado por escritura pública, sob pena de nulidade, sendo a falta de escritura pública sempre imputável ao senhorio e a respectiva nulidade só era invocável pelo arrendatário, a todo o tempo, o qual poderia fazer prova do contrato por qualquer modo, nos termos previstos no art. 1029°, nº 1, alínea b) e nº 3 do Cód. Civil. Prevê-se no art. 6° do D.L. nº 321-B/90, de 15 de Outubro, que aprovou o RAU, que o disposto nos arts. 7° e 8° do RAU, que regulam a forma e o conteúdo do contrato de arrendamento, não prejudica os efeitos que os arts. 1 ° do D.L. nº 13/86, de 23/01 e 1029°, nº 3 do Cód. Civil reconheciam aos contratos celebrados antes da entrada em vigor do RAU. Quer isto dizer que, no que tange ao contrato de arrendamento urbano continua a ser aplicada a lei em vigor no momento da sua celebração, ou seja, antes do RAU ( cf., neste sentido, Jorge Aragão Seia, in " Arrendamento Urbano ", 63 edição revista e actualizada, pág. 36 ). No caso dos autos não resultou provado que a R. tenha celebrado com os comproprietários do imóvel em apreço qualquer escritura pública pela qual tenha tomado o imóvel de arrendamento. No entanto, da factualidade apurada resulta que a R. é efectivamente titular de um contrato de arrendamento que tem como objecto o imóvel dos autos, pois não só se provou que um dos comproprietários do imóvel autorizou a R. a utilizar o mesmo como estabelecimento de restaurante, o que até hoje continua a acontecer, como a R. paga uma renda mensal pelo uso do imóvel, tendo-lhe sido emitidos os recibos juntos a fls. 30 a 34, em nome da sociedade N, Lda., comprovativos do pagamento pela R. de uma contrapartida monetária mensal pela utilização do imóvel sito no Largo do Limoeiro, freguesia de Santiago, entre os meses de Janeiro de 1996 e Fevereiro de 2002, e tendo-lhe sido emitidos recibos de igual teor pelo menos até 2004, altura em que o A. já era o proprietário do prédio. Ora, a emissão de recibos de renda em nome da R. tem virtualidade bastante para provar a existência de um contrato de arrendamento, sendo este o entendimento da jurisprudência maioritária e de grande parte da doutrina relativamente ao valor probatório dos recibos ( cf. entre outros, Aragão Seia, in ob. cit., pág. 174 ). Por outro lado, importa considerar que o A. não pode invocar a nulidade do contrato de arrendamento celebrado com a R., por falta de forma, porquanto tal nulidade apenas pode ser invocada pelo arrendatário e não também pelo senhorio proprietário. Na sua resposta à contestação veio o A. alegar que o contrato de arrendamento celebrado com a R. não é válido porquanto a sociedade N, Lda. não era titular de procurações com poderes especiais para o efeito emitidas a seu favor pelos outros comproprietários do imóvel. De acordo com o disposto nos arts. 1407°, nº 1 e 1408°, n° 1 do Cód. Civil, é aplicável à administração da coisa pelo comproprietário o disposto no art.° 985° do mesmo diploma, não podendo o comproprietário onerar parte especificada da coisa comum sem o consentimento dos restantes consortes. Como refere Vaz Serra, in Rev. Leg. e Jurisprudência, ano 103°, pág. 5758, este consentimento dos restantes comproprietários pode ser anterior, posterior ou contemporâneo do acto de oneração da coisa . No caso dos autos resultou provado que em Janeiro de 1979, por documento escrito, A constituiu seu procurador N Lda., a quem concedeu os necessários poderes para: " receber as rendas do prédio sito no Largo do Limoeiro, assinando os competentes recibos e dando quitação ", e por documento escrito, P constituiu seu procurador N, Lda., a quem concedeu os necessários poderes para: " em seu nome receber a sua parte nas rendas pagas pelos inquilinos do prédio urbano situado no Largo do Limoeiro, de que ele mandante é um dos comproprietários, podendo para o efeito assinar os respectivos recibos e praticar tudo o mais que fôr necessário ou conveniente". Mais se provou que no ano de 1986 a sociedade N, Lda. declarou, para efeitos de contribuição predial, na qualidade de inquilina ou sublocatária dos r/c sitos nos nºs 9 e 10 do prédio sito no Largo do Limoeiro, em Lisboa, o pagamento da quantia de 48.000$00, a título de rendas anuais recebidas pelos dois imóveis, assim como declarou o pagamento a P e R, na qualidade de co-titulares do rendimento, da quantia de 25.440$00, a cada um, a título de rendas recebidas. Provou-se ainda que P sabia que a C, Lda. utilizava o r/c do prédio urbano identificado nos Arts. 1°, 2° e 3° da petição inicial, onde tinha instalado um restaurante, e não se opôs a essa utilização. Face a esta factualidade é legítimo concluir que os restantes comproprietários do imóvel dos autos consentiram efectivamente no seu arrendamento à R. pela sociedade N Lda., pois não só outorgaram anteriormente procurações a favor desta sociedade a autorizá-la a em seu nome cobrar rendas pelo gozo do imóvel e a emitir os competentes recibos, como receberam a sua quota-parte nas rendas do imóvel e não deduziram qualquer oposição à utilização do mesmo pela R .. Assim sendo, impõe-se concluir que a R. é efectivamente titular de um contrato de arrendamento que tem por objecto o imóvel dos autos e que a legitima a recusar a entrega do prédio ao A .. Nos termos do art.º 1057° do Cód. Civil, o A., ao adquirir o direito de propriedade sobre o imóvel dos autos, adquiriu também a posição de senhorio, não podendo o mesmo invocar que não celebrou com a R. qualquer contrato de arrendamento. Em consequência, impõe-se julgar improcedentes o pedido de restituição do imóvel efectuado pelo A. bem como o pedido de condenação da R. no pagamento da indemnização peticionada, pois nenhuma ocupação indevida do imóvel ficou demonstrada nos autos.” Sustenta, porém, ex adverso, o Autor/Apelante que nem o contrato de arrendamento invocado pela Ré/Apelada é válido, nem esse contrato, ainda que fosse válido, seria oponível ao aqui Autor/Apelante. Isto porque: A) Quanto à questão da validade do contrato de arrendamento: “Não há duvida que um gerente da Sociedade N Lda. " autorizou a R. a utilizar o local como estabelecimento de restaurante e emitiu recibos em seu nome. Mas, contrariamente ao que se dá por assente na sentença, este facto não é suficiente para decidir a questão de fundo - isto e, se consubstancia um contrato de arrendamento válido, e, mesmo na hipótese afirmativa, se é oponível ao A. É que, contrariamente ao que, sem qualquer análise, se dá como assente na sentença, as procurações emitidas por dois dos comproprietários - A e P (pai do A.) não conferem poderes legais à mesma N, Lda. para arrendar o rés-do-chão do prédio, ainda por cima com um contrato vinculístico. Os poderes conferidos a esta sociedade, constam do ponto 9) dos factos assentes -"poderes para receber as rendas do prédio, assinando os recibos os dando de quitação e poderes para receber a sua parte nas rendas pagas pelos inquilinos...podendo assinar os respectivos recibos e praticar tudo o mais que for necessário e conveniente", numa delas). Destes textos deduz a Mm.ª Juiza, sem mais, que a N, Lda. podia celebrar contratos de arrendamento para comércio, portanto necessariamente vinculísticos (uma vez que os contratos a prazo só foram introduzidos na ordem jurídica portuguesa pelo DL 257/95, de 30 de Setembro). Ora a verdade e que as procurações não autorizam a dita sociedade a onerar o prédio nos termos em que o fez”. Quid juris ? Cumpre reconhecer que os termos das procurações conferidas por dois dos três comproprietários do imóvel em questão (…) à terceira comproprietária (a sociedade N, Lda.) – aquela cujo gerente autorizou a R. a utilizar o local como estabelecimento de restaurante e emitiu recibos em seu nome – não compreendiam a atribuição à mandatária de poderes para celebrar contratos de arrendamento. De facto, naquelas procurações, tudo quanto aqueles dois comproprietários autorizaram a terceira comproprietária a fazer foi a receber as rendas do prédio, assinando os competentes recibos e dando quitação e a receber a sua parte nas rendas pagas pelos inquilinos...podendo assinar os respectivos recibos e praticar tudo o mais que fosse necessário e conveniente. Ora, a simples atribuição de poderes para receber as rendas pagas pelos inquilinos e para assinar os competentes recibos de quitação não envolve, nem de perto, nem de longe, a atribuição de poderes para dar de arrendamento, ex novo, qualquer parcela do prédio indiviso pertencente, em compropriedade aos mandantes e à sociedade mandatária. Simplesmente, qualquer que seja a verdadeira natureza do vício que afecta o arrendamento, quando o imóvel comum é dado de arrendamento por um dos comproprietários sem o assentimento dos restantes (pura e simples nulidade[5]; mera anulabilidade[6]; nulidade sujeita a um regime especial[7]; nulidade com um regime misto, contendo traços do regime próprio da nulidade e também da anulabilidade[8]; ineficácia em sentido estricto relativamente aos comproprietários que não intervieram no acto [9]; ilegitimidade ou invalidade atípica, na medida em que o arrendamento celebrado em tais condições é plenamente eficaz perante o comproprietário que deu de arrendamento[10]), dúvidas não existem que a invalidade em questão não se inspira em razões de interesse e ordem pública, visto que foi estabelecida no exclusivo interesse do consorte que não deu o seu assentimento ao arrendamento, pelo que não pode ser declarada oficiosamente pelo tribunal, nem a pedido daquele que abusivamente arrendou coisa que lhe não pertencia por inteiro[11]. Por outro lado, trata-se duma invalidade que é sanável mediante confirmação, nos termos do art. 288º, nº 1, do Código Civil[12]. Ora, enquanto negócio jurídico unilateral não receptício, a confirmação identifica-se com o assentimento posterior ao arrendamento dado pelo consorte que não interveio no contrato e não tem de ser expressa, pois pode deduzir-se de factos que com toda a probabilidade a revelem (factos concludentes), nos termos dos arts. 288º, nº 3, e 217º, nº 2, do Código Civil[13]. A concludência dos factos (rectius, dos comportamentos do titular do direito) deve ser apreciada mediante interpretação, de acordo com os critérios gerais estabelecidos na lei. No caso sub judice, trata-se, no fundo, de averiguar o significado jurídico-negocial da conduta do comproprietário do prédio aqui Autor/Apelante, na acção especial de prestação de contas por ele intentada contra a sua co-comproprietária do prédio “N.Lda”, em ordem a concluir se houve ou não assentimento ao arrendamento. Está assim em causa, não propriamente apurar o sentido que os interessados, agindo como agiram, pretenderam dar à exteriorização da sua vontade, mas sim determinar o alcance que um declaratário normal, posto no lugar do real declaratário, lhe atribuiria, de harmonia com as regras do art.º 236º do Código Civil. Está, efectivamente, provado que correu termos na 13ª Vara Cível de Lisboa, 3ª Secção, uma acção especial de prestação de contas, intentada em 13/07/99, por P contra N, Lda., em que era pedida pelo A. a prestação de contas pela R. relativa à administração do prédio sito no Largo do Limoeiro, inscrito na matriz predial urbana sob o art. 80, da freguesia de São Tiago, cujos articulados e certidão junta a fls. 58 a 65. Ora, o referido P afirmou expressamente (nos art. 4º, 5º e 6º da mencionada Acção de Prestação de Contas por ele intentada contra a sociedade “N”) que, durante mais de 15 anos, foi a Sociedade N Lda. que administrava o referido prédio, dando de arrendamento as fracções que iam vagando, conforme certidão de fls. 58 a 65 dos autos. E, ademais, em requerimento por ele dirigido a essa mesma acção, disse que “ no nº 10 do rés-do-chão funciona o restaurante designado A C”. Neste enquadramento, pode concluir-se que o comproprietário P, ora Autor/Apelante, ao exigir em juízo, em 1999, o pagamento da sua quota-parte nas rendas pagas pela ora Ré, em troco da utilização do rés-do-chão do prédio em questão, deu o seu assentimento tácito ao arrendamento verbalmente concluído, em data concretamente não apurada mas situada no ano de 1987, entre um gerente da comproprietária “N, LDA.” e a ora Ré/Apelada, pelo qual aquele autorizou esta a utilizar o referido rés-do-chão como estabelecimento de restaurante. Não colhe, obviamente, o argumento – esgrimido pelo Autor/Apelante (nas suas alegações de recurso) – segundo o qual, com a aludida acção de prestação de contas, o A. não reconheceu o que quer que fosse, apenas pretendeu receber a sua quota-parte nos rendimentos do prédio, e é certo que, se não tem proposto a acção, nada receberia. É, efectivamente, consensual, tanto na doutrina, como na jurisprudência, o entendimento segundo o qual o recebimento de rendas pelos outros comproprietários não outorgantes do contrato de arrendamento que tem por objecto um prédio indiviso significa, normalmente, o seu assentimento posterior ao mesmo arrendamento [14] [15]. Face ao assentimento tácito dado pelo comproprietário P, ora Autor/Apelante, ao contrato de arrendamento, assentimento esse nunca contrariado nos 20 anos de vigência que já leva o arrendamento em questão, sendo certo que o seu antecessor jurídico P sabia que a C, Ldª. utilizava o r/c do prédio urbano em questão, onde tinha instalado um restaurante, e não se opôs a essa utilização, não tem o ora Autor/Apelante, que lhe sucedeu por via hereditária na compropriedade de 4/12 do imóvel, o direito à restituição do rés do chão ocupado pela Ré, visto o disposto nos art.ºs 1024º, nº 2, 1408º, nº 1, e 1311º, nº 2, todos do Código Civil. E não tem esse direito porque, em suma, a detenção exercida pela Ré se funda num título legítimo, oponível a qualquer um dos comproprietários do imóvel ou, pelo menos, ao comproprietário que lhe vem exigir em juízo a restituição do local arrendado. Para este efeito, irreleva que se não tenha demonstrado que também o ex-comproprietário A haja dado o seu assentimento (expresso ou tácito) ao arrendamento feito à Ré/Apelada pela comproprietária “N LDA.”. Na verdade, na presente acção, está apenas em causa a eficácia do arrendamento invocado pela Ré relativamente ao comproprietário P, e não relativamente a qualquer outro comproprietário do mesmo imóvel. Por isso, não aproveita ao comproprietário aqui Autor/Apelante a eventual ineficácia do arrendamento invocado pela Ré relativamente aos demais comproprietários do prédio. De resto, ainda mesmo que a conduta do aqui Autor/Apelante na mencionada acção especial de prestação de contas não pudesse ser interpretada, à luz da teoria da impressão do destinatário, como assentimento tácito ao arrendamento feito à Ré pela comproprietária “N LDA.”, sempre chegaríamos a idêntico resultado quanto ao desfecho da causa convocando para solucionar o litígio a norma do art.º 334º do Código Civil, relativa ao abuso do direito, cuja aplicabilidade ao caso sub judice se nos afigura de toda a evidência. Na verdade, a ora Ré ocupa o rés do chão do imóvel reivindicado há vinte anos, ininterruptamente, desde 1987, ali explorando, à vista de toda a gente, um estabelecimento de restaurante, nenhuma dúvida se tendo suscitado quanto à plena validade e eficácia do contrato que não seja tão somente aquela que motivou a propositura da presente acção, prevista no art.º 1024º, nº 2, do CC. Nenhuma dúvida também se coloca quanto à sua inteira boa fé - boa fé subjectiva e boa fé objectiva - designadamente no que concerne à posse exercida sobre o arrendado e ao cumprimento dos deveres de locatária: foram emitidos à R. os recibos que constam de fls. 30 a 34, em nome da sociedade N, Lda., comprovativos do pagamento pela R. de uma contrapartida monetária mensal pela utilização do imóvel sito no Largo do Limoeiro, entre os meses de Janeiro de 1996 e Fevereiro de 2002, tendo sido emitidos recibos de igual teor pelo menos até 2004. Tudo - em especial o decurso do tempo (quinze anos à data da entrada em juízo da petição inicial, em 2002) e o reiterado comportamento do comproprietário P (pai do ora Autor/Apelante) durante onze anos (entre 1987 e 1998) – justifica, sem sombra de dúvida, que a confiança da Ré seja devidamente tutelada. "O não exercício prolongado está na base quer da situação de confiança quer da justificação para ela. Ele deverá, para ser relevante, reunir elementos circundantes que permitam a uma pessoa normal, colocada na posição do beneficiário concreto, desenvolver a crença legítima de que a posição em causa não mais será exercida. O investimento de confiança traduzirá o facto de, mercê da confiança criada, o beneficiário não dever ser desamparado, sob pena de sofrer danos dificilmente reparáveis ou compensáveis. Finalmente: tudo isso será imputável ao não exercente, no sentido de ser social e eticamente explicável pela sua inacção. Não se exige culpa: apenas uma imputação razoavelmente objectiva" [16]. Como assim, todos os pressupostos desta modalidade de abuso do direito consistente na “supressio” concorrem na situação dos autos. Por isso, em face de tudo quanto ficou provado, condenar-se a Ré à restituição do local arrendado traduziria uma clamorosa injustiça, uma violência desproporcionada e o reconhecimento por parte dos tribunais de que o exercício do direito de propriedade, afinal, é ilimitado e sem restrições, contrariamente ao que estabelecem os art.ºs 334º e 1305º do Cód. Civil [17]. DECISÃO Acordam os juízes desta Relação em negar provimento à Apelação, confirmando integralmente a sentença recorrida. Custas a cargo do Autor/Apelante. Lisboa, 8.7.2008 Rui Torres Vouga Maria Rosário Barbosa Maria Rosário Gonçalves ______________________ [1] Cfr., neste sentido, ALBERTO DOS REIS in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 362 e 363. [2] Cfr., também neste sentido, os Acórdãos do STJ de 6/5/1987 (in Tribuna da Justiça, nºs 32/33, p. 30), de 13/3/1991 (in Actualidade Jurídica, nº 17, p. 3), de 12/12/1995 (in BMJ nº 452, p. 385) e de 14/4/1999 (in BMJ nº 486, p. 279). [3] O que, na alegação (rectius, nas suas conclusões), o recorrente não pode é ampliar o objecto do recurso anteriormente definido (no requerimento de interposição de recurso). [4] A restrição do objecto do recurso pode resultar do simples facto de, nas conclusões, o recorrente impugnar apenas a solução dada a uma determinada questão: cfr., neste sentido, ALBERTO DOS REIS (in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 308-309 e 363), CASTRO MENDES (in “Direito Processual Civil”, 3º, p. 65) e RODRIGUES BASTOS (in “Notas ao Código de Processo Civil”, vol. 3º, 1972, pp. 286 e 299). [5] Cfr., neste sentido, ISIDRO DE MATOS (in “Constituição da Relação de Arrendamento Urbano”, p. 284); Ac. Relação de Évora de 10/05/90 (in Col. Jur., tomo 3 , p. 268). [6] Cfr., neste sentido, RUI VIEIRA MILLER (in “Arrendamento Urbano”, p. 24). [7] PIRES DE LIMA E ANTUNES VARELA (in “Código Civil Anotado”, Vol. II, 4ª edição, 1997, p. 346); Ac. Relação de Évora de 14/03/91 (in Col. Jur., 1991, tomo 2, 327). [8] Cfr., neste sentido, PEREIRA COELHO (in “Arrendamento. Direito Substantivo e Processual”, 1988, p. 103, nota 2; PAIS DE SOUSA (in “Extinção do Arrendamento Urbano”, 1980, p. 78); e Ac. do STJ de 30/05/89 (in BMJ 387º, p. 538). [9] VAZ SERRA (in RLJ ano 112º, p. 146); RUI DE ALARCÃO (in “A Confirmação dos Negócios Anuláveis”, p. 199), JANUÁRIO GOMES (in “Constituição da Relação de Arrendamento Urbano”, 1980, p. 287); PINTO FURTADO (in “Arrendamentos Vinculísticos”, 1984, p. 279 e, mais recentemente, in “Manual do Arrendamento Urbano”, 3ª ed., 2001, pp. 386 a 388). [10] Pese embora a letra do nº 2 do art. 1024º do CC, afigura-se como mais correcta a tese de que o arrendamento de prédio indiviso celebrado por um dos comproprietários é ineficaz em relação aos demais que nesse contrato não tenham intervindo, enquanto para tanto não derem o seu assentimento: cfr., neste sentido, entre outros, RUI DE ALARCÃO (in "A Confirmação dos Negócios Anuláveis", pág. 199, nota 333); JANUÁRIO GOMES (in "Constituição da Relação de Arrendamento Urbano", 1980, págs. 286 a 289) e, na jurisprudência, os Acórdãos do STJ de 22-11-96 e de 11-10-2001 (respectivamente, in BMJ 441-305 e Col. Jur/STJ, Ano III-tomo I, págs. 67 e segs., e Col. Jur./STJ, Ano IX-tomo III, págs. 75 e segs). [11] Cfr., expressamente neste sentido, o Ac. do STJ de 19/10/1978 (in BMJ nº 280, p. 281, anotado por VAZ SERRA in Revista de Legislação e de Jurisprudência, Ano 112º, pp. 140 e segs.), o Ac. desta Rel. de Lisboa de 20/5/1993 (in Col. Jur., 1993, tomo III, p. 112) e os Acórdãos do STJ de 15/4/1993 (in BMJ nº 426, p. 450) e de 22/1/1994 (in BMJ nº 441, p. 305). [12] Cfr., neste sentido, os Acórdãos do STJ de 30/5/1989 (in BMJ nº 387, p. 538), de 14/1/1993 (in Col. Jur./Acs. do STJ, Ano I, 1993, tomo I, p. 52), de 14/5/1993 (in BMJ nº 426, p. 450) e de 22/11/1994 (in BMJ nº 441, p. 305). [13] Cfr., explicitamente neste sentido, o Ac. do STJ de 15/11/2005, proferido na Revista nº 2589/05 e relatado pelo Conselheiro NUNO CAMEIRA, cujo texto integral pode ser acedido, via Internet, no sítio www.dgsi.pt. [14] Cfr., neste sentido, PIRES DE LIMA-ANTUNES VARELA (in “Código Civil Anotado”, Vol. II, 4ª edição, 1997, p. 346) e PEREIRA COELHO (in “Arrendamento. Direito Substantivo e Processual”, 1988, p. 103, nota 4). [15] Cfr., também no sentido de que «uma das formas por que pode manifestar-se o consentimento dos comproprietários estranhos ao arrendamento é o recebimento da quota-parte que nas rendas lhes tocava», o Ac. do S.T.J. de 29/7/1975, proferido no Proc. nº 065820 e relatado pelo Conselheiro RODRIGUES BASTOS (cujo sumário pode ser acedido, via Internet, no sítio www.dgsi.pt). [16] MENEZES CORDEIRO in “Tratado de Direito Civil Português”, Tomo IV, p. 324. [17] Cfr., explicitamente neste sentido e num caso similar ao dos autos, o cit. Ac. do STJ de 15/11/2005, proferido na Revista nº 2589/05 e relatado pelo Conselheiro NUNO CAMEIRA. |