Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | ANA PAULA BOULAROT | ||
Descritores: | DIREITO DE PREFERÊNCIA CADUCIDADE | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 04/30/2009 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA A DECISÃO | ||
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Sumário: | I A comunicação para o exercício do direito de preferência nos termos do normativo inserto no artigo 416º, nº1 do CCivil pressupõe o conhecimento de todos os elementos essenciais da venda, vg, a identificação da pessoa do comprador, o preço, a data da escritura e o cartório notarial onde a venda será concretizada II O prazo de caducidade de oito dias, decorrente do artigo 416º do CCivil, refere-se ao exercício do direito de preferência; o outro prazo de caducidade de seis meses, decorrente do artigo 1410º do mesmo diploma, diz respeito ao exercício do direito de acção para preferência. Tratam-se de dois prazos de caducidade diversos. (APB) | ||
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Decisão Texto Integral: | I M C, intentou a presente acção declarativa com processo ordinário, contra F S, entretanto falecido e substituído pelos seus herdeiros habilitados, A S, L S, V S e F S, conforme teor da decisão do incidente a fls. 212 e 213, A S e mulher M S, M A e marido L A, este, entretanto falecido e substituído pelos seus herdeiros habilitados, a saber: aquela ré, A A e M A, conforme decisão do incidente constante do apenso A. Pediu que pela procedência da acção lhe seja reconhecido o direito de preferência na venda do prédio urbano sito na Avenida (…), devendo a mesma ocupar o lugar da compradora na respectiva escritura pública de compra e venda lavrada no dia 3 de Julho de 1997, no (..) Cartório Notarial de Lisboa. Para tanto, invocou, em síntese, ser inquilina do 1° andar esquerdo do aludido prédio urbano, tendo sido outorgada, em 3 de Julho de 1997 entre os réus M de A e marido, na qualidade de vendedores e os réus F S e A S como compradores, escritura pública de compra e venda do imóvel. Mais invocou que não lhe foi dado a si, nem aos demais inquilinos do prédio, conhecimento da venda e respectivas condições, sendo que, por o direito de preferência competir a diversas pessoas, foi instaurada e correu termos acção especial de notificação para preferência, na qual esse direito lhe foi adjudicado pelo preço de Esc. 15.100.000$00, que depositou na Caixa Geral de Depósitos. Na réplica a Autora, pediu a intervenção principal, como associado dos réus, de um terceiro - A A - que também interveio, por representação, na escritura pública de compra e venda o que veio a ser admitido por despacho de fls 114 e 115. A final foi proferida sentença a julgar procedentes os pedidos formulados pela Autora tendo-lhe sido reconhecido o direito de preferência na venda do prédio urbano sito na Avenida (…), freguesia da (…), concelho da (…), descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial da (…)sob a ficha n° 1882 da freguesia da (…)e inscrito na matriz predial urbana sob o art° 213, realizada por escritura pública outorgada no dia 3 de Julho de 1997, no (…) Cartório Notarial de Lisboa e declarada transmitida para a autora, pelo preço de Esc. 6.000.000$00 já depositado na acção especial de notificação para preferência que correu termos no então 17° Juízo Cível de Lisboa, 3ª Secção, sob o n° (…), a propriedade do referido prédio e julgada improcedente a imputação de litigância de má fé efectuada pelos Réus à Autora, tendo esta sido absolvida do pedido a esse título formulado. Inconformado com tal decisão recorreu o Réu A S, apresentando as seguintes conclusões - Como decorre dos factos provados supra referidos nos n.°s 1. e 4., em 18.07.1997, a Autora tinha conhecimento dos elementos essenciais da alienação (preço, data e local da venda) e dos compradores do prédio, e não requereu a venda para si (ou o processo para determinação do preferente), dentro do prazo legal de seis meses, nos termos dos arts. 47.º, n.° 1, 49.º, do R.A.U., 416.° a 418.° e 1410.°, n.° 1, do Código Civil. - Se a intenção da Autora de adquirir o prédio era séria (vide facto n.° 2), aquela não usou o direito que lhe competia, e não alegou nem provou qualquer razão para o seu procedimento, tendo deixado caducar de facto o referido direito. - A referida situação de a Autora deixar caducar de facto o direito que lhe competia não pode deixar de relevar em termos de justiça substancial na apreciação do caso sub júdice, conjugada com o "episódio" fáctico da licitação. - Como se sabe, a Autora foi citada para a acção de notificação de preferência em 21.04.1998 (vide facto 6) e na licitação do direito de preferência quem aparece no lugar da Autora é o referido procurador com poderes absolutos e irrevogáveis em relação ao prédio, nomeadamente, para fazer negócio consigo mesmo, dados no próprio dia ela Autora, que licita o direito em causa, e deposita o preço respectivo (vide factos n.°s 7 e 8). - Toda a gente sabe (vide art. 514.°, n.° 1, do CPC), é do senso comum, decorre das regras da experiência que, no dia em que a Autora outorgou a procuração negociou o direito pessoal que a lei lhe concedia de adquirir o prédio. - Por força de tal negócio, quem tinha formalmente o direito de adquirir o prédio era a Autora mas quem efectivamente passou a dispor do direito de adquirir o prédio e ficar com o mesmo foi o dito procurador irrevogável, com poderes para fazer negócio consigo mesmo. - Com o devido respeito e salvo melhor douto entendimento, o art. 47.°, n.°1, do R.A.U. não concede o direito de preferência ao arrendatário na compra e venda para este depois o usar através de uma procuração a favor de outra pessoa, no interesse dessa pessoa, com poderes para essa pessoa fazer negócio consigo mesmo, os quais não caducam por morte, interdição ou inabilitação do mesmo arrendatário. - Pelo que, o referido negócio da procuração é nulo e o exercício do direito que a mesma confere consubstancia uma situação de abuso de direito, que a ordem jurídica não deve permitir, nos termos dos arts. 280.° e 334.° do Código Civil supra citados. - Não deixa de ser relevante que, a presente acção é intentada pelo referido procurador irrevogável (cfr. Substabelecimento de fls. 5), que quer o prédio para si, usando pervertidamente o direito de preferência que cabia à Autora. - Consequentemente, a acção deve ser julgada improcedente por não provada e a Autora condenada como litigante de má-fé em conformidade com o pedido feito pelos RR. compradores. Nas contra alegações a Autora pugna pela manutenção do julgado. II Põem-se como questões a resolver no âmbito no que à economia do recurso concerne s de saber se operou a caducidade do direito de preferência da Autora/Apelada, se a procuração emitida por esta é nula e se a acção foi proposta em abuso de direito. A sentença sob recurso deu como assentes os seguintes factos: - A autora é inquilina do 1° andar esquerdo do prédio urbano sito na Avenida (…), freguesia da (…), concelho da (…), descrito na 1a Conservatória do Registo Predial. da (…)sob a ficha n° 1882 da freguesia da (…), inscrito na matriz predial urbana sob o art° 213 [alínea A) dos factos assentes]. - Em escritura pública outorgada no (…) Cartório Notarial de Lisboa, no 3 de Julho de 1997, intitulada de «compra e venda», da qual consta cópia a fls. 8-9 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, consta, nomeadamente, escrito o seguinte: «Primeiro: M A (a.) casada com L A (a.), que outorga por si e ainda como representante legal do interdito: -- A A (a.); - Segundo: F S (a.) que outorga por si e na qualidade de procurador e em nome de:--- L (a.) casado e residente com a primeira outorgante (...);--- Terceiro; A S (a.) casado com M S (...).--- Pelos primeira e segundo outorgantes, nas qualidades em que figuram, foi dito: -- - Que, pela presente escritura e pelo preço de seis milhões de escudos, que já receberam dos referidos, F S e A S, a estes vendem, em comum e partes iguais, livre ónus e encargos, o prédio urbano sito na Avenida (…), descrito na Primeira Conservatória do Registo Predial de (…) sob o número mil oitocentos e oitenta e dois, da dita freguesia, registado a favor dos vendedores pela inscrição G-dois; inscrito na respectiva matriz sob o artigo número duzentos e treze (...)--- - Pelos segundo e terceiro outorgantes, por si, foi dito:--- - Que aceitam o presente contrato nos termos exarados (...)» [alínea B) dos factos assentes]. - No prédio existiam diversos inquilinos à data em que foi efectuada a compra e venda referida em 2) [alínea C) dos factos assentes]. - M A e A A remeteram à autora, registada com aviso de recepção, com data de 24 de Junho de 1997, a carta cuja cópia consta de fls. 34 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, dela constando, nomeadamente, escrito o seguinte: «(.,,) Exm° (a) Senhor (a), Pela presente vimos comunicar que pretendemos vender o prédio sito na Avª (…), a pessoa estranha ao mesmo, pelo preço de Esc. 6.000.000$00 (seis milhões de escudos), pago no acto da assinatura da respectiva escritura em dinheiro ou em cheque visado, prevista para o próximo dia 3 de Julho de 1997, no período da manhã, em Cartório Notarial de Lisboa. -- Caso esteja interessado(a), deverá exercer o direito devido no prazo de três dias a contar da data de recepção desta (…)» [alínea D) dos factos assentes]. - A autora assinou o aviso de recepção da carta referida em 4) em 25 de Junho de 1997, nos termos que resultam do documento de fls. 36 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido [alinea E) dos factos assentes]. - No então 17° Juízo Civel de Lisboa, 3ª Secção, correu termos, sob o n° (…), acção especial de notificação para preferência, nos termos do art° 1465° do Código de Processo Civil, em que foram autores S e Ana de Oliveira e réus, F C, G C, M J, A D, A C, M C e A M e a que se refere a certidão que consta de fls. 57 a 62 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido [alínea F) dos factos assentes]. - A acção referida foi proposta em 18 de Dezembro de 1997, tendo na mesma sido junta, em 18 de Fevereiro de 1998, procuração passada pelos autores datada de 18 de Outubro de 1997 [alínea G) dos factos assentes]. - F e A remeteram à autora, registada com aviso de recepção, com data de 15 de Julho de 1997, a carta cuja cópia consta de fls. 37 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, dela constando, nomeadamente, escrito o seguinte: «Exm° (a) Senhor (a)— Pela presente vimos comunicar que adquirimos o prédio sito na Av.ª (…), no passado dia 3 de Julho de 1997. Consequentemente, agradecemos que a próxima renda vincenda seja paga na seguinte morada: (…)(..,)» [alínea H) dos factos assentes]. - A autora assinou o aviso de recepção da carta referida em 8) nos termos que resultam do documento de fls. 38 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido [alínea I) dos factos assentes]. - Desde então a autora passou a pagar a renda a F e A [alínea I)1 dos factos assentes]. - Em 5 de Maio de 1998 a autora outorgou a favor de J e de G a procuração cuja cópia se encontra de fls. 53 a 55 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, conferindo a estes poderes para: «(...) com referência exclusivamente ao imóvel abaixo identificado, adquiri-lo, por via judicial, intervindo nas licitações ou por via extrajudicial, no processo que com o número (…), que corre termos no Décimo Sétimo Juízo do Tribunal Cível da Comarca de Lisboa, Terceira Secção, e ainda com livre e geral administração civil, reger e gerir, como melhor entender, prometer alienar e alienar, prometer hipotecar e hipotecar, prometer vender e vender ou ainda onerar, a quem o desejar e pelo preço, cláusulas e condições que entender, instituindo no referido imóvel o regime de propriedade horizontal, podendo receber os respectivos preços e deles dar quitação, dar e tomar de arrendamento, nas condições que entender (a.) em relação ao prédio urbano sito na Avenida (…)descrito na Primeira Conservatória do Registo Predial de (…) sob o número mil oitocentos e oitenta e dois e inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo número duzentos e treze. A mandante expressamente autoriza os mandatários a realizar todos os actos e contratos jurídicos mencionados nesta procuração em actos ou contratos em que os mandatários sejam parte interessados, quer sozinhos quer juntamente com outros, nos termos do artigo duzentos e sessenta e um do Código Civil. A presente procuração é conferida no interesse dos mandatários, sem cujo acordo não pode ser revogada, salvo ocorrendo justa causa e os quais poderão efectuar negócio consigo mesmo tido conforme previsto pelo número três do artigo duzentos e sessenta e cinco do Código Civil e não caduca por morte, interdição ou inabilitação da mandante, nos termos dos artigos mil cento e setenta e mil cento e setenta e cinco do mesmo Código (...)» [alínea J) dos factos assentes]. - Na acção referida foi adjudicado à autora, pelo preço de Esc.15.100.000$00 o direito de preferência na compra do prédio identificado, decisão que transitou em julgado [alínea L) dos factos assentes]. - Na acção referida a autora foi notificada por carta de 21 de Abril de 1998 [alínea M) dos factos assentes]. - Na licitação da acção referida interveio em nome da autora um dos procuradores designados na procuração mencionada [alínea N) dos factos assentes]. - Na mesma acção, um dos procuradores designados na procuração mencionada efectuou em nome da autora, por via da licitação a que se procedeu, o depósito de Esc. 15.100.000$00, sendo Esc. 6.000.000$00 a favor do comprador e Esc. 9.100,000800 a favor dos vendedores [alínea O) dos factos assentes]. - 0 prédio referido não está constituído em propriedade horizontal [resposta ao art° 1° da base instrutória]. - A ré M J remeteu aos inquilinos do rés-do-chão direito, 1° direito, 2° direito e 2° esquerdo do prédio, que a receberam, uma carta de teor idêntico à referida no n° 4) supra [resposta ao art° 2° da base instrutória]. - A autora respondeu à carta referida na alínea D), no dia 1 de Julho de 1997, por carta que consta actualmente a fls. 375 e 376, remetida para a morada constante da proposta de venda [resposta ao art° 4° da base instrutória], - Essa carta foi devolvida por não ter sido reclamada pelos vendedores [resposta ao art° 5° da base instrutória]. - Na mesma carta a autora comunica aos vendedores que está interessada na proposta de venda [resposta ao art° 6° da base instrutória]. Vejamos. Dispõe o artigo 47º, nº1 do RAU (DL 321-B/90, de 15 de Outubro, aplicável in casu), além do mais e no que à economia do presente recurso concerne, que o arrendatário de prédio urbano tem o direito de preferência na compra e venda do local arrendado há mais de um ano, acrescentando o seu nº2 que no caso de existirem dois ou mais preferentes se abrirá licitação entre eles, sendo aplicáveis a tal direito as disposições insertas nos artigos 416º a 418º e 1410º do CCivil, ex vi do artigo 49º do RAU. Como resulta da matéria dada como provada, a Autora/Apelada é arrendatária do 1º andar esquerdo do prédio urbano adquirido pelo Réu/Apelante, prédio esse que não se encontra constituído em propriedade horizontal, sendo assim titular, juntamente com os demais arrendatários do prédio, de direito de preferência na compra do mesmo. Insurge-se o Apelante contra a sentença recorrida, uma vez que na sua tese a Apelada teria tido conhecimento dos elementos essenciais da alienação atempadamente e não requereu a venda para si, ou o processo para determinação do preferente no prazo legal de seis meses, pelo que deixou caducar o seu direito de harmonia com o disposto no artigo 1410º, nº1 do CCivil. Como resulta do segmento normativo a que alude o artigo 416º, nº1 do CCivil «Querendo vender a coisa que é objecto do pacto, o obrigado deve comunicar ao titular do direito o projecto de venda e as cláusulas do respectivo contrato.», acrescentando o seu nº2 que «Recebida a comunicação, deve o titular exercer o seu direito dentro do prazo de oito dias, sob pena de caducidade, salvo se estiver vinculado a prazo mais curto ou o obrigado lhe assinar prazo mais longo.». Estamos perante dois prazos de caducidade: um de oito dias, decorrente do artigo 416º do CCivil, quanto ao exercício do direito de preferência; outro decorrente do artigo 1410º do mesmo diploma, no que tange ao direito de acção para preferência. Aquele primeiro prazo pressupõe a comunicação pelos vendedores (obrigados a dar preferência de harmonia com o disposto no artigo 414º do CCivil) aos preferentes (titulares do direito de preferência de harmonia com o disposto no artigo 47º do RAU) do projecto de venda e as cláusulas do contrato, cfr artigo 416º, nº1 do CCivil, o que pressupõe o conhecimento de todos os elementos essenciais da venda, sendo estes entre outros o preço, condições do seu pagamento e a pessoa do interessado comprador, cfr os Ac STJ de 25 de Maio de 2004 (Relator Noronha do Nascimento) e de 19 de Março de 2009 (Relator Alberto Sobrinho), in www.dgsi.pt, podendo-se ler neste último «(…) Para que o preferente possa exercer o seu direito de opção é imprescindível que esteja na posse de todos os elementos concretos com base nos quais o alienante se propõe negociar com terceiro. Só conhecendo todos os dados que envolvem o negócio é que o preferente poderá formar a vontade de exercer, ou não, o direito que lhe assiste. Essenciais à formação dessa vontade serão todos os elementos decisivos para o titular se poder decidir pelo exercício do direito, configurando-se como tal, desde logo e inquestionavelmente, o preço, condições do seu pagamento e a pessoa do interessado comprador.(…)». Ora, como decorre da matéria dada como provada, cfr alínea D) dos factos assentes os Réus vendedores enviaram à Apelante a carta de fls 34 de onde consta o seguinte «(…) Pela presente vimos comunicar que pretendemos vender o prédio sito na Avª (…), a pessoa estranha ao mesmo, pelo preço de Esc. 6.000.000$00 (seis milhões de escudos), pago no acto da assinatura da respectiva escritura em dinheiro ou em cheque visado, prevista para o próximo dia 3 de Julho de 1997, no período da manhã, em Cartório Notarial de Lisboa. -- Caso esteja interessado(a), deverá exercer o direito devido no prazo de três dias a contar da data de recepção desta (…)». Como bem se entendeu na sentença recorrida, a aludida carta continha irregularidades susceptíveis de inquinar a sua função de comunicação para o exercício do direito de preferência nos termos em que o normativo inserto no artigo 416º, nº1 do CCivil impõe: desde logo por não identificar a pessoa do comprador (elemento essencial); em segundo lugar por estipular um prazo de três dias para o exercício do direito, quando a lei estipula um prazo de oito dias, fixando a data da escritura no termo deste prazo (prazo contra legem); por último, acrescentamos nós, por não indicar em que cartório notarial a venda seria concretizada (veja-se neste conspectu que aqueles Réus se limitaram a apontar que a escritura seria efectuada «em Cartório Notarial de Lisboa», onerando a Apelante com o encargo de se inteirar de qual Cartório se tratava, quando não está obrigada a tal, veja-se neste sentido o Ac STJ de 25 de Maio de 2004 (Relator Noronha do Nascimento), supra citado. Todavia, verifica-se que a Apelante, apesar das apontadas irregularidades, respondeu aos Réus vendedores dentro do prazo legal de oito dias que estava interessada em adquirir o imóvel, através da carta de fls 375 e 376, não obstante a mesma lhe tivesse sido devolvida por não ter sido reclamada por aqueles, cfr respostas aos pontos 4. e 5. da base instrutória, de onde podermos concluir pela eficácia de tal manifestação de vontade que só não foi conhecida pelos declaratários vendedores apenas por culpa sua nos termos do artigo 224º, nº2 do CCivil. Daqui se abarca que, em primeiro lugar, o cumprimento pelos vendedores obrigados à preferência da comunicação a que alude o artigo 416º, nº1 do CCivil foi deficiente, pelo que a comunicação carece de qualquer eficácia e em segundo lugar, mesmo que assim não se entendesse, o que só por mera hipótese se concede, a Apelada exerceu o seu direito atempadamente, pelo que, em qualquer das hipóteses não teria caducado tal direito. Por outra banda, veja-se que a acção especial de notificação para a preferência que correu termos pelo 17º Juízo, 3ª secção, foi instaurada em 18 de Dezembro de 1997, cfr certidão de fls 57 a 62, isto é, dentro dos seis meses subsequentes ao conhecimento dos elementos da venda, quer se considere que tais elementos tenham sido transmitidos regularmente e conhecidos em 25 de Junho de 1997, quer se considere que tais elementos só foram efectivamente conhecidos pela comunicação efectuada pelos Réus compradores em 15 de Julho de 1997 conforme alíneas H) e I) da matéria assente, tendo em atenção o preceituado no artigo 1465º, nº1 e 2 do CPCivil quando aí se predispõe que 1. «Se já tiver sido efectuada a alienação a que respeita o direito de preferência e se esse direito couber simultaneamente a várias pessoas, o processo para a determinação do preferente segue os termos do artigo 1460º, (…); 2. A apresentação do requerimento para este processo equivale, quanto à caducidade do direito de preferência, à instauração da acção de preferência.». De onde se pode concluir que com propositura da aludida acção para o exercício do direito de preferência fez impedir o prazo de caducidade do direito de acção, cfr artigos 1460º, nº2, 1410º, nº1, 330º e 331º, nº1, do CCivil. Improcedem, assim, as conclusões quanto a este particular. Ainda no entender do Apelante a acção deveria ter sido julgada improcedente uma vez que a Autora foi citada para a acção de notificação de preferência em 21.04.1998 e na licitação do direito de preferência quem aparece no seu lugar é um procurador com poderes absolutos e irrevogáveis em relação ao prédio, nomeadamente, para fazer negócio consigo mesmo, dados no próprio dia por aquela, que licita o direito em causa e deposita o preço respectivo sendo do senso comum e decorrendo das regras da experiência que, no dia em que a Autora outorgou a procuração negociou o direito pessoal que a lei lhe concedia de adquirir o prédio, pelo que, o referido negócio da procuração é nulo e o exercício do direito que a mesma confere consubstancia uma situação de abuso de direito, que a ordem jurídica não deve permitir, nos termos dos artigos 280.° e 334.° do CCivil, não deixando de ser relevante que a acção é intentada pelo referido procurador irrevogável, que quer o prédio para si, usando pervertidamente o direito de preferência que cabia à Autora (cfr. substabelecimento de fls. 5). Carece de razão o Apelante. A aceitar-se a sua tese, teríamos de partir do pressuposto que a Lei ao conferir ao inquilino o direito de preferência na compra do prédio arrendado, nos termos do artigo 47º do RAU, estaria a vedar implicitamente a possibilidade de este o poder transmitir a terceiros, o que de todo aquela Lei não prevê, quer expressa, quer tacitamente, de onde deflui que a Apelada podia, como pode, emitir a procuração a que alude o documento de fls 53 e 54 (cfr alínea J) dos factos assentes e efctuada nos termos dos artigos 261º e 262º do CCivil), com a amplitude dos poderes que aí se consignam, maxime, concedendo aos procuradores constituídos a possibilidade de fazerem negócios consigo próprios salvaguardando assim a hipótese de estes adquirirem para si o imóvel cujo direito de preferência licitaram em representação daquela, cfr alíneas L) a O) dos factos assentes. A aludida procuração, nos termos em que se mostra efectuada, não padece de qualquer vício, vg, de nulidade nos termos do artigo 280º do CCivil, nem o exercício do direito de preferência pela Apelada, através do seu procurador se mostra abusivo, nos termos do artigo 334º daquele diploma legal, já que, como se referiu supra a Lei não veda ao preferente a possibilidade de, uma vez adquirida a propriedade da coisa objecto do direito de preferência, a poder transmitir a terceiros. Assim sendo, sejam quem forem estes terceiros – que poderão ser eventualmente os procuradores constituídos – podem estes intervir por conta e em nome da Apelada (em cuja esfera jurídica se produzem prima facie os efeitos dos negócios jurídicos realizados pelos representantes nos termos do artigo 258º do CCivil), sem prejuízo de subsequentemente poderem transferir para si próprios os direitos de que aquela era titular, na justa medida em que na procuração tal se previu. A Autora/Apelada não agiu em abuso do seu direito, nem litigou, nem litiga de má fé, como lhe é imputado pelo Apelante. Improcedem pois, totalmente, as conclusões de recurso. III Destarte, julga-se improcedente a Apelação, confirmando-se a sentença recorrida. Custas da Apelação pelo Apelante e no mais como se decidiu na sentença recorrida. Lisboa, 30 de Abril de 2009 (Ana Paula Boularot) (Lúcia de Sousa) (Luciano Farinha Alves) |