Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | PEREIRA RODRIGUES | ||
Descritores: | CONTRATO-PROMESSA EXECUÇÃO ESPECÍFICA RESTITUIÇÃO DO SINAL EM DOBRO | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 03/16/2006 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | ALTERADA A DECISÃO | ||
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Sumário: | I. No caso do promitente-comprador haver constituído sinal a favor do promitente-vendedor, verificando-se a mora no cumprimento por parte do último, pode o primeiro requerer a execução específica do contrato, se esta for possível, ou exigir a restituição do sinal em dobro, desde que se trate de incumprimento definitivo do contrato-promessa. II. A comunicação do promitente-vendedor ao promitente-comprador de que não irá cumprir o contrato celebrado, integra já, e por si só, uma situação de incumprimento definitivo, que se presume culposo. III. Em todo o caso, existirá culpa sempre que o promitente-vendedor não proceda como procederia, no caso concreto, uma pessoa que usa deveres de diligência exigíveis do homem comum, enquanto pessoa normalmente cautelosa e precavida. | ||
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Decisão Texto Integral: | ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA: I. OBJECTO DO RECURSO E QUESTÕES A SOLUCIONAR. No Tribunal Cível da Comarca de Lisboa, A intentou contra a sociedade B a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, alegando, para tanto e em síntese, que: Por contrato-promessa celebrado em 3 de Janeiro de 2001, o A. prometeu comprar à ré e esta prometeu vender, livre de ónus e de responsabilidades, os lugares de estacionamento números 35 e 36, sitos no piso -1 do prédio que a ré iria construir.., em Lisboa. O preço de compra e venda foi de 8.400.000$00, sendo que em 3 de Janeiro de 2001 o A. entregou à R. a quantia de 2.520.000$00, a título de sinal e início de pagamento, devendo a escritura ter lugar no prazo de 18 a 20 meses, cantados de 3 de Janeiro de 2001, incumbindo a sua marcação à ré. A ré não iniciou até hoje a construção do edifício, onde se situariam os lugares de estacionamento prometidos vender. Por carta de 20.03.2002 a ré informou o autor da impossibilidade de construção do imóvel e, consequentemente, das garagens e comprometeu-se a devolver-lhe a quantia já paga no prazo máximo de 90 dias, ou seja, até 18.06.02, o que não fez. Termina pedindo a resolução do contrato-promessa celebrado, e bem assim a condenação da R. no pagamento da quantia de € 25.139,42, acrescida de juros de mora desde a citação até integral pagamento. Ou, caso se entenda que não houve culpa da ré, que esta seja condenada a pagar ao autor a quantia de € 12.569,71 acrescida de juros vencidos e vincendos contados desde 18.06.2002 Pessoal e regularmente citada, a ré não contestou e nem juntou procuração aos autos. Por despacho de fls. 14 foram declarados confessados os factos articulados pela autora e ordenado o cumprimento do disposto no art. 484°/2, do CPC, não foram apresentadas alegações escritas. Prosseguiram os autos os seus trâmites, sendo proferida sentença, julgando a acção parcialmente procedente e, em consequência, foi declarado resolvido o contrato-promessa e condenada a ré a restituir ao autor a quantia de € 12.569,71 relativa ao sinal recebido, acrescido de juros de mora à taxa legal desde 18.06.2002 até integral pagamento, absolvendo-o do restante peticionado. Inconformado com a decisão, veio o A. interpor recurso para este Tribunal da Relação, apresentando doutas alegações, com as seguintes CONCLUSÕES: …. Não houve contra-alegação. Admitido o recurso na forma, com o efeito e no regime de subida devidos, subiram os autos a este Tribunal da Relação, sendo que nada obstando ao conhecimento da apelação, cumpre decidir. A questão a resolver é a de saber se a quantia paga a título de sinal e princípio de pagamento deve ser restituída em dobro. | II. FUNDAMENTOS DE FACTO. … | III. FUNDAMENTOS DE DIREITO. Diz respeito a presente acção a um contrato-promessa de compra e venda de dois lugares de estacionamento sitos em prédio urbano, pelo qual a Apelada os prometeu vender ao Apelante e este os prometeu comprar, livres de ónus e encargos. Como se sabe, o contrato-promessa de compra e venda é a convenção pela qual alguém se obriga a celebrar certo contrato, sendo-lhe aplicáveis as disposições legais relativas ao contrato em negociação, exceptuando as relativas à forma e às que, pela sua razão de ser, não devam considerar-se extensivas àquele contrato (art. 410º CC). O contrato-promessa gera a obrigação de negociar, ou seja, a obrigação de emitir a declaração de vontade correspondente à celebração do contrato prometido, sendo que o devedor cumpre a obrigação quando realiza a prestação a que está vinculado (art. 762º/1 do CC). Por isso, “se alguém se tiver obrigado a celebrar certo contrato e não cumprir a promessa, pode a outra parte, na falta de convenção em contrário, obter sentença que produza os efeitos da declaração negocial do faltoso, sempre que a isso se não oponha a natureza da obrigação assumida” (art. 830º/1 do CC). E no caso do promitente-comprador haver constituído sinal a favor do promitente-vendedor, verificando-se a mora no cumprimento por parte do último, pode o primeiro, em alternativa, requerer a execução específica do contrato, se esta for possível, ou exigir a restituição do sinal em dobro (art. 442º/2/3 do mesmo CC). Porém, a doutrina e a jurisprudência têm entendido, com acentuada predominância, que a exigência da restituição do sinal em dobro pressupõe o incumprimento definitivo do contrato-promessa, não bastando a simples mora (V. Calvão da Silva em "Sinal e Contrato-Promessa", 8ª ed., pgs. 113 e segs., e os Autores e arestos aí citados, salientando-se, entre estes, os proferidos pelo S.T.J. em 02/05/85 em B.M.J. nº. 347, pgs. 375 e 26/11/99 na C.J. - Acs. S.T.J. - Ano VIII, 1, pgs. 72). Ainda que seja de assinalar as vozes discordantes, pelo menos, de Antunes Varela e de Almeida Costa. Segundo o último, no contrato-promessa “…a parte inocente, uma vez verificada a mora, pode prevalecer-se das consequências desta ou exercer o direito potestativo de transformá-la, de imediato, em não cumprimento definitivo, sem observância de qualquer dos pressupostos indicados no n.º 1 do art. 808” (in “Contrato-Promessa”, Almedina, pg. 78). No caso vertente está provado que a Apelada tendo declarado, no contrato-promessa de compra e venda, que era dona e legítima proprietária do prédio urbano sito em Lisboa, veio posteriormente a comunicar ao Apelante que se tornara impossível cumprir o contrato, por os seus proprietários haverem efectuado a venda dos imóveis a terceiros e que se propunha devolver-lhe as quantias por este pagas, em singelo e num determinado prazo, o que nunca veio a suceder. A comunicação da Apelada ao Apelante de que não iria cumprir o contrato celebrado, integra já, e por si só, uma situação de incumprimento definitivo. Isto porque, como se defendeu em Acórdão desta Relação de 18.01.1996, aliás de acordo com doutrina e jurisprudência, que cita, “o comportamento do promitente-vendedor que exprima a vontade de não querer cumprir, reconduz-se ao conceito de recusa de cumprimento, o que permite considerá-lo «inadimplente de forma definitiva» (In CJ, 1996, I, 95). E integra uma situação de incumprimento culposo imputável à Apelada, uma vez que o contrato-promessa está submetido ao regime legal aplicável à generalidade dos contratos, regime em que o devedor que não cumpre uma obrigação incorre numa presunção de culpa. Com efeito, incumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento não procede de culpa sua, sendo que a culpa é apreciada nos termos aplicáveis à responsabilidade civil (art. 799º do CC), ou seja, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso (art. 487º/2 do CC). Operando-se a determinação da culpa segundo o critério da diligência de um bom pai de família, através do recurso aos deveres de diligência exigíveis do homem comum, existirá culpa sempre que o agente não proceda como procederia, no caso concreto, uma pessoa normalmente precavida. No caso sob recurso a Apelada não logrou elidir a presunção de culpa estabelecida na lei, pois que nem sequer contestou a acção. Por outro lado, ao prometer vender coisa que lhe não pertencia e ao não demonstrar que tudo tivesse feito para cumprir com o prometido, tornando em definitivo o seu incumprimento, actuou sem a diligência exigível ao homem médio, isto é, actuou culposamente e constituiu-se responsável pela restituição do sinal em dobro. E em sentido contrário não releva o silêncio do Apelante perante a comunicação da Apelada da invocada impossibilidade de cumprimento do contrato, pois que, como aquele refere, tal silêncio não pode interpretar-se, em face da norma do art. 218° do CC, como consentimento à pretensa ausência de culpa da Apelada no incumprimento do contrato-promessa, porquanto não foi alegada ou provada a existência de qualquer norma, uso ou convenção que atribua esse efeito ao silêncio, nem o mesmo efeito decorre da normalidade das coisas. Consequentemente, assiste ao Apelante o direito de exigir da Apelada, ao abrigo do art. 442º/2 do CC, o dobro do sinal prestado. Procedem, por isso, as conclusões do recurso, sendo de alterar a decisão recorrida. | IV. DECISÃO: Em conformidade com os fundamentos expostos, concede-se provimento à apelação e altera-se a decisão recorrida, condenando-se a Apelada a restituir ao Apelante a quantia de € 25.139,42 relativa ao dobro do sinal recebido, acrescido de juros de mora à taxa legal desde 18.06.2002 até integral pagamento.
Custas nas instâncias pela Apelada.
Lisboa, 16 de Março de 2006.
FERNANDA ISABEL PEREIRA MARIA MANUELA GOMES |