Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | ROSÁRIO GONÇALVES | ||
Descritores: | SOCIEDADE COMERCIAL VINCULAÇÃO DE PESSOA COLECTIVA | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 03/17/2009 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA A DECISÃO | ||
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Sumário: | 1- As sociedades comerciais por quotas são administradas e representadas por um ou mais gerentes, designados no contrato de sociedade ou eleitos posteriormente por deliberação dos sócios, se não estiver prevista no contrato uma outra forma de deliberação. 2- Uma vez que os gerentes se apresentam perante terceiros, como representantes da sociedade, evita-se, pela ilimitação dos poderes representativos, que aqueles fiquem sujeitos a restrições da representação criados pelos sócios no seu próprio interesse e cujo conhecimento pelos terceiros não é seguro. 3- Os interesses que se visam proteger pela estatuição do aludido no art. 260º nº.1 do CSC., são fundamentalmente, os de terceiro, tratando-se de uma norma de interesse e ordem pública, de natureza imperativa. 4- A necessidade de assinatura de dois gerentes pode levar, na sua falta, à produção de consequentes efeitos a nível interno da sociedade, mas não a desvincula para com terceiros, ou seja, ao nível das relações externas. (R.G.) | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa 1-Relatório: A autora, V, S.A. intentou a presente acção declarativa de condenação, na forma de processo sumário, contra a ré, C, S.A., pedindo a condenação desta no pagamento da quantia de € 3.821,97, acrescida de juros de mora vencidos no montante de € 610.50 e vincendos, até efectivo e integral pagamento. Para tanto alegou, e em suma, que contratou com a R. a prestação de serviço móvel terrestre e, em contrapartida, a R. obrigou-se ao pagamento do preço do serviço no prazo de 15 dias a contar da data das facturas e a permanecer como cliente da A. pelo período de 24 meses, sendo que a R. não cumpriu o acordado, pelo que se mostra em dívida a quantia de € 1.629,81 respeitante a serviços prestados e € 2.192,16 respeitante ao incumprimento da fidelização acordada. Regularmente citada, a R. contestou, excepcionando a ineptidão da p.i. e impugnando o alegado pela A. Foi proferido despacho saneador, no qual foi julgada improcedente a alegada excepção da ineptidão da p.i. Prosseguiram os autos a sua normal tramitação, tendo sido proferida sentença, julgando a acção procedente, condenando a R. a pagar à A. a quantia de € 4.432,47, acrescida dos juros de mora à taxa legal supletiva aplicável aos créditos de que sejam titulares empresas comerciais, vencidos e vincendos, contados desde o dia 5 de Fevereiro de 2005 e sobre o montante de € 3.821,97, até integral pagamento. Inconformada recorreu a ré, concluindo nas suas alegações, em síntese: - A Apelante é uma sociedade comercial por quotas, registada sob o nº. na 4.° Secção da Conservatória do Registo Comercial de Lisboa, obrigando-se desde o momento da sua constituição pela assinatura de 2 gerentes. - Na data de celebração dos contratos dos autos, eram Gerentes registados da apelante os seus sócios Maria e António. - Os contratos dos autos foram celebrados e assinados pela apelada e pela sócia gerente da apelante Maria. - A gerente Maria, ao subscrever sozinha o contrato com a apelada em nome da sociedade, fê-lo para além dos poderes que lhe estão conferidos pelo pacto social da apelante, actuando ultra vires.- A apelante fez prova do preenchimento dos requisitos do n.° 2 do art. 260° do Cód. Soc. Com., porquanto demonstrou que a sociedade apelante está registada, constando do mesmo registo a forma da sua vinculação. - É função do registo dar publicidade aos actos a ele sujeitos, de modo a proteger a legalidade das relações jurídicas. -A apelada, enquanto sociedade multinacional do ramo das telecomunicações, diligente na prossecução da sua actividade, não podia ignorar a forma de vinculação da ora apelante, entidade com quem pretendia contratar. - A apelante nunca teve qualquer intervenção nos contratos dos autos, que por ela não foram validamente subscritos, não se vinculando aos contratos de consumos e aos períodos de fidelização. - A não vinculação da apelante. aos contratos dos autos prejudica quer a aplicação da Lei 24/96 de 31 de Julho quer o conhecimento da questão da desproporcionalidade da cláusula penal. - A douta decisão do Tribunal a quo, ao condenar a apelante como se a mesma estivesse vinculada aos contratos, violou o texto e a ratio legis do art. 260° do Cód. Soc. Com. Por seu turno, contra-alegou a apelada em síntese: -A sociedade ré vincula-se pela assinatura de dois sócios gerentes. - Os contratos celebrados com a A. foram assinados por uma sócia-gerente. - Ficou demonstrado, que a ré tinha conhecimento dos contratos celebrados pela sócia-gerente. - Tendo aceite tacitamente os actos praticados pela sócia-gerente. - A sócia-gerente da ré, apesar da não indicação dessa menção aquando da contratação dos serviços da A., em nome da ré, actuou na qualidade de sua representante legal, qualidade essa que se deduz. - Mesmo que assim não se entenda, no caso de gerência plural, quando apenas um gerente intervem na prática de um acto, a inobservância das regras que integram o pacto apenas produzem efeitos internos, salvaguardando-se o interesse de terceiros. - A intervenção de um único gerente na prática de um acto, não se traduz na violação dos poderes conferidos por lei, uma vez que, uma das funções essenciais dos gerentes é a de representação da sociedade. - Os contratos celebrados pela sócia-gerente da ré com a A. vinculam-na, resultando obrigações para ambas as partes que não foram cumpridas pela ré. - O desrespeito das regras de representatividade constantes do pacto social da ré produz apenas efeitos internos, salvaguardando-se os interesses de terceiros. - O desrespeito das regras sociais pela sócia-gerente da ré, terá corno consequência a sua responsabilização para com a sociedade, não tendo quaisquer efeitos para com a A. - A decisão em apreço não viola qualquer norma legal, pelo que a sentença proferida deverá ser mantida. Foram colhidos os vistos. 2- Cumpre apreciar e decidir: As alegações de recurso delimitam o seu objecto, conforme resulta do teor das disposições conjugadas dos artigos 660º., nº. 2, 684º., 664º. e 690º., todos do CPC. A questão a dirimir consiste em aquilatar: - Sobre a vinculação ou não da sociedade, apenas com a assinatura de uma sócia-gerente. A matéria de facto delineada na 1ª. instância foi a seguinte: 1. A V é uma sociedade comercial que presta serviços telefónicos no âmbito da exploração do seu serviço móvel terrestre. 2. No exercício da sua actividade, a A. prestou os seus serviços à Ré na sequência da celebração de um contrato celebrado em 28 de Junho de 2001, ao abrigo da Proposta de Fidelização de Cliente, nos termos do qual a R. subscreveu o serviço telefónico com o n.º 914077448, que ficou adstrito à conta V n.º , conforme consta de fls. 121. 3. Em 2 de Julho de 2001 foram aditados pela R. à aludida conta dois novos serviços com os números 916892444 e 916892442, conforme consta de fls. 122. 4. Em 17 de Maio de 2002, a R. subscreveu as condições particulares do serviço telefónico móvel constantes de fls. 9, tendo, nessa data, fidelizado na rede da A. os serviços com os números 9…, 9… e 9…, pelo período de 24 meses. 5. Nos termos acordados entre as partes, os serviços foram contratados no plano tarifário Pack Empresa M-M incluído que tinha um custo mensal de € 135, acrescido de IVA, representando para cada um dos referidos seis serviços um valor mensal de € 22,50, acrescido de IVA. 6. Posteriormente, em 24 de Fevereiro de 2003, a R. fidelizou, de igual modo, na rede da A. os serviços telefónicos com os números referidos em 2. e 3. também pelo período de 24 meses, nos termos constantes de fls. 10, passando então a vigorar o plano tarifário Pack Empresa 1000, que contemplava uma mensalidade de € 205, acrescida de IVA, sendo que o valor mensal de referência para estes três últimos serviços era de € 20,50, acrescido de IVA. 7. Conforme consta dos contratos, caso o serviço seja desactivado antes do referido prazo terminar, a Ré deveria proceder ao pagamento de uma penalidade calculada nos termos da cláusula terceira que dispõe o seguinte: " se o signatário denunciar ou de qualquer modo fizer cessar a prestação do serviço antes de decorrido o prazo acordado, compromete-se a efectuar, de imediato, o pagamento da totalidade dos valores mensais vincendos até ao termo do referido prazo." 8. A A. forneceu à R. os equipamentos móveis discriminados nos referidos contratos, conforme se obrigou. 9. A A. emitiu e enviou mensalmente à R. as facturas juntas aos autos de fls. 97 a 102. 10. A Ré, apesar de várias vezes instada para proceder ao pagamento do montante global de Euros 1.629,81 constante dessas facturas e relativo a serviços prestados não o fez. 11. Pelo que, a desactivação dos serviços da Ré foi efectuada pela A. a 7 de Julho de 2003, por falta de pagamento das aludidas facturas. 12. E a A. emitiu e enviou à R. a factura junta aos autos a fls. 103, respeitante à penalidade por incumprimento contratual. 13. O respectivo montante foi calculado tendo por base o valor mensal pago pelos serviços contratados multiplicado pelo número de meses em falta. 14. Assim, no contrato celebrado em Maio de 2002, o período de permanência era de 24 meses que deveria terminar em Maio de 2004, ficaram por cumprir 10 meses que multiplicados pelo valor mensal de cada um dos serviços contratados que era de Eur 22,50 + IVA x 10 meses x 3 serviços = 675 + IVA. 15. E no contrato celebrado em Fevereiro de 2003, ficaram por cumprir 19 meses que multiplicados pelo valor mensal de cada um dos serviços contratados que era de Eur 20,50 + IVA x 19 meses x 3 serviços = 1.168,50 + IVA. 16. A R. não pagou aquela factura respeitante à penalidade. 17. Por deliberação da Assembleia Geral da R. do passado dia 31 de Outubro de 2003, procedeu-se à alteração da sede social da sociedade ora R. da Rua de São Bernardo, , para a Rua de Campolide, Centro Comercial na Freguesia de Campolide, em conformidade com o Av.2- da certidão do Registo Comercial da sociedade ora R. de fls. 79 e segs. 18. E bem assim, à nomeação de dois novos gerentes, o senhor Luís e Francisco, em substituição do gerente António, cfr. Ap. da referida certidão. 19. Em virtude de aquisição da quota do sócio António por cessão de quotas celebrada em Setembro do mesmo ano (Cfr. Ap. 12/031204 da mesma certidão). 20. A R. é uma sociedade comercial por quotas, registada sob o n.º na 4.ª Secção da Conservatória do Registo Comercial de Lisboa, conforme certidão do registo referida. 21. Desde o momento da sua constituição, e em conformidade com a ap., que a “FORMA DE OBRIGAR” da sociedade consta como sendo pela assinatura de 2 gerentes. 22. E na data de celebração dos contratos acima referidos, constavam como Gerentes registados da sociedade os sócios da sociedade, a saber, Senhora D.ª Maria e Senhor António. 23. E os referidos contratos foram celebrados e assinados pela A. e pela sócia gerente da R. Maria. 24. A R. é uma sociedade que se dedica ao “comércio, importação, exportação e representação de produtos alimentares, café, tabaco, artigos de artesanato e decoração. Hotelaria, restauração e similares, café e snack-bar”, conforme consta da referida certidão. Vejamos: Insurge-se a apelante relativamente à sentença proferida, por entender que os contratos celebrados não foram validamente subscritos, por apenas conterem a assinatura de uma sócia gerente, obrigando-se a sociedade desde a sua constituição pela assinatura de dois gerentes. Ora, resulta da materialidade fáctica apurada que a apelante é uma sociedade comercial por quotas, registada na 4ª.secção da Conservatória do Registo Comercial de Lisboa. Desde o momento da sua constituição que a forma de obrigar da sociedade consta como sendo pela assinatura de dois gerentes, tendo os contratos celebrados sido assinados pela autora e pela sócia gerente da ré, Maria. De acordo com o preceituado no art. 252º do Código das Sociedades Comerciais, as sociedades comerciais por quotas são administradas e representadas por um ou mais gerentes, designados no contrato de sociedade ou eleitos posteriormente por deliberação dos sócios, se não estiver prevista no contrato uma outra forma de deliberação. A gerência representa a sociedade, vinculando-a nas suas relações perante terceiros. Por seu turno, o art. 260º do CSC., prescreve em relação à vinculação da sociedade para com terceiros, o seguinte: 1-Os actos praticados pelos gerentes, em nome da sociedade e dentro dos poderes que a lei lhes confere, vinculam-na para com terceiros, não obstante as limitações constantes do contrato social ou resultantes de deliberações dos sócios. 2- A sociedade pode, no entanto, opor a terceiros as limitações de poderes resultantes do seu objecto social, se provar que o terceiro sabia ou não podia ignorar, tendo em conta as circunstâncias que o acto praticado não respeitava essa cláusula e se, entretanto, a sociedade o não assumiu, por deliberação expressa ou tácita dos sócios. 3- O conhecimento referido no número anterior não pode ser provado apenas pela publicidade dada ao contrato de sociedade. 4- Os gerentes vinculam a sociedade, em actos escritos, apondo a sua assinatura com indicação dessa qualidade. Ora, tal normativo enquadra-se na esteira do art. 9º da 1ª Directiva do Conselho da CEE, de 9 de Março de 1968, onde se alude que, «A sociedade vincula-se perante terceiros pelos actos realizados pelos seus órgãos, mesmo se tais actos forem alheios ao seu objecto social, a não ser que esses actos excedam os poderes que a lei atribui ou permite atribuir a esses órgãos». Como escreve Raul Ventura, in Sociedades por Quotas, vol. III, pág. 172: «Enquanto a actuação dos gerentes não tem projecção externa, os sócios, são donos e senhores da sociedade e, como tais, podem determinar o círculo dentro do qual os gerentes podem mover-se. Uma vez que os gerentes se apresentam perante terceiros, como representantes da sociedade, evita-se, pela ilimitação dos poderes representativos, que aqueles fiquem sujeitos a restrições da representação criados pelos sócios no seu próprio interesse e cujo conhecimento pelos terceiros não é seguro. Os interesses que se visam proteger pela estatuição do aludido no art. 260º nº.1 do CSC., são fundamentalmente, os de terceiro. Trata-se de uma norma de interesse e ordem pública, de natureza imperativa». Há que defender os interesses de terceiros, relegando-se para as relações internas as consequências inerentes ao eventual desrespeito das regras da representatividade constantes do pacto social. O legislador inclinou-se para uma via de protecção de terceiros, com o objectivo de compatibilizar a vida negocial e económica, salvaguardando incertezas sobre a correcta representação da sociedade, pois, uma constante consulta dos elementos registrais não seria consentâneo com o ritmo célere que envolve tal sector. E é nesta esteira que o acórdão uniformizador de jurisprudência do STJ., nº.1/2002, publicado em 24-1-2002, in DR I-A, seguiu, quando aludiu que, «A vinculação de uma sociedade, nos termos do art. 260º, nº4 do CSC, contenta-se com a assinatura do respectivo gerente, podendo esta qualidade ser, apenas, deduzida, nos termos do art. 217º do Cód. Civil, de factos que, em toda a probabilidade a revelem, não exigindo a indicação textual daquela qualidade». Com efeito, podendo a qualidade de gerente ser deduzida, nos termos do art. 217º do C. Civ., de factos que, com toda a probabilidade o revelem, na situação em apreço, encontrando-se os contratos assinados por uma sócia gerente da sociedade ré e não tendo sido demonstrado que a autora sabia ou não podia ignorar que a sociedade não ficasse vinculada apenas com uma assinatura, não poderemos pôr em causa os vínculos contratuais assumidos. A necessidade de assinatura de dois gerentes pode levar, na sua falta, à produção de consequentes efeitos a nível interno da sociedade, mas não a desvincula para com terceiros, ou seja, ao nível das relações externas. Se é certo que a publicidade do registo tem uma função de protecção da legalidade das relações jurídicas, também não é menos certo que a lei, no art. 260º do CSC., protege terceiros dos actos praticados pelos gerentes, em nome da sociedade, em actos escritos, apondo a sua assinatura com indicação dessa qualidade. O conhecimento ou o não conhecimento de terceiros sobre as limitações constantes do contrato social ou das deliberações dos sócios, não pode ser provado apenas pela publicidade dada ao contrato de sociedade. Destarte, a ré ficou vinculada aos contratos celebrados com a autora, com as inerentes obrigações assumidas, nenhum reparo merecendo a sentença recorrida, a qual se limitou a fazer a adequada subsunção jurídica, decaindo na totalidade as conclusões do recurso apresentado. 3- Decisão: Nos termos expostos, acorda-se em julgar improcedente a apelação, mantendo-se a sentença proferida. Custas a cargo da apelante. Lisboa, 17-3-2009 Maria do Rosário Gonçalves José Augusto Ramos João Aveiro |