Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | CATARINA ARÊLO MANSO | ||
Descritores: | ACIDENTE DE VIAÇÃO PEÃO EXCLUSÃO DE RESPONSABILIDADE ÓNUS DA PROVA MATÉRIA DE FACTO | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 06/25/2009 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
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Sumário: | a) Ao atravessar a faixa de rodagem impõe-se ao peão que se certifique dos veículos que nela transitam, da distância que dele os separa e da velocidade aproximada que os anima, não invadindo a faixa de rodagem, por ser previsível o aparecimento de outros veículos a ultrapassarem. b) Não é exigível aos condutores que contem com a negligência ou inconsideração de outros utentes da via, salvo tratando-se de crianças – com comportamentos geralmente imprevisíveis – deficientes ou muito idosos – com limitações no seu controlo – ou animais desacompanhados ou sem trela. c) Deve antes partir do princípio que se ele cumpre todos os preceitos reguladores do trânsito aos outros também é exigível que os cumpram. d) Na responsabilidade extra-contratual, é regra ser ao lesado que cumpre provar a culpa do lesante, com factos que normalmente a integram, a este provar factos que a excluem ou impedem a eficácia dos seus elementos constitutivos. (Sumário da Relatora) | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa I – A, intentou acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário contra Companhia de Seguros, S.A., pedindo a condenação desta no pagamento de 9.176.487$00 (€ 45.772,12), a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais. Fundamentou a sua pretensão no atropelamento, de que foi vítima pelo veículo JF, e o proprietário ter transferiu para a ré por contrato de seguro relativo à responsabilidade civil emergente de acidentes de viação titulado pela apólice nº. O veículo era conduzido na altura por O, a cerca de metro e meio para além do cruzamento do IC com a estrada , na hemi-faixa de rodagem esquerda, com velocidade excessiva e desatenção. E no internamento hospitalar, cirurgias, limitação de movimentos e necessidade de apoio de terceiros. A Ré apresentou contestação, invocando o aparecimento súbito da Autora, que tornou impossível a imobilização do veículo de forma a evitar o embate, o atravessamento da faixa de rodagem em local não permitido dada a existência de passadeira de peões a cerca de 40 metros. Conclui pela improcedência da acção. Elaborado o despacho saneador, fixados os factos assentes e a BI, procedeu-se a julgamento e a acção foi julgada improcedente. Não se conformando com a decisão interpôs recurso a A. nas alegações concluiu: - o acidente dos autos concretizou-se no embate pelo veículo dos autos na Autora, a cerca de metro e meio para além do cruzamento da IC com a estrada , na via de trânsito situada mais à esquerda, das duas que integram a faixa de rodagem destinada aos veículos que circulam via essa por onde vinha circulando o veículo e, como o sinal luminoso regulador do trânsito no cruzamento estivesse no verde, prosseguiu a sua marcha, atravessando a passagem para peões que precedia o cruzamento e entrando neste, até que se apercebeu que à sua frente e na mesma via de trânsito, a Autora atravessava a IC da direita para esquerda, considerando o seu sentido de marcha, altura em que travou para evitar nela embater, mas não o conseguindo; - o embate foi violento; - o piso estava seco, com boa aderência, sendo a visibilidade total até onde a vista podia alcançar; - naquele cruzamento não era legalmente permitido circular a velocidade instantânea superior a 60 km/hora, especialmente moderada, dada a existência, cerca de 120 metros antes e em linha recta, de um sinal regulador de trânsito que impunha aquele limite máximo aos veículos que circulassem na faixa de rodagem por onde circulava o veículo, no sentido em que este o fazia, e dada ainda a existência de passagem assinalada na faixa de rodagem para a travessia de peões, bem como por se tratar de um cruzamento, tudo nos termos dos artigos 28°, ns° 1, b), e 2, e 25°, nº 1, a) e f) do Código da Estrada; - e não de 80 km/h, como o entendeu o tribunal; - da travagem efectuada pelo condutor do veículo, ficaram no local do embate vestígios numa extensão de 26 metros, com início a cerca de 17 metros aquém do fim do cruzamento. - tal extensão permite concluir que o veículo circulava a velocidade superior à velocidade máxima legalmente consentida no local, pelo que o condutor do veículo violou ainda o disposto no artigo 28°, nº 1, alínea b), do mesmo Código; - permite concluir ainda que o condutor pôde avistar a Autora, não a uma distância de 30 metros, mas antes a uma distância mínima de 38,49 metros. - conclui-se que o condutor do veículo circulava com excesso de velocidade, atendendo às características da via e do veículo e demais circunstâncias que no local se verificavam, designadamente relativamente à Autora, dado que, apesar de ter travado, não conseguiu deter a marcha do veículo no espaço livre e visível à sua frente, isto é, até ao local onde na sua via de trânsito onde se encontrava a Autora, na travessia que fazia da IC 21, da direita para a esquerda, considerando o sentido de trânsito do veículo. Assim violando, objectivamente, o condutor o disposto no artigo 24°, nº 1, do Código da Estrada; - e circulava pela via de trânsito mais à esquerda da faixa de rodagem por onde seguia, assim violando o disposto nos artigos 13°, nº 1, e 14°, do Código da Estrada; - não se provou que circulava completamente desatento ao trânsito que se processava à sua frente, designadamente ao atravessamento, à sua frente e da sua esquerda para a sua direita, da faixa de rodagem por onde seguia pela Autora, até que — e só até que — se apercebeu da presença desta a uma distancia que, apesar da travagem que efectuou, lhe não permitiu evitar nela embater com a frente do veículo que conduzia; - não provou a Ré que o condutor do veículo não circulava pela via de trânsito mais à direita da faixa de rodagem por onde circulava, por não se encontrar livre e desimpedida, sendo certo que era sobre ela que impendia o respectivo ónus da prova, face ao disposto no artigo 350°, nº 2, do Código Civil; - a conclusão que se impõe é a de que o acidente dos autos é imputável, exclusivamente à conduta culposa do condutor do veículo; - a culpa que, aliás, sempre haveria que presumir-se sabido como é que vem sendo maioritariamente, considerado pela jurisprudência do S.T.J., que a prova da inobservância de leis ou regulamentos faz presumir a culpa na produção dos danos decorrentes de tal inobservância, dispensando a concreta comprovação da falta de diligência; - não há nos autos a prova de quaisquer factos que permitam concluir pela responsabilização — e muito menos, exclusiva — da Autora pelo seu acontecimento; - não há nenhum facto a indicar que a Autora surgiu na frente do condutor em condições tais que o veículo sempre com ela colidiria fosse qual fosse a velocidade de que vinha animado, circulasse ele ou não pela faixa mais à esquerda da faixa de rodagem, atento o sentido em que seguia; - o atravessamento da faixa de rodagem, fora da passadeira de peões, encontrando-se apurado que a passadeira mais próxima se encontrava situada a 40 metros, não permite, por si só, imputar a culpa do atropelamento à vítima por desrespeito do que se encontra estatuído no art. 103° do Código da Estrada, uma vez que, neste âmbito, um facto apenas se pode considerar causal na medida em que faça acrescer, de modo considerável, a possibilidade objectiva da realização do resultado ocorrido, o que, in casu, se não verifica; - a resposta de "Não provado" ao quesito 7° da Base Instrutória resultou necessariamente do alegado no artigo 26° da P.I., na sequência do que se alegara nos artigos 21° a 25° do mesmo articulado, visando, fundamentalmente, a demonstração de que a velocidade do veículo era excessiva, atentas as circunstâncias do local e outras que se verificavam, não permitindo ao condutor evitar embater na Autora, apesar de ter travado quando dela se apercebeu, como se vê dos artigos 26° e seguintes do mesmo articulado, designadamente o 28°, a) e e), e 29° do mesmo articulado; - a fundamentação da mesma resposta de "Não provado", contrariamente ao consta da respectiva fundamentação não só não pode ter resultado de qualquer afirmação produzida em sede de prova testemunhal, como também ignorou em absoluto o facto provado, porque especificado, de terem ficado no local vestígios da travagem efectuada pelo condutor travado para evitar embater na Autora, numa extensão de 26 metros, o que, só por si, é evidenciador de que a velocidade com que circulava o veículo era superior a 60 Kms/hora, especialmente moderada, permitida no local; - o tribunal deve responder aos quesitos sobre a matéria de facto em função de toda a prova produzida, tenha por quem quer tenha sido produzida, porque as provas produzidas ficam adquiridas para o processo nos termos do art. 655, n.º 1, do CPC; - tendo em consideração o disposto no artigo 712°, ns° 1, a) e b), e 2, alterar a resposta ao quesito 7° da base instrutória, por forma a que de tal alteração resulte, inequivocamente, que o condutor do veículo circulava a velocidade superior, no mínimo, a 60 km/h; - o acidente é imputável a culpa exclusiva do condutor, à Ré compete a obrigação de indemnização pelos danos por ele causados à Autora, por virtude do contrato de seguro relativo à responsabilidade civil emergente de acidentes de viação que o condutor com ela celebrou e que foi titulado pela apólice nº ; - os danos de natureza patrimonial e não patrimonial são aqueles que os que constam da factualidade declarada "assente" na douta sentença recorrida nos pontos 29 a 52 da douta sentença sob recurso, subordinados à epígrafe tendo ainda em consideração os factos constantes dos pontos 18 e 26 a 52 dos mesmos factos; - e foram avaliados correctamente no montante mínimo total de 9.176.487$ (€ 45.772,12), actualizável em função da desvalorização da moeda e segundo os índices de preço no consumo, se tanto vier a revelar-se curial, acrescida de juros de mora legais, contados desde a citação até integral pagamento. Deve ser revogada e substituída por outra que, considerando o condutor do veículo como o único culpado na produção do acidente, condene a Ré a pagar à Autora nos termos do pedido formulado na petição inicial, ou seja, a pagar à Autora a quantia de Esc. 9.176.487$ (€ 45.772,12), actualizável em função da desvalorização da moeda e segundo os índices de preço no consumo, se tanto vier a revelar-se curial, acrescida de juros de mora legais, contados desde a citação até integral pagamento, bem como condenada a pagar o que se vier a liquidar em execução de sentença relativamente aos prejuízos a que se referem os artigos 55° a 57° do mesmo articulado, condenando-se ainda a mesma Ré em custas e em procuradoria condigna Factos 1. No dia 27 de Novembro de 1998, cerca das 16h10m, no IC a cerca de metro e meio para além da zona de intersecção dessa via com a estrada , ocorreu um embate. (A). 2. Tendo sido interveniente o veículo ligeiro de passageiros, de matrícula JF, pertença de O e por este conduzido, o qual antes dessa data tinha celebrado com a Ré um contrato de seguro relativo à responsabilidade civil emergente de acidente de viação, titulado pela apólice n.º . (B) 3. O piso estava seco, com boa aderência, sendo a visibilidade total até onde a vista podia alcançar. (C) 4. Em qualquer das referidas vias é permitido o trânsito nos dois sentidos, sendo as respectivas faixas de rodagem em alcatrão. (D) 5. O IC é constituído por duas vias de trânsito, uma no sentido V-L e outra no sentido inverso. (E) 6. As referidas faixas de rodagem possuem um separador, com a largura de cerca de 1,5 metros, encontrando-se o mesmo protegido por raides. (F) 7. Cada faixa de rodagem é constituída por duas vias de trânsito, cada uma delas com a largura de aproximadamente 3,5 metros. (G) 8. À aproximação do cruzamento, a via de trânsito do lado direito, considerando o sentido de trânsito V-L, subdivide-se em duas vias, destinando-se a do lado direito à circulação de veículos que pretendem virar à direita, em direcção ao B. (H) 9. A via do lado esquerdo divide-se igualmente em duas, destinando-se a situada junto ao eixo do IC à circulação dos veículos que pretendem virar à esquerda, em direcção à X. (I) 10. Para quem circula pela IC no sentido V-L, a faixa de rodagem respectiva, inicia-se em linha recta, a que se segue uma curva acentuada para a esquerda, a qual impede a visibilidade para além dela, continuando em linha recta até bastante para além do cruzamento referido. (J) 11. Antes da referida curva existe, a cerca de 220 metros do cruzamento, implantado na berma direita da referida faixa de rodagem, um sinal regulador de trânsito, o qual proíbe a circulação em toda a faixa de rodagem a velocidade superior a 80 km/h. (L) 12. No início da referida curva, a cerca de 120 metros do cruzamento, existe outro sinal regulador de trânsito que proíbe a circulação em toda a faixa de rodagem a velocidade superior a 60 km/h. (M) 13. Existindo, antes do referido cruzamento, uma passagem de peões, devidamente assinalada, que permite a quem se desloca a pé, atravessar a IC em ambos os sentidos de trânsito. (N) 14. O trânsito de veículos automóveis é regulado, no que respeita ao acesso ao cruzamento, pela existência de sinais luminosos, colocados de forma visível para os respectivos condutores. (O) 15. O veículo referido em 2. embateu na Autora, tendo esta caído em cima do capot e sido projectada para o asfalto. (P) 16. O condutor do veículo referido em 2. ainda travou para evitar o embate, tendo ficado no local do embate vestígios de travagem numa extensão de 26 metros, com início a cerca de 17 metros aquém do fim do cruzamento, considerando o sentido de trânsito do veículo. (Q) 17. O condutor do veículo referido em 2. circulava na via de trânsito situada mais à esquerda da respectiva faixa de rodagem, não obstante pretender seguir em direcção a Lisboa. (R) 18. A Autora nasceu a 05.09.1940. (documento de fls. 237) 19. A Autora percorreu a pé o passeio que ladeia a faixa de rodagem direita da via pública que liga o B à X, considerando este sentido de marcha. – (Resposta ao quesito 1º) 20. Atravessando o separador das faixas de rodagem, onde já não existem raides, mas onde se encontram dois postes com sinais luminosos reguladores de trânsito. – (Resposta ao quesito 2º) 21. O veículo embateu na Autora, ainda na faixa de rodagem, contígua ao separador, que não chegou a alcançar. – (Resposta ao quesito 6º) 22. Ao aproximar-se do cruzamento referido em 1, o condutor do veículo JF tinha o sinal luminoso regulador de trânsito, atento o seu sentido de marcha, no verde, pelo que prosseguiu a sua marcha. – (Resposta aos quesitos 8º e 41º) 23. Ao aproximar-se do referido cruzamento, o condutor do veículo referido em 2 pôde avistar o peão, a ora Autora, à distância de cerca de 30 metros, quando ela, na sua faixa de rodagem, atravessava o IC da direita para a esquerda, ou seja, no sentido B – X. – (Resposta ao quesito 42º) 24. A Autora atravessou a faixa de rodagem fora de qualquer passadeira para peões. – (Resposta ao quesito 43º) 25. Existia, a cerca de 40 metros do local do embate uma passadeira para os peões que pretendem atravessar o IC. – (Resposta ao quesito 44º) 26. À data do embate a Autora era uma pessoa robusta e tinha alegria de viver. – (Resposta ao quesito 10º) 27. Era doméstica, ocupando-se da lida da casa, não necessitando de auxílio. – (Resposta ao quesito 11º) 28. Tomava conta de uma neta. – (Resposta ao quesito 12º) 29. Em consequência do embate sofreu ferimentos e escoriações. – (Resposta ao quesito 17º) 30. Nomeadamente fractura epifisária do úmero esquerdo. – (Resposta ao quesito 18º) 31. Fractura metafisária proximal da tíbia direita com fractura do perónio, sem lesão neurológica. – (Resposta ao quesito 19º) 32. Fractura do ramo isquio púbico direito. – (Resposta ao quesito 20º) 33. Traumatismo craniano com perda de conhecimento. – (Resposta ao quesito 21º) 34. Em consequência de tais lesões, foi transportada de ambulância ao hospital, onde ficou internada. – (Resposta ao quesito 22º) 35. Foi operada às lesões descritas em 32. e 33. a 4 de Dezembro de 1998, tendo recebido alta em 8 de Janeiro de 1999, com indicação de se sujeitar a tratamentos de fisioterapia. – (Resposta ao quesito 23º) 36.Em 31 de Janeiro de 1999 foram-lhe extraídos, sob anestesia, fios no úmero, tendo recebido alta em 3 de Fevereiro de 1999. – (Resposta ao quesito 24º) 37.Não foi extraída a cavilha da tíbia, intervenção que esteve prevista para Março de 2000, mas não se mostrou clinicamente necessário tal procedimento. – (Resposta ao quesito 25º) 38.A partir do momento em que recuperou a consciência até perto do Natal de 1998, a Autora, atenta as lesões que sofreu, viveu sob a angústia de não sobreviver às mesmas. – (Resposta ao quesito 26º) 39. Sofreu dores, originadas quer pelas lesões supra descritas, quer pelo período pós-operatório. – (Resposta ao quesito 27º) 40.Após o Natal de 1998, não obstante ter começado a acreditar que iria sobreviver, foi acometida pela angústia da perspectiva de ficar com a perna direita e o braço esquerdo completamente inertes. – (Resposta ao quesito 28º) 41.Em finais de Março de 1999, passou a viver atormentada com a perspectiva de não recuperar, na totalidade, a mobilidade da perna direita e do braço esquerdo. – (Resposta ao quesito 29º) 42. A autora sente dores na perna que limitam a locomoção por períodos longos. – (Resposta ao quesito 30º) 43.Não lhe sendo possível levantar a perna sem o auxílio do braço direito, o que a leva a claudicar e dificulta a subida de escadas, em virtude das dores que sente. – (Resposta ao quesito 31º) 44. Quanto ao braço, encontra-se limitada na sua movimentação. – (Resposta ao quesito 32º) 45.Precisa de auxílio para executar algumas tarefas da lide doméstica, higiene pessoal, vestir-se e pegar na neta ao colo e isso causa-lhe amargura. – (Resposta ao quesito 33º) 46.Em consequência do embate teve a Autora que suportar despesas realizadas com transporte em ambulância desde a sua residência até ao Hospital em 4 de Fevereiro de 2000, no montante de Esc. 1.600$00 (€ 7,98). – (Resposta ao quesito 34º) 47.O internamento, tratamentos, radiografias e operações implicaram despesas no Hospital no montante global de 1.091.418$00 (€ 5.443,97) 48.Despesas realizadas com o transporte em ambulância desde a sua residência até ao Hospital em 8 de Janeiro de 1999 e em 3 de Fevereiro de 1999, no montante de Esc. 4.500$00 (€ 22,45). – (Resposta ao quesito 36º) 49.Despesas relacionadas com apoio domiciliário prestado pelo Centro durante os meses de Fevereiro, Março e Abril de 1999, no montante global de Esc. 39.500$00 (€ 197,03). – (Resposta ao quesito 37º) 50.Teve que suportar despesas, no valor de 1.080$00 (€ 5,39), relacionadas com a aquisição de chaves da porta de sua casa a fim de serem distribuídas pelas vizinhas para, em situações de emergência, poderem prestar-lhe auxílio. – (Resposta ao quesito 38º) 51.Despesas com a aquisição na farmácia de bens e produtos no montante de Esc. 3.389$00 (€ 16,90). – (Resposta ao quesito 39º) 52.Despesas com a inutilização de toda a roupa que trazia vestida na data da ocorrência do embate, no montante global de Esc. 35.000$00 (€ 174,58). – (Resposta ao quesito 40º) Houve contra alegações defendendo a manutenção da decisão Corridos os vistos legais, nada obsta ao conhecimento II – Apreciando O recurso é balizado pelas conclusões das alegações, estando vedado ao tribunal apreciar e conhecer de matérias que naquelas não se encontrem incluídas, a não ser que se imponha o seu conhecimento oficioso (art. 684º, nº 3 e 690º, nºs 1 e 3 do CPC), acrescendo que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido. A apelante ataca a decisão em três vertentes, a saber: atribuição da culpa na produção do acidente em exclusivo a ela A; pede a alteração da resposta dada ao art. 7 da BI e a condenação da ré pelos danos sofridos. 1.Vejamos a alteração da matéria de facto pretendida. Nas suas alegações concluiu pela alteração da resposta do art.7.º e concluiu pela procedência da acção, após tal alteração. A lei consagra o princípio da prova livre – art. 655º do CPC – nos termos do qual o tribunal aprecia livremente as provas e responde segundo a prudente convicção que tenha formado acerca de cada facto da BI. Só assim não será quando a lei exigir, para a existência ou prova do facto jurídico, qualquer formalidade especial que, nesse caso, não pode ser preterida. Conforme ensina o Prof. A. Varela, “...as provas são apreciadas livremente, sem nenhuma escala de hierarquização, de acordo com a convicção que gerem realmente no espírito do julgador acerca da existência do facto (Manual, 1984, pag. 455). Assim, como regra geral, não pode o Tribunal da Relação alterar a decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto, a menos que decorra algum dos casos excepcionais que vêm numerados no art. 712º do CPC. Embora seja permitida a reapreciação dos elementos de prova constantes do processo, podendo a 2ª instância adquirir uma convicção diferente daquela a que chegou a 1ª instância, e expressá-la em concreto, alterando a decisão do tribunal inferior nos pontos questionados, quanto a nós, semelhante ampliação de poderes, não se impõe a realização de novo e integral julgamento nem admite recurso genérico contra a errada decisão da matéria de facto. Na verdade, mantendo-se em pleno vigor os princípios da oralidade, da imediação, da concentração e da livre apreciação das provas, e orientando-se o julgamento humano por padrões de probabilidade e nunca de absoluta certeza, o uso pela Relação dos poderes de alterar a decisão da 1ª instância acerca da matéria de facto deve restringir-se aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e aquela decisão nos concretos pontos questionados. A acrescer a isto, há que ter em conta que o julgador não pode apenas ter em linha de conta este ou aquele depoimento, este ou aquele documento. Deve formular um juízo de valor sobre todos os meios de prova apresentados em juízo e, depois, ponderadamente, responder aos factos que compõem a matéria da base instrutória. Acresce que se deve ter presente que a convicção do julgador em princípio não está sujeita a censura, a menos que haja erro de percepção da prova produzida, como, por exemplo, o documento ou a testemunha dizer uma coisa e o juiz perceber e decidir o contrário. Por isso se tem entendido que a alteração da decisão sobre a matéria de facto pela Relação deve ser feita de modo muito cauteloso, nos casos de evidente desconformidade entre os elementos de prova produzidos e a decisão ou na falta clara de suporte probatório. De qualquer modo, as provas produzidas têm de ser apreciadas não apenas por aquilo que isoladamente valem, mas também valorizadas globalmente, isto é no sentido que assumem no conjunto de todas elas. Há na verdade, uma profunda diferença entre a posição do juiz que, dirigindo a audiência, assiste à prestação dos depoimentos, ouvindo o que as testemunha dizem e vendo como se comportam enquanto ouvem as perguntas que lhes são feitas e a elas respondem, e a outra, bem diversa, daquele que apenas tem perante si a transcrição, nas alegações, do teor dos depoimentos e a possibilidade de ouvir as respectivas gravações sonoras (cf. Miguel Teixeira de Sousa, "Estudos sobre o Novo Código de Processo Civil", LEX, 1997, pp. 399-400, António Abrantes Geraldes, "Temas da Reforma do Processo Civil", vol. II, 2ª ed., pp. 270-271, e acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19.04.2001, Proc. nº 435/01). E, nessa perspectiva, dúvidas não temos que o juiz de 1ª instância se encontra em melhor posição para avaliar, de forma objectiva e global, o valor a atribuir a um depoimento na formação da sua convicção. Tais disposições resultam do DL n.º 39/95 que instituiu o sistema de gravação da prova em audiência de julgamento, tendo em vista a possibilidade de reapreciação em instância de recurso, mas não se pretendeu que o tribunal superior proceda a um novo julgamento, mas tão só corrigir eventuais erros de julgamento que se mostrem patentes face às provas de que dispõe. Porém, deve continuar a entender-se que: A decisão sobre os factos continuam submetidas ao regime da oralidade – ainda que de forma mitigada – a que se mostram adstritos, entre outros, o princípios da concentração e da imediação, o que impede que o tribunal de recurso apreenda e possa dispor de todo o circunstancialismo que envolveu a produção e captação da prova, designadamente a testemunhal, quase sempre decisivo para a formação da convicção do julgador. Nenhuma testemunha das que foram inquiridas souberam precisar a que velocidade circulava o JF. Assim, não concretizaram que seguia a mais de 60 ou de 80 km/h. Ora, nestas circunstâncias, não era possível responder que seguia a mais de 80Km/h. A condutora que seguia o veículo referiu que ela circulava devagar, tinha carta há pouco tempo e o veículo JF também circulava devagar, mas não precisou a velocidade. Por outro lado, o condutor também não soube informar a que velocidade circulava, não olhou e não registou a velocidade a que circulava. Tinham iniciado a marcha, após a paragem num semáforo, que passou a verde. Não se pode concluir que circulava em excesso de velocidade como pretende a apelante, da análise da travagem deixada, e em face da prova podemos concluir que circulava devagar. Aliás, em matéria de travagem a prova refere que deixou um rasto de 26m. No entanto, também está provado que iniciou a travagem 17 m aquém do fim do cruzamento (art.16) mas no art. 1 está provado que o embate ocorreu cerca de metro e meio para além da zona de intersecção da IC com a estrada que liga o B à X. Não há dúvida que estamos perante uma contradição na prova produzida, não pode haver um rasto de travagem de 28 m e ao mesmo tempo o seu início estar a 17m antes do cruzamento e ocorrer o embate 1,5m depois. Mas esta contradição não leva à anulação, já que está de harmonia com toda a prova. O condutor circulava devagar, apesar de circular na via mais à esquerda, a A. atravessou da esquerda para a direita, não se provou que houvesse veículos a circular na via da direita. Bem pode ter acontecido que tivesse esperado a passagem de algum veículo para continuar a travessia e só a pode ver quando não foi possível embater nela. Embateu e parou. A condutora que seguia atrás do veículo atropelante, além de referir que ia devagar, referiu também que ouviu travar a fundo e a A. no ar não a viu atravessar a via. Ou seja, inicia a travagem antes do cruzamento 17 metros e termina com o embate metro e meio após. A distância percorrida foi de 18,5 A distância de travagem alcança-se pela fórmula [ (V:10) 2]: 2 Nessa fórmula V corresponde à velocidade. Se a velocidade (km/h) distância de travagem (m) 30 km/h 4,5 m 50 km/h 12,5 m 70 km/h 24,5 m 90 km/h 40,5 m Os valores acima mencionados apenas são válidos em condições de travagem óptimas. A distância de travagem depende: - Do estado da via (chuva, neve, gelo, qualidade do revestimento, etc.); Da configuração dos locais (subida, descida, etc.); - Do estado dos pneus; - Do estado dos travões; - Do volume do veículo; - Da carga. A velocidade permitida para aquele local era 80K/h e 60K/h pouco antes do cruzamento, como consta da matéria de facto art. 11 e 12. Além disso, estamos numa IC e não era espectável para quem aí circulasse deparar-se com um peão. Por outro lado, também é verdade que não era permitido ao condutor atropelá-la, mas nas circunstâncias descritas não conseguiu evitar o embate, quando se apercebeu da sua presença travou para que o embate não se verificasse. Ou seja, com um rasto de travagem de 18,5m não se podia concluir, como pretende a apelante que o condutor circulava a mais de 80Km/h, pois, tal prova não foi feita. Pelo contrário, o condutor devia circular dentro dos limites na estimativa do tempo que demorou a reagir e a travar, com o inesperado da situação criada pela autora ao atravessar aquela via, nas circunstâncias descritas. Improcede a requerida alteração da resposta ao art. 7 da B.I. Contudo, no art. 16 deve ser alterado e ficar a constar “numa extensão de 18,5m”, em face da prova constante dos autos, nos termos do art. 712 do CPC. Improcede a requerida alteração da resposta ao art. 7 da BI e altera-se o art.16, nos termos expostos, quanto à extensão da travagem. 2. O art. 24.1do Código da Estrada que impõe: 1º- O condutor deve regular a velocidade de modo que, atendendo às características e estado da via e do veículo, à carga transportada, ás condições meteorológicas ou ambientais, à intensidade do trânsito e a quaisquer outra circunstâncias relevantes, possa, em condições de segurança, executar as manobras cuja necessidade seja de prever e, especialmente, fazer parar o veículo no espaço livre e visível à sua frente. No caso vertente, a simples intromissão e presença do A na faixa de rodagem de uma IC, tendo uma passadeira a 40m, o sinal verde para o condutor do veículo e a sua aproximação, impunha por elementar cautela que não iniciasse a travessia de uma via naquelas circunstâncias, para prevenir o risco de manobras bruscas de travagem ou de desvio da trajectória, como no caso aconteceu. A jurisprudência fixada, desde há muito, que nenhum condutor pode ser censurado pelo facto de, inopinadamente, lhe surgir um obstáculo impeditivo da sua livre circulação e ainda que é de exigir aos condutores que cumpram estritamente as disposições legais reguladoras do trânsito, mas não se lhes pode exigir que devam prever que os outros condutores infrinjam essas mesmas disposições legais – cf. acórdão do STJ, de 29/11/1989, BMJ 391º-606. Vem sendo maioritariamente considerado pela jurisprudência do STJ que a prova da inobservância de leis ou regulamentos faz presumir a culpa na produção dos danos decorrentes de tal inobservância, dispensando a concreta comprovação da falta de diligência. Como se diz no Ac. do Supremo Tribunal de 20.11.03 CJ/STJ-III-149., embora em matéria de responsabilidade civil extra-contratual, em princípio, não se presuma a culpa do autor da lesão (art. 487º, nº 1), a posição deste é frequentemente aliviada por intervir aqui a chamada prova de primeira aparência (presunção simples): se esta prova aponta o sentido da culpa do lesante, passa a caber a este o ónus da contraprova. Para provar a culpa, basta assim que lesado possa estabelecer factos que, segundo os princípios da experiência geral, a tornem muito verosímil, cabendo ao lesante fazer a contraprova, no sentido de demonstrar que a actuação foi estranha à sua vontade ou que não foi determinante para o desencadeamento do facto danoso. Isto não está sequer em contradição com o disposto no art. 342º, que consagra um critério de normalidade no que respeita à repartição do ónus da prova, no sentido de que aquele que invoca um determinado direito tem de provar os factos que normalmente o integram, tendo a parte contrária de provar, por seu turno, os factos anormais que impedem a eficácia dos elementos constitutivos do direito. Porém, a validade da regra ou princípio pressupõe que o comportamento contravencional objectivamente verificado seja enquadrável no espectro das condutas passíveis de causarem acidentes do tipo daqueles que a lei quer prevenir e evitar ao tipificá-las como infracções (cf., v.g., acs. STJ de 6/1/87 e 7/11/2000, BMJ 363º-488 e CJ VIII-III-104). Em termos de adequação, o facto apenas pode considerar-se causal na medida em que, considerado no desenvolvimento do processo que conduziu ao dano e em face das regras da experiência comum, modifique o “círculo de riscos” da verificação do dano, fazendo acrescer a possibilidade objectiva de produção do resultado verificado. Em suma, relevará, no critério de imputação da causalidade, a formulação de um juízo de prognose posterior objectiva que, partindo das concretas circunstâncias conhecidas e das cognoscíveis de um observador experiente, permita afirmar que o acto, mesmo tendo em conta a actuação do lesado, “favorecia aquela espécie de dano, surgindo, pois, como uma consequência provável ou típica daquele facto” (Brandão Proença, “A Conduta do Lesado… ”, 445). Por exemplo, no caso tratado no mencionado Ac. do S.T.J. de 4-10-2007 em que a vítima era uma criança de 10 anos de idade que, conduzindo uma bicicleta, surge de um entroncamento à direita do veículo automóvel de tal modo que, sem aguardar a passagem do automóvel, entrou na metade direita da estrada, cortando a linha de marcha e tornando o acidente inevitável, fácil é verificar que a “culpa” do acidente seria atribuível ao condutor do velocípede só que o Tribunal deu igualmente como provado que “ à data do acidente a condutora do veículo Renault tinha pouca experiência, pois só estava habilitada a conduzir veículos automóveis desta categoria desde o dia 3-3-1998” ( o acidente ocorreu no dia 30-8-1998). Encontramo-nos num plano do direito a constituir como salienta José Carlos Brandão Proença ao evidenciar os pontos essenciais da sua proposta de alteração do artigo 505.º do Código Civil que tem em vista conceber um regime “mais flexível e adaptado à fragilidade de certos lesados” (“Culpa do Lesado”, Comemorações dos 35 Anos do Código Civil e dos 25 Anos da Reforma de 1977, Vol III, Direito das Obrigações, pág. 139/151) Brandão Proença sustenta, para além do mais, o seguinte: - Que “ a sintonização do disposto no artigo 505.º com a redacção dada às normas equivalentes dos outros sectores específicos da responsabilidade pelo risco implica a subjectivização da conduta do lesado (binómio imputabilidade/culpa), afastando a sua pura configuração causal” - Que se justifica um sistema de reparação automática para danos corporais no caso de sinistros com crianças de menos de 10 anos de idade. - Que “ só a culpa grave do lesado, tida por causa única do acidente, deve constituir causa exoneratória no círculo dos danos corporais (transportado sem cinto de segurança, que conheça a embriaguez do seu transportador, que suba ou desça do comboio em andamento, do peão que prescinda da passadeira/passagem aérea para atravessar noutro local e em via de tráfego intenso).Evita-se, assim, que os pequenos descuidos, as desatenções ou os comportamentos reflexos funcionem a favor das seguradoras e que a culpa leve dos vigilantes seja considerada como facto de terceiro”. No quadro actual do direito positivo afigura-se seguir a orientação contrária segundo a qual toda e qualquer culpa mesmo a culpa leve ou levíssima, desvalorizando a inerência de pequenos descuidos à circulação rodoviária) do lesado exclui a responsabilidade objectiva do detentor do veículo” (Calvão da Silva, anotação ao Ac. do S.T.J. de 1-3-2001 in R.L.J., Ano 134.º, pág. 116/117). Numa formulação ulterior do seu pensamento, o autor admite que “ a seguradora pode opor ao lesado, não só a falta de responsabilidade do detentor do veículo segurado - acidente devido unicamente à vítima ou a terceiro, ou acidente exclusivamente devido a causa de força maior estranha ao funcionamento do veículo (artigo 505.º)- , mas também um comportamento voluntário grave e indesculpável, doloso ou imprevisível do lesado nas circunstâncias do caso concreto. Cabe ao juiz, na apreciação individual da conduta do lesado em cada caso específico, ter presente o escopo das Directivas europeias - garantia de indemnização suficiente da vítima a um nível elevado de protecção do consumidor - e a jurisprudência comunitária de apenas em circunstâncias excepcionais se poder reduzir (não desproporcionadamente) a extensão da indemnização do lesado” (ver R.L.J., Ano 137.º, pág. 159/160). Dispõe o art. 563º que a obrigação de indemnizar só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão. Aquele normativo consagrou a doutrina da causalidade adequada. Na formulação de Galvão Telles, Direito das Obrigações, 7ª ed., pág. 405. “Como causa adequada deve considerar-se, em princípio, toda e qualquer condição do prejuízo. Mas uma condição deixará de ser causa adequada, tornando-se pois juridicamente indiferente, desde que seja irrelevante para a produção do dano segundo as regras da experiência, dada a sua natureza e atentas as circunstâncias conhecidas do agente, ou susceptíveis de ser conhecidas por uma pessoa normal, no momento da prática da acção. E dir-se-á que existe aquela relevância quando, dentro deste condicionalismo, a acção não se apresenta de molde a agravar o risco da verificação do dano”. Como referem Vaz Serra, Citado por Pires de Lima/Antunes Varela, “Código Civil Anotado”, vol. I, 3ª ed., pág. 547. “Não podendo considerar-se como causa em sentido jurídico toda e qualquer condição, há que restringir a causa aquela ou aquelas condições que se encontrem para com o resultado numa condição mais estreita, isto é, numa relação tal que seja razoável impor ao agente responsabilidade por esse mesmo resultado”. Finalmente, há que atender a que a causalidade adequada não se refere ao facto e ao dano isoladamente considerados, mas ao processo factual que, em concreto, conduziu ao dano. É esse processo concreto que há-de caber na aptidão geral ou abstracta do facto para produzir o dano Antunes Varela, obra citada, pág. 752. É que qualquer facto apenas se pode considerar causal na medida em que faça acrescer, de modo considerável, a possibilidade objectiva da realização do resultado ocorrido. Importa averiguar o processo causal na verificação do acidente, ou seja a conduta de cada um dos intervenientes e a influência dela na sua produção. Nos termos do art. 99/1 do C.Estrada, “ Os peões devem transitar pelos passeios, pistas ou passagens a eles destinadas ou, na sua falta, pelas bermas”. E por sua vez dispõe o art. 101/1 do C. Estrada: “Os peões não podem atravessar a faixa de rodagem sem previamente se certificarem de que, tendo em conta a distância que os separa dos veículos que nela transitam e a respectiva velocidade, o podem fazer sem perigo de acidente”. A apelante atravessou uma IC quando estava sinal verde no sentido de marcha do veículo JF. Mas, além disso, tinha uma travessia de peões regulada por semáforos a 40m do local onde atravessou a via. Numa via recta e plana, piso asfaltado e em bom estado de conservação existem duas faixas de rodagem no sentido Barreiro Lisboa e vice-versa, sendo que tem dois sentidos de trânsito. Tem algum tráfego, e tem separadores de metal a separar as duas faixas de rodagem. A vítima iniciou a travessia da faixa de rodagem da direita para a esquerda, (considerando o sentido de marcha do JF). Desconhecesse se na faixa mais à direita – ponderando o sentido de marcha do JF que a apelante atravessou circulava algum veículo. Sendo certo que havia sinais luminosos a regular o trânsito e estava verde para os veículos. Pela faixa imediatamente à esquerda, seguia o JF e a apelante surgiu na faixa de rodagem atravessando da direita para a esquerda à frente deste. É verdade que nãos e provou que tivesse feito a travessia e voltasse para trás quando foi embatida. O art. 101º do CE dispõe que: “1. Os peões não podem atravessar a faixa de rodagem sem previamente se certificarem de que tendo em conta a distância que os separa dos veículos que nelas transitem a respectiva velocidade, o podem fazer sem perigo de acidente 2.O atravessamento da faixa de rodagem deve fazer-se o mais rapidamente possível 3. Os peões só podem atravessar a faixa de rodagem nas passagens especialmente assinaladas para o efeito, ou quando nenhuma exista a uma distância inferior a 50 metros, perpendicularmente ao eixo da via 4. Os peões não devem parar na faixa de rodagem ou utilizar os passeios de modo a prejudicar ou perturbar o trânsito (…)”. No caso, a múltipla violação de tal preceito pelo A é mais do que evidente, pelas razões já atrás aduzidas e reveladoras de uma grave imprevidência sua, falta de cuidado e atenção às condições de trânsito e tardia percepção da aproximação do veículo. O condutor ao avistar a vítima dentro da faixa de ultrapassagem não esperava o seu aparecimento, tendo travado de imediato. Mas não logrou evitar o embate na A. O condutor de um veículo não é obrigado a prever ou contar com a falta de prudência dos restantes utentes da via – veículos, peões ou transeuntes – antes devendo razoavelmente partir do princípio de que todos cumprem os preceitos regulamentares do trânsito e observam os deveres de cuidado inerentes. O tripulante não tem, assim, que contar com a negligência ou inconsideração dos outros – salvo tratando-se de crianças – com condutas geralmente imprevisíveis – de deficientes ou muito idosos – com fortes limitações no seu controlo – ou animais, desacompanhados e sem trela. (“E nem o condutor do veículo é obrigado a prever ou a contar com a falta de prudência dos outros – tem antes de partir do princípio que todos cumprem os preceitos regulamentares do trânsito, pois se ele as cumpre e a todos é exigido cumpri-las, as probabilidades de acidente estão afastadas.” – Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de Abril de 1978 – BMJ 276-197; contra o que se afirmou quanto aos menores na via, o Supremo Tribunal de Justiça tem mantido a mesma doutrina, embora exigindo mais diligência aos condutores – viga. Acórdãos de 12 de Outubro de 1966 e de 5 de Junho de 1968, respectivamente in BMJ 160-173 e 178-130; como se refere no Acórdão, ainda do Supremo Tribunal de Justiça de 27 de Março de 2003 – 03B3335 – “não é de exigir a um condutor razoável ou medianamente prudente uma previsibilidade para além do que é normal, por isso que tal implicaria que acabasse por ser responsabilizado pela imprudência alheia.”) e o Ac. citado do STJ de 4-10-2007, onde se julgou que a inexperiência da condutora foi concorrente na produção do acidente. A culpa e o processo causal têm de ser analisados em si mesmos, ou seja, a culpa não pode ser mitigada a partir de considerações gerais sobre o risco inerente à circulação rodoviária. No caso em apreço, é razoável concluir que a conduta temerária da Autora originou o acidente. Com efeito, o condutor do veículo JF não violou norma estradal nem resultou provado que tenha omitido qualquer cautela que lhe seja imposta pelas normas que regulam a circulação rodoviária. Não resultou provado que circulasse em velocidade mais elevada do que a permitida por lei e, dada a existência de sinalização semafórica – estando o sinal verde para os automóveis – e de passadeira de peões imediatamente antes do cruzamento, não era previsível que surgisse, atravessando a via naquele local, um peão. Pelo exposto, não restam dúvidas de que a conduta culposa da Autora deu causa ao acidente, circunstância que afasta a possibilidade de aplicação do artigo 503º, n.º 1, do Código Civil, e a consequente responsabilização pelo risco em relação à viatura automóvel. 3. Pedido de indemnização Não se provando a culpa do condutor na produção do acidente fica prejudicado o conhecimento do pedido de indemnização. Conclusões a) Ao atravessar a faixa de rodagem impõe-se ao peão que se certifique dos veículos que nela transitam, da distância que dele os separa e da velocidade aproximada que os anima, não invadindo a faixa de rodagem, por ser previsível o aparecimento de outros veículos a ultrapassarem. b) Não é exigível aos condutores que contem com a negligência ou inconsideração de outros utentes da via, salvo tratando-se de crianças – com comportamentos geralmente imprevisíveis – deficientes ou muito idosos – com limitações no seu controlo – ou animais desacompanhados ou sem trela. c) Deve antes partir do princípio que se ele cumpre todos os preceitos reguladores do trânsito aos outros também é exigível que os cumpram. d) Na responsabilidade extra-contratual, é regra ser ao lesado que cumpre provar a culpa do lesante, com factos que normalmente a integram, a este provar factos que a excluem ou impedem a eficácia dos seus elementos constitutivos. III – Decisão: em face do exposto, julga-se improcedente a acção, mantendo-se a decisão impugnada. Custas pela apelante Lisboa, 25 de Junho de 2009 Catarina Arêlo Manso Ana Luísa Geraldes António Valente |